Acessibilidade / Reportar erro

Falta de concordância entre diferentes observadores e métodos na mensuração do tempo de reenchimento capilar em voluntários saudáveis: estudo observacional

Resumos

Objetivo:

As anomalias da perfusão periférica são manifestações importantes do choque, sendo o tempo de reenchimento capilar comumente utilizado em sua avaliação. Entretanto, a reprodutibilidade das mensurações do tempo de reenchimento capilar e sua correlação com outras variáveis da perfusão periférica não foram avaliadas de forma abrangente. Nosso objetivo foi determinar, em voluntários saudáveis, a concordância entre diferentes métodos e diferentes observadores na quantificação do tempo de reenchimento capilar, assim como sua correlação com outros marcadores da perfusão periférica.

Métodos:

Estudamos 63 voluntários saudáveis. Dois observadores mediram o tempo de reenchimento capilar por meio de dois métodos distintos: visão direta (TRCcronômetro) e vídeo-análise (TRCvídeo). Medimos também o índice de perfusão derivado de pletismografia de pulso e a temperatura da polpa digital (Tºperiférica). A concordância entre os observadores e os métodos foi avaliada utilizando o método de Bland-Altman. As correlações foram calculadas utilizando a correlação de Pearson. Valor de p<0,05 foi considerado significante.

Resultados:

Os limites de concordância de 95% entre ambos os observadores foram de 1,9 segundo para TRCcronômetro e 1,7 segundo para TRCvídeo. Os limites de concordância de 95% entre TRCcronômetro e TRCvídeo foram de 1,7 segundo para o Observador 1 e 2,3 segundos para o Observador 2. As mensurações do TRCcronômetro realizadas pelos dois observadores se correlacionaram com a Tºperiférica. As mensurações do TRCvídeo realizadas pelos dois observadores se correlacionaram com a Tºperiférica e o índice de perfusão.

Conclusão:

As mensurações do tempo de reenchimento capilar realizadas por diferentes observadores ou diferentes métodos em voluntários saudáveis mostraram baixa concordância. Apesar disso, o tempo de reenchimento capilar ainda refletiu a perfusão periférica, conforme mostrado por sua correlação com variáveis objetivas da perfusão periférica.

Choque/diagnóstico; Perfusão; Capilares/fisiologia


Objective:

Peripheral perfusion abnormalities are relevant manifestations of shock. Capillary refill time is commonly used for their evaluation. However, the reproducibility of capillary refill time measurements and their correlation with other variables of peripheral perfusion, have not been comprehensively evaluated. Our goal was to determine, in healthy volunteers, the agreement between different methods of capillary refill time quantification and different observers, as well as their correlation with other markers of peripheral perfusion.

Methods:

We studied 63 healthy volunteers. Two observers measured capillary refill time by means of two methods, direct view (CRTchronometer) and video analysis (CRTvideo). We also measured perfusion index (PI) derived from pulse plethysmography and finger pad temperature (Tºperipheral). The agreement between observers and methods was assessed using the Bland and Altman method. Correlations were calculated using Pearson's correlation. A p-value<0.05 was considered significant.

Results:

The 95% limits of agreement between the two observers were 1.9 sec for CRTchronometer and 1.7 sec for CRTvideo. The 95% limits of agreement between CRTchronometer and CRTvideo were 1.7 sec for observer 1 and 2.3 sec for observer 2. Measurements of CRTchronometer performed by the two observers were correlated with Tºperipheral. Measurements of CRTvideo performed by the two observers were correlated with Tºperipheral and perfusion index.

Conclusion:

In healthy volunteers, measurements of capillary refill time performed by either different observers or different methods showed poor agreement. Nevertheless, capillary refill time still reflected peripheral perfusion as shown by its correlation with objective variables of peripheral perfusion.

Shock/diagnosis; Perfusion; Capillaries/physiology


INTRODUÇÃO

Dentre as manifestações clínicas do choque, as alterações da perfusão periférica são um achado fundamental. Não apenas os sinais de má perfusão periférica são indicadores precoces de instabilidade hemodinâmica, como também são fortes preditores de complicações tardias e óbito.( 1Lima A, Bakker J. Noninvasive monitoring of peripheral perfusion. Intensive Care Med. 2005;31(10):1316-26. , 2Lima A, Jansen TC, van Bommel J, Ince C, Bakker J. The prognostic value of the subjective assessment of peripheral perfusion in critically ill patients. Crit Care Med. 2009;37(3):934-8. ) A perfusão periférica pode ser avaliada de diversas formas, sendo o tempo de reenchimento capilar (TRC) a mais comum.

O TRC é definido como o tempo necessário para que um leito capilar distal recupere sua cor após ter recebido pressão suficiente para causar seu clareamento. Ele pode ser medido por meio de diferentes técnicas, sendo suscetível a fatores que podem afetar profundamente seus resultados, como a temperatura ambiente, da pele e do corpo, a idade, a iluminação ambiente e a duração, quantidade e local da aplicação da pressão.( 3Pickard A, Karlen W, Ansermino JM. Capillary refill time: is it still a useful clinical sign? Anesth Analg. 2011;113(1):120-3. ) A despeito disso, essas questões são raramente consideradas pelos médicos.( 4Lobos AT, Menon K. A multidisciplinary survey on capillary refill time: Inconsistent performance and interpretation of a common clinical test. Pediatr Crit Care Med. 2008;9(4):386-91. )

Uma fonte adicional de incerteza é a dependência que essa avaliação tem do desempenho do observador. Quando o método foi aplicado em crianças saudáveis( 5Gorelick MH, Shaw KN, Baker MD. Effect of ambient temperature on capillary refill in healthy children. Pediatrics. 1993;92(5):699-702. ) e neonatos,( 6Raju NV, Maisels MJ, Kring E, Schwarz-Warner L. Capillary refill time in the hands and feet of normal newborn infants. Clin Pediatr (Phila). 1999;38(3):139-44. ) em cirurgia cardíaca,( 7Lobos AT, Lee S, Menon K. Capillary refill time and cardiac output in children undergoing cardiac catheterization. Pediatr Crit Care Med. 2012;13(2):136-40. ) e em pacientes pediátricos com choque,( 8Otieno H, Were E, Ahmed I, Charo E, Brent A, Maitland K. Are bedside features of shock reproducible between different observers? Arch Dis Child. 2004;89(10):977-9. ) foi encontrada uma acentuada variabilidade entre observadores. Apesar da relevância do TRC para a avaliação clínica da perfusão tissular, sua reprodutibilidade ainda é insuficientemente estudada em adultos. Uma baixa concordância entre observadores foi relatada em pacientes adultos admitidos a um pronto-socorro, onde o TRC foi, lamentavelmente, avaliado sem o uso de um dispositivo para mensuração do tempo.( 9Anderson B, Kelly AM, Kerr D, Jolley D. Capillary refill time in adults has poor inter-observer agreement. Hong Kong J Emerg Med. 2008;15(2):71-4. ) Uma quantificação adequada, como o uso de um cronômetro, teria produzido resultados diferentes.

O objetivo deste estudo foi avaliar a confiabilidade da mensuração do TRC em voluntários adultos saudáveis, assim como sua correlação com variáveis objetivas da perfusão periférica. Para esse fim, o TRC foi avaliado por dois observadores diferentes e utilizando dois métodos distintos. A nossa hipótese foi de que o TRC teria baixa reprodutibilidade.

MÉTODOS

Realizamos um estudo prospectivo observacional em voluntários sadios com 18 ou mais anos de idade. Nosso estudo foi aprovado pelo comitê institucional de ética. Os voluntários assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após receberem informações por escrito e orais.

Todos os pacientes foram avaliados após 10 minutos de repouso em posição sentada, em ambiente com temperatura controlada a 25º C. O TRC foi medido por meio de aplicação de pressão firme com deslizamento para a parte distal da falange distal do quarto dedo por pelo menos 5 segundos. Primeiramente, sob observação visual direta com uso de um cronômetro para medir o tempo desde a liberação da pressão até o retorno à coloração normal (TRCcronômetro). Esse procedimento foi repetido por um segundo observador, cego quanto à mensuração prévia.

O TRC também foi quantificado por meio de análise dos vídeos dessas mensurações (TRCvídeo) utilizando uma câmera digital Nikon D3100 (Nikon Corporation, Tóquio, Japão) posicionada em um tripé 20cm acima da polpa digital. Esse procedimento foi realizado por dois investigadores cegos quanto aos resultados adquiridos por meio da técnica TRCcronômetro. Para análise das imagens, foi utilizado o programa de edição de filmes iMovie 2009 (Apple Inc., versão 8.0.6), que permite a inspeção quadro a quadro (30 fps) em uma tela de computador. O TRCvídeo foi estabelecido por observação direta do vídeo em câmera lenta como o tempo decorrido entre a liberação da pressão e o quadro no qual o observador identificou a recuperação da cor basal.

Mensuramos também a frequência cardíaca, a pressão sanguínea arterial no braço esquerdo por meio de um esfigmomanômetro automático, a temperatura da polpa digital do segundo dedo por meio de um termistor cutâneo (Tºperiférica) e o índice de perfusão, derivado do sinal da oximetria de pulso. Na presença de hipoperfusão periférica, ocorre diminuição do componente pulsátil; como o componente não pulsátil permanece inalterado, ocorre diminuição da razão entre ambos.

Análise estatística

Os dados foram testados quanto à normalidade, usando o teste de Kolmogorov-Smirnov, e expressos como média±desvio padrão (DP). O limite superior da normalidade foi determinado como a média±2 DP. A concordância entre dois diferentes métodos e os observadores para a mensuração do TRC foi calculada usando o método de Bland-Altman. As correlações entre o TRC e os índices de perfusão periférica foram avaliadas com a correlação de Pearson. Considerando-se a falta de dados na literatura, não se realizou cálculo do tamanho da amostra, porém foi testada sua adequação.( 1010 McAlinden C, Khadka J, Pesudovs K. Statistical methods for conducting agreement (comparison of clinical tests) and precision (repeatability or reproducibility) studies in optometry and ophthalmology. Ophthalmic Physiol Opt. 2011;31(4):330-8. ) Foi considerado como significante um valor de p<0,05.

RESULTADOS

Utilizando a fórmula para cálculo do intervalo de confiança de 95% (IC95%=1,96√[3s2/n]), com nosso tamanho da amostra de 63 para "s" (DP para as diferenças entre os dois observadores para a mensuração do TRCcronômetro) de 0,5 segundo, nosso IC foi de 0,29-0,71 segundo, o que consideramos aceitável.( 1010 McAlinden C, Khadka J, Pesudovs K. Statistical methods for conducting agreement (comparison of clinical tests) and precision (repeatability or reproducibility) studies in optometry and ophthalmology. Ophthalmic Physiol Opt. 2011;31(4):330-8. ) Esse cálculo foi realizado para cada comparação, e os IC95% foram similares: 0,23-0,57 para o DP das diferenças entre os dois observadores para a mensuração do TRCvídeo, 0,23-0,57 para o DP das diferenças entre os dois métodos para o Observador 1, e 0,34-0,86 para o DP das diferenças entre os dois métodos para o Observador 2.

A tabela 1 mostra as características dos voluntários estudados. O TRCcronômetro foi similar para ambos os gêneros (feminino versus masculino, 1,3±0,4 versus 1,3±0,5 segundos, com p=0,92 para o Observador 1, e 1,4±0,8 versus 1,3±0,5 segundos, com p=0,45 para o Observador 2). Os resultados foram similares com o TRCvídeo (1,0±0,3 versus 1,2±0,6 segundos, com p=0,11 para o Observador 1 e 1,2±0,6 versus 1,2±0,4 segundos, com p=0,67 para o Observador 2). A idade não se correlacionou com o TRCcronômetro (R=0,11, com p=0,39 para o Observador 1, e R=0,17, com p=0,17 para o Observador 2) ou com o TRCvídeo (R=0,17, com p=0,16 para o Observador 1, e R=0,01, com p=0,96 para o Observador 2).

Tabela 1
Dados epidemiológicos e fisiológicos dos voluntários saudáveis (n=63)

Com relação à análise de Bland-Altman, o viés±precisão entre os observadores foi de 0,0±0,5 segundo para TRCcronômetro e -0,1±0,4 segundo para TRCvídeo (p=0,46) conforme Figura 1. O viés±precisão entre TRCvídeo e TRCcronômetro foi de -0,1±0,4 segundo para o Observador 1 e -0,2±0,6 segundo para o Observador 2 (p=0,15) (Figura 2).

Figura 1
Análise de Bland-Altman para a concordância entre as mensurações do tempo de reenchimento capilar realizado por dois observadores diferentes. O Painel A mostra o tempo de reenchimento capilar medido com um cronômetro durante observação direta (TRCcronômetro) e o Painel B mostra o tempo de reenchimento capilar avaliado por análise de vídeo (TRCvídeo). As linhas horizontais representam os vieses e limites de concordância de 95%.

TRC - tempo de reenchimento capilar.


Figura 2
Análise de Bland-Altman para a concordância entre as mensurações do tempo de reenchimento capilar realizado com um cronômetro durante observação direta e por análise de vídeo (TRCcronômetro e TRCvídeo, respectivamente). O Painel A mostra os dados do observador 1 e o Painel B, os dados do observador 2. As linhas horizontais representam os vieses e os limites de concordância de 95%.

TRC - tempo de reenchimento capilar.


As mensurações do TRCcronômetro e do TRCvídeo realizadas pelo Observador 1 se correlacionaram com a Tºperiférica e com o índice de perfusão, mas a correlação entre o TRCcronômetro e o índice de perfusão não alcançou significância estatística (Figura 3). Foram encontradas correlações similares com os dados do Observador 2 (Figura 4). O TRCcronômetro e o TRCvídeo também se correlacionaram com a frequência cardíaca (R=-0,27 e -0,38, respectivamente, com p<0,05, para o Observador 1, e R=-0,31 e -0,31, respectivamente, com p<0,05, para o Observador 2), porém não com a pressão arterial média (R=-0,19 e -0,06, respectivamente, com p=NS, para o Observador 1, e R=-0,20 e 0,18, respectivamente, p=NS, para o Observador 2).

Figura 3
Correlações entre as diferentes variáveis de perfusão periférica a partir dos dados obtidos pelo observador 1. Painel A: correlação entre o tempo de reenchimento capilar realizado por análise de vídeo (TRCvídeo) e temperatura da polpa do segundo dedo (Tºperiférica). Painel B: correlação entre TRCvídeo e o índice de perfusão. Painel C: correlação entre o tempo de reenchimento capilar medido com um cronômetro durante observação direta (TRCcronômetro) e a Tºperiférica. Painel D: correlação entre TRCcronômetro e índice de perfusão.

TRC - tempo de reenchimento capilar.


Figura 4
Correlações entre as diferentes variáveis de perfusão periférica a partir dos dados obtidos pelo observador 2. Painel A: correlação entre o tempo de reenchimento capilar realizado por análise de vídeo (TRCvídeo) e temperatura da polpa do segundo dedo (Tºperiférica). Painel B: correlação entre TRCvídeo e o índice de perfusão. Painel C: correlação entre o tempo de reenchimento capilar medido com um cronômetro durante observação direta (TRCcronômetro) e a Tºperiférica. Painel D: correlação entre TRCcronômetro e índice de perfusão.

TRC - tempo de reenchimento capilar.


DISCUSSÃO

O principal achado deste estudo foi a falta de reprodutibilidade do TRC. As mensurações realizadas por diferentes observadores e diferentes métodos mostraram baixa concordância. Apesar dessas limitações, o TRC ainda refletiu a perfusão periférica, conforme mostrado por sua correlação com variáveis objetivas, como Tºperiférica e índice de perfusão.

A mensuração do TRC é uma forma comum de avaliar a perfusão periférica. Foi descrita primeiramente em 1947 como uma forma de graduar a gravidade do choque.( 1111 Beecher HK, Simeone FA, Burnett CH, Shapiro SL, Sullivan ER, Mallory TB. The internal state of the severely wounded man on entry to the most forward hospital. Surgery. 1947;22(4):672-711. ) A partir de então, foi incluída no escore do trauma, utilizando uma definição arbitrária de 2 segundos como o limite superior da normalidade.( 1212 Champion HR, Sacco WJ, Carnazzo AJ, Copes W, Fouty WJ. Trauma score. Crit Care Med. 1981;9(9):672-6. ) Esse ponto de corte foi confirmado por estudos observacionais,( 1313 Schriger DL, Baraff L. Defining normal capillary refill: variation with age, sex, and temperature. Ann Emerg Med. 1988;17(9):932-5. ) mas com preocupações com relação à sua sensibilidade e à sua especificidade.( 1414 Baraff LJ. Capillary refill: is it a useful clinical sign? Pediatrics. 1993;92(5):723-4. , 1515 Schriger DL, Baraff LJ. Capillary refill--is it a useful predictor of hypovolemic states? Ann Emerg Med. 1991;20(6):601-5. ) O TRC foi, então, eliminado da avaliação do trauma.( 1616 Champion HR, Sacco WJ, Copes WS, Gann DS, Gennarelli TA, Flanagan ME. A revision of the Trauma Score. J Trauma. 1989;29(5):623-9. ) Em uma tentativa de aumentar a especificidade, outras diretrizes definiram o TRC como 3 segundos,( 1717 Gove S, Tamburlini G, Molyneux E, Whitesell P, Campbell H. Development and technical basis of simplified guidelines for emergency triage assessment and treatment in developing countries. WHO Integrated Management of Childhood Illness (IMCI) Referral Care Project. Arch Dis Child. 1999;81(6):473-7. ) enquanto estudos em pacientes gravemente enfermos utilizaram limites de tempo ainda maiores.( 2Lima A, Jansen TC, van Bommel J, Ince C, Bakker J. The prognostic value of the subjective assessment of peripheral perfusion in critically ill patients. Crit Care Med. 2009;37(3):934-8. , 1818 Hernandez G, Pedreros C, Veas E, Bruhn A, Romero C, Rovegno M, et al. Evolution of peripheral vs metabolic perfusion parameters during septic shock resuscitation. A clinical-physiologic study. J Crit Care. 2012;27(3):283-8. ) Nossos resultados concordam com estudos que identificam o limite superior do TRC como cerca de 2 segundos. Independentemente do observador e da técnica utilizada para a mensuração, o limite superior da normalidade, calculado a partir de nossos resultados, ficou em uma estreita faixa de 2,0 a 2,7 segundos. Diferentemente de relatos prévios,( 1212 Champion HR, Sacco WJ, Carnazzo AJ, Copes W, Fouty WJ. Trauma score. Crit Care Med. 1981;9(9):672-6. , 1919 Anderson B, Kelly AM, Kerr D, Clooney M, Jolley D. Impact of patient and environmental factors on capillary refill time in adults. Am J Emerg Med. 2008;26(1):62-5. ) não encontramos diferenças relacionadas ao gênero ou à idade. Uma explicação para esse achado é que estudamos um grupo de pessoas relativamente jovens, com todos os voluntários abaixo dos 65 anos de idade.

A baixa reprodutibilidade entre observadores na medida do TRC foi relatada previamente em alguns grupos de crianças.( 5Gorelick MH, Shaw KN, Baker MD. Effect of ambient temperature on capillary refill in healthy children. Pediatrics. 1993;92(5):699-702.

Raju NV, Maisels MJ, Kring E, Schwarz-Warner L. Capillary refill time in the hands and feet of normal newborn infants. Clin Pediatr (Phila). 1999;38(3):139-44.

Lobos AT, Lee S, Menon K. Capillary refill time and cardiac output in children undergoing cardiac catheterization. Pediatr Crit Care Med. 2012;13(2):136-40.
- 8Otieno H, Were E, Ahmed I, Charo E, Brent A, Maitland K. Are bedside features of shock reproducible between different observers? Arch Dis Child. 2004;89(10):977-9. ) Semelhantemente, em um estudo realizado em seis adultos, enfermeiros tiveram uma moderada concordância na determinação do TRC.( 2020 Brabrand M, Husbond S, Folkestad L. Capillary refill time: a study of interobserver reliability among nurses and nurse assistants. Eur J Emerg Med. 2011;18(1):46-9. ) Estudo realizado em 207 adultos clinicamente estáveis mostrou ausência de concordância em medidas pareadas do TRC.( 9Anderson B, Kelly AM, Kerr D, Jolley D. Capillary refill time in adults has poor inter-observer agreement. Hong Kong J Emerg Med. 2008;15(2):71-4. ) Este último resultado, contudo, é difícil de generalizar, pois o TRC foi realizado sem o uso de um cronômetro, de forma que a metodologia utilizada poderia explicar a variabilidade nas mensurações.

Nossos resultados, obtidos com uma metodologia melhorada, também mostraram baixa concordância entre observadores. Embora ainda amplos, os limites de concordância de 95% entre observadores no TRCcronômetro foram mais baixos do que os previamente descritos (1,9 versus 3,6 segundos), o que poderia ser atribuído a nossa melhor padronização da técnica. Outra explanação é que só incluímos voluntários saudáveis, que tinham valores mais baixos de TRC do que pacientes admitidos a um pronto-socorro, com alterações previstas em sua perfusão periférica. Consequentemente, os valores mais baixos e estreitos podem ter resultados de uma melhor precisão (DP das diferenças pareadas).

Este não é apenas o primeiro relato de concordância entre observadores para TRCcronômetro em voluntários saudáveis, mas também para TRCvídeo. De forma imprevista, também encontramos uma similar variabilidade entre observadores na análise do vídeo, mais provavelmente relacionada às dificuldades do olho humano para avaliar modificações da cor, mesmo durante um exame quadro a quadro na tela de um computador. Essas desvantagens podem, quiçá, ser superadas pelo uso de métodos automatizados.( 2121 Shavit I, Brant R, Nijssen-Jordan C, Galbraith R, Johnson DW. A novel imaging technique to measure capillary-refill time: improving diagnostic accuracy for dehydration in young children with gastroenteritis. Pediatrics. 2006;118(6):2402-8. )

Em linha com a variabilidade entre observadores, a concordância entre as mensurações TRCcronômetro e TRCvídeo realizadas pelo mesmo observador também foi ruim. Apesar da elevada variabilidade na determinação do TRC por diferentes observadores ou métodos, ocorreram correlações significantes porém fracas com outros marcadores da perfusão cutânea. Esses achados enfatizam que o TRC deve ser uma abordagem apropriada para avaliação da perfusão tissular. Além do mais, foi demonstrado por estudos clínicos que o TRC pode ser uma útil ferramenta prognóstica.( 2Lima A, Jansen TC, van Bommel J, Ince C, Bakker J. The prognostic value of the subjective assessment of peripheral perfusion in critically ill patients. Crit Care Med. 2009;37(3):934-8. , 2222 Mrgan M, Rytter D, Brabrand M. Capillary refill time is a predictor of short-term mortality for adult patients admitted to a medical department: an observational cohort study. Emerg Med J. 2013 Sep 17. [Epub ahead of print}. )

A correlação entre diferentes variáveis da perfusão periférica foi relatada previamente. Em pacientes gravemente enfermos, a perfusão periférica anormal (definida como pele fria às mãos do examinador, ou um TRC>4,5 segundos) se associou com aumento dos gradientes térmicos e com a diminuição do índice de perfusão.( 2Lima A, Jansen TC, van Bommel J, Ince C, Bakker J. The prognostic value of the subjective assessment of peripheral perfusion in critically ill patients. Crit Care Med. 2009;37(3):934-8. ) Em pacientes pediátricos gravemente enfermos, a TRC se relacionou com diferença da temperatura central-periférica,( 2323 Tibby SM, Hatherill M, Murdoch IA. Capillary refill and core-peripheral temperature gap as indicators of haemodynamic status in paediatric intensive care patients. Arch Dis Child. 1999;80(2):163-6. ) também relatada em pacientes de cirurgia cardíaca.( 2424 Bailey JM, Levy JH, Kopel MA, Tobia V, Grabenkort WR. Relationship between clinical evaluation of peripheral perfusion and global hemodynamics in adults after cardiac surgery. Crit Care Med. 1990;18(12):1353-6. ) Em voluntários saudáveis com perfusão periférica normal, pode ser mais difícil encontrar correlações entre marcadores da perfusão, em razão das sutis alterações que ocorrem na faixa normal. Apesar disso, mostramos correlações do TRC com Tºperiférica e índice de perfusão. As correlações mais fracas foram observadas com o índice de perfusão, possivelmente explicado pelas amplas variações de seus valores. Uma ampla variabilidade do índice de perfusão em voluntários saudáveis já foi relatada,( 2525 Lima AP, Beelen P, Bakker J. Use of a peripheral perfusion index derived from the pulse oximetry signal as a noninvasive indicator of perfusion. Crit Care Med. 2002;30(6):1210-3. ) embora nossos resultados tenham mostrado valores médios e dispersão ainda maiores (4,4±2,7 versus 2,2±2,0). A razão para essa discrepância não é evidente, mas pode estar relacionada à suscetibilidade do índice de perfusão a artefatos do movimento.

Existem relatos controvertidos a respeito do relacionamento da hemodinâmica sistêmica com a perfusão periférica. No primeiro dia após cirurgia cardíaca e no choque cardiogênico, a temperatura dos artelhos e o débito cardíaco foram fortemente correlacionados.( 2424 Bailey JM, Levy JH, Kopel MA, Tobia V, Grabenkort WR. Relationship between clinical evaluation of peripheral perfusion and global hemodynamics in adults after cardiac surgery. Crit Care Med. 1990;18(12):1353-6. , 2626 Vincent JL, Moraine JJ, van der Linden P. Toe temperature versus transcutaneous oxygen tension monitoring during acute circulatory failure. Intensive Care Med. 1988;14(1):64-8. ) Contudo, no choque séptico, a perfusão cutânea não se correlacionou com o débito cardíaco,( 2525 Lima AP, Beelen P, Bakker J. Use of a peripheral perfusion index derived from the pulse oximetry signal as a noninvasive indicator of perfusion. Crit Care Med. 2002;30(6):1210-3. , 2626 Vincent JL, Moraine JJ, van der Linden P. Toe temperature versus transcutaneous oxygen tension monitoring during acute circulatory failure. Intensive Care Med. 1988;14(1):64-8. ) muito provavelmente porque a microcirculação na sepse pode comportar-se como um compartimento independente do sistema cardiovascular.( 2727 Edul VS, Enrico C, Laviolle B, Vazquez AR, Ince C, Dubin A. Quantitative assessment of the microcirculation in healthy volunteers and in patients with septic shock. Crit Care Med. 2012; 40(5):1443-8. ) Em nossos voluntários saudáveis, o TRCcronômetro e o TRCvídeo se correlacionaram com a frequência cardíaca, mas não com a pressão arterial. Esses resultados são previstos, pois, em sujeitos normais, o débito cardíaco e a perfusão tissular dependem da frequência cardíaca e são independentes da pressão arterial.( 2828 Charkoudian N, Joyner MJ, Johnson CP, Eisenach JH, Dietz NM, Wallin BG. Balance between cardiac output and sympathetic nerve activity in resting humans: role in arterial pressure regulation. J Physiol. 2005;568(Pt 1):315-21. ) Em contraste com esses achados sobre a perfusão cutânea, um estudo mostrou que o fluxo sanguíneo sublingual é afetado por alterações na pressão arterial.( 2929 Kanoore Edul VS, Ince C, Ferrara G, Arzani Y, Salvatori C, Dubin A. Characterization of sublingual microcirculation in healthy volunteers and subjects with cardiovascular risk factors [ abstract]. Intensive Care Med. 2013;39(Suppl 2):P484. )

Nosso estudo tem limitações. Primeiramente, só estudamos uma pequena amostra de sujeitos normais, sem valores extremos, o que pode ser necessário para avaliação da concordância entre dois métodos. Uma amostra de tamanho maior, com a inclusão de pacientes gravemente enfermos, poderia proporcionar resultados diferentes. Apesar dessas limitações, a caracterização da variabilidade do TRC em voluntários saudáveis é um passo necessário no desenvolvimento do conhecimento sobre a variável fisiológica utilizada para monitorar pacientes gravemente enfermos. Em segundo lugar, os voluntários só foram estudados em repouso. A avaliação da resposta dinâmica do TRC e de outros indicadores da perfusão periférica às alterações cardiovascular pode ser relevante. Em terceiro lugar, a variabilidade de um mesmo observador não foi avaliada.

CONCLUSÃO

Em voluntário saudáveis, as mensurações pareadas do tempo de reenchimento capilar realizadas por diferentes observadores e métodos mostraram amplos limites de concordância de 95%. A baixa reprodutibilidade pode ser considerada não apenas na avaliação da perfusão tissular no paciente individual, mas também em estudos clínicos. Contudo, a fraca correlação das diferentes mensurações do tempo de reenchimento capilar com variáveis objetivas sugere que o tempo de reenchimento capilar permanece um válido indicador da perfusão periférica. São necessários mais estudos para avaliar a confiabilidade das mensurações do tempo de reenchimento capilar em pacientes gravemente enfermos.

  • Editor responsável: Luciano Cesar Pontes Azevedo

REFERÊNCIAS

  • 1
    Lima A, Bakker J. Noninvasive monitoring of peripheral perfusion. Intensive Care Med. 2005;31(10):1316-26.
  • 2
    Lima A, Jansen TC, van Bommel J, Ince C, Bakker J. The prognostic value of the subjective assessment of peripheral perfusion in critically ill patients. Crit Care Med. 2009;37(3):934-8.
  • 3
    Pickard A, Karlen W, Ansermino JM. Capillary refill time: is it still a useful clinical sign? Anesth Analg. 2011;113(1):120-3.
  • 4
    Lobos AT, Menon K. A multidisciplinary survey on capillary refill time: Inconsistent performance and interpretation of a common clinical test. Pediatr Crit Care Med. 2008;9(4):386-91.
  • 5
    Gorelick MH, Shaw KN, Baker MD. Effect of ambient temperature on capillary refill in healthy children. Pediatrics. 1993;92(5):699-702.
  • 6
    Raju NV, Maisels MJ, Kring E, Schwarz-Warner L. Capillary refill time in the hands and feet of normal newborn infants. Clin Pediatr (Phila). 1999;38(3):139-44.
  • 7
    Lobos AT, Lee S, Menon K. Capillary refill time and cardiac output in children undergoing cardiac catheterization. Pediatr Crit Care Med. 2012;13(2):136-40.
  • 8
    Otieno H, Were E, Ahmed I, Charo E, Brent A, Maitland K. Are bedside features of shock reproducible between different observers? Arch Dis Child. 2004;89(10):977-9.
  • 9
    Anderson B, Kelly AM, Kerr D, Jolley D. Capillary refill time in adults has poor inter-observer agreement. Hong Kong J Emerg Med. 2008;15(2):71-4.
  • 10
    McAlinden C, Khadka J, Pesudovs K. Statistical methods for conducting agreement (comparison of clinical tests) and precision (repeatability or reproducibility) studies in optometry and ophthalmology. Ophthalmic Physiol Opt. 2011;31(4):330-8.
  • 11
    Beecher HK, Simeone FA, Burnett CH, Shapiro SL, Sullivan ER, Mallory TB. The internal state of the severely wounded man on entry to the most forward hospital. Surgery. 1947;22(4):672-711.
  • 12
    Champion HR, Sacco WJ, Carnazzo AJ, Copes W, Fouty WJ. Trauma score. Crit Care Med. 1981;9(9):672-6.
  • 13
    Schriger DL, Baraff L. Defining normal capillary refill: variation with age, sex, and temperature. Ann Emerg Med. 1988;17(9):932-5.
  • 14
    Baraff LJ. Capillary refill: is it a useful clinical sign? Pediatrics. 1993;92(5):723-4.
  • 15
    Schriger DL, Baraff LJ. Capillary refill--is it a useful predictor of hypovolemic states? Ann Emerg Med. 1991;20(6):601-5.
  • 16
    Champion HR, Sacco WJ, Copes WS, Gann DS, Gennarelli TA, Flanagan ME. A revision of the Trauma Score. J Trauma. 1989;29(5):623-9.
  • 17
    Gove S, Tamburlini G, Molyneux E, Whitesell P, Campbell H. Development and technical basis of simplified guidelines for emergency triage assessment and treatment in developing countries. WHO Integrated Management of Childhood Illness (IMCI) Referral Care Project. Arch Dis Child. 1999;81(6):473-7.
  • 18
    Hernandez G, Pedreros C, Veas E, Bruhn A, Romero C, Rovegno M, et al. Evolution of peripheral vs metabolic perfusion parameters during septic shock resuscitation. A clinical-physiologic study. J Crit Care. 2012;27(3):283-8.
  • 19
    Anderson B, Kelly AM, Kerr D, Clooney M, Jolley D. Impact of patient and environmental factors on capillary refill time in adults. Am J Emerg Med. 2008;26(1):62-5.
  • 20
    Brabrand M, Husbond S, Folkestad L. Capillary refill time: a study of interobserver reliability among nurses and nurse assistants. Eur J Emerg Med. 2011;18(1):46-9.
  • 21
    Shavit I, Brant R, Nijssen-Jordan C, Galbraith R, Johnson DW. A novel imaging technique to measure capillary-refill time: improving diagnostic accuracy for dehydration in young children with gastroenteritis. Pediatrics. 2006;118(6):2402-8.
  • 22
    Mrgan M, Rytter D, Brabrand M. Capillary refill time is a predictor of short-term mortality for adult patients admitted to a medical department: an observational cohort study. Emerg Med J. 2013 Sep 17. [Epub ahead of print}.
  • 23
    Tibby SM, Hatherill M, Murdoch IA. Capillary refill and core-peripheral temperature gap as indicators of haemodynamic status in paediatric intensive care patients. Arch Dis Child. 1999;80(2):163-6.
  • 24
    Bailey JM, Levy JH, Kopel MA, Tobia V, Grabenkort WR. Relationship between clinical evaluation of peripheral perfusion and global hemodynamics in adults after cardiac surgery. Crit Care Med. 1990;18(12):1353-6.
  • 25
    Lima AP, Beelen P, Bakker J. Use of a peripheral perfusion index derived from the pulse oximetry signal as a noninvasive indicator of perfusion. Crit Care Med. 2002;30(6):1210-3.
  • 26
    Vincent JL, Moraine JJ, van der Linden P. Toe temperature versus transcutaneous oxygen tension monitoring during acute circulatory failure. Intensive Care Med. 1988;14(1):64-8.
  • 27
    Edul VS, Enrico C, Laviolle B, Vazquez AR, Ince C, Dubin A. Quantitative assessment of the microcirculation in healthy volunteers and in patients with septic shock. Crit Care Med. 2012; 40(5):1443-8.
  • 28
    Charkoudian N, Joyner MJ, Johnson CP, Eisenach JH, Dietz NM, Wallin BG. Balance between cardiac output and sympathetic nerve activity in resting humans: role in arterial pressure regulation. J Physiol. 2005;568(Pt 1):315-21.
  • 29
    Kanoore Edul VS, Ince C, Ferrara G, Arzani Y, Salvatori C, Dubin A. Characterization of sublingual microcirculation in healthy volunteers and subjects with cardiovascular risk factors [ abstract]. Intensive Care Med. 2013;39(Suppl 2):P484.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2014
  • Aceito
    19 Jul 2014
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br