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Miocardite fulminante associada ao vírus influenza H1N1: relato de caso e revisão de literatura

Resumos

Caso de miocardite fulminante associada ao vírus influenza H1N1, em que foi descrita a evolução clínica do paciente e enfatizada a importância do ecocardiograma à beira do leito como auxílio no diagnóstico precoce e manejo de crianças com disfunção miocárdica grave, além de terem sido discutidos aspectos relevantes relacionados à terapêutica e ao prognóstico da miocardite fulminante. Trata-se de paciente do sexo feminino, 4 anos e 8 meses, previamente hígida, com história de quadro gripal há 2 semanas. Admitida no pronto-socorro com sinais de instabilidade hemodinâmica, necessitando de suporte ventilatório e drogas vasoativas. Exames laboratoriais, radiografia de tórax e ecocardiograma sugestivos de miocardite. Pesquisa positiva para H1N1 em secreção de nasofaringe. Evoluiu com choque cardiogênico refratário a despeito das medidas clínicas, indo a óbito em 48 horas após admissão na unidade de terapia intensiva. O vírus influenza H1N1 é agente etiológico associado a quadros de miocardite aguda, porém poucos são os casos relatados de miocardite fulminante pelo vírus H1N1. A identificação de sinais e sintomas sugestivos de evolução fulminante deve ser imediata e o ecocardiograma à beira do leito é uma ferramenta útil para detecção precoce de disfunção miocárdica e orientação terapêutica. O uso de terapia imunossupressora, em casos de miocardite fulminante de etiologia viral, é controverso, bem como o de terapia antiviral, de tal forma que o tratamento baseia-se em suporte hemodinâmico e ventilatório. O uso de suporte hemodinâmico, por meio de oxigenação por membrana extracorpórea, aparece como terapia promissora.

Miocardite; Influenza humana; Ecocardiografia; Criança; Relatos de casos


A case of fulminant myocarditis associated with the H1N1 influenza virus. This case report describes the patient's clinical course and emphasizes the importance of bedside echocardiography as an aid in the early diagnosis and management of children with severe myocardial dysfunction. It also discusses aspects relevant to the treatment and prognosis of fulminant myocarditis. The patient was a female, 4 years and 8 months old, previously healthy and with a history of flu symptoms in the past two weeks. The patient was admitted to the emergency room with signs of hemodynamic instability, requiring ventilatory support and vasoactive drugs. The laboratory tests, chest X-ray and echocardiogram suggested the presence of myocarditis. The test for H1N1 in nasopharyngeal secretions was positive. The patient evolved to refractory cardiogenic shock despite the clinical measures applied and died 48 hours after admission to the intensive care unit. The H1N1 influenza virus is an etiological agent associated with acute myocarditis, but there are few reported cases of fulminant myocarditis caused by the H1N1 virus. The identification of signs and symptoms suggestive of fulminant progression should be immediate, and bedside echocardiography is a useful tool for the early detection of myocardial dysfunction and for therapeutic guidance. The use of immunosuppressive therapy and antiviral therapy in acute myocarditis of viral etiology is controversial; hence, the treatment is based on hemodynamic and ventilatory support. The use of hemodynamic support by extracorporeal membrane oxygenation emerges as a promising treatment.

Myocarditis; Influenza, human; Echocardiography; Child; Case reports


INTRODUÇÃO

A miocardite aguda possui amplo espectro de apresentações clínicas e sua forma, definida como miocardite aguda fulminante, apresenta-se com sintomas cardíacos de início abrupto, que tipicamente se manifestam após sintomas gripais inespecíficos e que rapidamente evoluem para severa deterioração hemodinâmica, com grave insuficiência cardíaca, choque cardiogênico e arritmias potencialmente fatais. Na faixa etária pediátrica, a miocardite fulminante corresponde a 30 a 40% dos casos de miocardite com mortalidade de até 48%, como relatado em recente publicação de Saji et al.( 1Saji T, Matsuura H, Hasegawa K, Nishikawa T, Yamamoto E, Ohki H, et al. Comparison of the clinical presentation, treatment, and outcome of fulminant and acute myocarditis in children. Circ J. 2012;76(5):1222-8. ) A prevalência de acometimento miocárdico em infecções pelo vírus influenza varia de 0 a 11%, a depender dos critérios utilizados para definir miocardite.( 2Mamas MA, Fraser D, Neyses L. Cardiovascular manifestations associated with influenza virus infection. Int J Cardiol. 2008;130(3):304-9. ) O vírus influenza A subtipo H1N1, responsável pela pandemia de 2009 e que desde então foi foco de atenção da Organização Mundial da Saúde,( 3Fineberg HV. Pandemic preparedness and response-lessons from the H1N1 influenza of 2009. N Engl J Med. 2014;370(14):1335-42. ) tem seu papel na patogênese de casos de miocardite aguda estabelecido,( 4Bratincsák A, El-Said HG, Bradley JS, Shayan K, Grossfeld PD, Cannavino CR. Fulminant myocarditis associated with pandemic H1N1 influenza A virus in children. J Am Coll Cardiol. 2010;55(9):928-9. ) porém poucos são os casos de miocardite fulminante por H1N1 relatados na literatura, especialmente em crianças.( 2Mamas MA, Fraser D, Neyses L. Cardiovascular manifestations associated with influenza virus infection. Int J Cardiol. 2008;130(3):304-9. )

Relatamos um caso de miocardite fulminante associada ao vírus influenza H1N1 com objetivo de ressaltar a importância desse vírus como agente etiológico, descrever a evolução clínica, enfatizar a importância do ecocardiograma à beira do leito e discutir aspectos relevantes relacionados à terapêutica e ao prognóstico da miocardite fulminante.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 4 anos e 8 meses, previamente hígida e eutrófica, sem vacinação prévia para vírus influenza. História de tosse e rinorreia há 2 semanas, com febre não aferida. Há 2 dias apresentava dor abdominal, vômitos e queda do estado geral.

Admitida no pronto-socorro em mau estado geral, desidratada grave, normotensa, gemente, taquidispneica e taquicárdica (Tabela 1). Recebeu ressuscitação volêmica com 70mL/kg de cristaloide, oxigenioterapia e antibioticoterapia empírica (ceftriaxona 100mg/kg/dia), por hipótese diagnóstica inicial de choque séptico. Exames laboratoriais evidenciaram anemia, acidose metabólica e elevação da concentração da proteína C-reativa (Tabela 2). Ainda no pronto-socorro, evoluiu com piora da taquidispneia, hipotensão, gemência, além de hepatomegalia, anasarca e presença de sopro cardíaco. Eletrocardiograma evidenciou taquicardia sinusal (155 batimentos por minuto) e radiografia de tórax demonstrou aumento da área cardíaca, discreto derrame pleural à direita e infiltrado pulmonar difuso, sugestivo de congestão alveolar (Figura 1). Nesse momento, houve hipótese diagnóstica de insuficiência cardíaca congestiva secundária à miocardite ou cardiomiopatia associada à sepse. Pela piora hemodinâmica e sinais de congestão pulmonar, após 12 horas da admissão no pronto-socorro, foram iniciadas terapias diurética e inotrópica (milrinona), com alguma melhora dos parâmetros hemodinâmicos (Tabela 2).

Tabela 1
Resultados de exames ao longo da evolução clínica
Tabela 2
Drogas vasoativas, parâmetros ventilatórios e hemodinâmicos
Figura 1
(A) Radiografia de tórax da admissão hospitalar evidenciando infiltrado alveolar bilateral. (B) Radiografia de tórax após admissão na unidade de terapia intensiva com piora do infiltrado alveolar e presença de dispositivos invasivos (cânula orotraqueal e cateter venoso central).

Após 24 horas de admissão no pronto-socorro, a paciente foi transferida para a unidade de terapia intensiva (UTI), onde apresentou piora progressiva do padrão respiratório, sem melhora com ventilação não invasiva e necessitando de intubação orotraqueal (6 horas após admissão na UTI). Foi passado cateter venoso central em veia jugular interna direita (pressão venosa central de 27mmHg) e foram intensificadas as terapias inotrópica e diurética, sem resposta clínica satisfatória (Tabela 1). Foi realizado ecocardiograma, pelo intensivista (confirmado pelo ecocardiografista), com os seguintes achados: fração de ejeção de 27% (valor de referência - VR: >60%), índice cardíaco de 2,1L/min/m2 (VR: 3,3 e 6,0L/min/m2) e diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo de 50mm (VR: <20mm), com presença de hipocinesia difusa de ventrículo esquerdo e insuficiência moderada das válvulas tricúspide e mitral (Figura 2). Foram associadas infusão de dobutamina, para tratamento da disfunção cardíaca grave, e noradrenalina, pela hipotensão, tendo sido ampliado o esquema de antibiótico, com associação de claritromicina e oxacilina. Foram coletados exames para identificação do agente etiológico (pesquisa para adenovírus, sorologia para enterovírus, micoplasma e pesquisa de H1N1 em secreção de nasofaringe por meio de reação de cadeia de polimerase). Os exames laboratoriais evidenciaram elevação de marcadores de necrose miocárdica e marcador inflamatório (Tabela 1). As culturas se mantiveram todas negativas e a proteína C-reativa (PCR) para H1N1 foi positiva. A despeito do tratamento clínico instituído, a paciente não apresentou melhora do perfil hemodinâmico, mantendo-se em choque refratário e sendo introduzida adrenalina e as demais drogas vasoativas aumentadas, sem melhora clínica. Após 48 horas admissão na UTI, a paciente evoluiu ao óbito.

Figura 2
(A) Medida da fração de ejeção pelo modo M; (B) medida do índice cardíaco; (C) Imagem apical 4 câmaras evidenciando importante dilatação de ventrículo esquerdo; (D) presença de importante insuficiência tricúspide pelo color Doppler.

DIVED - diâmetro diastólico de ventrículo esquerdo; DIVEs - diâmetro sistólico de ventrículo esquerdo; VTI - velocidade integral tempo; VD - ventrículo direito; VE - ventrículo esquerdo; AD - átrio direito; AE - átrio esquerdo; IT - insuficiência tricúspide.


A análise anatomopatológica macroscópica evidenciou ascite de pequena monta, e espessamento da válvula mitral com deposição de exsudato amarelado em folhetos valvares e endocárdio, além de sinais de congestão pulmonar e dilatação das câmaras cardíacas esquerdas (Figura 3). À microscopia, o endocárdio apresentava-se com áreas de necrose associadas ao tampão fibrino-leucocitário, e havia infiltrado inflamatório linfocitário em miocárdio, com degeneração de alguns miócitos (Figura 4). O parênquima pulmonar possuía sinais de congestão, com alvéolos preenchidos por conteúdo hialino membranáceo (membrana hialina) e extravasamento de hemácias (Figura 4). Parênquima hepático apresentou-se congesto, com áreas de isquemia na região da veia centrolobular.

Figura 3
Macroscopia do ventrículo esquerdo. (A) Espessamento da valva mitral. (B) Deposição de material amarelado em endocárdio.
Figura 4
(A) Infiltrado inflamatório linfocitário em miocárdio com degeneração de alguns miócitos; (B) Septo interalveolar com sinais de congestão; (C) Alvéolos preenchidos por conteúdo hialino membranáceo.

DISCUSSÃO

O quadro clínico de miocardite fulminante de etiologia viral caracteriza-se pela presença de sintomas inespecíficos sugestivos de infecção viral, tais como: febre, tosse, coriza, náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia, acompanhados de dispneia, arritmia, síncope, insuficiência cardíaca e choque cardiogênico. Ao exame físico cardiológico, podem estar presentes taquicardia, primeira bulha abafada e galope de terceira e quarta bulhas. Pacientes com quadro fulminante, comparados àqueles com miocardite aguda não fulminante, possuem frequência cardíaca mais elevada, pressão arterial mais baixa, maior elevação de marcadores de necrose miocárdica e PCR, dados que corroboram a maior gravidade e o pior desfecho clínico desses pacientes.( 1Saji T, Matsuura H, Hasegawa K, Nishikawa T, Yamamoto E, Ohki H, et al. Comparison of the clinical presentation, treatment, and outcome of fulminant and acute myocarditis in children. Circ J. 2012;76(5):1222-8. ) O diagnóstico de miocardite viral fulminante é baseado nos dados clínicos e laboratoriais, como descrito anteriormente, eletrocardiograma e exames de imagem (ecocardiograma, cintilografia e ressonância miocárdica), além de biópsia endomiocárdica para análise histopatológica.( 1Saji T, Matsuura H, Hasegawa K, Nishikawa T, Yamamoto E, Ohki H, et al. Comparison of the clinical presentation, treatment, and outcome of fulminant and acute myocarditis in children. Circ J. 2012;76(5):1222-8. , 5Feldman AM, McNamara D. Myocarditis. N Engl J Med. 2000;343(19):1388-98. , 6Levi D, Alejos J. Diagnosis and treatment of pediatric viral myocarditis. Curr Opin Cardiol. 2001;16(2):77-83. Review. ) A paciente em questão apresentou história clínica, exame físico, exames laboratoriais (expressiva elevação da PCR e dos marcadores de necrose miocárdica) e alterações ecocardiográficas compatíveis com quadro de miocardite fulminante. O quadro foi precedido de sintomas gripais, o que direcionou a investigação etiológica para coleta de pesquisas virais, com posterior confirmação da presença de influenza H1N1 em secreção de nasofaringe.

O ecocardiograma é ferramenta importante no diagnóstico de disfunção miocárdica, capaz de excluir outras causas de insuficiência cardíaca, como secundárias a cardiopatias congênitas, doenças valvares ou pericárdicas, e ainda auxilia na identificação do curso fulminante do processo. Os achados clássicos incluem hipocinesia global, com ou sem efusão pericárdica, grau variável de dilatação miocárdica e regurgitação atrioventricular.( 7Felker GM, Boehmer JP, Hruban RH, Hutchins GM, Kasper EK, Baughman KL, et al. Echocardiographic findings in fulminant and acute myocarditis. J Am Coll Cardiol. 2000;36(1):227-32. ) No presente relato, a paciente apresentou disfunção sistólica grave de ventrículo esquerdo, e a avaliação ecocardiográfica inicial foi realizada pelo intensivista pediátrico, o que antecipou a detecção da disfunção miocárdica e orientou, de forma precoce, a terapêutica quanto à ressuscitação fluídica e ao manejo de drogas vasoativas. Outros trabalhos na literatura também pontuam a vantagem de médicos de setores de emergência serem capacitados para realização do exame de ecocardiograma voltado para avaliação de função sistólica ventricular e volemia.( 8Longjohn M, Wan J, Joshi V, Pershad J. Point-of-care echocardiography by pediatric emergency physicians. Pediatr Emerg Care. 2011;27(8):693-6. )

O exame histológico do miocárdio, ainda que considerado padrão-ouro por alguns especialistas, apresenta riscos relacionados ao procedimento, o que pode torná-lo proibitivo em pacientes gravemente doentes, além de possuir utilidade limitada, devido a erros de amostragem, variações de interpretação e sensibilidade para detecção de genomas virais ainda não definida.( 9Baughman KL. Diagnosis of myocarditis: death of Dallas criteria. Circulation. 2006;113(4):593-5. ) Análise imuno-histoquímica para marcadores específicos, como linfócitos T CD3, macrófagos e antígenos leucocitários, pode ser adicionalmente útil ao diagnóstico, assim como a angiografia coronariana e a ressonância magnética.( 6Levi D, Alejos J. Diagnosis and treatment of pediatric viral myocarditis. Curr Opin Cardiol. 2001;16(2):77-83. Review. , 9Baughman KL. Diagnosis of myocarditis: death of Dallas criteria. Circulation. 2006;113(4):593-5. , 1010 Friedrich MG, Sechtem U, Schulz-Menger J, Holmvang G, Alakija P, Cooper LT, White JA, Abdel-Aty H, Gutberlet M, Prasad S, Aletras A, Laissy JP, Paterson I, Filipchuk NG, Kumar A, Pauschinger M, Liu P; International Consensus Group on Cardiovascular Magnetic Resonance in Myocarditis. International Consensus Group on Cardiovascular magnetic resonance in myocarditis: A JACC White Paper. J Am Coll Cardiol. 2009;53(17):1475-87. ) A paciente não realizou biópsia endomiocárdica, ressonância e nem cintilografia miocárdicas, devido à instabilidade hemodinâmica. O exame anatomopatológico realizado post mortem evidenciou deposição de exsudato amarelado em folhetos valvares, associada a áreas de necrose em endocárdio com infiltrado inflamatório e degeneração de miócitos, o que reforça a hipótese de choque cardiogênico por miocardite fulminante.

Em relação ao tratamento de miocardite aguda viral na população pediátrica, há relatos de discreta melhora da função de ventrículo esquerdo e de aumento de sobrevida com o uso de altas doses de imunoglobulina endovenosa, porém sem consenso na literatura.( 1111 Robinson J, Hartling L, Vandermeer B, Crumley E, Klassen TP. Intravenous immunoglobulin for presumed viral myocarditis in children and adults. Cochrane Database Syst Rev. 2005;(1):CD004370. , 1212 Camargo PR, Snitcowsky R, da Luz PL, Mazzieri R, Higuchi ML, Rati M, et al. Favorable effects of immunosuppressive therapy in children with dilated cardiomyopathy and active myocarditis. Pediatr Cardiol. 1995;16(2):61-8. ) A terapia imunossupressora mostrou-se benéfica no subgrupo de pacientes com miocardite aguda de células gigantes e miocardite associada à doença autoimune, sem evidência semelhante em pacientes com miocardite aguda viral.( 1313 Kindermann I, Barth C, Mahfoud F, Ukena C, Lenski M, Yilmaz A, et al. Update on myocarditis. J Am Coll Cardiol. 2012;59(9):779-92. ) Existe alguma evidência de que terapias antivirais e antibacterianas apresentem benefício terapêutico, porém não existe estudo randomizado e controlado que determine o papel desses fármacos na evolução da miocardite.( 1313 Kindermann I, Barth C, Mahfoud F, Ukena C, Lenski M, Yilmaz A, et al. Update on myocarditis. J Am Coll Cardiol. 2012;59(9):779-92. ) No caso relatado, a paciente não recebeu terapia imunossupressora, imunoglobulina e nem antiviral, e o tratamento foi baseado em suporte ventilatório e hemodinâmico intensivos.

A ventilação mecânica invasiva é frequentemente necessária em casos de miocardite fulminante com choque cardiogênico. Devem-se evitar toxicidade induzida por oxigênio e altos níveis de pressão expiratória final positiva. A hiperventilação leve a moderada pode auxiliar para a correção de acidemia.( 1414 Cooper HA, Panza JA. Cardiogenic shock. Cardiol Clin. 2013;31(4):567-80, viii. Review. ) Não existem estudos controlados que evidenciem melhor desfecho clínico com o uso de um determinado modo ventilatório nesse grupo de pacientes. Sabe-se que métodos que permitem atividade respiratória espontânea são associados a menor repercussão hemodinâmica, uma vez que tendem a produzir níveis mais baixos de pressão média de vias aérea e de pressão intrapleural. No entanto, pacientes com choque cardiogênico grave podem se beneficiar de suporte ventilatório controlado, que está associado à redução do consumo de oxigênio. A escolha dos parâmetros ventilatórios depende da experiência do intensivista e do tipo de equipamento de ventilação mecânica disponível na unidade; tais parâmetros devem ser ajustados individualmente e de forma dinâmica, ao longo da evolução, com o objetivo de garantir ventilação volume-minuto efetiva, otimizar o trabalho ventilatório e minimizar efeitos hemodinâmicos adversos.( 1515 Corredor C, Jaggar SI. Ventilator management in the cardiac intensive care unit. Cardiol Clin. 2013;31(4):619-36, ix. Review. ) Os parâmetros ventilatórios utilizados encontram-se na tabela 2.

O suporte hemodinâmico baseia-se no uso de drogas inotrópicas, e a necessidade de utilização de terapia vasopressora, em associação ao inotrópico, é frequente. A dobutamina é um potente beta-1 agonista com menor propriedade beta-2 e alfa agonista; aumenta a contratilidade miocárdica, reduz a resistência vascular sistêmica e diminui a pressão em capilares pulmonares, porém possui efeito arritmogênico. O milrinona é inibidor da fosfodiesterase-3 com ação inodilatadora e lusitrópica; aumenta o volume sistólico e o débito cardíaco, reduz a pressão em território pulmonar e induz a arritmia em menor frequência quando comparado à dobutamina, contudo seu efeito vasodilatador limita seu uso em pacientes hipotensos, podendo ser necessária a associação com drogas vasopressoras. A noradrenalina é vasoconstritor arterial útil em vigência de hipotensão, no entanto aumenta o consumo cardíaco de oxigênio, sem promover aumento do débito cardíaco. A adrenalina possui ação semelhante à da noradrenalina, porém com efeito inotrópico, especialmente quando utilizada em baixas doses. Em casos de congestão pulmonar, o uso de diuréticos endovenosos deve ser considerado.( 1616 Ginsberg F, Parrillo JE. Fulminant myocarditis. Crit Care Clin. 2013;29(3):465-83. Review. ) No caso relatado, a hipótese diagnóstica de disfunção miocárdica sem hipotensão orientou a escolha de milrinona como droga vasoativa inicial. A falta de melhora da função sistólica de ventrículo esquerdo (fração de ejeção de 27%) e a hipotensão levaram à associação de dobutamina e noradrenalina, respectivamente (Tabela 2).

Apesar do tratamento intensivo, a mortalidade associada a miocardite fulminate é elevada. Ukimura et al. relatam mortalidade de 39% em pacientes com miocardite fulminante associada ao vírus influenza H1N1,( 1717 Ukimura A, Izumi T, Matsumori A; Clinical Research Committee on Myocarditis Associated with 2009 Influenza A (H1N1) Pandemic in Japan organized by Japanese Circulation Society. A national survey on myocarditis associated with the 2009 influenza A (H1N1) pandemic in Japan. Circ J. 2010;74(10):2193-9. ) enquanto Saji et al. relatam mortalidade de 83% em pacientes com miocardite fulminante que não apresentaram resposta ao tratamento clínico inicial e que não foram submetidos a suporte mecânico circulatório.( 1Saji T, Matsuura H, Hasegawa K, Nishikawa T, Yamamoto E, Ohki H, et al. Comparison of the clinical presentation, treatment, and outcome of fulminant and acute myocarditis in children. Circ J. 2012;76(5):1222-8. ) O uso de oxigenação por membrana extracorpórea em pacientes com insuficiência cardíaca rapidamente progressiva e choque cardiogênico, não responsivos ao tratamento clínico, pode reduzir a mortalidade por miocardite fulminante para menos de 20%.( 1818 Duncan BW, Bohn DJ, Atz AM, French JW, Laussen PC, Wessel DL. Mechanical circulatory support for the treatment of children with acute fulminant myocarditis. J Thorac Cardiovasc Surg. 2001;122(3):440-8. , 1919 Bohn D, Macrae D, Chang AC. Acute viral myocarditis: mechanical circulatory support. Pediatr Crit Care Med. 2006;7(6):S21-4. ) A paciente em questão apresentava indicações clínicas para o uso de suporte hemodinâmico extracorpóreo, porém não dispomos dessa terapêutica em nosso serviço.

Os pacientes que sobrevivem ao quadro agudo de miocardite fulminante apresentam prognóstico favorável em longo prazo, com boa recuperação da função cardíaca, o que reforça a importância do suporte hemodinâmico adequado na fase aguda de grande instabilidade cardiovascular.( 2020 Schultz JC, Hilliard AA, Cooper LT Jr, Rihal CS. Diagnosis and treatment of viral myocarditis. Mayo Clin Proc. 2009;84(11):1001-9. )

CONCLUSÃO

O vírus influenza H1N1 deve ser lembrado como agente etiológico de miocardite e características como sazonalidade, situação endêmica e cobertura vacinal devem ser consideradas. Nos casos de evolução fulminante, a identificação de sinais e sintomas sugestivos de maior gravidade deve ser imediata, e o ecocardiograma à beira do leito pode ser útil para detecção precoce de disfunção miocárdica e orientação terapêutica. O uso de terapia imunossupressora em miocardite fulminante de etiologia viral é controverso, bem como o uso de terapia antiviral, de tal forma que o tratamento baseia-se em suporte hemodinâmico e ventilatório. O uso de oxigenação por membrana extracorpórea aparece como terapia promissora, mas ainda não implantada de forma rotineira em países subdesenvolvidos.

  • Editor responsável: Jefferson Piva

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos médicos Eduarda Bittencourt Damasceno e Arthur Ferreira Neto, ambos do Departamento de Patologia, pelo fornecimento das imagens do exame anatomopatológico.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2014
  • Aceito
    15 Jul 2014
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