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Rabdomiólise recorrente secundária à hiponatremia em doente com polidipsia psicogênica primária

Resumos

A rabdomiólise é caracterizada por destruição de tecido muscular esquelético, sendo as suas principais causas o trauma, os tóxicos e os distúrbios hidroeletrolíticos. Entre esses últimos, inclui-se a rabdomiólise induzida por hiponatremia, uma situação rara, que ocorre principalmente em doentes com polidipsia psicogênica. Esta acomete maioritariamente doentes com esquizofrenia, cursando com hiponatremia em quase 25% dos casos. É também nesse contexto que a rabdomiólise secundária a hiponatremia ocorre mais frequentemente. Neste artigo, descreveu-se o caso de um homem de 49 anos, com antecedentes de esquizofrenia, medicado com clozapina, trazido ao serviço de urgência por quadro de coma e convulsões. Foi objetivada hiponatremia hiposmolar grave, com edema cerebral em tomografia computorizada, sendo feito posteriormente o diagnóstico de hiponatremia secundária à polidipsia psicogênica. Foi iniciada terapêutica de correção de hiponatremia e internado em unidade de terapia intensiva. Feita correção de hiponatremia, contudo apresentou analiticamente marcada rabdomiólise, de agravamento crescente, com creatinofosfoquinase de 44.058UI/L no 3º dia de internação. Houve posterior redução progressiva com a terapêutica, sem ocorrência de lesão renal. Este caso alerta para a necessidade de monitorização dos marcadores de rabdomiólise na hiponatremia grave, ilustrando um quadro de rabdomiólise secundária à hiponatremia induzida por polidipsia psicogênica, situação a considerar em doentes sob terapêutica com neurolépticos.

Polidipsia psicogênica; Intoxicação por água; Hiponatremia; Rabdomiólise; Clozapina; Mielinólise central da ponte; Relatos de casos


Rhabdomyolysis is characterized by the destruction of skeletal muscle tissue, and its main causes are trauma, toxic substances and electrolyte disturbances. Among the latter is hyponatremia-induced rhabdomyolysis, a rare condition that occurs mainly in patients with psychogenic polydipsia. Psycogenic polydipsia mostly affects patients with schizophrenia, coursing with hyponatremia in almost 25% of the cases. It is also in this context that rhabdomyolysis secondary to hyponatremia occurs most often. In this article, the case of a 49-year-old male with a history of schizophrenia, medicated with clozapine, and brought to the emergency room in a state of coma and seizures is described. Severe hypoosmolar hyponatremia with cerebral edema was found on a computed tomography examination, and a subsequent diagnosis of hyponatremia secondary to psychogenic polydipsia was made. Hyponatremia correction therapy was started, and the patient was admitted to the intensive care unit. After the hyponatremia correction, the patient presented with analytical worsening, showing marked rhabdomyolysis with a creatine phosphokinase level of 44.058UI/L on day 3 of hospitalization. The condition showed a subsequent progressive improvement with therapy, with no occurrence of kidney damage. This case stresses the need for monitoring rhabdomyolysis markers in severe hyponatremia, illustrating the condition of rhabdomyolysis secondary to hyponatremia induced by psychogenic polydipsia, which should be considered in patients undergoing treatment with neuroleptics.

Polydipsia, psychogenic; Water intoxication; Hyponatremia; Rhabdomyolysis; Clozapine; Myelinolysis, central pontine; Case reports


INTRODUÇÃO

A rabdomiólise é uma entidade clínica caracterizada por lise de miócitos do tecido muscular esquelético, com libertação de seus componentes celulares, nomeadamente a mioglobina, principal responsável pelas consequências tóxicas da rabdomiólise. As principais causas são o trauma e as toxinas (nas quais se incluem os medicamentos), mas pode ocorrer igualmente com distúrbios eletrolíticos, sendo o íon mais frequentemente envolvido o potássio.(1Efstratiadis G, Voulgaridou A, Nikiforou D, Kyventidis A, Kourkouni E, Vergoulas G. Rhabdomyolysis updated. Hippokratia. 2007;11(3):129-37.)

O primeiro caso de rabdomiólise associado a hiponatremia foi descrito em 1979 por Peter Browne e, desde então, foram documentados vários outros casos, mantendo-se, contudo, uma entidade relativamente rara. Alguns dos fatores que suscetibilizam à ocorrência desta situação clínica são a polidipsia psicogênica (PP), determinadas terapêuticas farmacológicas (tiazidas e inibidores de bomba de prótons), distúrbios endócrinos (patologia tiroideia ou suprarrenal) e a iatrogenia (nomeadamente após cirurgia prostática ou preparação de colonoscopia com manitol).(2de Leon J, Verghese C, Tracy JI, Josiassen RC, Simpson GM. Polydipsia and water intoxication in psychiatric patients: a review of the epidemiological literature. Biol Psychiatry. 1994;35(6):408-19.)

A PP surge frequentemente em doentes com patologia psiquiátrica, principalmente a esquizofrenia, ocorrendo hiponatremia em cerca de 25% dos casos.(2de Leon J, Verghese C, Tracy JI, Josiassen RC, Simpson GM. Polydipsia and water intoxication in psychiatric patients: a review of the epidemiological literature. Biol Psychiatry. 1994;35(6):408-19.) É igualmente neste contexto clínico que surge a maior parte dos casos de rabdomiólise associada à hiponatremia. Ainda no mesmo grupo de doentes, encontram-se descritos na literatura raros casos de rabdomiólise associada à correção de hiponatremia - a maioria deles sob terapêutica psiquiátrica (antipsicóticos ou inibidores seletivos da recaptação de serotonina - ISRS).

Os autores descrevem o caso de um doente com esquizofrenia hebefrênica, internado em unidade de terapia intensiva por hiponatremia grave associada à rabdomiólise marcada, tratando-se do segundo episódio no doente.

RELATO DE CASO

O caso refere-se a um homem de 49 anos, com antecedentes de esquizofrenia, medicado com clozapina e risperidona, trazido ao serviço de urgência por quadro de coma (escala de Glasgow 7 - E2M4V1) e convulsões tônico-clônicas generalizadas. Necessidade de entubação orotraqueal e ventilação mecânica, sendo controladas as convulsões com perfusão de fenitoína. Após a estabilização inicial do doente, foram realizados exames complementares de diagnóstico, que revelaram hiponatremia hiposmolar (sódio 110mEq/L e osmolaridade 220mOsm/L) e elevação de creatinofosfoquinase (CPK; 2.356UI/L), sem outras alterações de relevo. Realizou tomografia computadorizada craniencefálica, que evidenciou edema cerebral ligeiro a moderado. Dada a hiponatremia grave e sintomática, foi iniciada correção de hiponatremia com cloreto de sódio a 3% e o paciente foi internado no serviço de medicina intensiva. Na primeira reavaliação iônica, foi observado aumento de sódio superior ao previsto (aumento de 10mEq em 6 horas), sendo suspenso o sódio e mantida a monitorização apertada de natremia. Houve, nas primeiras 12 horas após admissão, aumento de 15mEq, com normalização de natremia no terceiro dia de internação, cerca de 48 horas após a admissão. Repetiu, nesse momento, tomografia computadorizada craniencefálica, com franca melhoria do edema cerebral. Do ponto de vista neurológico, foi possível a suspensão da sedação - cerca de 24h após a sua introdução, com recuperação do estado de consciência e sem défices neurológicos associados, excluindo-se a hipótese de síndrome de desmielinização osmótico. Contudo, foi notado agravamento progressivo da rabdomiólise presente à entrada, ocorrendo de forma mais acentuada no 3º dia de internação e com valor máximo de CPK de 44.065UI/L. A evolução analítica do doente está representada na tabela 1.

Tabela 1
Evolução de parâmetros analíticos ao longo de internamento

Após exclusão de síndrome neuroléptica maligna (apirexia, sem disfunção autonômica ou alteração do estado de consciência) e iatrogenia medicamentosa, a soroterapia foi aumentada, para a prevenção de nefropatia. Houve progressivamente melhoria dos parâmetros de rabdomiólise, não ocorrendo lesão renal aguda. Após normalização dos parâmetros de rabdomiólise, foi introduzida a risperidona (medicação habitual) na terapêutica do doente, sem nova recorrência de rabdomiólise.

O doente teve alta para o serviço de psiquiatria ao 6º dia de internamento, sendo alterada sua terapêutica habitual (suspensa clozapina). Ele foi encaminhado para Lar de solidariedade social por necessidade de acompanhamento e vigilância. Ao se analisarem seus antecedentes pessoais, constatou-se internamento prévio em serviço de medicina intensiva por motivo idêntico: hiponatremia grave em contexto de PP, complicada de rabdomiólise, tendo sido medicado igualmente nessa altura com clozapina e risperidona.

DISCUSSÃO

A PP é uma doença que pode ser descrita como apresentando três estádios: inicialmente polidipsia e poliúria, evoluindo numa segunda fase para hiponatremia e numa terceira fase para “intoxicação por água”, termo usado pela primeira vez em 1993 e que se pode manifestar por agravamento de sintomas psiquiátricos, náusea, vômitos, ataxia, delírio, convulsões ou coma.(2de Leon J, Verghese C, Tracy JI, Josiassen RC, Simpson GM. Polydipsia and water intoxication in psychiatric patients: a review of the epidemiological literature. Biol Psychiatry. 1994;35(6):408-19.)

Essa doença parece estar associada a determinadas características individuais, nomeadamente o sexo masculino, a cronicidade da doença, o tabagismo com elevada carga tabágica, o abuso de álcool e ainda a determinadas doenças psiquiátricas, nomeadamente a esquizofrenia e défices cognitivos.(3González I, Pérez N, Peñas-LLedó EM, LLerena A, González I, de la Rubia A. High risk of polydipsia and water intoxication in schizophrenia patients. Schizophr Res. 2008;99(1-3):377-8.)

A ingestão de água em grandes quantidades por si só não induz à hiponatremia, contudo esta pode surgir em situações com aumento concomitante da secreção de hormônio antidiurético (ADH) ou de lesão renal, por exemplo. De fato, um estudo de 2001 concluiu haver maior probabilidade de hiponatremia em doentes com determinadas características: comorbilidades (como insuficiência renal), níveis anormais de potássio ou determinadas terapêuticas, como, por exemplo, diuréticos, antagonistas de canais de cálcio e antidepressivos tricíclicos.(4Zaidi AN. Rhabdomyolysis after correction of hyponatremia in psychogenic polydipsia possibly complicated by ziprasidone. Ann Pharmacother. 2005;39(10):1726-31.) A administração de neurolépticos e de ISRS está igualmente associada à hiponatremia de maior gravidade, por mecanismos não totalmente conhecidos, mas que podem estar relacionados com a ativação de receptores de serotonina (5-hidroxitriptanmina-A2), com aumento de permeabilidade celular.(4Zaidi AN. Rhabdomyolysis after correction of hyponatremia in psychogenic polydipsia possibly complicated by ziprasidone. Ann Pharmacother. 2005;39(10):1726-31.)

Apenas cerca de 17 a 25% dos doentes com PP desenvolvem hiponatremia ou intoxicação por água.(5Ting JY. Rhabdomyolysis and polydipsic hyponatraemia. Emerg Med J. 2001;18(6):520.) Como referido anteriormente, a maioria dos casos de PP ocorre em doentes psiquiátricos, principalmente esquizofrénicos, o que pode ser devido a uma maior sensibilidade a ADH, a alterações de mecanismos osmorreguladores ou, ainda, ao aumento da secreção de ADH.(5Ting JY. Rhabdomyolysis and polydipsic hyponatraemia. Emerg Med J. 2001;18(6):520.)

No caso descrito, o doente encontrava-se medicado com clozapina há vários anos, sem evidências de rabdomiólise até ao primeiro internamento (6 meses antes do episódio atual). Em ambos os internamentos, foi relatada ingestão de água em grandes quantidades (superiores a 5L ao dia) nos dias prévios a recorrer ao hospital. De igual forma, em ambos os casos, o doente apresentou hiponatremia grave sintomática (convulsões e coma) à entrada. Esse doente apresentou vários fatores de risco classicamente associados ao desenvolvimento de hiponatremia na PP, nomeadamente a doença de base (esquizofrenia), ser do sexo masculino e a utilização crônica de um neuroléptico atípico (clozapina).

Desde o primeiro relato de rabdomiólise associada a hiponatremia, têm sido pontualmente descritas essas situações, havendo apenas pequenas séries relativas a essa patologia. Parece ser mais comum em doentes sob efeito de várias medicações, principalmente diuréticos tiazídicos, inibidores de bomba de prótons e trimetoprim-sulfametoxazol.(6Varghese J, Balakrishnan V, Sadasivan S, Nair P, Narayanan VA. Muscle cell membrane damage by very low serum sodium. Pan Afr Med J. 2009;3:14.)

O mecanismo pelo qual a hiponatremia induz à rabdomiólise parece ser a disfunção da bomba sódio/cálcio, que leva à ativação de proteases e lipases, responsáveis pela lise celular.(4Zaidi AN. Rhabdomyolysis after correction of hyponatremia in psychogenic polydipsia possibly complicated by ziprasidone. Ann Pharmacother. 2005;39(10):1726-31.,6Varghese J, Balakrishnan V, Sadasivan S, Nair P, Narayanan VA. Muscle cell membrane damage by very low serum sodium. Pan Afr Med J. 2009;3:14.) Há ainda outra teoria que defende que a diminuição da osmolaridade do fluido extracelular leva à saída de potássio das células, com consequente depleção das mesmas e destruição celular.(7Katsarou A, Singh S. Hyponatraemia associated rhabdomyolysis following water intoxication. BMJ Case Rep. 2010;2010.) Este último mecanismo, refletindo a incapacidade de regulação de volume celular, sugere explicação para a ocorrência de rabdomiólise, tanto na hiponatremia como na correção da mesma, outra situação que tem vindo a ser identificada mais recentemente. Justifica igualmente a importância da velocidade de correção da hiponatremia no quadro clínico de rabdomiólise, como um estudo de Morita et al. demonstra: os únicos fatores diretamente associados à rabdomiólise na hiponatremia foram a velocidade de correção de sódio por hora e o aumento do valor de sódio nas primeiras 24 horas. Vários outros fatores foram avaliados, não parecendo haver relação com os mesmos (idade, sexo, consumo álcool prévio, overdose de psicofármacos, Glasgow, sódio, potássio, cloreto ou glicose iniciais, osmolaridade plasmática e convulsões como manifestação inicial).(8Morita S, Inokuchi S, Yamamoto R, Inoue S, Tamura K, Ohama S, et al. Risk factors for rhabdomyolysis in self-induced water intoxication (SIWI) patients. J Emerg Med. 2010;38(3):293-6.) Apesar disso, o risco de correção rápida da hiponatremia é menor que o risco secundário ao atraso na correção de hiponatremia sintomática. Os guidelines de hiponatremia foram recentemente revistos, sendo atualmente recomendados um aumento de 5mEq na 1º hora, mediante uso de soro hipertônico (NaCl 3%), e, em seguida, utilização de soro fisiológico (NaCl 0,9%), com objetivos de 10mEq nas primeiras 24 horas e, posteriormente, 8mEq/L ao dia.(9Spasovski G, Vanholder R, Allolio B, Annane D, Ball S, Bichet D, Decaux G, Fenske W, Hoorn EJ, Ichai C, Joannidis M, Soupart A, Zietse R, Haller M, van der Veer S, Van Biesen W, Nagler E; Hyponatraemia Guideline Development Group. Clinical practice guideline on diagnosis and treatment of hyponatraemia. Eur J Endocrinol. 2014;170(3):G1-47. Erratum in: Eur J Endocrinol. 2014;171(1):X1.) Correções superiores aumentam o risco de ocorrência de mielinólise pontina, que pode levar à morte.

No caso descrito, a rabdomiólise identificada apresentou várias possíveis etiologias. Nem sempre é fácil distinguir suas causas, principalmente a hiponatremia (ou sua correção), as convulsões ou os neurolépticos. No entanto, o perfil temporal, o pico de elevação de CPK e o quadro clínico podem ajudar ao diagnóstico etiológico. No que diz respeito às convulsões tônico-clônicas generalizadas ou os estados de mal epilépticos (situação apresentada pelo doente em fase inicial), a elevação de CPK inicia-se as 3 horas e tem um pico máximo classicamente descrito entre 18 e 24(1010 Engel J, Pedley TA, Aicardi J. Epilepsy: a comprehensive textbook. 2nd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. v 3.) e 36 e 40 horas,(1111 Brigo F, Igwe SC, Erro R, Bongiovanni LG, Marangi A, Nardone R, et al. Postictal serum creatine kinase for the differential diagnosis of epileptic seizures and psychogenic non-epileptic seizures: a systematic review. J Neurol. 2014 May 14. [Epub ahead of print].,1212 Moore DP. Textbook of clinical neuropsychiatry. 2nd ed. London: CRC Press; 2008.) com CPK aumentando 8 a 12 vezes.(1313 Wildemann B, Oschmann P, Reiber H. Laboratory diagnosis in neurology. New York: Thieme; 2010.) Valores superiores são atingidos em situações clínicas particulares, como traumas e cirurgias prolongadas com isquemia associada,(1414 El-Abdellati E, Eyselbergs M, Sirimsi H, Hoof VV, Wouters K, Verbrugghe W, et al. An observational study on rhabdomyolysis in the intensive care unit. Exploring its risk factors and main complication: acute kidney injury. Ann Intensive Care. 2013;3(1):8.) e tóxicos e fármacos,(1515 Veenstra J, Smit WM, Krediet RT, Arisz L. Relationship between elevated creatine phosphokinase and the clinical spectrum of rhabdomyolysis. Nephrol Dial Transplant. 1994;9(6):637-41.,1616 Hanekamp BB, Zijlstra JG, Tulleken JE, Ligtenberg JJ, van der Werf TS, Hofstra LS. Serotonin syndrome and rhabdomyolysis in venlafaxine poisoning: a case report. Neth J Med. 2005;63(8):316-8.) além da rabdomiólise por distúrbios iónicos ou tóxicos.(1717 Menashe G, Borer A, Gilad J, Horowitz J. Rhabdomyolysis after correction of severe hyponatremia. Am J Emerg Med. 2000;18(2):229-30.) Na rabdomiólise por hiponatremia, o pico é atingido às 48 a 96 horas, com valores muito frequentemente entre 18.000 - 98.000UI/L, e, na rabdomiólise por correção de hiponatremia, o pico é ainda mais tardio, sendo atingido frequentemente após as 96 horas.(1717 Menashe G, Borer A, Gilad J, Horowitz J. Rhabdomyolysis after correction of severe hyponatremia. Am J Emerg Med. 2000;18(2):229-30.) A rabdomiólise secundária ao efeito tóxico direto dos neurolépticos sobre os miócitos pode surgir após poucas administraçõesou até 2 anos após início - de administração da medicação.(1818 Aggarwal R, Guanci N, Marambage K, Caplan JP. A patient with multiple episodes of rhabdomyolysis induced by different neuroleptics. Psychosomatics. 2014;55(4):404-8.) No caso descrito, o doente encontrava-se medicado há mais de 5 anos com a clozapina, sem ter nunca evidenciado rabdomiólise, desfavorecendo essa hipótese. Apesar de não se poder excluir papel importante da convulsão neste caso, o pico tardio (entre 3º e 4º dia de internação - 48 e 60 horas), com um doseamento extremamente elevado de CPK (mais de 200 vezes o limite superior de normalidade) apontaram que a hiponatremia tenha sido a causa principal da rabdomiólise, possivelmente agravada pela correção rápida da mesma.

A rabdomiólise por hiponatremia ocorrendo de forma recorrente é muito incomum, estando descritos na literatura, que seja do conhecimento dos autores, apenas três artigos. No caso descrito, o doente foi internado pela segunda vez - na unidade de terapia intensiva por hiponatremia grave secundária à PP, dando origem a rabdomiólise, estando o doente em ambos os internamentos sob neurolépticos (clozapina). Este é um fator de risco acrescido classicamente descrito, motivo pelo qual foi suspensa no internamento atual.

O tratamento da rabdomiólise e o da hiponatremia por PP estão em lados opostos: de fato, a rabdomiólise deve ser tratada com soroterapia e eventual diurese alcalina, enquanto a hiponatremia sintomática exige, na maior parte das vezes, restrição hídrica e cloreto de sódio 3%. Um fato interessante parece ser a menor percentagem de ocorrência de lesão renal aguda na rabdomiólise por hiponatremia secundária a PP em relação à rabdomiólise por outras causas, levando alguns autores a colocarem a hipótese de um eventual efeito protetor de “hipervolemia”.

CONCLUSÃO

Este artigo salienta a importância de se manter a monitorização frequente das enzimas musculares nas situações de hiponatremia e de correcção da mesma, a fim de identificar precocemente esta situação clínica, providenciar tratamento e evitar complicações.

  • Editor responsável: Flávia Ribeiro Machado

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    04 Set 2014
  • Aceito
    06 Jan 2015
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