Acessibilidade / Reportar erro

Recomendações farmacêuticas em unidade de terapia intensiva: três anos de atividades clínicas

RESUMO

Objetivo:

Analisar 3 anos de atividades clínicas e recomendações farmacêuticas aceitas durante a rotina diária do farmacêutico na unidade de terapia intensiva clínica adulta.

Métodos:

Estudo exploratório, descritivo, transversal, realizado no período de junho de 2010 a maio de 2013, em um hospital universitário, terciário, durante o qual foram categorizadas e analisadas as recomendações farmacêuticas.

Resultados:

Foram analisadas 834 recomendações farmacêuticas (média anual de 278), sendo estas classificadas em 21 categorias. As recomendações farmacêuticas foram dirigidas principalmente a médicos (n = 699; 83,8%), sendo as mais frequentes: manejo de diluição (n = 120; 14,4%), ajuste de dose (n = 100; 12,0%) e manejo de evento adverso a medicamento (n = 91; 10,9%). Comparando-se os períodos, verificou-se crescimento, ao longo dos anos, das recomendações farmacêuticas com maior componente clínico e diminuição daquelas referentes a aspectos logísticos, como a provisão de medicamentos. As recomendações envolveram 948 medicamentos, tendo destaque para os anti-infecciosos de uso sistêmico.

Conclusão:

A atuação do farmacêutico no cuidado intensivo evoluiu na instituição onde o estudo foi realizado, caminhando das ações reativas associadas à logística para a participação clínica efetiva junto à equipe multiprofissional (ações proativas).

Atenção farmacêutica; Serviço de farmácia hospitalar; Farmacêuticos; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective:

To analyze the clinical activities performed and the accepted pharmacist recommendations made by a pharmacist as a part of his/her daily routine in an adult clinical intensive care unit over a period of three years.

Methods:

A cross-sectional, descriptive, and exploratory study was conducted at a tertiary university hospital from June 2010 to May 2013, in which pharmacist recommendations were categorized and analyzed.

Results:

A total of 834 pharmacist recommendations (278 per year, on average) were analyzed and distributed across 21 categories. The recommendations were mainly made to physicians (n = 699; 83.8%) and concerned management of dilutions (n = 120; 14.4%), dose adjustment (n = 100; 12.0%), and adverse drug reactions (n = 91; 10.9%). A comparison per period demonstrated an increase in pharmacist recommendations with larger clinical content and a reduction of recommendations related to logistic aspects, such as drug supply, over time. The recommendations concerned 948 medications, particularly including systemic anti-infectious agents.

Conclusion:

The role that the pharmacist played in the intensive care unit of the institution where the study was performed evolved, shifting from reactive actions related to logistic aspects to effective clinical participation with the multi-professional staff (proactive actions).

Pharmaceutical care; Pharmacy service, hospital; Pharmacists; Intensive care units

INTRODUÇÃO

A utilização de medicamentos pelos pacientes graves é um exemplo da complexidade do cuidado em unidade de terapia intensiva (UTI), uma vez que os pacientes geralmente são polimedicados, tornando a farmacoterapia um fator de risco importante para a ocorrência de eventos adversos que podem contribuir negativamente com a evolução clínica do paciente.(1Kane-Gill S, Weber RJ. Principles and practices of medication safety in the ICU. Crit Care Clin. 2006;22(2):273-90, vi. Review.,2Cardinal LD, Matos VT, Resende GM, Toffoli-Kadri MC. Characterization of drug prescriptions in an adult intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(2):151-6.)

Segundo a Society of Critical Care Medicine (SCCM), devido àcomplexidade da assistência realizada em uma UTI, o método ideal para prover suporte aos pacientes em estado grave é com uma equipe multiprofissional.(3Durbin CG Jr. Team model: advocating for the optimal method of care delivery in the intensive care unit. Crit Care Med. 2006;34(3 Suppl):S12-7.) Essa sociedade reconhece ainda o farmacêutico clínico como um componente essencial dessa equipe, e que coopera para a excelência nesses cuidados, recomendando a integração de um farmacêutico exclusivo na equipe multiprofissional.(4Brilli RJ, Spevetz A, Branson RD, Campbell GM, Cohen H, Dasta JF, Harvey MA, Kelley MA, Kelly KM, Rudis MI, St Andre AC, Stone JR, Teres D, Weled BJ; American College of CriticalCare Medicine Task Force on Models of CriticalCareDelivery. The American College of Critical Care Medicine Guidelines for the Defintion of an Intensivist and the Practice of Critical Care Medicine. Critical care delivery in the intensive care unit: defining clinical roles and the best practice model. Crit Care Med. 2001;29(10):2007-19.) No Brasil, a assistência farmacêutica na UTI é contemplada na legislação vigente.(5Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC Nº 7, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2010; Secção 01, nº37.)

O farmacêutico vem sendo incorporado à equipe multiprofissional da UTI, objetivando prover a melhor assistência ao paciente, contribuindo, sobretudo, para o monitoramento dos fármacos e a avaliação da eficácia, colaborando para o incremento da segurança do paciente.(6Claus BO, Robays H, Decruyenaere J, Annemans L. Expected net benefit of clinical pharmacy in intensive care medicine: a randomized interventional comparative trial with matched before-and-after groups. J Eval Clin Pract. 2014;20(6):1172-9.) Desse modo, a inserção do farmacêutico clínico no cotidiano da assistência ao paciente em UTI ocorre principalmente pela participação ativa nas visitas clínicas diárias, provendo suporte de informações à equipe médica e de enfermagem; analisando e monitorando a eficácia da farmacoterapia; realizando a conciliação medicamentosa; e prevenindo, identificando e notificando reações adversas.(7Chisholm-Burns MA, Kim Lee J, Spivey CA, Slack M, Herrier RN, Hall-Lipsy E, et al. US pharmacists’ effect as team members on patient care: systematic review and meta-analyses. Med Care. 2010;48(10):923-33.

Klopotowska JE, Kuiper R, van Kan HJ, de Pont AC, Dijkgraaf MG, Lie-A-Huen L, et al. On-ward participation of a hospital pharmacist in a Dutch intensive care unit reduces prescribing errors and related patient harm: an intervention study. Crit Care. 2010;14(5):R174.
-9Penm J, Chaar B, Rose G, Moles R. Pharmacists’ influences on prescribing: validating a clinical pharmacy services survey in the Western Pacific Region. Res Social Adm Pharm. 2015;11(1):63-73.) Essas ações desenvolvidas pelos farmacêuticos clínicos no acompanhamento da farmacoterapiasão conceituadas como intervenções ou recomendações farmacêuticas (RF).(6Claus BO, Robays H, Decruyenaere J, Annemans L. Expected net benefit of clinical pharmacy in intensive care medicine: a randomized interventional comparative trial with matched before-and-after groups. J Eval Clin Pract. 2014;20(6):1172-9.,1010 Lee AJ, Boro MS, Knapp KK, Meier JL, Korman NE. Clinical and economic outcomes of pharmacist recommendations in a Veterans Affairs medical center. Am J Health Syst Pharm. 2002;59(21):2070-7.) Essa conduta profissional pressupõe ação sobre a farmacoterapia para resolver ou prevenir resultados clínicos negativos oriundos da utilização de medicamentos, sendo este um ato planejado, documentado e realizado junto ao usuário e aos profissionais de saúde, ao compor o processo de acompanhamento/seguimento farmacoterapêutico.(1111 Sabater D, Fernandez-Llimos F, Parras M, Faus MJ. Tipos de intervenciones farmacéuticas en seguimiento farmacoterapéutico. Seguimiento Farmacoterapéutico. 2005;3(2):90-7.)

Apesar da existência de uma extensa literatura internacional sobre a participação do farmacêutico clínico na assistência de pacientes em terapia intensiva,(7Chisholm-Burns MA, Kim Lee J, Spivey CA, Slack M, Herrier RN, Hall-Lipsy E, et al. US pharmacists’ effect as team members on patient care: systematic review and meta-analyses. Med Care. 2010;48(10):923-33.,1212 Erstad BL, Haas CE, O’Keeffe T, Hokula CA, Parrinello K, Theodorou AA. Interdisciplinary patient care in the intensive care unit: focus on the pharmacist. Pharmacotherapy. 2011;31(2):128-37.

13 Kucukarslan SN, Corpus K, Mehta N, Mlynarek M, Peters M, Stagner L, et al. Evaluation of a dedicated pharmacist staffing model in the medical intensive care unit. Hosp Pharm. 2013;48(11):922-30.
-1414 Penm J, Li Y, Zhai S, Hu Y, Chaar B, Moles R. The impact of clinical pharmacy services in China on the quality use of medicines: a systematic review in context of China’s current healthcare reform. Health Policy Plan. 2014;29(7):849-72.) no Brasil, estudos sobre essa temática são, ainda, incipientes.(1515 Ferracini FT, Almeida SM, Locatelli J, Petriccione S, Haga CS. Implementation and progress of clinical pharmacy in the rational medication use in a large tertiary hospital. Einstein. 2011;9(4):456-60.,1616 Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Análise das intervenções de farmacêuticos clínicos em um hospital de ensino terciário do Brasil. Einstein. 2013;11(2):190-6.) Nesse contexto, pesquisas que demonstrem as atividades desenvolvidas por farmacêuticos em UTI brasileiras são importantes para registrar como essa prática ocorre em nosso país, permitindo uma avaliação do impacto dessa atividade sobre a equipe da UTI e sobre a segurança dos pacientes.(1616 Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Análise das intervenções de farmacêuticos clínicos em um hospital de ensino terciário do Brasil. Einstein. 2013;11(2):190-6.)

O presente trabalho teve como objetivo quantificar, categorizar e analisar três anos de RF aceitas durante atuação clínica do farmacêutico na UTI.

MÉTODOS

Estudo descritivo, transversal, exploratório, no qual foram analisados os registros do setor de farmácia clínica de um hospital universitário, terciário, referentes às RF aceitas durante o desenvolvimento das atividades clínicas rotineiras do farmacêutico residente em terapia intensiva, sob preceptoria presencial, no período de junho de 2010 a maio de 2013. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Walter Cantídio sob o número 607.419, não sendo necessário Termo de Consetimento Livre Esclarecido, apenas a autorização da coordenação da unidade de terapia intensiva e da Divisão de Farmácia.

A atuação clínica diária do farmacêutico, com prestação de serviços durante 12 horas diárias na UTI, foi consolidada a partir de 2010, com a chegada dos primeiros farmacêuticos residentes em terapia intensiva na UTI clínica do hospital onde o estudo foi realizado. Com a presença desse profissional, as ações foram ampliadas e sistematizadas, sendo formalizado o registro das RF junto à equipe multiprofissional.

A UTI clínica adulto onde foram realizadas as RF possui seis leitos. O hospital em geral, atende pacientes de alta complexidade, incluindo transplante renal, hepático e de medula óssea. A equipe multiprofissional é composta por um médico plantonista, dois médicos diaristas titulados em medicina intensiva, dois enfermeiros, um fisioterapeuta, um farmacêutico, um psicólogo, um nutricionista e quatro técnicos em enfermagem por turno de 12 horas. Além disso, diariamente, são realizadas atividades teórico-práticas de formação para os programas de residência médica (área de medicina interna e de medicina intensiva) e de residência multiprofissional com área de concentração em medicina intensiva para farmacêuticos, enfermeiros e fisioterapeutas. À essa equipe, somam-se dois médicos residentes, dois farmacêuticos residentes, dois enfermeiros residentes e dois fisioterapeutas residentes. A média de internamentos na UTI durante o período do estudo foi de 248 pacientes/ano, com um tempo médio de internamento de 6,7 dias. As RF analisadas foram coletadas a partir dos registros farmacêuticos disponíveis no Formulário para Registro das Recomendações Farmacêuticas Aceitas, utilizado na rotina do farmacêutico clínico na UTI da instituição. No referido hospital, o sistema de distribuição de medicamentos adotado é o individual para 24 horas. As prescrições são manuscritas, elaboradas em duas vias e não existe sistema de prescrição e nem prontuário eletrônico.

Todos os dados coletados foram lançados em banco de dados (BDUTI) elaborado para este fim, utilizando o programa Microsoft Office Excel® 2007. Sobre os registros das RF aceitas, foram analisadas as seguintes variáveis: período, profissional contatado, medicamento envolvido segundo a classificação Anatomical Therapeutic Chemical Code/Organização Mundial da Saúde (ATC/OMS)(1717 WHO Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology. Guidelines for ATC classification and DDD assignment 2013.16th ed. Oslo; WHO; 2012.) e a classificação das RF. Dados anuais, como número de paciente/UTI e prescrições/UTI, também foram registrados. Para o cálculo do percentual de RF aceitas, foi usado o número de prescrições elaboradas por ano.

Quanto ao período, as RF foram classificadas como: primeiro período, se a data do formulário estivesse compreendida de junho de 2010 a maio de 2011; segundo período, se os formulários estivessem datados de junho de 2011 a maio de 2012; e terceiro período, se entre junho de 2012 e maio de 2013. As RF registradas no BDUTI foram categorizadas conforme nomenclatura padronizada pelo Serviço de Farmácia Clínica do Hospital Universitário Walter Cantídio em: adequação ao protocolo de antimicrobiano; ajuste de aprazamento; provisão de medicamento; manejo da administração de medicamento por sonda; manejo do tempo de infusão de medicamentos; manejo de diluição; ajuste de dose; ajuste de intervalo; suspensão da terapia; substituição da terapia; manejo da administração do medicamento; manejo interação medicamento-alimento; manejo interação medicamento-medicamento; alteração da via de administração; manejo de eventos adversos a medicamento; manejo do tempo de tratamento; adequação a protocolos administrativos para aquisição de medicamentos e produtos para a saúde; informação sobre a manipulação/preparo de medicamento; manejo da estabilidade do medicamento; recomendação de farmacoterapia; outros.

RESULTADOS

Durante o período de junho de 2010 a maio de 2013, estiveram internados na UTI onde o estudo foi realizado 743 pacientes, sendo elaboradas 4.585 prescrições e registradas 834 RF. Dessa forma, 18,9% das prescrições receberam RF. A média anual de RF aceitas foi de 278, sendo estas classificadas em 21 categorias diferentes. A proporção de RF por prescrição, considerando os três períodos, foi, respectivamente, de 14,5% (n = 230/1.590), 21,1% (n = 269/1.274) e 19,5% (n = 335/1.721) no primeiro, segundo e terceiro períodos. Quando analisadas de forma global, no período de junho de 2010 a maio de 2013, as RF do tipo manejo de diluição (n = 120; 14,4%), ajuste de dose (n = 100; 12,0%), manejo de evento adverso a medicamento (n = 91; 10,9%), provisão de medicamento (n = 82; 9,8%) e manejo de interação medicamento-medicamento (n = 69; 8,2%), juntas, equivaleram a mais da metade (n = 462; 55,4%) do total das RF (Tabela 1).

Tabela 1
Classificação das recomendações farmacêuticas realizadas na unidade de terapia intensiva clínica de um hospital universitário federal, no período de junho de 2010 a maio de 2013

Considerando os três períodos do estudo, verificamos que o manejo, a diluição e a provisão de medicamentos estiveram entre as cinco RF mais frequentes nos três períodos estudados (Tabela 2). Quando analisada a evolução por período, de quatro categorias das RF, com elevado impacto na estratégia farmacológica e, desse modo, clínica, verificou-se importante crescimento no percentual de recomendações entre o primeiro e o último período com relação ao ajuste de dose (92,2%), à suspensão da terapia (126%) e à recomendação de terapia (221,5%), além de decréscimo na substituição da terapia (54,2%) (Figura 1). Em contraponto, quando analisada a evolução das RF referente a aspectos ligados à logística, como a provisão de medicamentos, observou-se uma redução de 3,3% das RF entre o primeiro e o terceiro períodos analisados.

Tabela 2
Distribuição das cinco recomendações farmacêuticas mais frequentes, realizadas na unidade de terapia intensiva clínica de um hospital universitário federal, no período de junho de 2010 a maio de 2013
Figura 1
Distribuição da frequência relativa de quatro recomendações farmacêuticas com elevado impacto na estratégia farmacológica, identificadas na prática clínica do farmacêutico na unidade de terapia intensiva de um hospital universitário federal, no período de junho de 2010 a maio de 2013.

O primeiro período compreendeu de junho de 2010 a maio de 2011; o segundo, de junho de 2011 a maio de 2012; e o terceiro, de junho de 2012 a maio de 2013.


Durante o período do estudo, estiveram envolvidos nas RF 948 medicamentos, correspondendo a 142 princípios ativos diferentes. Os anti-infecciosos para uso sistêmico formaram a principal classe de medicamentos-alvo das RF (n = 440; 52,7%), seguidos pelos medicamentos do trato alimentar e metabolismo (n = 103; 12,4%), pelos medicamentos do sistema cardiovascular (n = 100; 11,9%) e pelos medicamentos do sistema nervoso (n = 84; 10,0%). Os principais medicamentos-alvo das RF foram: teicoplanina (n = 100; 11,9%), meropenem (n = 61; 7,3%), omeprazol (n = 51; 6,1%), polimixina B (n = 47; 5,6%) e piperacilina/tazobactam (n = 35; 4,2%).

Do total das RF realizadas e aceitas no período do estudo (n = 834), 83,8% (n = 699) foram dirigidas aos médicos, 10,3% (n = 86) aos farmacêuticos e 5,9% (n = 49) aos enfermeiros. Os tipos de recomendação variaram por categoria profissional (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição das 834 recomendações farmacêuticas aceitas, por profissional ao qual foi dirigida, na unidade de terapia intensiva de um hospital universitário federal, no período de junho de 2010 a maio de 2013

DISCUSSÃO

No presente estudo, 18,8% das prescrições foram alvo de RF, sendo as mais comuns o manejo de diluição, o ajuste de dose e o manejo de evento adverso a medicamento, estando esse percentual próximo ao descrito em estudo randomizado realizado por Claus et al.(6Claus BO, Robays H, Decruyenaere J, Annemans L. Expected net benefit of clinical pharmacy in intensive care medicine: a randomized interventional comparative trial with matched before-and-after groups. J Eval Clin Pract. 2014;20(6):1172-9.) em uma UTI cirúrgica na Bélgica (21,1%) e identificado por Reis et al.(1616 Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Análise das intervenções de farmacêuticos clínicos em um hospital de ensino terciário do Brasil. Einstein. 2013;11(2):190-6.) (14,5%) numa UTI em hospital público de ensino no Brasil.

Quando analisados os períodos do nosso estudo, separadamente, verificou-se que o primeiro período apresentou o mesmo percentual de RF do estudo realizado na UTI brasileira (14,5%)(1616 Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Análise das intervenções de farmacêuticos clínicos em um hospital de ensino terciário do Brasil. Einstein. 2013;11(2):190-6.) e, no terceiro período, percentual semelhante ao encontrado na UTI da Bélgica (21,1%).(6Claus BO, Robays H, Decruyenaere J, Annemans L. Expected net benefit of clinical pharmacy in intensive care medicine: a randomized interventional comparative trial with matched before-and-after groups. J Eval Clin Pract. 2014;20(6):1172-9.) Essa variação nos resultados, entre os períodos, pode ter sido influenciada pela população de pacientes, predominantemente com patologias clínicas e assistidos por profissionais vinculados a atividades de ensino.

Quanto à tipologia, foi identificada, na literatura, elevada diversidade na classificação das RF, sinalizando a necessidade de padronização das terminologias, o que deve facilitar a comparação dos resultados dos estudos.(7Chisholm-Burns MA, Kim Lee J, Spivey CA, Slack M, Herrier RN, Hall-Lipsy E, et al. US pharmacists’ effect as team members on patient care: systematic review and meta-analyses. Med Care. 2010;48(10):923-33.,1818 Calloway S, Akilo HA, Bierman K. Impact of a clinical decision support system on pharmacy clinical interventions, documentation efforts, and costs. Hosp Pharm. 2013;48(9):744-52.

19 Hamblin S, Rumbaugh K, Miller R. Prevention of adverse drug events and cost savings associated with Pharm D interventions in an academic Level I trauma center: an evidence-based approach. J Trauma Acute Care Surg. 2012;73(6):1484-90.
-2020 Preslaski CR, Lat I, MacLaren R, Poston J. Pharmacist contributions as members of the multidisciplinary ICU team. Chest. 2013;144(5):1687-95. Review.)

Confrontando os nossos resultados com os da literatura, observou-se, ainda, que as RF do tipo ajuste de dose, manejo de eventos adversos e manejo de interações, também foram identificadas em outros estudos.(1010 Lee AJ, Boro MS, Knapp KK, Meier JL, Korman NE. Clinical and economic outcomes of pharmacist recommendations in a Veterans Affairs medical center. Am J Health Syst Pharm. 2002;59(21):2070-7.,1515 Ferracini FT, Almeida SM, Locatelli J, Petriccione S, Haga CS. Implementation and progress of clinical pharmacy in the rational medication use in a large tertiary hospital. Einstein. 2011;9(4):456-60.) As RF do tipo diluição foram as mais prevalente no presente estudo, porém este resultado não se repetiu nos estudos realizados em outras instituições brasileiras.(1515 Ferracini FT, Almeida SM, Locatelli J, Petriccione S, Haga CS. Implementation and progress of clinical pharmacy in the rational medication use in a large tertiary hospital. Einstein. 2011;9(4):456-60.,1616 Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Análise das intervenções de farmacêuticos clínicos em um hospital de ensino terciário do Brasil. Einstein. 2013;11(2):190-6.) Tal diferença pode ter origem no tipo de análise farmacêutica efetuada em relação às misturas intravenosas, já que o presente estudo levou em consideração não só a estabilidade do medicamento, mas também as necessidades de controle do balanço hídrico do paciente. RF relacionadas ao processo logístico, tal como a provisão de medicamentos, que corresponderam a 9,8% do total de recomendações, não foram relatadas por outros autores.(6Claus BO, Robays H, Decruyenaere J, Annemans L. Expected net benefit of clinical pharmacy in intensive care medicine: a randomized interventional comparative trial with matched before-and-after groups. J Eval Clin Pract. 2014;20(6):1172-9.,1515 Ferracini FT, Almeida SM, Locatelli J, Petriccione S, Haga CS. Implementation and progress of clinical pharmacy in the rational medication use in a large tertiary hospital. Einstein. 2011;9(4):456-60.,1616 Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Análise das intervenções de farmacêuticos clínicos em um hospital de ensino terciário do Brasil. Einstein. 2013;11(2):190-6.) As RF provisão do medicamento se referiram a garantia do acesso ao medicamento prescrito que estava indisponível naquele momento na farmácia responsável pela dispensação. Esse achado pode refletir a condição de falha no abastecimento ou a necessidade da revisão do guia farmacoterapêutico do hospital.

No último período do estudo, verificou-se um aumento no número das RF consideradas como de elevado impacto na estratégia farmacológica, sendo estas o ajuste de dose, a suspensão da terapia e a recomendação de início de terapia. Esse dado pode ser justificado por uma possível evolução do conhecimento clínico do farmacêutico e por uma maior integração à equipe multiprofissional da UTI. Recentemente, a literatura tem apontado como desejável uma participação mais ativa do farmacêutico na terapia farmacológica do paciente grave. Segundo esta, as ações terapêuticas na UTI devem envolver não somente a provisão de assessoria terapêutica para a equipe, como também a participação ativa nas decisões sobre manutenção da farmacoterapia.(2020 Preslaski CR, Lat I, MacLaren R, Poston J. Pharmacist contributions as members of the multidisciplinary ICU team. Chest. 2013;144(5):1687-95. Review.)

A suspensão da terapia chegou a ser recomendada em 14,2% dos casos no terceiro período do presente estudo. Um percentual semelhante de recomendações para suspensão da terapia foi encontrado por outros autores.(9Penm J, Chaar B, Rose G, Moles R. Pharmacists’ influences on prescribing: validating a clinical pharmacy services survey in the Western Pacific Region. Res Social Adm Pharm. 2015;11(1):63-73.,1515 Ferracini FT, Almeida SM, Locatelli J, Petriccione S, Haga CS. Implementation and progress of clinical pharmacy in the rational medication use in a large tertiary hospital. Einstein. 2011;9(4):456-60.) No estudo de Lee et al.,(1010 Lee AJ, Boro MS, Knapp KK, Meier JL, Korman NE. Clinical and economic outcomes of pharmacist recommendations in a Veterans Affairs medical center. Am J Health Syst Pharm. 2002;59(21):2070-7.) essa intervenção ocorreu em 12,8% dos casos e, no de Reis et al.,(1616 Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Análise das intervenções de farmacêuticos clínicos em um hospital de ensino terciário do Brasil. Einstein. 2013;11(2):190-6.) chegou a 18,9%.

De forma similar ao presente estudo, os resultados identificados por Claus et al.(6Claus BO, Robays H, Decruyenaere J, Annemans L. Expected net benefit of clinical pharmacy in intensive care medicine: a randomized interventional comparative trial with matched before-and-after groups. J Eval Clin Pract. 2014;20(6):1172-9.) e Reis et al.(1616 Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Análise das intervenções de farmacêuticos clínicos em um hospital de ensino terciário do Brasil. Einstein. 2013;11(2):190-6.) apresentaram os anti-infecciosos como alvo das RF. Essa classe de medicamentos foi a mais prevalente nas RF do nosso estudo.

Como principais limitações deste estudo, verifica-se que as RF foram executadas em um único hospital, em uma UTI com seis leitos; foram realizadas durante as atividades do farmacêutico residente em treinamento e sem cobertura integral dos finais de semana; e as RF não aceitas, bem como o motivo da não aceitação, não foram registradas. Essas limitações podem subestimar as oportunidades de intervenções farmacêuticas, sendo as quantidades destas possivelmente maiores do que as apresentadas neste estudo. Ainda assim, estes resultados servem como sinalizadores da necessidade de aprimoramento do instrumento de registros das RF para permitirem a identificação das RF não aceitas e seus motivos. Além disso, eles apontam também para a premente necessidade de ampliação da cobertura da assistência farmacêutica à beira do leito, de modo a torná-la diária e sem interrupções, bem como independente da presença e da atuação do farmacêutico residente.

Pela escassez de estudos semelhantes no Brasil, o tema desperta ainda a necessidade de uma mudança no paradigma sobre as contribuições do farmacêutico clínico à prática assistencial cotidiana em unidade de terapia intensiva, atuando de forma colaborativa, em prol da segurança do paciente e da qualidade assistencial. Nesse processo de incorporação do farmacêutico junto à equipe que presta assistência direta ao paciente na unidade de terapia intensiva, o treinamento prático, proporcionado pela residência multiprofissional com área de atuação em terapia intensiva, pode desempenhar um papel relevante.

CONCLUSÃO

O presente trabalho alertou para a crescente evolução da atuação do farmacêutico no cuidado intensivo, cujo foco das ações vem passando da logística e dispensação de medicamentos (ações reativas) para a participação clínica efetiva junto à equipe multiprofissional (ações proativas), resultando numa maior valorização das recomendações farmacêuticas na prática clínica.

  • Editor responsável: Jorge Ibrain Figueira Salluh

REFERÊNCIAS

  • 1
    Kane-Gill S, Weber RJ. Principles and practices of medication safety in the ICU. Crit Care Clin. 2006;22(2):273-90, vi. Review.
  • 2
    Cardinal LD, Matos VT, Resende GM, Toffoli-Kadri MC. Characterization of drug prescriptions in an adult intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(2):151-6.
  • 3
    Durbin CG Jr. Team model: advocating for the optimal method of care delivery in the intensive care unit. Crit Care Med. 2006;34(3 Suppl):S12-7.
  • 4
    Brilli RJ, Spevetz A, Branson RD, Campbell GM, Cohen H, Dasta JF, Harvey MA, Kelley MA, Kelly KM, Rudis MI, St Andre AC, Stone JR, Teres D, Weled BJ; American College of CriticalCare Medicine Task Force on Models of CriticalCareDelivery. The American College of Critical Care Medicine Guidelines for the Defintion of an Intensivist and the Practice of Critical Care Medicine. Critical care delivery in the intensive care unit: defining clinical roles and the best practice model. Crit Care Med. 2001;29(10):2007-19.
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC Nº 7, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2010; Secção 01, nº37.
  • 6
    Claus BO, Robays H, Decruyenaere J, Annemans L. Expected net benefit of clinical pharmacy in intensive care medicine: a randomized interventional comparative trial with matched before-and-after groups. J Eval Clin Pract. 2014;20(6):1172-9.
  • 7
    Chisholm-Burns MA, Kim Lee J, Spivey CA, Slack M, Herrier RN, Hall-Lipsy E, et al. US pharmacists’ effect as team members on patient care: systematic review and meta-analyses. Med Care. 2010;48(10):923-33.
  • 8
    Klopotowska JE, Kuiper R, van Kan HJ, de Pont AC, Dijkgraaf MG, Lie-A-Huen L, et al. On-ward participation of a hospital pharmacist in a Dutch intensive care unit reduces prescribing errors and related patient harm: an intervention study. Crit Care. 2010;14(5):R174.
  • 9
    Penm J, Chaar B, Rose G, Moles R. Pharmacists’ influences on prescribing: validating a clinical pharmacy services survey in the Western Pacific Region. Res Social Adm Pharm. 2015;11(1):63-73.
  • 10
    Lee AJ, Boro MS, Knapp KK, Meier JL, Korman NE. Clinical and economic outcomes of pharmacist recommendations in a Veterans Affairs medical center. Am J Health Syst Pharm. 2002;59(21):2070-7.
  • 11
    Sabater D, Fernandez-Llimos F, Parras M, Faus MJ. Tipos de intervenciones farmacéuticas en seguimiento farmacoterapéutico. Seguimiento Farmacoterapéutico. 2005;3(2):90-7.
  • 12
    Erstad BL, Haas CE, O’Keeffe T, Hokula CA, Parrinello K, Theodorou AA. Interdisciplinary patient care in the intensive care unit: focus on the pharmacist. Pharmacotherapy. 2011;31(2):128-37.
  • 13
    Kucukarslan SN, Corpus K, Mehta N, Mlynarek M, Peters M, Stagner L, et al. Evaluation of a dedicated pharmacist staffing model in the medical intensive care unit. Hosp Pharm. 2013;48(11):922-30.
  • 14
    Penm J, Li Y, Zhai S, Hu Y, Chaar B, Moles R. The impact of clinical pharmacy services in China on the quality use of medicines: a systematic review in context of China’s current healthcare reform. Health Policy Plan. 2014;29(7):849-72.
  • 15
    Ferracini FT, Almeida SM, Locatelli J, Petriccione S, Haga CS. Implementation and progress of clinical pharmacy in the rational medication use in a large tertiary hospital. Einstein. 2011;9(4):456-60.
  • 16
    Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Análise das intervenções de farmacêuticos clínicos em um hospital de ensino terciário do Brasil. Einstein. 2013;11(2):190-6.
  • 17
    WHO Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology. Guidelines for ATC classification and DDD assignment 2013.16th ed. Oslo; WHO; 2012.
  • 18
    Calloway S, Akilo HA, Bierman K. Impact of a clinical decision support system on pharmacy clinical interventions, documentation efforts, and costs. Hosp Pharm. 2013;48(9):744-52.
  • 19
    Hamblin S, Rumbaugh K, Miller R. Prevention of adverse drug events and cost savings associated with Pharm D interventions in an academic Level I trauma center: an evidence-based approach. J Trauma Acute Care Surg. 2012;73(6):1484-90.
  • 20
    Preslaski CR, Lat I, MacLaren R, Poston J. Pharmacist contributions as members of the multidisciplinary ICU team. Chest. 2013;144(5):1687-95. Review.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2014
  • Aceito
    16 Abr 2015
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br