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Distensibilidade da jugular interna, uma possibilidade não invasiva para avaliar responsividade a fluidos?

Grande parte dos pacientes graves internados em unidades de terapia intensiva (UTI) recebe, em algum momento da sua internação, a infusão de líquidos visando à expansão volêmica.(1Vincent JL. Issues in contemporary fluid management. Crit Care. 2000;4 Suppl 2:S1-2.) Na maioria dos casos, a expansão volêmica inicial não requer medidas mais sofisticadas e invasivas. Dados de história clínica e sinais clínicos de baixo fluxo podem sugerir a probabilidade de resposta à infusão hídrica inicial. Como sugerido por Vincent e Weil, “o conceito de expansão volêmica é como alimentar um bebê que chora e pode ter tanto sede quanto fome. A resposta do bebê à alimentação aparece rapidamente, assim que a necessidade é satisfeita”.(2Vincent JL, Weil MH. Fluid challenge revisited. Crit Care Med. 2006;34(5):1333-7.)

Infelizmente, esse princípio elementar frequentemente não é utilizado na prática. A análise recente das características de mais de 2.000 provas de volume demonstrou que pacientes graves tendem a ser tratados da mesma maneira, independentemente da avaliação inicial da reposta à expansão volêmica. Metade dos pacientes que se mostraram responsivos na prova de volume inicial não recebeu alíquotas adicionais e permaneceu sujeita à hipoperfusão, e metade dos não responsivos recebeu volume, sujeitando-os à sobrecarga de volume. Além disso, em aproximadamente 1/3 dos pacientes a avaliação clínica inicial de resposta cardiovascular resulta duvidosa. Mesmo nesses casos a infusão de alíquotas adicionais de volume tende a ser realizada em mais da metade desses pacientes sem uma avaliação mais cuidadosa.(3Cecconi M, Hofer C, Teboul JL, Pettila V, Wilkman E, Molnar Z, Della Rocca G, Aldecoa C, Artigas A, Jog S, Sander M, Spies C, Lefrant JY, De Backer D; FENICE Investigators and the ESICM Trial Group. Fluid challenges in intensive care: the FENICE study: A global inception cohort study. Intensive Care Med. 2015 Jul 11. [Epub ahead of print]) Ou seja, a prova de volume é frequentemente substituída por uma “prova de fé”, que se baseia muito mais na crença na possibilidade de reposta clínica à infusão de volume do que em parâmetros objetivos.

Contar com métodos de monitorização que permitam reconhecer o défice volêmico com precisão e agilidade é fundamental para minimizar danos teciduais relacionados ao hipofluxo e, por outro lado, evitar a sobrecarga de líquidos iatrogênica.(4Kreimeier U. Pathophysiology of fluid imbalance. Crit Care. 2000;4 Suppl 2:S3-7.,5Martin GS. Fluid balance and colloid osmotic pressure in acute respiratory failure: emerging clinical evidence. Crit Care. 2000;4 Suppl 2:S21-5.)

Uma série de métodos invasivos e não invasivos, conhecidos como parâmetros dinâmicos de avaliação da responsividade cardiovascular a volume, tem sido proposta como forma de refinamento da reposição volêmica. Dentre esses métodos, provavelmente o mais conhecido é a variação respiratória da pressão de pulso arterial (∆Pp), que tem sua primeira referência histórica em 1669, quando Lomer relatou a intensificação patológica da variação da pressão arterial num caso de pericardite, o que foi definido como “pulso paradoxal” por Kussmaul.(6Khasnis A, Lokhandwala Y. Clinical signs in medicine: pulsus paradoxus. J Postgrad Med. 2002;48(1):46-9.) Em 1899, Otto Frank desenvolveu um modelo experimental que simulava, com câmaras de ar, a interação entre coração e circulação, facilitando o entendimento da relação entre tônus arterial, volume sistólico e pressão de pulso arterial.(7Frank O. Die Grundform des arteriellen pulses. Erste Abhandlung: mathematische analyse. Zeitsch Biol. 1899;37:483-526.,8Erlanger J, Hooker DR. An experimental study of blood-pressure and of pulse-pressure in man. Johns Hopkins Hosp Rep. 1904;12:145-378.) A ventilação mecânica com pressão positiva inverte as pressões intratorácicas, provocando aumento da pressão arterial durante a inspiração, o que foi definido como pulso paradoxal reverso em 1973.(9Massumi RA, Mason DT, Vera Z, Zelis R, Otero J, Amsterdam EA. Reversed pulsus paradoxus. N Engl J Med. 1973;289(24):1272-5.) A partir de 1978, diferentes pesquisadores passaram a avaliar a ligação entre o estado volêmico e a variação sistólica da pressão arterial,(1010 Michard F. Changes in arterial pressure during mechanical ventilation. Anesthesiology. 2005;103(2):419-28; quiz 449-5.

11 Jardin F, Farcot JC, Gueret P, Prost JF, Ozier Y, Bourdarias JP. Cyclic changes in arterial pulse during respiratory support. Circulation. 1983;68(2):266-74.

12 Pinsky MR, Summer WR. Cardiac augmentation by phasic high intrathoracic pressure support in man. Chest. 1983;84(4):370-5.

13 Coyle JP, Teplick RS, Long MC, Davison JK. Respiratory variations in systemic arterial pressure as an indicator of volume status [abstract]. Anesthesiology. 1983;59:A53.

14 Perel A, Pizov R, Cotev S. Systolic blood pressure variation is a sensitive indicator of hypovolemia in ventilated dogs subjected to graded hemorrhage. Anesthesiology. 1987;67(4):498-502.

15 Pizov R, Ya'ari Y, Perel A. Systolic pressure variation is greater during hemorrhage than during sodium nitroprusside-induced hypotension in ventilated dogs. Anesth Analg. 1988;67(2):170-4.

16 Pizov R, Ya'ari Y, Perel A. The arterial pressure waveform during acute ventricular failure and synchronized external chest compression. Anesth Analg. 1989;68(2):150-6.
-1717 Szold A, Pizov R, Segal E, Perel A. The effect of tidal volume and intravascular volume state on systolic pressure variation in ventilated dogs. Intensive Care Med. 1989;15(6):368-71.) até que, em 2000, Michard et al.(1818 Michard F, Boussat S, Chemla D, Anguel N, Mercat A, Lecarpentier Y, et al. Relation between respiratory changes in arterial pulse pressure and fluid responsiveness in septic patients with acute circulatory failure. Am J Respir Crit Care Med. 2000;162(1):134-8.)despertaram a atenção para a alta acurácia no uso clínico do ∆Pp na avaliação da fluidorreponsividade em pacientes sépticos. Essas variações pressóricas observadas no leito arterial têm correspondência no leito venoso. A pressurização torácica incide sobre o coração direito e veias cavas, influenciando no retorno sanguíneo ao coração, o que resulta na variação da pressão venosa central durante os movimentos ventilatórios.(1919 Pinsky MR. Recent advances in the clinical application of heart-lung interactions. Curr Opin Crit Care. 2002;8(1):26-31. Review.

20 Magder S. Clinical usefulness of respiratory variations in arterial pressure. Am J Respir Crit Care Med. 2004;169(2):151-5.

21 Jardin F, Vieillard-Baron A. Monitoring of right-sided heart function. Curr Opin Crit Care. 2005;11(3):271-9.
-2222 Westphal GA, Silva E, Caldeira Filho M, Roman Gonçalves AR, Poli-de-Figueiredo LF. Variation in amplitude of central venous pressure curve induced by respiration is a useful tool to reveal fluid responsiveness in postcardiac surgery patients. Shock. 2006;26(2):140-5.)

Em indivíduos responsivos a volume, a pressão em torno das veias intratorácicas (inspiração mecânica) excede a pressão interna do vaso, e a estrutura vascular tende ao colapso.(2222 Westphal GA, Silva E, Caldeira Filho M, Roman Gonçalves AR, Poli-de-Figueiredo LF. Variation in amplitude of central venous pressure curve induced by respiration is a useful tool to reveal fluid responsiveness in postcardiac surgery patients. Shock. 2006;26(2):140-5.) Essa constrição gerada na porção intratorácica do leito venoso durante a inspiração mecânica funciona como um resistor de fluxo, ingurgitando e distendendo as porções extratorácicas de grandes vasos venosos, como a porção infradiafragmática da veia cava inferior (VCI) e as jugulares. Assim, pacientes responsivos tendem a apresentar aumento do índice de colapso inspiratório da veia cava superior (VCS) e dos índices de distensibilidade da veia cava inferior (VCI) e das jugulares internas durante a ventilação mecânica.(2121 Jardin F, Vieillard-Baron A. Monitoring of right-sided heart function. Curr Opin Crit Care. 2005;11(3):271-9.,2323 Guarracino F, Ferro B, Forfori F, Bertini P, Magliacano L, Pinsky MR. Jugular vein distensibility predicts fluid responsiveness in septic patients. Crit Care. 2014;18(6):647.)

Neste número da RBTI, o estudo proposto por Broilo et al.(2424 Broilo F, Meregalli A, Friedman G. Right internal jugular vein distensibility appears to be an alternative to inferior vena cava vein distensibility to evaluate fluid responsiveness. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(3):205-11.) reforça a ideia de que a variação respiratória do diâmetro da jugular interna (ΔDRIJ) tem boa concordância com a variação respiratória do diâmetro da veia cava inferior (ΔDIVC), sugerindo que a distensibilidade da jugular interna pode configurar uma alternativa não invasiva e de fácil execução para avaliação da fluidorresponsividade em pacientes sob ventilação mecânica. A obtenção de imagens da VCI pode ser difícil em pacientes obesos, com distensão abdominal e ascite, e as imagens da VCS requerem ecocardiografia transesofágica, limitando sua aplicação.(2323 Guarracino F, Ferro B, Forfori F, Bertini P, Magliacano L, Pinsky MR. Jugular vein distensibility predicts fluid responsiveness in septic patients. Crit Care. 2014;18(6):647.) Considerando que obtenção de imagens das jugulares internas não requer ecocardiografia transesofageana e é tecnicamente mais simples do que a visualização da VCI, parece se tratar um método simples e promissor para avaliação da fluidorresponsividade à beira do leito. No entanto, as limitações do estudo devem ser levadas em consideração na interpretação dos dados. O estudo em tela(2424 Broilo F, Meregalli A, Friedman G. Right internal jugular vein distensibility appears to be an alternative to inferior vena cava vein distensibility to evaluate fluid responsiveness. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(3):205-11.)restringiu-se a avaliar a concordância entre ΔDRIJ e ΔDIVC, sem testar a capacidade da ΔDRIJ em predizer a fluidorreponsividade com base no comportamento do débito cardíaco à expansão volêmica. Além disso, publicações recentes têm questionado a acurácia da ΔDIVC em predizer a reposta à infusão de volume.(2525 Sobczyk D, Nycz K, Andruszkiewicz P. Bedside ultrasonographic measurement of the inferior vena cava fails to predict fluid responsiveness in the first 6 hours after cardiac surgery: a prospective case series observational study. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2015;29(3):663-9.,2626 Charbonneau H, Riu B, Faron M, Mari A, Kurrek MM, Ruiz J, et al. Predicting preload responsiveness using simultaneous recordings of inferior and superior vena cava diameters. Crit Care. 2014;18(5):473.) Assim, conforme ressalva do próprios autores, sugere-se que os achados sejam interpretados com cautela, até a divulgação de novos estudos. Sublinhamos ainda que o método se aplica a pacientes sedados e sob ventilação mecânica e devendo-se ter cuidado na interpretação dos dados em pacientes com condições que cursam com aumento da pressão venosa (cor pulmonale e insuficiência ventricular), bem como o ingurgitamento das jugulares, em razão do posicionamento inadequado da cabeceira do paciente.(2323 Guarracino F, Ferro B, Forfori F, Bertini P, Magliacano L, Pinsky MR. Jugular vein distensibility predicts fluid responsiveness in septic patients. Crit Care. 2014;18(6):647.,2424 Broilo F, Meregalli A, Friedman G. Right internal jugular vein distensibility appears to be an alternative to inferior vena cava vein distensibility to evaluate fluid responsiveness. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(3):205-11.)

REFERÊNCIAS

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    Vincent JL. Issues in contemporary fluid management. Crit Care. 2000;4 Suppl 2:S1-2.
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    Vincent JL, Weil MH. Fluid challenge revisited. Crit Care Med. 2006;34(5):1333-7.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015
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