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A distensibilidade da veia jugular interna parece ser uma alternativa à distensibilidade da veia cava inferior para avaliar a responsividade a fluidos

RESUMO

Objetivo:

Investigar se a variação respiratória no diâmetro da veia cava inferior (ΔDVCI) e no diâmetro da veia jugular interna direita (ΔDVJID) se correlacionam em pacientes submetidos à ventilação mecânica.

Métodos:

Estudo clínico prospectivo realizado em uma unidade de terapia intensiva de um hospital universitário. Foram incluídos 39 pacientes mecanicamente ventilados e com instabilidade hemodinâmica. Os valores da variação do diâmetro da veia cava inferior e da variação do diâmetro da veia jugular interna direita foram avaliados por meio de ecografia. A distensibilidade da veia foi calculada como a razão de (A) Dmin - Dmax/Dmin e (B) Dmax - Dmin/média de Dmax - Dmin, e expressa como porcentagem.

Resultados:

Com ambos os métodos, observou-se correlação entre a variação do diâmetro da veia cava inferior e a variação do diâmetro da veia jugular interna direita: (A) r = 0,34, p = 0,04 e (B) r = 0,51, p = 0,001. Utilizando o ponto de corte de 18% para indicar responsividade a fluidos na variação do diâmetro da veia cava inferior, pelo o método (A), 16 pacientes foram considerados responsivos e 35 medições mostraram concordância (Kappa ponderado = 0,80). A área sob a curva ROC foi de 0,951 (IC95% 0,830 - 0,993; valor de corte = 18,92). Usando 12% como ponto de corte para a variação do diâmetro da veia cava inferior para indicar capacidade de resposta a fluidos, pelo método (B), 14 pacientes foram responsivos e 32 medições mostraram concordância (Kappa ponderado = 0,65). A área sob a curva ROC foi de 0,903 (IC95% 0,765 - 0,973; valor de corte = 11,86).

Conclusão:

As variações respiratórias nas dimensões da veia cava inferior e da veia jugular interna direita se correlacionaram e mostraram concordância significativa. Avaliação da distensibilidade da veia jugular interna direita parece ser uma alternativa à distensibilidade da veia cava inferior para avaliar a responsividade a fluidos.

Descritores:
Veia cava inferior/ultrassonografia; Veias jugulares/ultrassonografia; Hidratação; Respiração artificial; Hemodinâmica

ABSTRACT

Objective:

To investigate whether the respiratory variation of the inferior vena cava diameter (∆DIVC) and right internal jugular vein diameter (∆DRIJ) are correlated in mechanically ventilated patients.

Methods:

This study was a prospective clinical analysis in an intensive care unit at a university hospital. Thirty-nine mechanically ventilated patients with hemodynamic instability were included. ∆DIVC and ∆DRIJ were assessed by echography. Vein distensibility was calculated as the ratio of (A) Dmax - Dmin/Dmin and (B) Dmax - Dmin/ mean of Dmax - Dmin and expressed as a percentage.

Results:

∆DIVC and ∆DRIJ were correlated by both methods: (A) r = 0.34, p = 0.04 and (B) r = 0.51, p = 0.001. Using 18% for ∆DIVC, indicating fluid responsiveness by method (A), 16 patients were responders and 35 measurements showed agreement (weighted Kappa = 0.80). The area under the ROC curve was 0.951 (95%CI 0.830 - 0.993; cutoff = 18.92). Using 12% for ∆DIVC, indicating fluid responsiveness by method (B), 14 patients were responders and 32 measurements showed agreement (weighted Kappa = 0.65). The area under the ROC curve was 0.903 (95%CI 0.765 - 0.973; cut-off value = 11.86).

Conclusion:

The respiratory variation of the inferior vena cava and the right internal jugular veins are correlated and showed significant agreement. Evaluation of right internal jugular vein distensibility appears to be a surrogate marker for inferior vena cava vein distensibility for evaluating fluid responsiveness.

Keywords:
Vena cava, inferior/ ultrasonography; Jugular veins/ ultrasonography; Fluid therapy; Respiration, artificial; Hemodynamics

INTRODUÇÃO

Frequentemente, a hipovolemia é causa de falência circulatória, que deve ser corrigida. A expansão do volume melhora o prognóstico,(1Weil MH, Nishjima H. Cardiac output in bacterial shock. Am J Med. 1978;64(6):920-2.,2Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, Peterson E, Tomlanovich M; Early Goal-Directed Therapy Collaborative Group. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001;345(19):1368-77.) enquanto o uso inadequado de vasoconstritores leva a uma perigosa hipoperfusão tissular.(3De Backer D, Biston P, Devriendt J, Madl C, Chochrad D, Aldecoa C, Brasseur A, Defrance P, Gottignies P, Vincent JL; SOAP II Investigators. Comparison of dopamine and norepinephrine in the treatment of shock. N Engl J Med. 2010;362(9):779-89.,4Murakawa K, Kobayashi A. Effects of vasopressors on renal tissue gas tensions during hemorrhagic shock in dogs. Crit Care Med. 1988;16(8):789-92.) Contudo, a expansão do volume pode se mostrar ineficaz ou até mesmo prejudicial, piorando a insuficiência cardíaca preexistente ou degradando a troca gasosa em pacientes mecanicamente ventilados.(5Pinsky MR, Teboul JL. Assessment of indices of preload and volume responsiveness. Curr Opin Crit Care. 2005;11(3):235-9.) É, desse modo, essencial contar com ferramentas confiáveis para prever a eficácia da expansão do volume em pacientes críticos. Diversas ferramentas se mostraram suficientemente confiáveis, inclusive mensurações minimamente invasivas, como a variação da pressão de pulso.(6Michard F, Boussat S, Chemla D, Anguel N, Mercat A, Lecarpentier Y, et al. Relation between respiratory changes in arterial pulse pressure and fluid responsiveness in septic patients with acute circulatory failure. Am J Respir Crit Care Med. 2000;162(1):134-8.,7Oliveira-Costa CD, Friedman G, Vieira SR, Fialkow L. Pulse pressure variation and prediction of fluid responsiveness in patients ventilated with low tidal volumes. Clinics (Sao Paulo). 2012;67(7):773-8.) A veia cava inferior (VCI) pode ser observada no exame ultrassonográfico por uma abordagem subcostal. A VCI é um vaso sanguíneo complacente que se distende facilmente, especialmente em casos de hipovolemia.(8Feissel M, Michard F, Faller JP, Teboul JL. The respiratory variation in inferior vena cava diameter as a guide to fluid therapy. Intensive Care Med. 2004;30(9):1834-7.,9Barbier C, Loubières Y, Schmit C, Hayon J, Ricôme JL, Jardin F, et al. Respiratory changes in inferior vena cava diameter are helpful in predicting fluid responsiveness in ventilated septic patients. Intensive Care Med. 2004;30(9):1740-6.) A ventilação mecânica induz a variações cíclicas no fluxo na veia cava e em seu diâmetro, que se refletem em modificações do fluxo sanguíneo no intervalo de tempo de alguns batimentos cardíacos.(1010 Morgan BC, Martin WE, Hornbein TF, Crawford EW, Guntheroth WG. Hemodynamic effects of intermittent positive pressure respiration. Anesthesiology. 1966;27(5):584-90.,1111 Natori H, Tamaki S, Kira S. Ultrasonographic evaluation of ventilatory effect on inferior vena caval configuration. Am Rev Respir Dis. 1979;120(2):421-7.) Demonstrou-se que tais alterações no fluxo permitem uma predição precisa da responsividade a fluidos.(5Pinsky MR, Teboul JL. Assessment of indices of preload and volume responsiveness. Curr Opin Crit Care. 2005;11(3):235-9.,1212 Michard F, Teboul JL. Predicting fluid responsiveness in ICU patients: a critical analysis of the evidence. Chest. 2002;121(6):2000-8.)

No entanto, em 10 a 15% dos pacientes, não é possível medir a VCI em razão do tamanho do corpo, do excesso de gases intestinais e de grandes quantidades de ar intratorácico.(1313 Nagdev AD, Merchant RC, Tirado-Gonzalez A, Sisson CA, Murphy MC. Emergency department bedside ultrasonographic measurement of the caval index for noninvasive determination of low central venous pressure. Ann Emerg Med. 2010;55(3):290-5.) É bem conhecido que as alterações de pressão e volume nas veias sistêmicas do compartimento intratorácico são refletidas pelas veias extratorácicas, como no caso da veia jugular interna (VJI) extratorácica.(1414 Akilli NB, Cander B, Dundar ZD, Koylu R. A new parameter for the diagnosis of hemorrhagic shock: jugular index. J Crit Care. 2012;27(5):530.e13-8.

15 Unluer EE, Kara PH. Ultrasonography of jugular vein as a marker of hypovolemia in healthy volunteers. Am J Emerg Med. 2013;31(1):173-7.
-1616 Sankoff J, Zidulka A. Non-invasive method for the rapid assessment of central venous pressure: description and validation by a single examiner. West J Emerg Med. 2008;9(4):201-5.) A mensuração ultrassonográfica do diâmetro da VJI foi estudada em diversos artigos que avaliaram hipovolemia após doação de sangue.(1414 Akilli NB, Cander B, Dundar ZD, Koylu R. A new parameter for the diagnosis of hemorrhagic shock: jugular index. J Crit Care. 2012;27(5):530.e13-8.,1515 Unluer EE, Kara PH. Ultrasonography of jugular vein as a marker of hypovolemia in healthy volunteers. Am J Emerg Med. 2013;31(1):173-7.)Recentemente, Guarracino et al. demonstraram que a distensibilidade da VJI prediz de forma precisa a responsividade a volume.(1717 Guarracino F, Ferro B, Forfori F, Bertini P, Magliacane L, Pinsky MR. Jugular vein distensibility predicts fluid responsiveness in septic patients. Crit Care. 2014;18(6):647.) Esses autores identificaram que a distensibilidade da VJI em mais de 18% antes do desafio com fluidos, tem uma sensibilidade de 80% e especificidade de 85%. O objetivo de nosso estudo foi testar a hipótese de que as alterações respiratórias no diâmetro da VJI direita (VJID) em pacientes submetidos à ventilação mecânica são similares às alterações respiratórias observadas na VCI e podem ajudar a prever a responsividade a volume nos casos em que a observação da VCI é difícil.

MÉTODOS

Pacientes

Este estudo prospectivo envolveu um período de 11 meses (de fevereiro a dezembro de 2012) e foi realizado na Unidade de Terapia Intensiva Central do Complexo Hospitalar Santa Casa, em Porto Alegre (RS). Foram incluídos pacientes ventilados (com idade igual ou superior a 18 anos) se apresentassem instabilidade circulatória e necessitassem de um desafio com volume rápido indicado pelo médico responsável. A decisão do médico baseava-se na presença de sinais clínicos de falência circulatória aguda (redução da pressão arterial ou débito urinário, taquicardia e pele motiada) e/ou sinais clínicos de disfunção de órgãos (disfunção renal, hiperlactatemia ou acidemia).

A ventilação mecânica foi realizada com o modo controlado por volume, utilizando um aparelho Servo Ventilator 300 (Siemens, Suécia). O estudo demandava perfeita adaptação do paciente ao ventilador antes de iniciar o ciclo respiratório. Todos os pacientes se encontravam em posição supina com elevação da cabeça em 30º com parâmetros ventilatórios ajustados para manter um volume corrente de 6 a 10mL/kg e uma pressão expiratória final positiva (PEEP) de 5 a 0cmH2O. O Comitê de Ética do Complexo Hospitalar Santa Casa aprovou o estudo sob o nº 38077214.1.0000.5335 - Plataforma Brasil, dispensando a necessidade de se obter a assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Mensurações

Um único médico intensivista, devidamente certificado em avaliação por ultrassom (competência em nível básico),(1818 Mayo PH, Beaulieu Y, Doelken P, Feller-Kopman D, Harrod C, Kaplan A, et al. American College of Chest Physicians/La Société de Réanimation de Langue Française statement on competence in critical care ultrasonography. Chest. 2009;135(4):1050-60.) realizou todos os exames ultrassonográficos (utilizando um equipamento Siemens ACUSONX150, Coréia). Um professor associado de terapia intensiva supervisionou ambos os exames. Um setor ecográfico bidimensional foi utilizado para visualizar a VCI (abordagem subxifoide no eixo longitudinal longo) e seu cursor no modo M foi usado para gerar um registro da movimentação temporal do diâmetro da VCI (DVCI) a cerca de 3cm do átrio direito. Foram coletados os valores máximos e mínimos de DVCI durante um único ciclo respiratório. Para a observação da VJID, foi utilizado um transdutor linear sobre o pescoço, utilizando-se o músculo esternocleidomastoídeo como referência externa; a VJI foi avaliada imediatamente abaixo da bifurcação das inserções musculares do esternocleidomastoídeo no esterno e na clavícula. Para identificar a VJI, foi utilizada uma compressão delicada, a fim de diferenciá-la da artéria carótida. A partir de então, foi aliviada a pressão do probe com a finalidade de evitar influencia nos diâmetros da VJI. O eixo transversal da VJI foi registrado durante um único ciclo respiratório. Pacientes com evidência de trombose da veia jugular ou de fibrilação atrial foram excluídos do estudo.

O índice de distensibilidade da VCI (ΔDVCI) e da VJI direita (ΔDVJID), que reflete seus diâmetros na inspiração, foi calculado com base em dois métodos:

  1. Diferença (Δ) entre os valores máximo e mínimo do diâmetro dividida pelo diâmetro mínimo durante a expiração. Define-se responsividade a fluidos quando o valor para a VCI é > 18%.(9Barbier C, Loubières Y, Schmit C, Hayon J, Ricôme JL, Jardin F, et al. Respiratory changes in inferior vena cava diameter are helpful in predicting fluid responsiveness in ventilated septic patients. Intensive Care Med. 2004;30(9):1740-6.)

  2. Diferença (Δ) entre os valores máximo e mínimo do diâmetro dividida pela média dos dois valores. Define-se responsividade a fluidos quando o valor da distensibilidade da VCI é > 12%.(8Feissel M, Michard F, Faller JP, Teboul JL. The respiratory variation in inferior vena cava diameter as a guide to fluid therapy. Intensive Care Med. 2004;30(9):1834-7.)

Análise estatística

Para cada parâmetro foi calculada a diferença entre os valores utilizando o teste t para amostras independentes. A correlação dos parâmetros (dados brutos e após transformação logarítmica) foi avaliada utilizando o teste de correlação de Pearson. Para significância estatística, consideramos o limite de p < 0,05. A concordância entre ΔDVCI e ΔDVJID foi avaliada utilizando a mensuração Kappa ponderada. Para comparar a capacidade preditiva da ΔDVJID para discriminar entre pacientes responsivos a fluidos e não responsivos, foram realizados para ambos os métodos a computação de uma área sob a curva característica de operação do receptor (ROC, sigla do inglês receiver operating characteristic).

RESULTADOS

Inicialmente, foram incluídos um total de 46 pacientes. Cinco deles foram excluídos em razão de dificuldades para identificação da VCI na ultrassonografia. Três dos pacientes tinham sido submetidos à laparotomia, e um quarto paciente era obeso mórbido. Outros dois pacientes foram excluídos por identificação ao exame ultrassonográfico de trombose da VJID. Assim, foi incluído na análise final um total de 39 pacientes, sendo 23 do sexo masculino (59%). A tabela 1 apresenta as características demográficas e dados hemodinâmicos e ventilatórios. Trinta pacientes receberam noradrenalina e um recebeu dobutamina. Não se observaram diferenças em termos de pressão venosa central (PVC), frequência cardíaca (FC), pressão arterial média (PAM), escore Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) ou Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) entre pacientes responsivos e não responsivos, por qualquer dos métodos de cálculo de distensibilidade da veia cava inferior (Tabela 2).

Tabela 1
Características demográficas
Tabela 2
Comparações entre os valores basais em pacientes responsivos e não responsivos

O diâmetro anteroposterior da VCI durante a inspiração foi de 21 ± 6mm e, durante a expiração, foi de 18 ± 6mm (p < 0,0001). O diâmetro inspiratório da VJID foi de 11 ± 4mm e o expiratório de 9 ± 4mm (p < 0,0001). ΔDVCI e ΔDVJID tiveram correlação significante em ambos os métodos de cálculo (Figura 1). As correlações não tiveram distribuição normal, mas a transformação logarítmica revelou uma correlação altamente significante (Figura 2).

Figura 1
Distensibilidade da veia cava inferior e da veia jugular interna direita se correlacionaram fortemente pelo método 1 (valor de corte para responsividade a fluidos: 18%) e método 2 (valor de corte para responsividade a fluidos: 12%). Os pontos vazios representam os pontos de discordância. Teste de correlação de Pearson. ΔDVJID - distensibilidade da veia jugular interna direita; ΔDVCI - distensibilidade da veia cava inferior.
Figura 2
Correlação de Pearson após transformação logarítmica da distensibilidade da veia cava inferior e da veia jugular interna direita. ΔDVJID - distensibilidade da veia jugular interna direita; ΔDVCI - distensibilidade da veia cava inferior.

Com uso de um valor de ΔDVCI de 18% como valor de corte para indicar responsividade a fluidos para o método A, 16 pacientes foram considerados responsivos e 35 mensurações demonstraram concordância (15 responsivos) com um Kappa ponderado muito bom (k = 0,80). Com uso de um valor de ΔDVCI de 12% como valor de corte para indicar responsividade a fluidos para o método B, 14 pacientes foram considerados responsivos e 32 mensurações demonstraram concordância (13 responsivos) com um Kappa ponderado bom (k = 0,65). Ambos os métodos concordaram em 31 mensurações.

ΔDVJID pelo método A demonstrou uma área sob a curva ROC de 0,951 (IC95% 0,830 - 0,993) com um valor de corte de 18,92% (sensibilidade 100%, especificidade 78%). ΔDVJID pelo método B demonstrou uma área sob a curva ROC de 0,903 (IC95% 0,765 - 0,973) e um valor de corte de 11,86% (sensibilidade 100%, especificidade 72%) (Figura 3).

Figura 3
Análise da curva Característica de Operação do Receptor para o índice de distensibilidade da veia jugular interna direita na predição da responsividade a fluidos com base nos valores de distensibilidade da veia cava inferior de 18% pelo método A e 12% pelo método B. A área sob a curva Característica de Operação do Receptor foi de 0,951 (IC95% 0,830 - 0,993) e 0,903 (IC95% 0,765 - 0,973), respectivamente. ∆DVJID - distensibilidade da veia jugular interna direita; ∆DVCI - distensibilidade da veia cava inferior.

DISCUSSÃO

Nossos achados demonstram que a avaliação ultrassonográfica das alterações respiratórias do diâmetro da VJID podem servir como uma alternativa simples para substituir os índices de distensibilidade da VCI na avaliação da adequação da expansão volumétrica em pacientes submetidos à ventilação mecânica.

A correção da hipovolemia é de importância fundamental,(1Weil MH, Nishjima H. Cardiac output in bacterial shock. Am J Med. 1978;64(6):920-2.,2Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, Peterson E, Tomlanovich M; Early Goal-Directed Therapy Collaborative Group. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001;345(19):1368-77.)porém, em pacientes submetidos à ventilação mecânica, sua correção deve ser guiada para evitar uma expansão do volume ineficaz ou até mesmo prejudicial, com piora da função respiratória.(5Pinsky MR, Teboul JL. Assessment of indices of preload and volume responsiveness. Curr Opin Crit Care. 2005;11(3):235-9.) A ventilação mecânica induz a variações cíclicas no diâmetro da veia cava que já se demonstraram serem preditoras precisas da responsividade a fluidos.(8Feissel M, Michard F, Faller JP, Teboul JL. The respiratory variation in inferior vena cava diameter as a guide to fluid therapy. Intensive Care Med. 2004;30(9):1834-7.,9Barbier C, Loubières Y, Schmit C, Hayon J, Ricôme JL, Jardin F, et al. Respiratory changes in inferior vena cava diameter are helpful in predicting fluid responsiveness in ventilated septic patients. Intensive Care Med. 2004;30(9):1740-6.,1919 Moretti R, Pizzi B. Inferior vena cava distensibility as a predictor of fluid responsiveness in patients with subarachnoid hemorrhage. Neurocrit Care. 2010;13(1):3-9.) Contudo, frequentemente não é possível realizar a avaliação da VCI.(1313 Nagdev AD, Merchant RC, Tirado-Gonzalez A, Sisson CA, Murphy MC. Emergency department bedside ultrasonographic measurement of the caval index for noninvasive determination of low central venous pressure. Ann Emerg Med. 2010;55(3):290-5.)

Há alguns estudos que avaliaram as variações respiratórias do diâmetro da VJID para avaliar hipovolemia ou a resposta hemodinâmica a desafio com fluidos, e tais estudos foram realizados principalmente em pacientes sob respiração espontânea.(1414 Akilli NB, Cander B, Dundar ZD, Koylu R. A new parameter for the diagnosis of hemorrhagic shock: jugular index. J Crit Care. 2012;27(5):530.e13-8.,1515 Unluer EE, Kara PH. Ultrasonography of jugular vein as a marker of hypovolemia in healthy volunteers. Am J Emerg Med. 2013;31(1):173-7.,1717 Guarracino F, Ferro B, Forfori F, Bertini P, Magliacane L, Pinsky MR. Jugular vein distensibility predicts fluid responsiveness in septic patients. Crit Care. 2014;18(6):647.) Durante a inspiração, a pressão dentro do tórax aumenta mais acentuadamente do que a pressão fora do tórax. Assim, o gradiente pressórico para o retorno venoso é reduzido, o retorno venoso sistêmico diminui, o volume do sangue venoso extratorácico diminui, e, dessa forma, o diâmetro intraluminar das veias distensíveis, como a veia jugular, aumenta.(8Feissel M, Michard F, Faller JP, Teboul JL. The respiratory variation in inferior vena cava diameter as a guide to fluid therapy. Intensive Care Med. 2004;30(9):1834-7.,1010 Morgan BC, Martin WE, Hornbein TF, Crawford EW, Guntheroth WG. Hemodynamic effects of intermittent positive pressure respiration. Anesthesiology. 1966;27(5):584-90.,1111 Natori H, Tamaki S, Kira S. Ultrasonographic evaluation of ventilatory effect on inferior vena caval configuration. Am Rev Respir Dis. 1979;120(2):421-7.) Em um paciente hipovolêmico, pode ocorrer uma diminuição mais acentuada do retorno venoso durante insuflação.

Nosso estudo demonstrou que as modificações ocorridas no diâmetro da VJI durante inspiração e expiração foram significantes. Diversos estudos delineados para avaliar modificações na VJI antes e após doação de sangue(1414 Akilli NB, Cander B, Dundar ZD, Koylu R. A new parameter for the diagnosis of hemorrhagic shock: jugular index. J Crit Care. 2012;27(5):530.e13-8.,1515 Unluer EE, Kara PH. Ultrasonography of jugular vein as a marker of hypovolemia in healthy volunteers. Am J Emerg Med. 2013;31(1):173-7.)ou desafio com fluidos(1717 Guarracino F, Ferro B, Forfori F, Bertini P, Magliacane L, Pinsky MR. Jugular vein distensibility predicts fluid responsiveness in septic patients. Crit Care. 2014;18(6):647.)apresentaram resultados semelhantes. Contudo, em pacientes sob respiração espontânea, o colapso da VJI pode ser inexato.

Pacientes criticamente enfermos submetidos à ventilação mecânica são ainda menos bem estudados. Recentemente, Guarracino et al. demonstraram que a distensibilidade da VJI prevê a responsividade a volume de forma precisa.(1717 Guarracino F, Ferro B, Forfori F, Bertini P, Magliacane L, Pinsky MR. Jugular vein distensibility predicts fluid responsiveness in septic patients. Crit Care. 2014;18(6):647.) Estes autores mediram o débito cardíaco para calcular um ponto de corte de 18% com uma sensibilidade de 80% e uma especificidade de 85% para prever a resposta. Assim, comparamos a distensibilidade da VJID com a da VCI para prever a responsividade a fluidos, para explorar a hipótese de que as modificações respiratórias cíclicas em ambas as veias seriam similares. Em nossa população de pacientes mecanicamente ventilados e com instabilidade hemodinâmica, demonstramos que os índices de distensibilidade da VCI e os índices de distensibilidade da VJID concordam e têm boa correlação. Considerados em conjunto, apesar das diferenças em termos de delineamento do estudo, nossos achados concordam com os de Guarracino et al.(1717 Guarracino F, Ferro B, Forfori F, Bertini P, Magliacane L, Pinsky MR. Jugular vein distensibility predicts fluid responsiveness in septic patients. Crit Care. 2014;18(6):647.) Embora não tenhamos avaliado a expansão do volume, foi demonstrado que a ΔVCI é um bom método para avaliar a responsividade a fluidos em pacientes mecanicamente ventilados,(8Feissel M, Michard F, Faller JP, Teboul JL. The respiratory variation in inferior vena cava diameter as a guide to fluid therapy. Intensive Care Med. 2004;30(9):1834-7.,9Barbier C, Loubières Y, Schmit C, Hayon J, Ricôme JL, Jardin F, et al. Respiratory changes in inferior vena cava diameter are helpful in predicting fluid responsiveness in ventilated septic patients. Intensive Care Med. 2004;30(9):1740-6.) e os nossos resultados demonstram que existe uma boa correlação entre ΔDVCI e ΔDVJID.

Cerca de dois terços dos pacientes de nosso estudo foram não responsivos. Este achado é coerente com os de outros estudos delineados para examinar a responsividade a fluidos(7Oliveira-Costa CD, Friedman G, Vieira SR, Fialkow L. Pulse pressure variation and prediction of fluid responsiveness in patients ventilated with low tidal volumes. Clinics (Sao Paulo). 2012;67(7):773-8.

Feissel M, Michard F, Faller JP, Teboul JL. The respiratory variation in inferior vena cava diameter as a guide to fluid therapy. Intensive Care Med. 2004;30(9):1834-7.
-9Barbier C, Loubières Y, Schmit C, Hayon J, Ricôme JL, Jardin F, et al. Respiratory changes in inferior vena cava diameter are helpful in predicting fluid responsiveness in ventilated septic patients. Intensive Care Med. 2004;30(9):1740-6.,1212 Michard F, Teboul JL. Predicting fluid responsiveness in ICU patients: a critical analysis of the evidence. Chest. 2002;121(6):2000-8.,2020 Huang CC, Fu JY, Hu HC, Kao KC, Chen NH, Hsieh MJ, et al. Prediction of fluid responsiveness in acute respiratory distress syndrome patients ventilated with low tidal volume and high positive end-expiratory pressure. Crit Care Med. 2008;36(10):2810-6.

21 Muller L, Bobbia X, Toumi M, Louart G, Molinari N, Ragonnet B, Quintard H, Leone M, Zoric L, Lefrant JY; AzuRea group. Respiratory variations of inferior vena cava diameter to predict fluid responsiveness in spontaneously breathing patients with acute circulatory failure: need for a cautious use. Crit Care. 2012;16(5):188.
-2222 Auler JO Jr, Galas FR, Sundin MR, Hajjar LA. Arterial pulse pressure variation predicting fluid responsiveness in critically ill patients. Shock 30(Suppl 1):18-22, 2008. Shock. 2009;31(5):542. Retraction of: Arterial pulse pressure variation predicting fluid responsiveness in critically ill patients. [Shock. 2008]) e enfatiza fortemente a necessidade de parâmetros para ajudar a selecionar pacientes que podem se beneficiar de uma carga de volume, evitando, assim, o uso de expansão volumétrica ineficaz ou até mesmo prejudicial em pacientes não responsivos.

Nosso estudo apresenta diversas limitações. Primeiramente, não avaliamos a responsividade a fluidos após um desafio com volume para identificar modificações no débito cardíaco.(1717 Guarracino F, Ferro B, Forfori F, Bertini P, Magliacane L, Pinsky MR. Jugular vein distensibility predicts fluid responsiveness in septic patients. Crit Care. 2014;18(6):647.) Em segundo lugar, não avaliamos alterações no diâmetro das veias antes e após um desafio com fluidos. Em terceiro lugar, não estudamos as condições com elevada pressão venosa ou grave insuficiência cardíaca direita, que poderiam reduzir a distensibilidade da VJI mesmo na presença de responsividade a pré-carga. Em quarto lugar, é necessário considerar o fato de que a ultrassonografia da veia jugular só deve ser realizada por um intensivista treinado, pois mesmo uma ligeira pressão poderia provocar uma grande alteração na corte da imagem do diâmetro da veia jugular durante o exame. Em pacientes em choque, o exame venoso se torna ainda mais difícil.(1818 Mayo PH, Beaulieu Y, Doelken P, Feller-Kopman D, Harrod C, Kaplan A, et al. American College of Chest Physicians/La Société de Réanimation de Langue Française statement on competence in critical care ultrasonography. Chest. 2009;135(4):1050-60.) Embora todos os exames tenham sido realizados por um intensivista devidamente certificado em ultrassonografia, existe a possibilidade de erros técnicos. Além disto, pode-se criticar que os exames não foram repetidos por outro médico intensivista. Em quinto lugar, diversos pacientes foram ventilados com baixos volumes correntes, o que é uma potencial limitação para previsão da responsividade.(7Oliveira-Costa CD, Friedman G, Vieira SR, Fialkow L. Pulse pressure variation and prediction of fluid responsiveness in patients ventilated with low tidal volumes. Clinics (Sao Paulo). 2012;67(7):773-8.)Embora essas limitações possam ter introduzidos alguns vieses, a coerência dos dados implica uma boa validade externa.

CONCLUSÃO

Em conclusão, as variações cíclicas respiratórias do diâmetro da veia jugular interna parecem ser uma alternativa para as avaliações do diâmetro da veia cava inferior para determinação da responsividade a fluidos. Estudos adicionais devem validar esses achados, avaliando também o débito cardíaco após um desafio com fluidos em diversas condições clínicas.

  • Editor responsável: Luciano César Pontes de Azevedo

REFERÊNCIAS

  • 1
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    21 Mar 2015
  • Aceito
    30 Jun 2015
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