Acessibilidade / Reportar erro

Fatores associados à satisfação profissional e pessoal em intensivistas adultos brasileiros

RESUMO

Objetivo:

Avaliar as taxas de satisfação profissional e pessoal, bem como os fatores associados a eles em médicos que atuam em unidades de terapia intensiva adulto.

Métodos:

Estudo transversal realizado com médicos que participavam de dois grupos on-line de discussão em Medicina Intensiva. Um questionário contendo perguntas referentes ao perfil sociodemográfico e à atuação profissional do médico foi disponibilizado nos dois grupos por um período de 3 meses. Ao final do questionário, os participantes respondiam qual era seu grau de satisfação profissional e pessoal, usando-se uma escala Likert, em que 1 indicava "muito insatisfeito" e 5, "muito satisfeito". Avaliou-se a associação de características sociodemográficas e profissionais com a satisfação profissional e pessoal. As variáveis independentemente associadas à satisfação foram identificadas por um modelo de regressão logística.

Resultados:

Responderam o questionário 250 médicos; 137 (54,8%) declararam estar satisfeitos profissionalmente e 34 (13,5%) muito satisfeitos profissionalmente. Nenhuma das características avaliadas foi independentemente associada à satisfação profissional. Do ponto de vista pessoal, 136 (54,4%) médicos disseram estar satisfeitos e 48 (19,9%) muito satisfeitos. Satisfação profissional (OR = 7,21; IC95% 3,21 - 16,20) e trabalhar em hospital universitário (OR = 3,24; IC95% 1,29 - 8,15) foram fatores independentemente associados à satisfação pessoal dos participantes.

Conclusão:

Os médicos participantes estavam satisfeitos do ponto de vista profissional e pessoal sobre sua atuação em medicina intensiva. Satisfação profissional e trabalhar em um hospital universitário foram independentemente associados à maior satisfação pessoal.

Descritores:
Satisfação no emprego; Satisfação pessoal; Médicos; Unidades de terapia intensiva; Questionários

ABSTRACT

Objective:

To evaluate job and personal satisfaction rates in physicians who work in adult intensive care units and to identify the factors associated with satisfaction.

Methods:

A cross-sectional study performed with physicians who participated in two intensive medicine online discussion groups. A questionnaire designed to assess the physician's sociodemographic profile and job was available for both groups for 3 months. At the end of the questionnaire, the participants addressed their degrees of job and personal satisfaction using a Likert scale in which 1 represented "very dissatisfied" and 5 represented "very satisfied". The association between sociodemographic and job characteristics with job and personal satisfaction was evaluated. Variables independently associated with satisfaction were identified using a logistic regression model.

Results:

The questionnaire was answered by 250 physicians, of which 137 (54.8%) declared they were satisfied with their jobs and 34 (13.5%) were very satisfied. None of the evaluated characteristics were independently associated with job satisfaction. Regarding personal satisfaction, 136 (54.4%) physicians reported being satisfied, and 48 (19.9%) reported being very satisfied. Job satisfaction (OR = 7.21; 95%CI 3.21 - 16.20) and working in a university hospital (OR = 3.24; 95%CI 1.29 - 8.15) were factors independently associated with the personal satisfaction of the participants.

Conclusion:

The participant physicians reported job and personal satisfaction with their work in intensive care. Job satisfaction and working in a university hospital were independently associated with greater personal satisfaction.

Keywords:
Job satisfaction; Personal satisfaction; Physicians; Intensive care units; Questionnaires

INTRODUÇÃO

As unidades de terapia intensiva (UTI) são ambientes com grande estresse emocional relacionado ao trabalho(11 Donchin Y, Seagull FJ. The hostile environment of the intensive care unit. Curr Opin Crit Care. 2002;8(4):316-20.) e a conflitos.(22 Azoulay E, Timsit JF, Sprung CL, Soares M, Rusinová K, Lafabrie A, Abizanda R, Svantesson M, Rubulotta F, Ricou B, Benoit D, Heyland D, Joynt G, Français A, Azeivedo-Maia P, Owczuk R, Benbenishty J, de Vita M, Valentin A, Ksomos A, Cohen S, Kompan L, Ho K, Abroug F, Kaarlola A, Gerlach H, Kyprianou T,Michalsen A, Chevret S, Schlemmer B; Conflicus Study Investigators and for the Ethics Section of the European Society of Intensive Care Medicine. Prevalence and factors of intensive care unit conflicts: the conflicus study. Am J Respir Crit Care Med. 2009;180(9):853-60.) Os profissionais que trabalham em terapia intensiva apresentam altas prevalências de burnout(33 Embriaco N, Azoulay E, Barrau K, Kentish N, Pochard F, Loundou A, et al. High level of burnout in intensivists: prevalence and associated factors. Am J Respir Crit Care Med. 2007;175(7):686-92. Erratum in: Am J Respir Crit Care Med. 2007;175(11):1209-10.) e outros sintomas psicológicos,(44 Shehabi Y, Dobb G, Jenkins I, Pascoe R, Edwards N, Butt W. Burnout syndrome among Australian intensivists: a survey. Crit Care Resusc. 2008;10(4):312-5.,55 Embriaco N, Hraiech S, Azoulay E, Baumstarck-Barrau K, Forel JM, Kentish-Barnes N, et al. Symptoms of depression in ICU physicians. Ann Intensive Care. 2012;2(1):34.) que se associam com insatisfação profissional.(66 Myhren H, Ekeberg O, Stokland O. Job satisfaction and burnout among intensive care unit nurses and physicians. Crit Care Res Pract. 2013;2013:786176.) Por outro lado, o exercício da medicina intensiva pode ser recompensador, fazendo com que os efeitos das condições estressantes sejam superados pela sensação de realização profissional.(77 Hernandez G. Everything started on a rainy day in Santiago. Intensive Care Med. 2013;39(4):764-5.)

Satisfações profissional e pessoal dos médicos são importantes porque se associam à satisfação dos pacientes(88 Scheepers RA, Boerebach BC, Arah OA, Heineman MJ, Lombarts KM. A systematic review of the impact of physicians' occupational well-being on the quality of patient care. Int J Behav Med. 2015;22(6):683-98.) e à maior produtividade.(99 Dewa CS, Loong D, Bonato S, Thanh NX, Jacobs P. How does burnout affect physician productivity? A systematic literature review. BMC Health Serv Res. 2014;14:325.) No entanto, embora seja comum a avaliação da satisfação de pacientes e familiares, poucos estudos propuseram-se a avaliar especificamente a satisfação médica.(1010 Leigh JP, Tancredi DJ, Kravitz RL. Physician career satisfaction within specialties. BMC Health Serv Res. 2009;9:166.) No Brasil, embora existam estudos que avaliaram a satisfação profissional dentre médicos em geral,(1111 Ribeiro RB, Assunção AA, de Araújo TM. Factors associated with job satisfaction among public-sector physicians in Belo Horizonte, Brazil. Int J Health Serv. 2014;44(4):787-804.,1212 Torres AR, Ruiz T, Müller SS, Lima MC. Quality of life, physical and mental health of physicians: a self-evaluation by graduates from the Botucatu Medical School-UNESP. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(2):264-75.) não há pesquisas que tratem especificamente da satisfação profissional em uma população de intensivistas adultos.

Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar as taxas de satisfação profissional e pessoal, bem como os fatores associados a elas, em médicos que atuam em unidades de terapia intensiva adulto.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo transversal com médicos participantes de dois grupos on-line de discussão em Medicina Intensiva. Um questionário elaborado na ferramenta REDCap(1313 Harris PA, Taylor R, Thielke R, Payne J, Gonzalez N, Conde JG. Research electronic data capture (REDCap)-a metadata-driven methodology and workflow process for providing translational research informatics support. J Biomed Inform. 2009;42(2):377-81.) foi enviado por e-mail aos participantes dos dois grupos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, sob registro 13.973/2015. Os participantes tinham que preencher o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de responderem as perguntas do questionário.

O questionário continha perguntas sociodemográficas (idade, filhos, região do Brasil em que trabalha), sobre a formação em Medicina Intensiva (residência e título de especialista), sobre o exercício da Medicina Intensiva (tempo; carga horária de trabalho semanal; tipo de UTI - aberta, ou seja, aquela em que a maioria das decisões é tomada pelo médico que solicitou a vaga na UTI, ou fechada, aquela em que a maioria das decisões é tomada pelo médico intensivista; e do hospital em que trabalha - público não universitário, público universitário, privado; número de empregos; função que exerce na UTI - plantonista, diarista-rotina, ou seja, que passa visita nos pacientes internados, diarista-plantonista, que permanece em turnos de 6 horas prestando assistência aos pacientes, ou coordenador; salário médio mensal e número de eventos em medicina intensiva de que participou nos últimos 5 anos) e sobre a satisfação profissional e pessoal, usando-se a escala Likert (1 para muito insatisfeito, 2 se insatisfeito, 3 se nem insatisfeito, nem satisfeito, 4 para satisfeito, 5 se muito satisfeito). Em relação ao hospital em que trabalhava e à função exercida na UTI, os participantes puderam assinalar mais de uma resposta, caso tivessem mais de um emprego (por exemplo, um participante poderia ser "plantonista" em um "hospital privado" e "coordenador" em um "hospital público". Desse modo, ele assinalaria "plantonista" e "coordenador" quando perguntado o cargo exercido na UTI e "hospital privado" e "hospital público" quando perguntado o tipo de hospital ele trabalhava). O questionário ficou disponível ao grupo por 3 meses (setembro a novembro de 2015) e, a cada 3 semanas, foram enviados lembretes via e-mail aos potenciais participantes, para que respondessem o questionário.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram apresentadas como números absolutos e porcentagens, e comparadas pelo teste qui quadrado ou de Fisher, conforme apropriado. As variáveis contínuas foram apresentadas como medianas e intervalos interquartis, e comparadas pelo teste de Mann-Whitney. A correlação entre satisfação pessoal e satisfação profissional foi avaliada pelo coeficiente de correlação de Spearman (ρ).

Para fins de análise, a priori, considerou-se como satisfeito o profissional que assinalou sua situação profissional como "satisfeito" ou "muito satisfeito". O participante que assinalou as demais opções foi considerado "insatisfeito". As mesmas definições foram usadas para se avaliar a satisfação pessoal. Em relação à função exercida na UTI, os participantes que relataram ser coordenadores e/ou diaristas (rotina ou plantonista), foram combinados em uma só variável, devido à hipótese de que os intensivistas que dedicam mais tempo à sua unidade apresentariam maior grau de satisfação.

Todas as variáveis que apresentaram p < 0,2 na análise univariada foram inseridas em dois modelos de regressão logística binária (tipo enter), sendo um para avaliar os fatores independentemente associados à satisfação profissional e outro os fatores associados à satisfação pessoal. Os resultados da regressão logística foram apresentados como odds ratio (OR) e intervalo de confiança de 95% (IC95%). Consideraram-se significantes as variáveis com p < 0,05. Todas as análises foram realizadas usando-se o softwareStatistical Package for Social Science (SPSS), versão 21.0 (IBM, Armonk, Nova Iorque, EUA).

RESULTADOS

Responderam ao questionário 250 médicos. Um participante respondeu ao questionário, mas não preencheu o Termo de Consentimento, de modo que suas respostas não foram incluídas no estudo. Os participantes foram predominantemente do sexo masculino, jovens (mediana de idade de 37 anos), sem filhos, com título de especialista, atuando em medicina intensiva há menos de 10 anos e trabalhando na Região Sudeste (Tabela 1).

Tabela 1
Características dos participantes e fatores associados à satisfação profissional

No total, declararam estar satisfeitos e muito satisfeitos profissionalmente 137 (54,8%) e 34 (13,5%) médicos, respectivamente. Declararam estar muito insatisfeitos 4 (1,6%) médicos, e 37 (14,7%) declararam estar insatisfeitos com a carreira. Disseram não estar nem satisfeitos e nem insatisfeitos profissionalmente 38 (15,1%) médicos.

Os fatores associados a maior satisfação profissional na análise univariada foram sexo masculino, carga de trabalho semanal menor, atuar como coordenador e/ou diarista em UTI e maior número de eventos científicos frequentados nos últimos 5 anos. Ser responsável por um maior número de pacientes durante o turno de trabalho associou-se à menor satisfação profissional (Tabela 1). Entretanto, na análise multivariada por regressão logística, nenhum desses fatores esteve independentemente associado à satisfação profissional (Tabela 2).

Tabela 2
Análise multivariada dos fatores associados à satisfação profissional

Em relação à satisfação pessoal, 136 (54,4%) médicos disseram estar satisfeitos e 48 (19,9%) muito satisfeitos. Relataram estar nem satisfeitos e nem insatisfeitos 27 (10,7%) médicos; 35 (13,9%) se disseram insatisfeitos; e 4 (1,6%) disseram estar muito insatisfeitos com sua vida pessoal.

A satisfação profissional associou-se positivamente à satisfação pessoal (ρ = 0,54; p < 0,01). A proporção e a concordância entre as respostas quanto a satisfação profissional e pessoal encontram-se na figura 1.

Figura 1
Satisfação profissional e pessoal dos médicos participantes. 1 - Muito insatisfeito; 2 - Insatisfeito; 3 - Nem satisfeito, nem insatisfeito; 4 - Satisfeito; 5 - Muito satisfeito.

Idade, possuir título de especialista, trabalhar menos horas por semana, atuar há mais anos em UTI, participar de um maior número de eventos científicos nos últimos 5 anos, não ser plantonista, ser coordenador e/ou diarista, trabalhar em hospital universitário e ter menor número de pacientes sob sua responsabilidade durante o plantão foram fatores associados à maior satisfação pessoal (Tabela 3). Na análise multivariada, satisfação profissional (OR = 7,21; IC95% 3,21 - 16,20) e trabalhar em hospital universitário (OR = 3,24; IC95% 1,29 - 8,15) foram os fatores independentemente associados à satisfação pessoal dos participantes (Tabela 4).

Tabela 3
Fatores associados a satisfação pessoal dos participantes
Tabela 4
Análise multivariada dos fatores associados à satisfação pessoal

DISCUSSÃO

Nosso estudo foi o primeiro a avaliar a satisfação profissional e pessoal de médicos que trabalham em UTI adulto no Brasil. A maioria dos médicos participantes (67,9%) estava satisfeita com seus rumos profissionais e a maioria também (73,4%) se mostrou satisfeita com sua vida pessoal. Satisfação profissional e exercer a medicina intensiva em um hospital universitário associaram-se à maior satisfação pessoal.

Um estudo norte-americano avaliou a satisfação dentre várias especialidades médicas. O exercício da medicina intensiva como subespecialidade de medicina interna foi apenas a 20ª de 42 especialidades em um escore de satisfação. Quando se considerou medicina intensiva como subespecialidade de pneumologia, o resultado foi ainda pior (41º).(1010 Leigh JP, Tancredi DJ, Kravitz RL. Physician career satisfaction within specialties. BMC Health Serv Res. 2009;9:166.) Estudos anteriores que avaliaram médicos brasileiros de outras especialidades encontraram taxas de satisfação semelhantes às do presente estudo.(1111 Ribeiro RB, Assunção AA, de Araújo TM. Factors associated with job satisfaction among public-sector physicians in Belo Horizonte, Brazil. Int J Health Serv. 2014;44(4):787-804.,1212 Torres AR, Ruiz T, Müller SS, Lima MC. Quality of life, physical and mental health of physicians: a self-evaluation by graduates from the Botucatu Medical School-UNESP. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(2):264-75.) Porém, outro estudo brasileiro mostrou que intensivistas pediátricos têm maiores taxas de burnout que pediatras generalistas.(1414 Garcia TT, Garcia PC, Molon ME, Piva JP, Tasker RC, Branco RG, et al. Prevalence of burnout in pediatric intensivists: an observational comparison with general pediatricians. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(8):e347-53.) Como se sabe, o burnout está intimamente relacionado à satisfação profissional.(66 Myhren H, Ekeberg O, Stokland O. Job satisfaction and burnout among intensive care unit nurses and physicians. Crit Care Res Pract. 2013;2013:786176.)

A alta taxa de satisfação encontrada em nosso estudo difere da de um inquérito prévio realizado em intensivistas pediátricos, que identificou taxa de insatisfação de 63%.(1515 Lacerda JC, Barbosa AP, Cunha AJ. Professional profile of pediatric intensivists in Rio de Janeiro, southeastern Brazil. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(4):462-9.) Embora os inquéritos tenham sido realizados em especialidades diferentes, é interessante notar que, no presente estudo, a proporção de médicos exclusivos da especialidade foi maior (54,8% versus 40%), bem como a proporção de titulados na especialidade (61,5% versus 33%). Um estudo prévio mostrou menores sintomas de burnout em médicos especialistas em medicina intensiva em comparação com os que trabalhavam em UTI, mas que tinham formação em outras especialidades.(1616 Barros DS, Tironi MO, Nascimento Sobrinho CL, Neves FS, Bitencourt AG, Almeida AM, et al. Médicos plantonistas de unidade de terapia intensiva: perfil sócio-demográfico, condições de trabalho e fatores associados à síndrome de burnout. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(3):235-40.) Assim, ter a possibilidade de exercer a especialidade na qual se escolheu trabalhar parece ser realmente um fator associado à satisfação profissional.(1717 McMurray JE, Linzer M, Konrad TR, Douglas J, Shugerman R, Nelson K. The work lives of women physicians results from the physician work life study. The SGIM Career Satisfaction Study Group. J Gen Intern Med. 2000;15(6):372-80.) Como demonstrado previamente, satisfação profissional e pessoal estão positivamente correlacionadas.

Trabalhar em um ambiente acadêmico, mantendo contato com alunos e residentes, foi um fator independentemente associado à maior satisfação pessoal no presente estudo. Este achado é semelhante ao encontrado no estudo norte-americano que avaliou a satisfação em diferentes especialidades médicas.(1010 Leigh JP, Tancredi DJ, Kravitz RL. Physician career satisfaction within specialties. BMC Health Serv Res. 2009;9:166.) Um inquérito realizado com médicos brasileiros sugeriu que ter feito doutorado se associou à maior satisfação profissional.(1818 Torres AR, Ruiz T, Müller SS, Lima MC. Inserção, renda e satisfação profissional de médicos formados pela Unesp. Rev Bras Educ Méd. 2012;36(1):32-40.)

Diversos estudos têm mostrado uma associação entre salários maiores e satisfação profissional.(1010 Leigh JP, Tancredi DJ, Kravitz RL. Physician career satisfaction within specialties. BMC Health Serv Res. 2009;9:166.,1212 Torres AR, Ruiz T, Müller SS, Lima MC. Quality of life, physical and mental health of physicians: a self-evaluation by graduates from the Botucatu Medical School-UNESP. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(2):264-75.,1515 Lacerda JC, Barbosa AP, Cunha AJ. Professional profile of pediatric intensivists in Rio de Janeiro, southeastern Brazil. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(4):462-9.) No presente estudo, não encontramos nenhuma associação entre renda e satisfação pessoal ou profissional. Entretanto, deve-se ressaltar que a renda média mensal foi maior do que em dois estudos brasileiros.(1212 Torres AR, Ruiz T, Müller SS, Lima MC. Quality of life, physical and mental health of physicians: a self-evaluation by graduates from the Botucatu Medical School-UNESP. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(2):264-75.,1515 Lacerda JC, Barbosa AP, Cunha AJ. Professional profile of pediatric intensivists in Rio de Janeiro, southeastern Brazil. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(4):462-9.) Talvez a ausência de associação entre renda e satisfação encontrada no nosso estudo deva-se ao fato de que, a partir de determinado nível de renda, não existe mais associação com bem-estar emocional.(1919 Kahneman D, Deaton A. High income improves evaluation of life but not emotional well-being. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010;107(38):16489-93.)

Outros fatores comumente associados à satisfação profissional de médicos são carga horária(1010 Leigh JP, Tancredi DJ, Kravitz RL. Physician career satisfaction within specialties. BMC Health Serv Res. 2009;9:166.,2020 Barnett RC, Gareis KC, Carr PL. Career satisfaction and retention of a sample of women physicians who work reduced hours. J Womens Health (Larchmt). 2005;14(2):146-53.) e autonomia.(1111 Ribeiro RB, Assunção AA, de Araújo TM. Factors associated with job satisfaction among public-sector physicians in Belo Horizonte, Brazil. Int J Health Serv. 2014;44(4):787-804.,1717 McMurray JE, Linzer M, Konrad TR, Douglas J, Shugerman R, Nelson K. The work lives of women physicians results from the physician work life study. The SGIM Career Satisfaction Study Group. J Gen Intern Med. 2000;15(6):372-80.) Os dois fatores não se mostraram associados nem à satisfação profissional e nem à satisfação pessoal no presente estudo. Embora o número de horas semanais de trabalho dos participantes seja alto (mediana de 60 horas) em comparação com estudos norte-americanos(1010 Leigh JP, Tancredi DJ, Kravitz RL. Physician career satisfaction within specialties. BMC Health Serv Res. 2009;9:166.) e europeus,(33 Embriaco N, Azoulay E, Barrau K, Kentish N, Pochard F, Loundou A, et al. High level of burnout in intensivists: prevalence and associated factors. Am J Respir Crit Care Med. 2007;175(7):686-92. Erratum in: Am J Respir Crit Care Med. 2007;175(11):1209-10.,2121 Teixeira C, Ribeiro O, Fonseca AM, Carvalho AS. Burnout in intensive care units - a consideration of the possible prevalence and frequency of new risk factors: a descriptive correlational multicentre study. BMC Anesthesiol. 2013;13(1):38.) ele foi menor do que o de outros estudos nacionais com intensivistas adultos(1616 Barros DS, Tironi MO, Nascimento Sobrinho CL, Neves FS, Bitencourt AG, Almeida AM, et al. Médicos plantonistas de unidade de terapia intensiva: perfil sócio-demográfico, condições de trabalho e fatores associados à síndrome de burnout. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(3):235-40.) e pediátricos.(1414 Garcia TT, Garcia PC, Molon ME, Piva JP, Tasker RC, Branco RG, et al. Prevalence of burnout in pediatric intensivists: an observational comparison with general pediatricians. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(8):e347-53.) No estudo de intensivistas adultos,(1616 Barros DS, Tironi MO, Nascimento Sobrinho CL, Neves FS, Bitencourt AG, Almeida AM, et al. Médicos plantonistas de unidade de terapia intensiva: perfil sócio-demográfico, condições de trabalho e fatores associados à síndrome de burnout. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(3):235-40.) a maioria dos participantes não tinha formação específica para a especialidade e, talvez, trabalhar muitas horas em uma área que não tinha sido escolhida possa relacionar-se à insatisfação. O estudo em intensivistas pediátricos não mostra dados sobre residência ou título de especialista em medicina intensiva.(1414 Garcia TT, Garcia PC, Molon ME, Piva JP, Tasker RC, Branco RG, et al. Prevalence of burnout in pediatric intensivists: an observational comparison with general pediatricians. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(8):e347-53.)

Em relação à autonomia, unidades mais fechadas, ou seja, aquelas em que o intensivista tem maior controle sobre a condução do paciente, associam-se à maior satisfação.(2222 Tinti MS, Haut ER, Horan AD, Sonnad S, Reilly PM, Schwab CW, et al. Transition to a semiclosed surgical intensive care unit (SICU) leads to improved resident job satisfaction: a prospective, longitudinal analysis. J Surg Educ. 2009;66(1):25-30.) O estudo de intensivistas realizado em Salvador (BA) mostrou que o maior controle sobre o trabalho associava-se a menores taxas de burnout.(2323 Tironi MO, Nascimento Sobrinho CL, Barros DS, Reis EJ, Marques Filho ES, Almeida A, et al. [Professional Burnout Syndrome of intensive care physicians from Salvador, Bahia, Brazil]. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(6):656-62. Portuguese.) O presente estudo não mostrou nenhuma associação entre o tipo de UTI (aberta versus fechada) e a satisfação profissional. Algumas hipóteses para essas diferenças podem ser levantadas. Primeiro, talvez não haja mesmo relação entre o tipo de UTI e a satisfação. Segundo, talvez a definição de UTI aberta e fechada não seja clara para o intensivista brasileiro, e "controle" ou "autonomia" sejam percebidos em diferentes ocasiões independentemente do tipo de UTI.

Nosso estudo, porém, tem diversas limitações. Primeiramente, os participantes representam uma amostra de conveniência com algum viés em relação ao médico brasileiro que trabalha em UTI. Isso pode ser verificado quando se observa a proporção de participantes da Região Sudeste na enquete (76,2%) em comparação com o número de UTI nesta região (52,7%), segundo o Censo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).(2424 Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Censo AMIB. Disponível em: http://www.amib.org.br/fileadmin/CensoAMIB2010.pdfAcessado em 29/11/2015.
http://www.amib.org.br/fileadmin/CensoAM...
) Segundo, talvez o estudo tenha um poder pequeno para detectar diferenças. Por exemplo, é possível que, com uma amostra maior, o número de pacientes sob sua responsabilidade em um plantão pudesse se associar com menor satisfação profissional e pessoal. Uma regressão ordinal, ao invés da regressão logística binária, traria mais poder para o presente estudo, porém o protocolo original do estudo já previa a realização da regressão logística binária para a identificação de fatores independentemente associados às satisfações profissional e pessoal. De qualquer modo, em caráter exploratório, realizamos uma análise multivariada por regressão ordinal post hoc, que não trouxe resultados estatisticamente diferentes daqueles que encontramos com a regressão logística binária. Terceiro, como o estudo foi realizado enviando-se o questionário para grupos on-line de discussão em medicina intensiva, acreditamos que estes médicos sejam mais envolvidos e satisfeitos com o exercício da especialidade, uma vez que se propõem a ler e discutir textos científicos. Assim, os altos níveis de satisfação encontrados podem não refletir totalmente a população de médicos brasileiros que atuam em terapia intensiva. Quarto, a avaliação da satisfação baseou-se em um questionário que não tinha sido previamente validado. No entanto, esta abordagem é semelhante àquela realizada em outros estudos.(1010 Leigh JP, Tancredi DJ, Kravitz RL. Physician career satisfaction within specialties. BMC Health Serv Res. 2009;9:166.) Adicionalmente, como as perguntas não foram realizadas solicitando-se que o participante considerasse um período específico (o último ano, por exemplo) para quantificar suas satisfações profissional e pessoal, é possível que um evento isolado (por exemplo, um bom resultado em um caso difícil) que tenha acontecido em um momento próximo àquele em que o questionário foi respondido tenha influenciado na resposta do participante.

CONCLUSÃO

Em sua maioria, os médicos que trabalham em unidades de terapia intensiva estavam satisfeitos com os rumos profissionais e pessoais de suas vidas. A satisfação profissional e a satisfação pessoal estiveram positivamente correlacionadas. Os médicos que trabalhavam em unidades de terapia intensiva de hospitais universitários se mostraram mais satisfeitos, do ponto de vista pessoal. Futuros estudos com amostras mais representativas da população de médicos que atuam em unidades de terapia intensiva devem ser realizados, para que se avaliem melhor a satisfação destes profissionais e os fatores que a influenciam.

  • Editor responsável: Jorge Ibrain de Figueira Salluh

REFERÊNCIAS

  • 1
    Donchin Y, Seagull FJ. The hostile environment of the intensive care unit. Curr Opin Crit Care. 2002;8(4):316-20.
  • 2
    Azoulay E, Timsit JF, Sprung CL, Soares M, Rusinová K, Lafabrie A, Abizanda R, Svantesson M, Rubulotta F, Ricou B, Benoit D, Heyland D, Joynt G, Français A, Azeivedo-Maia P, Owczuk R, Benbenishty J, de Vita M, Valentin A, Ksomos A, Cohen S, Kompan L, Ho K, Abroug F, Kaarlola A, Gerlach H, Kyprianou T,Michalsen A, Chevret S, Schlemmer B; Conflicus Study Investigators and for the Ethics Section of the European Society of Intensive Care Medicine. Prevalence and factors of intensive care unit conflicts: the conflicus study. Am J Respir Crit Care Med. 2009;180(9):853-60.
  • 3
    Embriaco N, Azoulay E, Barrau K, Kentish N, Pochard F, Loundou A, et al. High level of burnout in intensivists: prevalence and associated factors. Am J Respir Crit Care Med. 2007;175(7):686-92. Erratum in: Am J Respir Crit Care Med. 2007;175(11):1209-10.
  • 4
    Shehabi Y, Dobb G, Jenkins I, Pascoe R, Edwards N, Butt W. Burnout syndrome among Australian intensivists: a survey. Crit Care Resusc. 2008;10(4):312-5.
  • 5
    Embriaco N, Hraiech S, Azoulay E, Baumstarck-Barrau K, Forel JM, Kentish-Barnes N, et al. Symptoms of depression in ICU physicians. Ann Intensive Care. 2012;2(1):34.
  • 6
    Myhren H, Ekeberg O, Stokland O. Job satisfaction and burnout among intensive care unit nurses and physicians. Crit Care Res Pract. 2013;2013:786176.
  • 7
    Hernandez G. Everything started on a rainy day in Santiago. Intensive Care Med. 2013;39(4):764-5.
  • 8
    Scheepers RA, Boerebach BC, Arah OA, Heineman MJ, Lombarts KM. A systematic review of the impact of physicians' occupational well-being on the quality of patient care. Int J Behav Med. 2015;22(6):683-98.
  • 9
    Dewa CS, Loong D, Bonato S, Thanh NX, Jacobs P. How does burnout affect physician productivity? A systematic literature review. BMC Health Serv Res. 2014;14:325.
  • 10
    Leigh JP, Tancredi DJ, Kravitz RL. Physician career satisfaction within specialties. BMC Health Serv Res. 2009;9:166.
  • 11
    Ribeiro RB, Assunção AA, de Araújo TM. Factors associated with job satisfaction among public-sector physicians in Belo Horizonte, Brazil. Int J Health Serv. 2014;44(4):787-804.
  • 12
    Torres AR, Ruiz T, Müller SS, Lima MC. Quality of life, physical and mental health of physicians: a self-evaluation by graduates from the Botucatu Medical School-UNESP. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(2):264-75.
  • 13
    Harris PA, Taylor R, Thielke R, Payne J, Gonzalez N, Conde JG. Research electronic data capture (REDCap)-a metadata-driven methodology and workflow process for providing translational research informatics support. J Biomed Inform. 2009;42(2):377-81.
  • 14
    Garcia TT, Garcia PC, Molon ME, Piva JP, Tasker RC, Branco RG, et al. Prevalence of burnout in pediatric intensivists: an observational comparison with general pediatricians. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(8):e347-53.
  • 15
    Lacerda JC, Barbosa AP, Cunha AJ. Professional profile of pediatric intensivists in Rio de Janeiro, southeastern Brazil. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(4):462-9.
  • 16
    Barros DS, Tironi MO, Nascimento Sobrinho CL, Neves FS, Bitencourt AG, Almeida AM, et al. Médicos plantonistas de unidade de terapia intensiva: perfil sócio-demográfico, condições de trabalho e fatores associados à síndrome de burnout. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(3):235-40.
  • 17
    McMurray JE, Linzer M, Konrad TR, Douglas J, Shugerman R, Nelson K. The work lives of women physicians results from the physician work life study. The SGIM Career Satisfaction Study Group. J Gen Intern Med. 2000;15(6):372-80.
  • 18
    Torres AR, Ruiz T, Müller SS, Lima MC. Inserção, renda e satisfação profissional de médicos formados pela Unesp. Rev Bras Educ Méd. 2012;36(1):32-40.
  • 19
    Kahneman D, Deaton A. High income improves evaluation of life but not emotional well-being. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010;107(38):16489-93.
  • 20
    Barnett RC, Gareis KC, Carr PL. Career satisfaction and retention of a sample of women physicians who work reduced hours. J Womens Health (Larchmt). 2005;14(2):146-53.
  • 21
    Teixeira C, Ribeiro O, Fonseca AM, Carvalho AS. Burnout in intensive care units - a consideration of the possible prevalence and frequency of new risk factors: a descriptive correlational multicentre study. BMC Anesthesiol. 2013;13(1):38.
  • 22
    Tinti MS, Haut ER, Horan AD, Sonnad S, Reilly PM, Schwab CW, et al. Transition to a semiclosed surgical intensive care unit (SICU) leads to improved resident job satisfaction: a prospective, longitudinal analysis. J Surg Educ. 2009;66(1):25-30.
  • 23
    Tironi MO, Nascimento Sobrinho CL, Barros DS, Reis EJ, Marques Filho ES, Almeida A, et al. [Professional Burnout Syndrome of intensive care physicians from Salvador, Bahia, Brazil]. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(6):656-62. Portuguese.
  • 24
    Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Censo AMIB. Disponível em: http://www.amib.org.br/fileadmin/CensoAMIB2010.pdfAcessado em 29/11/2015.
    » http://www.amib.org.br/fileadmin/CensoAMIB2010.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2015
  • Aceito
    14 Mar 2016
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br