Acessibilidade / Reportar erro

Thrombin activatable fibrinolysis inhibitor como preditor de sangramento no transplante hepático: estudo piloto observacional

RESUMO

Objetivo:

Correlacionar os níveis de thrombin activatable fibrinolysis inhibitor no pós-operatório imediato e com 24 horas de pós-operatório com o volume de sangramento tansoperatório.

Métodos:

Foram analisados vinte e um pacientes alocados imediatamente antes do transplante hepático (eletivo ou de urgência), com coleta de amostras sanguíneas para análise de thrombin activatable fibrinolysis inhibitor em três diferentes momentos: imediatamente antes do transplante hepático (thrombin activatable fibrinolysis inhibitor pré-operatório), imediatamente após o procedimento cirúrgico (thrombin activatable fibrinolysis inhibitor pós-operatório imediato) e após 24 horas do final da cirurgia (thrombin activatable fibrinolysis inhibitor 24 horas pós-operatório). O principal desfecho do estudo foi correlacionar os níveis de thrombin activatable fibrinolysis inhibitor pré-operatório e de thrombin activatable fibrinolysis inhibitor pós-operatório imediato com perda sanguínea no transoperatório.

Resultados:

Houve correlação entre thrombin activatable fibrinolysis inhibitor pré-operatório e o volume de sangramento (ρ = -0,469; p = 0,05), mas não de thrombin activatable fibrinolysis inhibitor pós-operatório imediato (ρ = -0,062; p = 0,79). Em análise de regressão linear, nenhuma das variáveis incluídas (hemoglobina pré, fibrinogênio pré e thrombin activatable fibrinolysis inhibitor pré-operatório) se mostrou preditor de sangramento. Houve tendência semelhante na variação entre os níveis de thrombin activatable fibrinolysis inhibitor durante os três diferentes momentos e os níveis de fibrinogênio. Pacientes que evoluíram a óbito em até 6 meses (14,3%) apresentaram níveis diminuídos de thrombin activatable fibrinolysis inhibitor pré-operatório e de thrombin activatable fibrinolysis inhibitor pós-operatório imediato, comparando-se aos sobreviventes (pré-operatório: 1,3 ± 0,15 versus 2,55 ± 0,53; p = 0,06; e pós-operatório imediato: 1,2 ± 0,15 versus 2,5 ± 0,42; p = 0,007).

Conclusão:

Houve correlação moderada entre thrombin activatable fibrinolysis inhibitor pré-operatório e o sangramento transoperatório em transplante hepático, porém seu papel preditivo independente de outras variáveis ainda permaneceu incerto. Thrombin activatable fibrinolysis inhibitor pré-operatório e pós-operatório imediato podem ter um papel na avaliação da sobrevida dessa população, necessitando-se confirmar em novos estudos, de maior tamanho amostral.

Descritores:
Carboxipeptidase B2; Fibrinólise; Transplante de fígado; Hemorragia; Fibrinogênio; MELD

ABSTRACT

Objective:

To correlate the levels of thrombin activatable fibrinolysis inhibitor in the immediate postoperative period and at 24 hours postoperatively with the volume of intraoperative bleeding.

Methods:

Twenty-one patients allocated immediately before (elective or emergency) liver transplantation were analyzed. Blood samples were collected for thrombin activatable fibrinolysis inhibitor analysis at three different time points: immediately before liver transplantation (preoperative thrombin activatable fibrinolysis inhibitor), immediately after the surgical procedure (immediate postoperative thrombin activatable fibrinolysis inhibitor), and 24 hours after surgery (thrombin activatable fibrinolysis inhibitor 24 hours after surgery). The primary outcome of the study was to correlate the preoperative and immediate postoperative levels of thrombin activatable fibrinolysis inhibitor with intraoperative blood loss.

Results:

There was a correlation between the preoperative thrombin activatable fibrinolysis inhibitor levels and bleeding volume (ρ = -0.469; p = 0.05) but no correlation between the immediate postoperative thrombin activatable fibrinolysis inhibitor and bleeding volume (ρ = -0.062; p = 0.79). No variable included in the linear regression analysis (prehemoglobin, prefibrinogen and preoperative thrombin activatable fibrinolysis inhibitor) was a bleeding predictor. There was a similar trend in the variation between the levels of thrombin activatable fibrinolysis inhibitor at the three different time points and fibrinogen levels. Patients who died within 6 months (14.3%) showed decreased preoperative and immediate postoperative levels of thrombin activatable fibrinolysis compared with survivors (preoperative: 1.3 ± 0.15 versus 2.55 ± 0.53, p = 0.06; immediate postoperative: 1.2 ± 0.15 versus 2.5 ± 0.42, p = 0.007).

Conclusion:

There was a moderate correlation between preoperative thrombin activatable fibrinolysis inhibitor and intraoperative bleeding in liver transplantation patients, although the predictive role of this variable independent of other variables remains uncertain. Preoperative and immediate postoperative thrombin activatable fibrinolysis inhibitor levels may have a role in the survival prognosis of this population; however, this possibility requires confirmation in further studies with larger sample sizes.

Keywords:
Carboxipeptidase B2; Fibrinolysis; Liver transplantation; Hemorrhage; Fibrinogen; MELD

INTRODUÇÃO

A transfusão de hemocomponentes é um evento comum durante o transplante hepático ortotópico, influenciando nos desfechos dos pacientes e também na viabilidade do órgão transplantado.(11 Sabate A, Dalmau A, Koo M, Aparicio I, Costa M, Contreras L. Coagulopathy management in liver transplantation. Transplant Proc. 2012;44(6):1523-5.) Ela está associada, na maioria dos estudos, com uma maior mortalidade, um maior risco de infecções e de disfunção do enxerto.(22 Senzolo M, Burra P, Cholongitas E, Burroughs K. New insights into the coagulopathy of liver disease and liver transplantation. World J Gastroenterol. 2006;12(48):7725-36. Review.) Os principais fatores de risco para sangramento e necessidade de transfusão no transplante hepático são idade do paciente, gravidade da cirrose hepática - quando avaliada pelo escore Model for End-stage Liver Disease (MELD), hemoglobina pré-operatória, tempo de anestesia e níveis pré-operatórios de fibrinogênio.(33 Mangus RS, Kinsella SB, Nobari MM, Fridell JA, Vianna RM, Ward ES, et al. Predictors of blood product use in orthotopic liver transplantation using the piggyback hepatectomy technique. Transplant Proc. 2007;39(10):3207-13.) No momento da perfusão do enxerto, há redução global dos fatores pró-trombóticos e de coagulação, associados com uma geração simultânea de ativador do plasminogênio tecidual (tPA) e fibrinólise, aumentando potencialmente o risco de sangramento,(44 Wang Y, Liu Y, Han R, Zhu Z, Zhang Y, Wang X, et al. Hemostatic variation during perioperative period of orthotopic liver transplantation without venovenous bypass. Thromb Res. 2008;122(2):161-6.) sendo este parcialmente revertido com o uso de drogas antifibrinolíticas.

Thrombin-activatable fibrinolysis inhibitor (TAFI), também chamado de procarboxipeptidase B ou U, é uma proteína de produção hepática, que age como inibidora da fibrinólise e que é convertida na sua forma ativa (TAFIa) pelo complexo trombina-trombomodulina, diminuindo a geração de plasmina e suprimindo a cascata fibrinolítica.(55 Watanabe R, Wada H, Watanabe Y, Sakakura M, Nakasaki T, Mori Y, et al. Activity and antigen levels of thrombin-activatable fibrinolysis inhibitor in plasma of patients with disseminated intravascular coagulation. Thromb Res. 2001;104(1):1-6.) Os níveis séricos de TAFI encontram-se muito diminuídos nos pacientes cirróticos, até mesmo a níveis indetectáveis em pacientes com doença hepatocelular avançada,(66 Nesheim M. Thrombin and fibrinolysis. Chest. 2003;124(3 Suppl):33S-9S.) secundária à síntese prejudicada.(77 Lisman T, Leebeek FW, Mosnier LO, Bouma BN, Meijers JC, Janssen HL, et al. Thrombin-activatable fibrinolysis inhibitor deficiency in cirrhosis is not associated with increased plasma fibrinolysis. Gastroenterology. 2001;121(1):131-9.) Nos pacientes cirróticos, a hiperfibrinólise é um achado comum e possivelmente um fator contribuinte para a maior tendência de sangramento que estes pacientes apresentam, num mecanismo TAFI-dependente.(88 Colucci M, Binetti BM, Branca MG, Clerici C, Morelli A, Semeraro N, et al. Deficiency of thrombin activatable fibrinolysis inhibitor in cirrhosis is associated with increased plasma fibrinolysis. Hepatology. 2003;38(1):230-7.) Encontram-se, nessa população, níveis diminuídos de TAFI, os quais foram identificados como preditores significativos de mortalidade(99 Gresele P, Binetti BM, Branca G, Clerici C, Asciutti S, Morelli A, et al. TAFI deficiency in liver cirrhosis: relation with plasma fibrinolysis and survival. Thromb Res. 2008;121(6):763-8.) e também como relacionados com a gravidade da cirrose.(88 Colucci M, Binetti BM, Branca MG, Clerici C, Morelli A, Semeraro N, et al. Deficiency of thrombin activatable fibrinolysis inhibitor in cirrhosis is associated with increased plasma fibrinolysis. Hepatology. 2003;38(1):230-7.) Em transplantados hepáticos, entretanto, o papel do TAFI, na avaliação e no manejo do sangramento perioperatório, ainda não foi estabelecido, sendo este o objetivo principal deste estudo.

MÉTODOS

Estudamos 21 pacientes portadores de cirrose hepática de diferentes etiologias no manejo perioperatório imediatamente antes do transplante hepático admitidos no Hospital Dom Vicente Scherer, um hospital de 80 leitos especializados em transplante, na Região Sul do Brasil. A gravidade da doença foi avaliada pelos escores MELD e Child-Pugh. Foram coletadas amostras sanguíneas para análise de TAFI por ELISA (VisuLize TAFI antigen kit, Affinity Biologicals Inc., Ancaster, Canadá) em frascos de citrato trissódico, pH 7,5 de veia antecubital, em três diferentes momentos: imediatamente antes do transplante hepático (TAFI pré), imediatamente após o procedimento cirúrgico (TAFI POI) e após 24 horas do final da cirurgia (TAFI 24 horas PO). Estas amostras foram analisadas conforme as instruções do fabricante, e os resultados foram expressos em valores absolutos. O plasma foi separado por centrifugação a 2.000g por 15 minutos. Exames laboratoriais de rotina, incluindo os testes hematológicos, foram realizados de acordo com os protocolos perioperatórios locais em amostras de plasma fresco, enquanto que as de TAFI foram realizadas em amostras armazenadas a -80°C por um período máximo de 8 meses. Os valores absolutos de TAFI são expressos em µg/mL. Características clínicas e desfechos foram analisados por meio de revisão de prontuário médico.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (registro 00796512.0.00005335), com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo paciente ou pelo seu responsável legal. Os critérios de exclusão foram idade < 18 anos, transplante conjugado fígado-rim, retransplante hepático, uso de inibidores de vitamina K, anticoagulantes ou transfusão de plasma até 7 dias antes do procedimento cirúrgico. O principal desfecho do estudo foi correlacionar os níveis de TAFI pré e de TAFI POI com perda sanguínea no transoperatório, definida como o volume mensurado pela aspiração e pelo sistema de cell saver. Os desfechos secundários foram correlacionar os níveis de TAFI pré com as diferentes etiologias da cirrose; comparar os níveis de TAFI pré com a presença de carcinoma hepatocelular, ou de trombose de veia porta; e correlacionar os níveis de TAFI com os valores de fibrinogênio coletados durante o mesmo período, com a presença de choque após 24 horas do transplante, a necessidade de reintervenção cirúrgica nas primeiras 48 horas do transplante hepático e a mortalidade em 6 meses.

Análise estatística

Os valores são expressos como média ± desvio padrão (DP) ou mediana ± amplitude interquartil, dependendo da distribuição dos valores, avaliados pelo teste de Shapiro-Wilk para distribuição normal. Variáveis contínuas foram analisadas pelo teste de Mann-Whitney, e correlação entre estas variáveis foram analisadas pelo teste de correlação de Spearman. Correlação entre os fatores de risco e o sangramento perioperatório foi avaliada com uma análise de regressão linear, sendo que as variáveis foram ajustadas para idade, sexo, MELD, hemoglobina pré-operatória, fibrinogênio pré-operatório, TAFI pré, TAFI POI e tempo de anestesia. As correlações entre os diferentes momentos de TAFI e de fibrinogênio foram comparadas por meio do modelo linear generalizado, comparando a variação da média dos valores pelo escore Z a cada momento (pré-operatório, pós-operatório imediato e 24 horas pós-operatório) para ambas as variáveis. Todas as análises estatísticas foram realizadas por meio dos programas Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 17.0, e STATA, versão 11.0.

RESULTADOS

Foram avaliados 26 pacientes, mas 2 deles não perfizeram os critérios de inclusão (transplante combinado fígado-rim) e três não assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados basais dos pacientes estão sumarizados na tabela 1, e as principais características perioperatórias estão apresentadas na tabela 2.

Tabela 1
Características clínicas da população
Tabela 2
Dados perioperatórios

Não houve diferença estatisticamente significativa entre os níveis séricos de TAFI pré, de acordo com as diferentes etiologias da cirrose: alcoolismo (p = 0,73), vírus da hepatite C (p = 0,12), vírus da hepatite B (p = 0,61), cirrose biliar primária (p = 0,18) e colangite esclerosante primária (p = 0,09). Pacientes com diagnóstico de trombose de veia porta apresentaram níveis séricos maiores em comparação aos que não desenvolveram essa complicação: 2,8 ± 0,39 versus 2,0 ± 0,64 (p = 0,028), respectivamente. Portadores de carcinoma hepatocelular apresentaram também níveis séricos maiores de TAFI pré em comparação aos que não apresentaram a doença: 2,7 ± 0,53 versus 2,0 ± 0,58 (p = 0,01).

Os níveis de TAFI tiveram variação ao longo dos três diferentes momentos, a qual não diferiu estatisticamente da variação apresentada pelo fibrinogênio nestes três períodos, quando analisados pelo modelo linear generalizado (Tabela 3). Em análise de correlação, os níveis de TAFI pré apresentaram correlação com o volume de sangramento no perioperatório (ρ = -0,469; p = 0,05), assim como os níveis pré-operatórios de fibrinogênio (ρ = -0,603; p = 0,006) e de hemoglobina (ρ = -0,630; p = 0,003), mas não os níveis de TAFI POI (ρ = -0,062; p = 0,79). Foi realizada regressão linear, que, após controle entre as variáveis, não demonstrou significância estatística para nenhuma delas das mesmas como preditoras de sangramento no perioperatório (Tabela 4).

Tabela 3
Correlação entre thrombin activatable fibrinolysis inhibitor e fibrinogênio entre os diferentes momentos de coleta
Tabela 4
Fatores de risco preditores de sangramento perioperatório por análise de regressão

Não houve correlação entre a presença de choque ao final das primeiras 24 horas de PO e os níveis de TAFI pré (2,1 ± 0,78 pacientes com choque versus 2,4 ± 0,61 em pacientes que não desenvolveram choque; p = 0,36) e TAFI POI (2,0 ± 0,69 pacientes com choque versus 2,5 ± 0,44 em pacientes que não desenvolveram choque; p = 0,16). A necessidade de transfusão de hemocomponentes nas primeiras 24 horas de PO também não se correlacionou com os níveis de TAFI pré (grupo transfusão 2,1 ± 0,70 versus grupo sem transfusão 2,45 ± 0,62; p = 0,23) e TAFI POI (grupo transfusão 2,0 ± 0,69 versus 2,45 ± 0,50; p = 0,43); tampouco com a necessidade de reintervenção cirúrgica em 48 horas: TAFI pré (grupo reintervenção 2,1 ± 0,65 versus 2,45 ± 0,67; p = 036) e TAFI POI (grupo reintervenção: 2,0 ± 0,80 versus 2,45 ± 0,53; p = 0,39).

Em 6 meses de seguimento, três pacientes faleceram, perfazendo uma taxa de mortalidade de 14,3%. Os pacientes que evoluíram a óbito apresentaram níveis séricos de TAFI pré menores que os sobreviventes (1,3 ± 0,15 versus 2,55 ± 0,53; p = 0,06, respectivamente), assim como entre os níveis de TAFI POI (1,2 ± 0,15 versus 2,5 ± 0,42; p = 0,007, respectivamente), mas não houve diferença estatisticamente significativa nos níveis de TAFI 24 horas PO entre os grupos (3,0 ± 0,92 nos sobreviventes versus 2,8 ± 1,04 nos que evoluíram a óbito; p = 0,31).

Não houve diferença nos níveis de TAFI pré e TAFI POI entre os pacientes que desenvolveram ou não necessidade de transfusão nas primeiras 24 horas (TAFI pré 2,1 ± 0,7 versus 2,45 ± 0,62; p = 0,43; e TAFI POI 2,0 ± 0,69 versus 2,45 ± 0,50; p = 0,23), entre os que desenvolveram ou não choque persistente em após 24 horas de pós-operatório (TAFI pré 2,5 ± 0,44 versus 2,0 ± 0,69; p = 0,16; e TAFI POI 2,1 ± 0,78 versus 2,45 ± 0,61; p = 0,36) e nem entre os pacientes que necessitaram ou não de reintervenção cirúrgica nas primeiras 48 horas (TAFI pré 2,1 ± 0,65 versus 2,45 ± 0,67; p = 0,39; e TAFI POI 2,0 ± 0,80 versus 2,45 ± 0,53; p = 0,36).

DISCUSSÃO

Este artigo descreve achados importantes com relação ao TAFI nos pacientes submetidos ao transplante hepático. A correção dos níveis séricos com a gravidade da insuficiência hepática crônica já é bem descrita,(88 Colucci M, Binetti BM, Branca MG, Clerici C, Morelli A, Semeraro N, et al. Deficiency of thrombin activatable fibrinolysis inhibitor in cirrhosis is associated with increased plasma fibrinolysis. Hepatology. 2003;38(1):230-7.,99 Gresele P, Binetti BM, Branca G, Clerici C, Asciutti S, Morelli A, et al. TAFI deficiency in liver cirrhosis: relation with plasma fibrinolysis and survival. Thromb Res. 2008;121(6):763-8.) mas este é o primeiro trabalho a descrever a variação dos níveis da molécula durante o período perioperatório e sua correlação com os diferentes desfechos clínicos. É importante destacar a relação entre a presença de trombose de veia porta e os níveis aumentados de TAFI. A literatura sugere ser o TAFI elevado um fator de risco para trombose venosa(66 Nesheim M. Thrombin and fibrinolysis. Chest. 2003;124(3 Suppl):33S-9S.,1010 Bajzar L. Thrombin activatable fibrinolysis inhibitor and an antifibrinolytic pathway. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2000;20(12):2511-8.,1111 Foley JH, Kim PY, Mutch NJ, Gils A. Insights into thrombin activatable fibrinolysis inhibitor function and regulation. J Thromb Haemost 2013;11 Suppl 1:306-15.) e também um achado presente nos que desenvolvem recorrência da doença.(1212 Eichinger S, Schönauer V, Weltermann A, Minar E, Bialonczyk C, Hirschl M, et al. Thrombin-activatable fibrinolysis inhibitor and the risk for recurrent venous thromboembolism. Blood. 2004;103(10):3773-6.) Sabe-se que pacientes portadores de carcinoma hepatocelular podem desenvolver um quadro de hipercoagubilidade, acarretando, no transoperatório de transplante hepático, menor atividade fibrinolítica.(1313 Segal H, Cottam S, Potter D, Hunt BJ. Coagulation and fibrinolysis in primary biliary cirrhosis compared with other liver disease and during orthotopic liver transplantation. Hepatology. 1997;25(3):683-8.) O achado do nosso estudo de níveis aumentados de TAFI nesta população pode corroborar tais dados.

O fibrinogênio, como precursor da fibrina, exerce papel importante na estabilização do coágulo, conferindo-lhe resistência à ação fibrinolítica. Tem seus níveis séricos diminuídos no pré-operatório, em virtude de sua produção hepática e, posteriormente, tem sua variação nos níveis séricos, durante o procedimento cirúrgico, em decorrência principalmente do grau de fibrinólise presente.(11 Sabate A, Dalmau A, Koo M, Aparicio I, Costa M, Contreras L. Coagulopathy management in liver transplantation. Transplant Proc. 2012;44(6):1523-5.) O fato da variação dos níveis de TAFI nos diferentes momentos acompanhar a variação nos níveis de fibrinogênio corrobora tal achado.

Exceção feita ao tempo de protrombina, o qual é componente do escore Child-Pugh e do MELD (International Normatized Ratio - INR). A determinação dos fatores de coagulação individuais acrescenta pouco ao prognóstico dos pacientes portadores de insuficiência hepática crônica. Os níveis séricos de TAFI já se mostraram preditores de mortalidade em estudo prévio em cirróticos,(99 Gresele P, Binetti BM, Branca G, Clerici C, Asciutti S, Morelli A, et al. TAFI deficiency in liver cirrhosis: relation with plasma fibrinolysis and survival. Thromb Res. 2008;121(6):763-8.) mas, neste estudo, em que encontramos uma correlação entre mortalidade e os níveis de TAFI no pré e no pós-operatório imediato do transplante hepático, constituem fato novo, talvez correlacionando-se com a função metabólica, tanto do fígado cirrótico, quanto do órgão transplantado, posto que não se encontra uma atividade fibrinolítica mais acentuada nos não sobreviventes.(99 Gresele P, Binetti BM, Branca G, Clerici C, Asciutti S, Morelli A, et al. TAFI deficiency in liver cirrhosis: relation with plasma fibrinolysis and survival. Thromb Res. 2008;121(6):763-8.)

Atualmente, a maior parte dos estudos é falha em definir fatores de risco relacionados a sangramento, inclusive exames laboratoriais.(1414 Steib A, Freys G, Lehmann C, Meyer C, Mahoudeau G. Intraoperative blood losses and transfusion requirements during adult liver transplantation remain difficult to predict. Can J Anaesth. 2001;48(11):1075-9.,1515 Massicotte L, Beaulieu D, Thibeault L, Roy JD, Marleau D, Lapointe R, et al. Coagulation defects do not predict blood product requirements during liver transplantation. Transplantation. 2008;85(7):956-62.) Poucos dados na literatura sugerem o escore MELD, as dosagens pré-operatórias de hemoglobina, os níveis séricos pré-operatórios de fibrinogênio e o tempo anestésico como fatores preditores de sangramento aumentado no procedimento.(33 Mangus RS, Kinsella SB, Nobari MM, Fridell JA, Vianna RM, Ward ES, et al. Predictors of blood product use in orthotopic liver transplantation using the piggyback hepatectomy technique. Transplant Proc. 2007;39(10):3207-13.) As anormalidades hemostáticas durante o perioperatório de transplante hepático são multifatoriais, limitando-se ao papel isolado de algum exame laboratorial como preditor acurado para este desfecho. Neste trabalho, encontramos correlação apenas moderada entre o TAFI pré e o volume de perda sanguínea, correlação esta menor que a dos níveis de fibrinogênio e de hemoglobina pré-operatórios. Em modelo de regressão linear ajustado, não encontramos nenhuma destas alterações como preditoras de sangramento durante o transplante hepático, porém o baixo tamanho amostral não permite conclusões definitivas com relação a esse assunto.

Este estudo apresenta diversas limitações. Primeiramente, por se tratar de um estudo piloto, comporta-se apenas como um gerador de hipóteses, trazendo questões que devem ser melhor investigadas por meio de estudo maior e de melhor qualidade metodológica. Os nossos resultados não permitem realizar afirmações conclusivas, quanto à predição de mortalidade dessa população, a qual não foi possível, em virtude da baixa incidência de desfechos, ser submetida a modelo de análise multivariada.

Uma importante limitação deste estudo, ao se analisar o papel do TAFI na predição de sangramento, é o fato de ele não ter sido comparado com o teste de eleição para tal, a tromboelastografia. A tromboelastografia, ao determinar a etiologia do sangramento em avaliação dinâmica, permite uma análise precisa e instantânea da etiologia do sangramento (fibrinólise, causas mecânicas e plaquetopenia), diminuindo-se a necessidade de transfusão de hemocomponentes no transplante hepático.(1616 Rando K, Niemann CU, Taura P, Klinck J. Optimizing cost-effectiveness in perioperative care for liver transplantation: a model for low- to medium-income countries. Liver Transplant. 2011;17(11):1247-78.) Comparar os níveis de TAFI, assim como sua variação (delta) entre os diferentes momentos, com os achados da tromboelastografia ou de outros marcadores de fibrinólise (por exemplo: tempo de fibrinólise e tempo de lise do coágulo), seria possível estabelecer mais adequadamente a correlação entre a molécula e a presença de ativação fibrinolítica no perioperatório.

CONCLUSÃO

Thrombin activatable fibrinolysis inhibitor, especialmente em seus níveis pré-operatórios, como também no pós-operatório imediato, pode ser uma ferramenta importante para uma maior compreensão da coagulopatia durante o transplante hepático, com um papel potencial, inclusive, como preditor de maior mortalidade nessa população. Novos estudos abordando este assunto, com um tamanho amostral maior e dosando seus níveis em momentos após as primeiras 24 horas de pós-operatório, são necessários, permitindo possivelmente estabelecer o papel do thrombin activatable fibrinolysis inhibitor na estratificação pré-transplante hepático.

  • Editor responsável: Glauco Adrieno Westphal

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Programa de Apoio à Pós-Graduação da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Sabate A, Dalmau A, Koo M, Aparicio I, Costa M, Contreras L. Coagulopathy management in liver transplantation. Transplant Proc. 2012;44(6):1523-5.
  • 2
    Senzolo M, Burra P, Cholongitas E, Burroughs K. New insights into the coagulopathy of liver disease and liver transplantation. World J Gastroenterol. 2006;12(48):7725-36. Review.
  • 3
    Mangus RS, Kinsella SB, Nobari MM, Fridell JA, Vianna RM, Ward ES, et al. Predictors of blood product use in orthotopic liver transplantation using the piggyback hepatectomy technique. Transplant Proc. 2007;39(10):3207-13.
  • 4
    Wang Y, Liu Y, Han R, Zhu Z, Zhang Y, Wang X, et al. Hemostatic variation during perioperative period of orthotopic liver transplantation without venovenous bypass. Thromb Res. 2008;122(2):161-6.
  • 5
    Watanabe R, Wada H, Watanabe Y, Sakakura M, Nakasaki T, Mori Y, et al. Activity and antigen levels of thrombin-activatable fibrinolysis inhibitor in plasma of patients with disseminated intravascular coagulation. Thromb Res. 2001;104(1):1-6.
  • 6
    Nesheim M. Thrombin and fibrinolysis. Chest. 2003;124(3 Suppl):33S-9S.
  • 7
    Lisman T, Leebeek FW, Mosnier LO, Bouma BN, Meijers JC, Janssen HL, et al. Thrombin-activatable fibrinolysis inhibitor deficiency in cirrhosis is not associated with increased plasma fibrinolysis. Gastroenterology. 2001;121(1):131-9.
  • 8
    Colucci M, Binetti BM, Branca MG, Clerici C, Morelli A, Semeraro N, et al. Deficiency of thrombin activatable fibrinolysis inhibitor in cirrhosis is associated with increased plasma fibrinolysis. Hepatology. 2003;38(1):230-7.
  • 9
    Gresele P, Binetti BM, Branca G, Clerici C, Asciutti S, Morelli A, et al. TAFI deficiency in liver cirrhosis: relation with plasma fibrinolysis and survival. Thromb Res. 2008;121(6):763-8.
  • 10
    Bajzar L. Thrombin activatable fibrinolysis inhibitor and an antifibrinolytic pathway. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2000;20(12):2511-8.
  • 11
    Foley JH, Kim PY, Mutch NJ, Gils A. Insights into thrombin activatable fibrinolysis inhibitor function and regulation. J Thromb Haemost 2013;11 Suppl 1:306-15.
  • 12
    Eichinger S, Schönauer V, Weltermann A, Minar E, Bialonczyk C, Hirschl M, et al. Thrombin-activatable fibrinolysis inhibitor and the risk for recurrent venous thromboembolism. Blood. 2004;103(10):3773-6.
  • 13
    Segal H, Cottam S, Potter D, Hunt BJ. Coagulation and fibrinolysis in primary biliary cirrhosis compared with other liver disease and during orthotopic liver transplantation. Hepatology. 1997;25(3):683-8.
  • 14
    Steib A, Freys G, Lehmann C, Meyer C, Mahoudeau G. Intraoperative blood losses and transfusion requirements during adult liver transplantation remain difficult to predict. Can J Anaesth. 2001;48(11):1075-9.
  • 15
    Massicotte L, Beaulieu D, Thibeault L, Roy JD, Marleau D, Lapointe R, et al. Coagulation defects do not predict blood product requirements during liver transplantation. Transplantation. 2008;85(7):956-62.
  • 16
    Rando K, Niemann CU, Taura P, Klinck J. Optimizing cost-effectiveness in perioperative care for liver transplantation: a model for low- to medium-income countries. Liver Transplant. 2011;17(11):1247-78.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2016
  • Aceito
    05 Maio 2016
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br