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Chegando a um consenso: vantagens e desvantagens do Sepsis 3 considerando países de recursos limitados

O que há de novo nas definições do Sepsis 3?

Recentemente, a Society of Critical Care Medicine (SCCM) e a European Society of Critical Care Medicine (ESICM) promoveram uma nova conferência de consenso e publicaram as novas definições de sepse, conhecidas como Sepsis 3.(11 Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.)

Em resumo, a definição ampla de sepse pela nova publicação, é definida pela "presença de disfunção orgânica ameaçadora à vida secundária à resposta desregulada do organismo à infecção".(11 Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.) O diagnóstico clínico de disfunção orgânica se baseia na variação de dois ou mais pontos no escore Sequential Organ Failure Assessment (SOFA). A presença dos critérios da síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) não é mais necessária para a definição. Uma das mensagens principais é a de que todos os casos de sepse devem ser considerados como doença grave, de forma que a expressão "sepse grave" deve ser abolida. Define-se choque séptico como "um subgrupo dos pacientes com sepse que apresentam acentuadas anormalidades circulatórias, celulares e metabólicas e associadas com maior risco de morte do que a sepse isoladamente". Os critérios diagnósticos de choque séptico são a "necessidade de vasopressor para manter uma pressão arterial média acima de 65mmHg após a infusão adequada de fluidos, associada a nível sérico de lactato acima de 2mmol/L".(22 Shankar-Hari M, Phillips GS, Levy ML, Seymour CW, Liu VX, Deutschman CS, Angus DC, Rubenfeld GD, Singer M; Sepsis Definitions Task Force. Developing a New Definition and Assessing New Clinical Criteria for Septic Shock: For the Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):775-87.)

Adicionalmente, a força-tarefa sugeriu o uso de um escore SOFA simplificado, denominado "quick SOFA" (qSOFA). Trata-se de uma ferramenta a ser utilizada a beira do leito para identificar rapidamente pacientes adultos com maior probabilidade de ter desfechos clínicos desfavoráveis, se eles apresentarem infecção. Assim, trata-se de uma ferramenta apenas para triagem, que procura identificar pacientes graves, e que não deve ser utilizada para definição de sepse. O qSOFA fornece um alarme que significa "não perca tempo, se você ainda não fez nada, por favor aja agora com rapidez". Ele é positivo quando o paciente apresenta pelo menos dois dos critérios clínicos a seguir: frequência respiratória > 22/incursões por minuto, alteração do nível de consciência (escore segundo a Escala de Coma de Glasgow inferior a 15), ou pressão arterial sistólica de < 100mmHg.(33 Seymour CW, Liu VX, Iwashyna TJ, Brunkhorst FM, Rea TD, Scherag A, et al. Assessment of Clinical Criteria for Sepsis: For the Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):762-74. Erratum in: JAMA. 2016;315(20):2237.)

Embora as definições tenham sido endossadas por muitas sociedades de terapia intensiva em todo o mundo, também geraram muita controvérsia, principalmente no que se refere ao aumento da especificidade à custa de redução da sensibilidade. Assim, nosso objetivo neste artigo é salientar as principais vantagens e desvantagens das novas definições no contexto do nosso país. Objetivamos também construir um consenso a respeito de como estes novos conceitos podem ser aplicados em nossa prática diária, tendo como foco os programas de melhoria da qualidade que são a pedra fundamental de nossos esforços para redução das taxas de mortalidade por sepse no Brasil, que atualmente se encontram em taxas inaceitáveis.(44 Machado FR, Cavalcanti AB, Carrara FS, Bozza FA, Lubarino J, Azevedo LC, et al. Prevalência e mortalidade por sepse grave e choque séptico em unidades de terapia intensiva brasileiras. Rev Bras Terapia Intensiva. 2014;Supl 1:S13.)

As vantagens

As novas definições trouxeram diversas melhorias ao campo da sepse. Primeiramente, a definição ampla da sepse como presença de disfunção orgânica por resposta desregulada à infecção foi bem recebida, já que a noção prévia de sepse provocada exclusivamente como uma resposta inflamatória do hospedeiro não é mais plausível do ponto de vista fisiopatológico.(55 Hotchkiss RS, Monneret G, Payen D. Sepsis-induced immunosuppression: from cellular dysfunctions to immunotherapy. Nat Rev Immunol. 2013;13(12):862-74.) A questão principal em um processo infeccioso é a presença do agente infeccioso que, por si mesmo, é capaz de lesar tecidos e levar ao óbito. Tanto a inflamação quanto a imunossupressão estão presentes como parte da resposta ao microrganismo. Assim, o termo "resposta desregulada do hospedeiro" é mais apropriado para descrever o processo fisiopatológico.

Em segundo lugar, pela primeira vez o consenso baseou-se nos dados disponíveis, e não na opinião de especialistas. A definição de sepse, ou melhor dizendo, a definição de disfunção orgânica baseou-se na validade preditiva para óbito ou para permanência prolongada na unidade de terapia intensiva (UTI). Para selecionar o melhor escore, a força-tarefa utilizou dados de três grandes bases de dados dos Estados Unidos e da Alemanha. Testaram os escores de disfunção orgânica mais conhecidos, como o SOFA e a versão modificada do Logistic Organ Dysfunction System (LODS).(33 Seymour CW, Liu VX, Iwashyna TJ, Brunkhorst FM, Rea TD, Scherag A, et al. Assessment of Clinical Criteria for Sepsis: For the Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):762-74. Erratum in: JAMA. 2016;315(20):2237.) Embora a maior parte dos estudos tenha utilizado definições de disfunção orgânica similares às utilizadas no programa de melhoria da qualidade da Campanha Sobrevivendo a Sepse, havia algum grau de variação que pode ter comprometido a consistência dos dados. A padronização dos critérios para disfunção orgânica pode ajudar na inclusão de pacientes semelhantes em estudos clínicos futuros, assim como em estudos epidemiológicos. É também possível que a utilização de variação do escore, em vez do escore propriamente dito, seja melhor por levar em consideração disfunções crônicas prévias.

Em terceiro lugar, as novas definições não exigem a presença de SRIS, que não é nem sensível, nem específica para sepse. Pelo menos um em cada oito pacientes graves com sepse não desenvolverá critérios para SRIS,(66 Kaukonen KM, Bailey M, Pilcher D, Cooper DJ, Bellomo R. Systemic inflammatory response syndrome criteria in defining severe sepsis. N Engl J Med. 2015;372(17):1629-38.) e até 47% dos pacientes hospitalizados nas enfermarias gerais desenvolvem dois critérios para SRIS durante sua permanência no hospital.(77 Churpek MM, Zadravecz FJ, Winslow C, Howell MD, Edelson DP. Incidence and Prognostic Value of the Systemic Inflammatory Response Syndrome and Organ Dysfunctions in Ward Patients. Am J Respir Crit Care Med. 2015;192(8):958-64.) Embora os critérios para SRIS, particularmente no contexto de programas de melhoria da qualidade, continuem a ser de grande relevância como ferramenta de triagem para pacientes potencialmente infectados, eles não são fundamentais para definir a presença de sepse.

Em quarto lugar está a simplificação da nomenclatura: não mais se usa sepse "grave", mas apenas "sepse". Com o tempo, esta será uma importante modificação para enfatizar a associação da palavra sepse a uma condição grave, em termos da promoção de melhor entendimento da sepse pelos profissionais de saúde e público leigo. Em outras palavras, segundo a nova definição, sepse é sempre grave.

Em quinto lugar, embora tenhamos ressalvas em relação aos critérios específicos utilizados para definir choque séptico, a nova definição ampla de choque séptico representa um avanço em termos do consenso de 1992, que não definia adequadamente o que o estado de choque significa. Choque é melhor definido como uma forma generalizada de falência circulatória aguda ameaçadora à vida, associada à utilização inadequada de oxigênio pelas células. Assim, foi apropriado acrescentar este conceito à definição de choque séptico, pois esta é a condição mais grave na evolução da sepse.(88 Cecconi M, De Backer D, Antonelli M, Beale R, Bakker J, Hofer C, et al. Consensus on circulatory shock and hemodynamic monitoring. Task force of the European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med. 2014;40(12):1795-815.)

Em sexto lugar, embora exista uma série de limitações à aplicabilidade do novo qSOFA, este novo escore atrai atenção para algumas variáveis negligenciadas, como diminuição do nível de consciência e elevada frequência respiratória, como marcadores de gravidade da doença e mortalidade. Porém, trata-se apenas de uma ferramenta para avaliar a gravidade, que não deve ser utilizada para diagnóstico ou definição de sepse.(99 Vincent JL, Martin GS, Levy MM. qSOFA does not replace SIRS in the definition of sepsis. Crit Care. 2016;20(1):210.)

Finalmente, toda controvérsia gerada pelas novas definições atraiu atenção para o campo da sepse, salientando a necessidade de mais pesquisas e investimentos, principalmente em programas educacionais e estudos epidemiológicos em áreas com recursos escassos e limitados, locais onde são parcos os dados e limitados os recursos.

Desvantagens

Primeiramente, a principal preocupação gerada pelas novas definições é a redução de sensibilidade para detectar casos que podem ter evolução desfavorável, principalmente em países de recursos limitados. Os novos conceitos limitam os critérios para disfunção orgânica e tendem a selecionar uma população com doença mais grave.(1010 Besen BA, Romano TG, Nassar AP Jr, Taniguchi LU, Azevedo LC, Mendes PV, et al. Sepsis-3 definitions predict ICU mortality in a low-middle-income country. Ann Intensive Care. 2016;6(1):107.) Isto é consequência direta do peso dado à validade preditiva, em vez da validade construída, utilizada para definir sepse pela força-tarefa, o que pode ser interessante em locais onde há sensibilidade excessiva - porém é uma preocupação em locais onde os pacientes não são precocemente reconhecidos. Nesse contexto, os esforços para identificar a disfunção orgânica podem ser mais importantes para não perder a oportunidade de tratar pacientes, sem haver modificação da abordagem terapêutica. Esta é uma nova abordagem conceitual, já que nenhuma doença na terapia intensiva é definida por sua capacidade de prever morte, exceto no caso da síndrome da angústia respiratória aguda. Esta modificação na filosofia por trás das definições gera muita controvérsia, já que geralmente buscamos melhora da sensibilidade, como no caso de marcadores precoces, para detectar lesão renal aguda,(1111 Ostermann M, Joannidis M. Acute kidney injury 2016: diagnosis and diagnostic workup. Crit Care. 2016;20(1):299.) e teste de alta sensibilidade de troponina, para identificação do infarto do miocárdio.(1212 Neumann JT, Sorensen NA, Schwemer T, Ojeda F, Bourry R, Sciacca V, et al. Diagnosis of Myocardial Infarction Using a High-Sensitivity Troponin I 1-Hour Algorithm. JAMA Cardiol. 2016;1(4):397-404.) O uso dos critérios estritos do Sepsis 3 para disfunção orgânica a beira do leito pode levar a uma identificação tardia. Por exemplo, define-se disfunção orgânica como uma alteração de dois pontos no escore SOFA. Como lactato não faz parte do escore SOFA, e como hipotensão sem necessidade de vasopressores e escore Glasgow 13 - 14 valem apenas 1 ponto no SOFA, um paciente com estas variáveis não preencherá o critério estrito para diagnóstico de sepse. Esta questão pode ser minimizada, uma vez que estas condições constituem disfunções orgânicas com risco à vida e, assim, se qualificam como sepse segundo a definição ampla do Sepsis 3. No futuro, conforme menciona o artigo do JAMA,(11 Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.) será necessário rever as definições de disfunção orgânica, porém um passo foi dado para definir sepse como condição grave. Entretanto, é importante considerar que especificamente em locais onde a percepção sobre a sepse já é elevada o ganho em especificidade das novas definições pode permitir a instituições públicas e privadas focar sua atenção e alocar recursos em pacientes com maior risco de mortalidade.

Em segundo lugar, o uso de variação do escore SOFA, mesmo se limitado a estudos clínicos e epidemiológicos, não é simples. O escore não é bem conhecido pelos profissionais de saúde que trabalham no pronto-socorro ou nas enfermarias, e sua aplicabilidade é complexa, pois pode demandar o cálculo do SOFA nos dias subsequentes para verificar se o paciente cumpre os critérios estritos, e necessitar de exames laboratoriais adicionais. O uso do escore SOFA para detecção de sepse em programas de melhoria da qualidade não é factível, podendo retardar o diagnóstico e o início do tratamento antibiótico. A modificação dos critérios prévios para sepse grave (qualquer disfunção orgânica) para o novo critério de sepse (variação do escore SOFA) se baseou em uma análise estatística controvertida. Os autores compararam a acurácia da variação do escore SOFA com a acurácia da presença de dois critérios para SRIS, que não é um escore para avaliação de gravidade de doença ou de disfunção. Assim, não seria surpreendente encontrar uma curva ROC melhor para variação do SOFA. A modificação proposta nos critérios não foi de SRIS para variação no escore SOFA. Assim, a relevância da comparação da capacidade preditiva destes critérios é discutível. Essa é uma comparação que pode levar a engano, validando indevidamente o escore. A definição prévia de sepse grave incluía não apenas a presença de SRIS, mas também a disfunção de pelo menos um órgão. Embora não fosse viável realizar uma análise de predição com base em curvas ROC, que demandam variáveis contínuas, com uma variável dicotomizada tal qual a presença de disfunção de um único órgão, outras abordagens poderiam ter sido utilizadas. Na verdade, um em cada oito pacientes admitidos em UTI com infecção associada à disfunção orgânica não apresenta os critérios de SRIS;(66 Kaukonen KM, Bailey M, Pilcher D, Cooper DJ, Bellomo R. Systemic inflammatory response syndrome criteria in defining severe sepsis. N Engl J Med. 2015;372(17):1629-38.) assim, poderia ser postulado que suspeita de infecção associada à disfunção de pelo menos um órgão seria uma abordagem viável à beira do leito, e isso parece ter uma boa correlação com a gravidade da doença.(1313 Vincent JL, Marshall JC, Namendys-Silva SA, François B, Martin-Loeches I, Lipman J, Reinhart K, Antonelli M, Pickkers P, Njimi H, Jimenez E, Sakr Y; ICON investigators. Assessment of the worldwide burden of critical illness: the intensive care over nations (ICON) audit. Lancet Respir Med. 2014;2(5):380-6.)

Uma terceira questão é a desvalorização de hiperlactatemia isolada na fase aguda de infecção como uma disfunção orgânica metabólica. Embora esta não fosse a intenção da força-tarefa, a exclusão do lactato como marcador importante de choque oculto pode minar sua relevância como exame laboratorial de triagem a ser realizado em todos os pacientes com suspeita de sepse. Isto pode comprometer a detecção precoce destes pacientes graves, que têm taxas elevadas de mortalidade. Outra problema potencial é o viés nos estudos epidemiológicos.

Uma quarta questão é a nova definição de choque séptico, na qual se exige hiperlactatemia como componente obrigatório para a definição, diferente dos consensos Sepsis 1 e Sepsis 2, nos quais a simples presença de hipotensão refratária à administração de fluidos era considerada choque. Os novos critérios assumem que pacientes com hiperlactatemia grave, porém sem hipotensão, não têm risco elevado de óbito. Embora a presença de ambas as variáveis claramente aumente o risco de óbito, qualquer uma delas é um fator independente de risco. Além disso, como a força-tarefa não sugeriu qualquer outra opção ao lactato como marcador potencial de anormalidades metabólicas, o diagnóstico de choque séptico será difícil de avaliar em locais com baixos recursos nos quais não se dispuser de lactato. Embora o exame clínico seja uma possibilidade, não seria possível confirmar choque nessas condições. Assim, pacientes potencialmente em choque serão considerados apenas como sepse e, nestas condições, não será possível estimar com precisão as taxas de mortalidade do choque séptico.

A quinta questão é o novo escore qSOFA. Entendemos que este deve ser um escore de gravidade adequado para identificar pacientes em alto risco de óbito ou permanência na UTI superior a 3 dias, nos locais em que os dados foram obtidos. Mesmo nestes locais, ele não foi prospectivamente validado. A despeito disso, os autores sugeriram o qSOFA como uma ferramenta de triagem. O modelo estatístico utilizado para selecionar o ponto de corte de dois pontos visava predizer morbidade e mortalidade, e não ser uma ferramenta de triagem para diagnóstico precoce de sepse. Assim, como os autores reconheceram, é necessário que ele seja retrospectiva e prospectivamente avaliado e validado antes de ser implantado em nossas enfermarias e prontos-socorros. Os estudos iniciais hoje mostram que o qSOFA pode ter uma baixa sensibilidade, o que não é desejável, porém tem uma elevada especificidade para identificar pacientes em risco elevado de óbito, o que serve simplesmente para proporcionar um alerta para que se cuide mais rapidamente destes pacientes, caso isto ainda não tenha sido feito.(77 Churpek MM, Zadravecz FJ, Winslow C, Howell MD, Edelson DP. Incidence and Prognostic Value of the Systemic Inflammatory Response Syndrome and Organ Dysfunctions in Ward Patients. Am J Respir Crit Care Med. 2015;192(8):958-64.,1414 Giamarellos-Bourboulis EJ, Tsaganos T, Tsangaris I, Lada M, Routsi C, Sinapidis D, Koupetori M, Bristianou M, Adamis G, Mandragos K, Dalekos GN, Kritselis I, Giannikopoulos G, Koutelidakis I, Pavlaki M, Antoniadou E, Vlachogiannis G, Koulouras V, Prekates A, Dimopoulos G, Koutsoukou A, Pnevmatikos I, Ioakeimidou A, Kotanidou A, Orfanos SE, Armaganidis A, Gogos C; Hellenic Sepsis Study Group. Validation of the new sepsis-3 definitions: proposal for improvement in early risk identification. Clin Microbiol Infect. 2016 Nov 14. pii: S1198-743X(16)30558-4. [Epub ahead of print],1515 Williams JM, Greenslade JH, McKenzie JV, Chu K, Brown AF, Lipman J. SIRS, qSOFA and organ dysfunction: insights from a prospective database of emergency department patients with infection. Chest. 2016 Nov 19. pii: S0012-3692(16)62359-0. [Epub ahead of print]) Em programas de melhoria de qualidade, o nosso objetivo não é identificar pacientes em risco muito elevado de óbito, mas, antes, identificar pacientes em elevado risco de deterioração. A utilidade deste escore ainda precisa ser determinada. É importante esclarecer que não é necessário esperar pela presença de dois critérios qSOFA para dar início ao tratamento, pois trata-se apenas de um alerta a respeito da gravidade da doença que o paciente já apresenta. Aguardar até que o paciente desenvolva critérios qSOFA para só então dar início ao tratamento pode ser deletério.

Chegando a um consenso: abordagem prática às novas definições

Com base nas razões expostas, nossas principais preocupações são:

  1. Os novos conceitos são mais específicos quanto aos critérios diagnósticos e à disfunção orgânica, o que significa que podem reduzir a sensibilidade para pacientes graves se utilizados na beira do leito e em programas de melhoria de qualidade.

  2. Há o risco de interpretação equivocada destas novas definições. A definição de sepse é diferente de triagem de infecção, e estratégias com base nos critérios de SRIS ainda são úteis na detecção de infecção. A detecção de infecção pode ser o primeiro passo para detectar um paciente potencialmente séptico, porém a ausência de critérios para SRIS não exclui sepse. É importante ter atenção aos pacientes com suspeita de infecção e com qualquer disfunção orgânica, como hipotensão, baixa saturação arterial de oxigênio na oximetria de pulso, maior necessidade de oxigenioterapia ou suporte respiratório, alteração do nível de consciência e oligúria.

Considerando estes fatos e levando em conta nosso principal objetivo de aumentar a conscientização sobre sepse em nosso país, nossas propostas para uso clínico destas novas definições são as seguintes:

  1. Nos programas de melhoria da qualidade, devemos utilizar a nova definição ampla de sepse do Sepsis 3, ou seja, presença de disfunção orgânica ameaçadora à vida causada por uma resposta desregulada à infecção. Com esta definição ampla em mente, hipotensão, baixa saturação de oxigênio pela oximetria de pulso, aumento da necessidade de oxigênio ou de suporte respiratório, alteração do nível de consciência, e hiperlactatemia são disfunções que se consideram oferecer risco à vida, e tais pacientes necessitam ser precocemente reconhecidos e tratados. Assim, os programas de melhoria da qualidade não devem modificar suas estratégias atuais. Isto se alinha à declaração da Campanha Sobrevivendo a Sepse de que continuará a utilizar em seu programa de melhoria de qualidade os mesmos critérios de disfunção orgânica, inclusive os níveis de lactato.(1616 Surviving Sepsis Campaign. Surviving Sepsis Campaign Responds to Sepsis-3. March 1, 2016. Available in http://www.survivingsepsis.org/SiteCollectionDocuments/SSC-Statements-Sepsis-Definitions-3-2016.pdf
    http://www.survivingsepsis.org/SiteColle...
    )

  2. O uso da variação do escore SOFA como definição de disfunção orgânica deve se restringir aos estudos clínicos e epidemiológicos, e não deve ser utilizado para definir o início do tratamento.

  3. A triagem de sepse em pacientes com suspeita de infecção, tanto no pronto-socorro quanto nas enfermarias, deve se basear em ferramentas sensíveis. Ferramentas com base nos critérios de SRIS ou em qualquer disfunção orgânica clínica (hipotensão, redução do nível de consciência, dispneia, oliguria) ou laboratorial já demonstraram seu valor em diversos estudos.(1717 Ferrer R, Artigas A, Levy MM, Blanco J, González-Díaz G, Garnacho-Montero J, Ibáñez J, Palencia E, Quintana M, de la Torre-Prados MV; Edusepsis Study Group. Improvement in process of care and outcome after a multicenter severe sepsis educational program in Spain. JAMA. 2008;299(19):2294-303.

    18 Levy MM, Dellinger RP, Townsend SR, Linde-Zwirble WT, Marshall JC, Bion J, et al. The Surviving Sepsis Campaign: results of an international guideline-based performance improvement program targeting severe sepsis. Intensive Care Med. 2010;36(2):222-31.

    19 Levy MM, Rhodes A, Phillips GS, Townsend SR, Schorr CA, Beale R, et al. Surviving Sepsis Campaign: association between performance metrics and outcomes in a 7.5-year study. Intensive Care Med. 2014;40(11):1623-33.
    -2020 Noritomi DT, Ranzani OT, Monteiro MB, Ferreira EM, Santos SR, Leibel F, et al. Implementation of a multifaceted sepsis education program in an emerging country setting: clinical outcomes and cost-effectiveness in a long-term follow-up study. Intensive Care Med. 2014;40(2):182-91.) O melhor equilíbrio entre a sensibilidade (SRIS) e a especificidade (disfunção orgânica) varia entre as instituições, dependendo da disponibilidade de recursos apropriados. A triagem de sepse com utilização de critérios para SRIS não é recomendada na UTI.

  4. O qSOFA não deve ser utilizado para triar pacientes com suspeita de sepse. Ele só deve ser utilizado para identificar pacientes graves com risco elevado de óbito, apenas como um alerta para desencadear prontamente o protocolo de sepse, caso ainda não tenha sido feito, quando se suspeita de infecção. Estes pacientes necessitarão de mais atenção ou monitoramento mais estrito, caso estas ações ainda não tenham sido tomadas.

Comentários finais

Em resumo, tanto a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) quanto o Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS) acreditam que a nova definição ampla de sepse, ou seja, disfunção orgânica ameaçadora à vida causada por resposta desregulada à infecção, é apropriada. No entanto, ambas as instituições consideram que não será viável o uso de critérios estritos para definir disfunção orgânica em programas de melhoria de qualidade em nosso país. Compartilhamos as preocupações relativas ao impacto das novas definições em nossas condições, diante das nossas elevadas taxas de mortalidade. Alguns aspectos das novas definições não seriam aplicáveis em termos práticos na beira do leito sem o risco de uma redução da sensibilidade e de retardo no reconhecimento da sepse.

  • Editor responsável: Thiago Costa Lisboa

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2016
  • Aceito
    14 Dez 2016
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