Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação do desempenho do PIM-2 entre pacientes cardiopatas cirúrgicos e correlação dos resultados com RACHS-1

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o desempenho do Pediatric Index of Mortality (PIM) 2 e do Escore de Risco Ajustado para Cirurgia Cardíaca Congênita (RACHS) no pós-operatório de cardiopatas congênitos.

Métodos:

Estudo transversal retrospectivo. Foram coletados dados de prontuário para gerar os escores e predições com as técnicas preconizadas, os dados demográficos e os desfechos. Para estatística, utilizaram-se o teste de Mann-Whitney, o teste de Hosmer-Lemeshow, a taxa de mortalidade padronizada, a área sobre a curva COR, qui quadrado, regressão de Poisson com variância robusta e teste de Spearman.

Resultados:

Foram avaliados 263 pacientes, e 72 foram a óbito (27,4%). Estes apresentaram valores de PIM-2 significativamente maiores que os sobreviventes (p < 0,001). Na classificação RACHS-1, a mortalidade foi progressivamente maior, de acordo com a complexidade do procedimento, com aumento de 3,24 vezes na comparação entre os grupos 6 e 2. A área abaixo da curva COR para o PIM-2 foi 0,81 (IC95% 0,75 - 0,87) e, para RACHS-1, de 0,70 (IC95% 0,63 - 0,77). A RACHS apresentou melhor poder de calibração na amostra analisada. Foi encontrada correlação significativamente positiva entre os resultados de ambos os escores (rs = 0,532; p < 0,001).

Conclusão:

A RACHS apresentou bom poder de calibração, e RACHS-1 e PIM-2 demonstraram bom desempenho quanto à capacidade de discriminação entre sobreviventes e não sobreviventes. Ainda, foi encontrada correlação positiva entre os resultados dos dois escores de risco.

Descritores:
Cardiopatias congênitas/cirurgia; Cardiopatias congênitas/mortalidade; Período pós-operatório; Risco ajustado; Avaliação de risco

ABSTRACT

Objective:

To assess the performance of the Pediatric Index of Mortality (PIM) 2 and the Risk Adjustment for Congenital Heart Surgery (RACHS) in the postoperative period of congenital heart disease patients.

Methods:

Retrospective cross-sectional study. Data were collected from patient records to generate the scores and predictions using recommended techniques, demographic data and outcomes. The Mann-Whitney test, Hosmer-Lemeshow test, standardized mortality rate, area under the receiver operating characteristic (ROC) curve, chi square test, Poisson regression with robust variance and Spearman's test were used for statistical analysis.

Results:

A total of 263 patients were evaluated, and 72 died (27.4%). These patients presented significantly higher PIM-2 values than survivors (p < 0.001). In the RACHS-1 classification, mortality was progressively higher according to the complexity of the procedure, with a 3.24-fold increase in the comparison between groups 6 and 2. The area under the ROC curve for PIM-2 was 0.81 (95%CI 0.75 - 0.87), while for RACHS-1, it was 0.70 (95%CI 0.63 - 0.77). The RACHS presented better calibration power in the sample analyzed. A significantly positive correlation was found between the results of both scores (rs = 0.532; p < 0.001).

Conclusion:

RACHS presented good calibration power, and RACHS-1 and PIM-2 demonstrated good performance with regard to their discriminating capacities between survivors and non-survivors. Moreover, a positive correlation was found between the results of the two risk scores.

Keywords:
Heart defects, congenital/surgery; Heart defects, congenital/mortality; Postoperative period; Risk adjustment; Risk assessment

INTRODUÇÃO

As unidades de terapia intensiva (UTI) pediátrica realizam o cuidado de crianças criticamente doentes por meio de profissionais qualificados e terapias de alta complexidade. De acordo com o último censo da Associação de Terapia Intensiva Brasileira (AMIB) publicado em 2010, o Brasil conta com 2.342 UTI, sendo 12,5% destas pediátricas.(11 Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Censo AMIB 2010 [internet]. [citado 2017 Ago 31]. Disponível em http://www.amib.com.br/censo_default2.asp#
http://www.amib.com.br/censo_default2.as...
)

Avaliar o desempenho do atendimento prestado em uma UTI pediátrica é um trabalho complexo, devido ao grande número de variáveis implicadas no processo de cuidado destes pacientes. Além disso, vários fatores não associados à qualidade do serviço influenciam no risco individual de morte destes pacientes, como o diagnóstico atual, a severidade da doença aguda, o status da doença de base e os fatores de risco adicionais variados.(22 Straney L, Clements A, Parslow RC, Pearson G, Shann F, Alexander J, Slater A; ANZICS Paediatric Study Group and the Paediatric Intensive Care Audit Network. Paediatric Index of mortality 3: na updated model for predicting mortality in pediatric intensive care. Pediatr Crit Care Med. 2013;14(7):673-81.) Devido à variabilidade dos casos em uma UTI, qualquer medida realizada de forma global, como, por exemplo, a taxa de mortalidade, não pode ser interpretada sem ajuste de risco. Para este fim, vários sistemas de pontuação para quantificação de gravidade e prognóstico foram criados nos últimos anos.

Os principais escores desenvolvidos para a população pediátrica são o Pediatric Index of Mortality (PIM), o Pediatric Risk of Mortality (PRISM) e suas novas versões. Estes escores foram desenvolvidos a partir da identificação de variáveis relevantes para o risco de mortalidade e pontuados após posterior análise estatística multivariada de regressão logística.(33 Martha VF, Garcia PC, Piva JP, Einloft PR, Bruno F, Rampon V. [Comparison of two prognostic scores (PRISM and PIM) at a pediatric intensive care unit]. J Pediatr (Rio J). 2005;81(3):259-64. Portuguese.)

O PIM foi desenvolvido originalmente em 1997. Trata-se de um modelo simples, baseado em variáveis coletadas no momento da admissão na UTI pediátrica. Devido às novas tecnologias de tratamento e novas abordagens ao atendimento do paciente crítico, em 2003 foi realizada uma versão atualizada deste escore (PIM-2), que abrangeu no estudo UTI com grande variabilidade de diagnósticos situadas na Austrália, Reino Unido e Nova Zelândia. A adição de variáveis que identificam diagnósticos com baixo risco de mortalidade melhorou o desempenho do PIM-2 em pacientes de pós-operatório não cardíaco e pacientes respiratórios.(44 Slater A, Shann F, Pearson G; Paediatric Index of Mortality (PIM) Study Group. PIM2: a revised version of the Paediatric Index of Mortality. Intensive Care Med. 2003;29(2):278-85.)

Apesar de o PIM-2 ser um escore de mortalidade amplamente utilizado nas UTI pediátricas do Brasil e do mundo, questiona-se sua aplicabilidade nos casos de unidades que possuem maior demanda de doenças específicas, como, por exemplo, os cardiopatas congênitos.

Os cardiopatas congênitos compreendem importante causa de morte na infância, e o cuidado destas crianças inspira estudos e avanços crescentes na área de cirurgia cardíaca e terapia intensiva. De acordo com revisão sistemática e metanálise publicada por van der Linde et al., a prevalência de cardiopatas congênitos é de 9,1 a cada mil nascidos vivos.(55 van der Linde D, Konings EE, Slager MA, Witsenburg M, Helbing WA, Takkenberg JJ, et al. Birth prevalence of congenital heart disease worldwide: a systematic review and meta-analysis. J Am Coll Cardiol. 2011;58(21):2241-7.) Estima-se que 7% das mortes no período neonatal estejam relacionadas a doenças cardíacas congênitas, correspondendo mundialmente a cerca de 9 milhões de mortes. Ademais, sabe-se que 25% dos cardiopatas congênitos necessitarão de procedimento invasivo no primeiro ano de vida.(66 Pinto Júnior VC, Branco KM, Cavalcante RC, Carvalho Junior W, Lima JR, Freitas SM, et al. Epidemiology of congenital heart disease in Brazil. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2015;30(2):219-24.)

Avaliar a qualidade dos serviços que realizam correção de cardiopatias congênitas é um trabalho árduo, dificultado principalmente pela ampla variedade de defeitos cardíacos existentes. A fim de criar um modelo de ajuste de risco para a mortalidade a curto prazo de todas as formas de cirurgia para a doença cardíaca congênita, Jenkins et al. elaboraram um modelo denominado Escore de Risco Ajustada para Cirurgia Cardíaca Congênita (RACHS-1), que classifica seis categorias de risco que permitem comparar a mortalidade intra-hospitalar para grupos de crianças submetidas à cirurgia para doença cardíaca congênita.(77 Jenkins KJ, Gauvreau K, Newburger JW, Spray TL, Moller JH, Iezzoni LI. Consensus-based method for risk adjustment for surgery for congenital heart disease. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;123(1):110-8.)

Este estudo visou comprovar a validade do PIM-2 na subpopulação de cardiopatas congênitos cirúrgicos da nossa UTI, além de comparar seus resultados com escore específico desenvolvido para esta população (RACHS-1).

MÉTODOS

Estudo transversal retrospectivo em que foram analisados os prontuários dos casos elegíveis do ano de 2015. Foram considerados elegíveis os pacientes submetidos à cirurgia cardíaca internados na UTI pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio em Porto Alegre (RS). Foram excluídos do estudo casos de óbito transoperatório por impossibilitarem o cálculo do PIM-2; recuperação pós-operatória em outra unidade; ou cirurgias cardíacas não classificadas pelo RACHS-1. Os dados foram coletados retrospectivamente para gerar os escores e predições com a técnica preconizada (para o PIM-2, dados da primeira hora de internação e, para o RACHS-1, identificação da cardiopatia de base e da cirurgia de correção realizada). Além disto, foram coletados dados demográficos para caracterização da amostra, como idade na admissão, sexo, peso, tempo de internação, diagnóstico de síndrome de Down e uso de circulação extracorpórea. O desfecho avaliado foi a evolução do paciente (óbito, alta hospitalar ou reintervenção cirúrgica).

Análise descritiva simples foi utilizada para a caracterização de idade, peso e tempo de internação. As demais variáveis foram demonstradas com frequência absoluta e porcentagem. A correlação entre os pacientes que evoluíram para óbito e os resultados encontrados no PIM-2 foi avaliada pelo teste Mann-Whitney. Para comparação de mortalidade entre os grupos da RACHS-1, foi usado o teste qui quadrado, e as razões de prevalência foram obtidas da análise de regressão de Poisson, com variância robusta. A calibração do PIM-2 e do RACHS-1 por faixas de probabilidade de óbito foi avaliada por meio do teste de Hosmer-Lemeshow, pelo modelo de regressão logística e pelo cálculo da taxa de mortalidade padronizada, com intervalo de confiança de 95% (IC95%) para cada faixa de risco. A capacidade de discriminação entre sobreviventes e não sobreviventes foi feita por meio da curva característica de operação do receptor (COR). As associações entre os resultados do PIM-2 e RACHS-1 foram verificadas pelos testes qui quadrado, e a correlação quantitativa entre os scores foi analisada pelo teste de Spearman. A análise dos dados foi realizada com o software Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 23.0.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital da Criança Santo Antônio - Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (RS) (Parecer 1.745.596, CAAE 58957516.6.0000.5683).

RESULTADOS

Foram avaliados pacientes internados na UTI pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio do período de janeiro a dezembro de 2015. O serviço contava com 30 leitos e realizava cuidado de crianças criticamente doentes com patologias diversas, além de cardiopatas congênitos. Durante o ano de 2015, foram realizadas 1.232 internações. Foram analisados os prontuários de 295 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca; destes, 32 foram excluídos devido a óbito transoperatório, recuperação em UTI neonatal ou cirurgias cardíacas sem classificação pelo RACHS-1, como, por exemplo, implante de marca-passo cardíaco (Figura 1).

Figura 1
Critérios de inclusão e exclusão da amostra.

UTI - unidade de terapia intensiva; RACHS - Escore de Risco Ajustado para Cirurgia Cardíaca Congênita.


Foram elegíveis para o estudo 263 cardiopatas congênitos no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca. Ao analisar o perfil da amostra, 62,4% dos pacientes eram do sexo masculino, a mediana de idade foi de 5 meses, 6,5% tinham diagnóstico de síndrome de Down e a média do tempo de internação foi de 11,4 dias. Em relação à procedência, 35,4% dos pacientes eram do interior do Estado ou transferidos de outros Estados do país. Dentre as cirurgias avaliadas, 76% utilizaram circulação extracorpórea. Dos 263 pacientes estudados, 72 foram a óbito (27,4%) (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização da amostra (n = 263)

Quando separados por desfecho, o PIM-2 dos pacientes que sobreviveram variou de 0,5 a 52,7%, com mediana de 2,8%, enquanto os pacientes que evoluíram para óbito apresentaram resultados de PIM-2 entre 1 a 72,3%, com mediana de 9,1%. Por meio do teste de Mann-Whitney, foi encontrado que os pacientes que evoluíram para óbito apresentaram valor de PIM-2 significativamente maior que os pacientes que sobreviveram (p < 0,001) (Figura 2).

Figura 2
Teste de Mann-Whitney para avaliação do Pediatric Index of Mortality 2 de acordo com desfecho.

PIM - Pediatric Index of Mortality.


Ao classificar os casos nas categorias de risco RACHS-1, os pacientes foram distribuídos conforme descrito na tabela 3. Para comparação de mortalidade entre os grupos da escala RACHS-1, foi usado o teste qui quadrado, e as razões de prevalência foram obtidas da análise de regressão de Poisson, com variância robusta. Usando como referência o grupo 2 (uma vez que o grupo 1 não apresentou óbitos), os grupos 3, 4 e 6 apresentaram aumento na mortalidade em 54,7% (p = 0,109), 95,8% (p = 0,031) e 224% (p < 0,01), respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação de mortalidade encontrada entre os grupos de acordo com Escore de Risco Ajustado para Cirurgia Cardíaca Congênita

Os escores foram calibrados por meio do teste de ajuste de Hosmer-Lemeshow, que demonstrou significância para o PIM-2 com qui quadrado de 6,13 (p = 0,047) e valores não significativos para o RACHS-1 com qui quadrado de 4,07 (p = 0,254). A razão de mortalidade padronizada também foi calculada por faixas de probabilidade de óbito e estão descritas na tabela 3. No desempenho discriminatório dos modelos, medido pela área abaixo da curva COR, foram obtidas áreas de 0,81 para o PIM-2 (IC95% 0,75 - 0,87) e de 0,70 para o RACHS-1 (IC95% 0,63 - 0,77) (Figura 3). Foi realizado o teste de Spearman para correlação quantitativa entre os resultados dos escores PIM-2 e RACHS-1, com correlação significativamente positiva (rs = 0,532; p < 0,001) (Figura 4).

Tabela 3
Calibração dos escores Pediatric Index of Mortality 2 e de Risco Ajustado para Cirurgia Cardíaca Congênita
Figura 3
Avaliação do desempenho discriminatório dos modelos conforme área abaixo da curva caracterítica de operação do recpetor.

COR - caracterítica de operação do recpetor; PIM - Pediatric Index of Mortality; RACHS - Escore de Risco Ajustado para Cirurgia Cardíaca Congênita.


Figura 4
Correlação entre os escores de Pediatric Index of Mortality 2 e de Risco Ajustado para Cirurgia Cardíaca Congênita 1, de acordo com o teste de Spearman.

PIM - Pediatric Index of Mortality; RACHS - Escore de Risco Ajustado para Cirurgia Cardíaca Congênita.


DISCUSSÃO

A mortalidade de 27,4% da amostra analisada foi superior à encontrada na literatura. Em uma reflexão sobre o desempenho da cirurgia cardíaca pediátrica no Estado de São Paulo, foi descrita mortalidade média hospitalar de 14%, sendo, nos neonatos, de 26,8% e de 9,32% nas crianças de 29 dias até 1 ano de idade.(88 Caneo LF, Jatene MB, Yatsuda N, Gomes WJ. A reflection on the performance of pediatric cardiac surgery in the State of São Paulo. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(3):457-62.) Existem fatores da amostra estudada que podem ter implicado no aumento da mortalidade, como a proporção significativa de neonatos (29,3%), e também fatores não avaliados neste estudo, como presença de comorbidades, desnutrição e tempo de circulação extracorpórea.(99 Mattos SS, Neves JR, Costa MC, Hatem TP, Luna CF. An index for evaluating results in paediatric cardiac intensive care. Cardiol Young. 2006;16(4):369-77.) Além de fatores intrínsecos, é importante pontuar fatores externos, que influenciam na qualidade do serviço de cirurgia cardíaca no nosso país, destacando-se o atraso no diagnóstico destes pacientes e a dificuldade de acesso à centros especializados, além de falta de investimento e capacitação destes.(88 Caneo LF, Jatene MB, Yatsuda N, Gomes WJ. A reflection on the performance of pediatric cardiac surgery in the State of São Paulo. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(3):457-62.) No nosso serviço, cerca de um terço dos pacientes eram provenientes do interior do Estado ou de outros Estados, podendo implicar em retardo no diagnóstico e consequente deterioração clínica. Vale ressaltar também que, em 2015, ainda não existia a disponibilidade de instalação rotineira de oxigenação por membrana extracorpórea no nosso hospital, fator que poderia possibilitar maior sobrevida pós-operatória.

O PIM-2 é um escore validado em UTI pediátrica mundialmente. No Brasil e América Latina, alguns serviços testaram o desempenho do teste e obtiveram resultados variados, porém, de modo geral, apresentando boa capacidade discriminatória e regular calibração.(1010 Netto AL, Muniz VM, Zandonade E, Maciel EL, Bortolozzo RN, Costa NF, et al. [Performance of the Pediatric Index of Mortality 2 in a pediatric intensive care unit]. Rev Bras Ter Intensiva. 2014;26(1):44-50.

11 Fernández AL, Arias López MP, Ratto ME, Saligari L, Siaba Serrate A, de la Rosa M, et al. Validation of the Pediatric Index of Mortality 2 (PIM2) in Argentina: a prospective, multicenter, observational study. Arch Argent Pediatr. 2015;113(3):221-8.

12 Arias Lopez MP, Fernández AL, Ratto ME, Saligari L, Serrate AS, Ko IJ, Troster E, Schnitzler E; ValidarPIM2 Latin American Group. Pediatric Index of Mortality 2 as a predictor of death risk in children admitted to pediatric intensive care units in Latin America: A prospective, multicenter study. J Crit Care. 2015;30(6):1324-30.
-1313 Fonseca JG. Aplicação do Paediatric Index of Mortality 2 em unidade de terapia intensiva pediátrica no Brasil [dissertação]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais; 2012.) No entanto, quando a população de uma unidade tende à uma doença em particular, a capacidade de predição de um modelo de risco pode tornar-se menos específica.(1414 Czaja AS, Scanlon MC, Kuhn EM, Jeffries HE. Performance of the Pediatric Index of Mortality 2 for pediatric cardiac surgery patients. Pediatr Crit Care Med. 2011;12(2):184-9.)

Em nossa população de pós-operatório imediato de cardiopatas congênitos, ao avaliar o poder de calibração por meio do teste de Hosmer-Lemeshow, foi constatado que as diferenças entre as mortalidades observadas e esperadas pelo PIM-2 foram significativas (p = 0,047), demonstrando fraco desempenho para a calibração deste. Este achado foi corroborado pela razão de mortalidade que apresentou melhor predição apenas para valores de PIM-2 acima de 15. O desempenho discriminatório realizado por meio da análise da curva COR demonstrou que o PIM-2 apresentou boa capacidade de discriminação entre sobreviventes e não sobreviventes, com área abaixo da curva COR de 0,81 (IC95% 0,75 - 0,87). Há poucos estudos disponíveis que avaliaram o desempenho do PIM-2 para pacientes cardiopatas congênitos cirúrgicos. Czaja et al. foram os pioneiros e analisaram retrospectivamente um banco de dados multicêntrico de UTI pediátricas nos Estados Unidos de 2005 a 2007, demonstrando que, apesar de boa habilidade de discriminação, o PIM-2 subestimou a mortalidade para os casos pré-operatórios cardíacos ao mesmo tempo que superestimou o número esperado de mortes para o grupo peri-operatório cardíaco (pacientes operados em <24h após internação ou pós-operatórios imediatos).(1414 Czaja AS, Scanlon MC, Kuhn EM, Jeffries HE. Performance of the Pediatric Index of Mortality 2 for pediatric cardiac surgery patients. Pediatr Crit Care Med. 2011;12(2):184-9.) Estudo italiano que avaliou internações em UTI de 2009 a 2011, ao analisar separadamente o grupo de cirurgias cardíacas, encontrou que o número de óbitos esperado pela aplicação do PIM-2 para grupos de alto risco foi quatro vezes maior do que o observado. A consistência dos resultados encontrados nestes dois estudos sugeriu que a calibração do PIM-2 para pacientes cirúrgicos cardíacos pode ser subótima.(1515 Ciofi degli Atti ML, Cuttini M, Ravà L, Rinaldi S, Brusco C, Cogo P, et al. Performance of the pediatric index of mortality 2 (PIM-2) in cardiac and mixed intensive care units in a tertiary children's referral hospital in Italy. BMC Pediatr. 2013;13:100.) Resultado similar foi encontrado por Jones et al., em população de cardiopatas cirúrgicos pós-cirurgia de correção no Reino Unido, demonstrando bom poder de discriminação, porém com calibração pobre.(1616 Jones GD, Thorburn K, Tigg A, Murdoch IA. Preliminary data: PIM vs PRISM in infants and children post cardiac surgery in a UK PICU. Intensive Care Med. 2000;26(1):145.)

Diferentemente do PIM-2, o RACHS-1 foi criado no intuito de predizer a mortalidade de um grupo específico de pacientes, os cardiopatas congênitos cirúrgicos. Ao classificar nossos pacientes de acordo com a escala RACHS-1, foi encontrada mortalidade progressivamente maior de acordo com que aumentava a complexidade do procedimento na escala. O grupo 1 não apresentou óbitos, o que impossibilitou a comparação dos demais grupos em relação ao primeiro. Portanto, em comparação ao grupo 2 (utilizado como referência), os grupos posteriores apresentaram mortalidade progressivamente maiores, chegando o grupo 6 a apresentar mortalidade 3,24 vezes maior que o grupo 2. O grupo 5 não obteve pacientes por tratar-se de duas patologias raras (correção de anomalia de Ebstein em menores de 30 dias e reparo de truncus arterioso com interrupção de arco aórtico).

É importante ressaltar que a análise da amostra em relação ao RACHS-1 foi realizada a fim de observar o aumento da mortalidade, de acordo com a complexidade cirúrgica e a gravidade da cardiopatia, conforme classificação proposta por Jenkins et al.; não tivemos o intuito de correlacionar os números encontrados na nossa amostra com o modelo original, uma vez que o mesmo foi criado a partir de dados do Pediatric Cardiac Care Consortium, que agrupa dados dos centros de referência americanos, os quais contam com recursos médicos e tecnológicos de ponta, além de um tempo de experiência em cirurgia cardíaca muito maior ao encontrado no nosso meio, o que, consequentemente, resultou em taxas de mortalidade muito menores que as encontradas no nosso estudo e nos demais serviços brasileiros.(77 Jenkins KJ, Gauvreau K, Newburger JW, Spray TL, Moller JH, Iezzoni LI. Consensus-based method for risk adjustment for surgery for congenital heart disease. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;123(1):110-8.)

O RACHS-1 vem sendo amplamente aplicado em diversos países com correlações positivas, inclusive no Brasil. No presente estudo, o escore apresentou bom poder de calibração por meio do teste de Hosmer-Lemeshow, pois as diferenças entre os valores observados e esperados não foram significativas (p = 0,254). Este achado pôde ser corroborado pela razão de mortalidade padronizada, na qual valores mais próximos de 1 foram obtidos pelo RACHS-1, exceto na primeira categoria. Ainda, o escore apresentou bom poder de discriminação entre óbitos e sobreviventes, com área abaixo da curva COR de 0,70 (IC95% 0,63 - 0,77). Recentemente, estudo brasileiro aplicou a escala RACHS em 3.201 pacientes com bom poder discriminatório de mortalidade hospitalar, com área abaixo da curva COR de 0,754.(1717 Cavalcante CT, Souza NM, Pinto VC Júnior, Branco KM, Pompeu RG, Teles AC, et al. Analysis of surgical mortality for congenital heart defects using RACHS-1 risk score in a Brazilian single center. Braz J Cardiovasc Surg. 2016;31(3):219-25.) Kang et al., em estudo para validar a escala RACHS-1 em um hospital de Londres, identificaram que a idade no momento da cirurgia, categoria RACHS-1 e tempo de circulação extracorpórea demonstraram-se fatores de risco importantes para determinar mortalidade em crianças submetidas à cirurgia cardíaca aberta.(1818 Kang N, Cole T, Tsang V, Elliott M, de Leval M. Risk stratification in paediatric open-heart surgery. Eur J Cardiothorac Surg. 2004;26(1):3-11.) Estudo dinamarquês, aplicou o RACHS na população de um hospital com boa correlação de mortalidade intra-hospitalar e duração de internação na UTI.(1919 Larsen SH, Pedersen J, Jacobsen J, Johnsen SP, Hansen OK, Hjortdal V. The RACHS-1 risk categories reflect mortality and length of stay in a Danish population of children operated for congenital heart disease. Eur J Cardiothorac Surg. 2005;28(6):877-81.)

Ao comparar o desempenho das duas escalas avaliadas entre si, encontramos correlação significativamente positiva entre os resultados. Não foram encontrados estudos que compararam os escores PIM-2 e RACHS-1. Estudo finlandês, que avaliou retrospectivamente 1.001 pacientes após cirurgia cardíaca para correção de cardiopatia congênita, comparou o desempenho do RACHS-1 com o PRISM, e ambos os escores superestimaram a taxa de mortalidade.(2020 Mildh L, Pettilä V, Sairanen H, Rautiainen P. Predictive value of paediatric risk of mortality score and risk adjustment for congenital heart surgery score after paediatric open-heart surgery. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2007;6(5):628-31.)

CONCLUSÃO

O PIM-2 e o RACHS-1 demonstraram bom desempenho quanto à capacidade de discriminação entre sobreviventes e não sobreviventes na população de cardiopatas congênitos em pós-operatório em um serviço de pediatria do Sul do Brasil. O PIM-2 apresentou um maior poder de discriminação quando avaliada a área abaixo da curva COR, enquanto o RACHS-1 apresentou melhor calibração na amostra estudada. Ainda, foi encontrada uma correlação positiva significativamente estatística entre os resultados dos dois escores de risco.

  • Editor responsável: Jefferson Pedro Piva

REFERÊNCIAS

  • 1
    Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Censo AMIB 2010 [internet]. [citado 2017 Ago 31]. Disponível em http://www.amib.com.br/censo_default2.asp#
    » http://www.amib.com.br/censo_default2.asp#
  • 2
    Straney L, Clements A, Parslow RC, Pearson G, Shann F, Alexander J, Slater A; ANZICS Paediatric Study Group and the Paediatric Intensive Care Audit Network. Paediatric Index of mortality 3: na updated model for predicting mortality in pediatric intensive care. Pediatr Crit Care Med. 2013;14(7):673-81.
  • 3
    Martha VF, Garcia PC, Piva JP, Einloft PR, Bruno F, Rampon V. [Comparison of two prognostic scores (PRISM and PIM) at a pediatric intensive care unit]. J Pediatr (Rio J). 2005;81(3):259-64. Portuguese.
  • 4
    Slater A, Shann F, Pearson G; Paediatric Index of Mortality (PIM) Study Group. PIM2: a revised version of the Paediatric Index of Mortality. Intensive Care Med. 2003;29(2):278-85.
  • 5
    van der Linde D, Konings EE, Slager MA, Witsenburg M, Helbing WA, Takkenberg JJ, et al. Birth prevalence of congenital heart disease worldwide: a systematic review and meta-analysis. J Am Coll Cardiol. 2011;58(21):2241-7.
  • 6
    Pinto Júnior VC, Branco KM, Cavalcante RC, Carvalho Junior W, Lima JR, Freitas SM, et al. Epidemiology of congenital heart disease in Brazil. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2015;30(2):219-24.
  • 7
    Jenkins KJ, Gauvreau K, Newburger JW, Spray TL, Moller JH, Iezzoni LI. Consensus-based method for risk adjustment for surgery for congenital heart disease. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;123(1):110-8.
  • 8
    Caneo LF, Jatene MB, Yatsuda N, Gomes WJ. A reflection on the performance of pediatric cardiac surgery in the State of São Paulo. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(3):457-62.
  • 9
    Mattos SS, Neves JR, Costa MC, Hatem TP, Luna CF. An index for evaluating results in paediatric cardiac intensive care. Cardiol Young. 2006;16(4):369-77.
  • 10
    Netto AL, Muniz VM, Zandonade E, Maciel EL, Bortolozzo RN, Costa NF, et al. [Performance of the Pediatric Index of Mortality 2 in a pediatric intensive care unit]. Rev Bras Ter Intensiva. 2014;26(1):44-50.
  • 11
    Fernández AL, Arias López MP, Ratto ME, Saligari L, Siaba Serrate A, de la Rosa M, et al. Validation of the Pediatric Index of Mortality 2 (PIM2) in Argentina: a prospective, multicenter, observational study. Arch Argent Pediatr. 2015;113(3):221-8.
  • 12
    Arias Lopez MP, Fernández AL, Ratto ME, Saligari L, Serrate AS, Ko IJ, Troster E, Schnitzler E; ValidarPIM2 Latin American Group. Pediatric Index of Mortality 2 as a predictor of death risk in children admitted to pediatric intensive care units in Latin America: A prospective, multicenter study. J Crit Care. 2015;30(6):1324-30.
  • 13
    Fonseca JG. Aplicação do Paediatric Index of Mortality 2 em unidade de terapia intensiva pediátrica no Brasil [dissertação]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais; 2012.
  • 14
    Czaja AS, Scanlon MC, Kuhn EM, Jeffries HE. Performance of the Pediatric Index of Mortality 2 for pediatric cardiac surgery patients. Pediatr Crit Care Med. 2011;12(2):184-9.
  • 15
    Ciofi degli Atti ML, Cuttini M, Ravà L, Rinaldi S, Brusco C, Cogo P, et al. Performance of the pediatric index of mortality 2 (PIM-2) in cardiac and mixed intensive care units in a tertiary children's referral hospital in Italy. BMC Pediatr. 2013;13:100.
  • 16
    Jones GD, Thorburn K, Tigg A, Murdoch IA. Preliminary data: PIM vs PRISM in infants and children post cardiac surgery in a UK PICU. Intensive Care Med. 2000;26(1):145.
  • 17
    Cavalcante CT, Souza NM, Pinto VC Júnior, Branco KM, Pompeu RG, Teles AC, et al. Analysis of surgical mortality for congenital heart defects using RACHS-1 risk score in a Brazilian single center. Braz J Cardiovasc Surg. 2016;31(3):219-25.
  • 18
    Kang N, Cole T, Tsang V, Elliott M, de Leval M. Risk stratification in paediatric open-heart surgery. Eur J Cardiothorac Surg. 2004;26(1):3-11.
  • 19
    Larsen SH, Pedersen J, Jacobsen J, Johnsen SP, Hansen OK, Hjortdal V. The RACHS-1 risk categories reflect mortality and length of stay in a Danish population of children operated for congenital heart disease. Eur J Cardiothorac Surg. 2005;28(6):877-81.
  • 20
    Mildh L, Pettilä V, Sairanen H, Rautiainen P. Predictive value of paediatric risk of mortality score and risk adjustment for congenital heart surgery score after paediatric open-heart surgery. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2007;6(5):628-31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2017
  • Aceito
    22 Jun 2017
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br