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Avaliação funcional em pacientes pediátricos após alta da unidade de terapia intensiva por meio da Functional Status Scale

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a funcionalidade de pacientes pediátricos após alta da unidade de terapia intensiva pediátrica por meio da Functional Status Scale e comparar o tempo de ventilação mecânica invasiva, tempo de internação e o Pediatric Index of Mortality 2 entre os indivíduos com diferentes graus de comprometimento funcional.

Métodos:

Estudo transversal, realizado com pacientes egressos de uma unidade de terapia intensiva pediátrica. A avaliação funcional pela Functional Status Scale foi realizada no primeiro dia após a alta da unidade, tendo sido utilizado o Pediatric Index of Mortality 2 como índice preditivo de mortalidade do momento da admissão na unidade.

Resultados:

A amostra foi composta por 50 indivíduos, sendo 60% do sexo masculino, com mediana de idade de 19 meses [6 - 61]. O escore global da Functional Status Scale foi de 11,5 [7 - 15] e maiores escores nos domínios "função motora" 3 [1 - 4] e "alimentação" 4 [1 - 4]. Os pacientes que reinternaram na unidade de terapia intensiva pediátrica demonstraram, comparativamente aos que não reinternaram, ter pior escore global (p = 0,01), "função motora" (p = 0,01), "alimentação" (p = 0,02), "respiração" (p = 0,036) e maior índice de mortalidade pelo Pediatric Index of Mortality 2 (p = 0,025).

Conclusão:

A avaliação da Functional Status Scale indicou disfunção funcional moderada dos pacientes após a alta da unidade de terapia intensiva pediátrica, principalmente na função motora e alimentação; pacientes que reinternaram na unidade de terapia intensiva pediátrica demonstraram ter piores escore funcional global e função motora, alimentação e respiração. Indivíduos com maior comprometimento funcional apresentaram maior tempo de ventilação mecânica invasiva e internação na unidade de terapia intensiva pediátrica.

Descritores:
Morbidade; Cuidados intensivos; Criança; Unidades de terapia intensiva pediátrica; Criança hospitalizada

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the functional status of pediatric patients after discharge from the pediatric intensive care unit using the Functional Status Scale and to compare the time of invasive mechanical ventilation, length of stay in the pediatric intensive care unit, and Pediatric Index of Mortality 2 results among individuals with different degrees of functional impairment.

Methods:

A cross-sectional study was conducted on patients who were discharged from a pediatric intensive care unit. The functional evaluation by the Functional Status Scale was performed on the first day after discharge from the unit, and the Pediatric Index of Mortality 2 was used to predict the mortality rate at the time of admission to the pediatric intensive care unit.

Results:

The sample consisted of 50 individuals, 60% of which were male, with a median age of 19 [6 - 61] months. The overall score of the Functional Status Scale was 11.5 [7 - 15], and the highest scores were observed in the "motor function" 3 [1 - 4] and "feeding" 4 [1 - 4] domains. Compared to patients who were not readmitted to the pediatric intensive care unit, patients who were readmitted presented a worse overall score (p = 0.01), worse scores in the "motor function" (p = 0.01), "feeding" (p = 0.02), and "respiratory" (p = 0.036) domains, and a higher mortality rate according to the Pediatric Index of Mortality 2 (p = 0.025).

Conclusion:

Evaluation of the functional status using the Functional Status Scale indicated moderate impairment in patients after discharge from the pediatric intensive care unit, mainly in the "motor function" and "feeding" domains; patients who were readmitted to the pediatric intensive care unit demonstrated worse overall functional, motor function, feeding and respiratory scores. Individuals with greater functional impairment had longer times of invasive mechanical ventilation and hospitalization in the pediatric intensive care unit.

Keywords:
Morbidity; Critical care; Child; Intensive care units, pediatric; Child, hospitalized

INTRODUÇÃO

Os instrumentos preditivos de mortalidade para pacientes pediátricos têm sido bastante estudados e utilizados em unidades de terapia intensiva (UTI) pediátrica em diferentes partes do mundo.(11 Oom P. Morbilidade em cuidados intensivos pediátricos. Acta Pediatr Port. 2004;35(3):279-85.) No entanto, a avaliação da sobrevida não é mais o único desfecho de interesse, pois a mortalidade nas UTI tem diminuído aproximadamente 2% ao ano desde 2000.(22 Vesz PS, Costanzi M, Stolnik D, Dietrich C, Freitas KL, Silva LA, et al. Aspectos funcionais e psicológicos imediatamente após alta da unidade de terapia intensiva: coorte prospectiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(3):218-24.) Essa redução é devida principalmente a avanços tecnológicos e a melhora da assistência, como a implementação do trabalho multidisciplinar e o desenvolvimento de rotinas e protocolos próprios para cuidado e segurança dos pacientes, assim como a melhora da comunicação entre a equipe da UTI, pacientes e familiares.(22 Vesz PS, Costanzi M, Stolnik D, Dietrich C, Freitas KL, Silva LA, et al. Aspectos funcionais e psicológicos imediatamente após alta da unidade de terapia intensiva: coorte prospectiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(3):218-24.,33 Curzel J, Forgiarini Junior LA, Rieder MM. Avaliação da independência funcional após alta da unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(2):93-8.)

Com o aumento da sobrevida, os pacientes críticos permanecem por períodos mais longos no ambiente hospitalar, criando uma população de pacientes doentes crônicos após a alta das UTI.(33 Curzel J, Forgiarini Junior LA, Rieder MM. Avaliação da independência funcional após alta da unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(2):93-8.) A internação hospitalar prolongada comumente leva à redução da independência funcional, decorrente do uso de bloqueadores neuromusculares e de medicações como corticosteroides e, principalmente, por conta do tempo de ventilação mecânica invasiva (VMI) a que são submetidos.(33 Curzel J, Forgiarini Junior LA, Rieder MM. Avaliação da independência funcional após alta da unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(2):93-8.)

Dentre os sintomas apresentados pelos sobreviventes, destacam-se problemas psicológicos (ansiedade e depressão), disfunção cognitiva, piora da função pulmonar e desenvolvimento de complicações neuromusculares periféricas.(22 Vesz PS, Costanzi M, Stolnik D, Dietrich C, Freitas KL, Silva LA, et al. Aspectos funcionais e psicológicos imediatamente após alta da unidade de terapia intensiva: coorte prospectiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(3):218-24.) Tais limitações e incapacidades apresentadas após a alta afetam o desempenho e o desenvolvimento global da criança nas dimensões de saúde física, cognitiva, emocional e/ou social,(11 Oom P. Morbilidade em cuidados intensivos pediátricos. Acta Pediatr Port. 2004;35(3):279-85.) e estão relacionadas à morbidade destes pacientes, desfecho ainda com resultados escassos na literatura ou avaliados de forma pouco adequada à faixa etária pediátrica e suas especificidades.(44 Collaborative Pediatric Critical Care Research Network (CPCCRN), National Institute for Child Health and Human Development (NICHD). Development of a Quantitative Functional Status Scale (FSS) for Pediatric Patients. CPCCRN Protocol Number 004. Version 1.01 [Internet]. Salt Lake City: University of Utah; 2006. [cited 2017 Aug 30]. Available from: https://www.cpccrn.org/studyDatasets/documents/FSSProtocol.pdf
https://www.cpccrn.org/studyDatasets/doc...

5 Alievi PT, Carvalho PR, Trotta EA, Mombelli Filho R. The impact of admission to a pediatric intensive care unit assessed by means of global and cognitive performance scales. J Pediatr (Rio J). 2007;83(6):505-11.
-66 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Moler F, Shanley T, et al. Relationship between the functional status scale and the pediatric overall performance category and pediatric cerebral performance category scales. JAMA Pediatr. 2014;168(7):671-6.)

A Functional Status Scale (FSS) foi desenvolvida e fundamentada nos conceitos de Atividades de Vida Diária (AVD) e de comportamento adaptativo,(77 Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.) tratando-se de uma escala de avaliação do escore funcional nos domínios motor e cognitivo, especificamente desenvolvida para pacientes pediátricos hospitalizados.(77 Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.) Destaca-se por ser um método quantitativo, rápido e confiável, independente de avaliações subjetivas e aplicável a uma ampla faixa etária, desde recém-nascidos a termo até adolescentes, sendo descrito como o instrumento mais completo para avaliação destes pacientes.(66 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Moler F, Shanley T, et al. Relationship between the functional status scale and the pediatric overall performance category and pediatric cerebral performance category scales. JAMA Pediatr. 2014;168(7):671-6.,77 Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.) Com base no exposto, o presente estudo teve o objetivo de avaliar a funcionalidade global de pacientes pediátricos após a alta da UTI pediátrica por meio da escala FSS, comparar os escores funcionais e o Pediatric Index of Mortality 2 (PIM2) em relação à ocorrência de reinternação na UTI pediátrica, e comparar o tempo de VMI, tempo de internação e PIM2 entre os indivíduos com diferentes graus de comprometimento no escore FSS global.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, desenvolvido na UTI pediátrica e na unidade de internação pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) entre os meses de março a agosto de 2015. O projeto foi aprovado pela Comissão de Pesquisa e Ética do HCPA sob parecer 966.513 e foi obtido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) dos pais/responsáveis. A UTI pediátrica do HCPA é composta por 13 leitos e admite pacientes com distúrbios clínicos ou após procedimentos cirúrgicos, exceto as situações de trauma e cirurgia cardíaca.(55 Alievi PT, Carvalho PR, Trotta EA, Mombelli Filho R. The impact of admission to a pediatric intensive care unit assessed by means of global and cognitive performance scales. J Pediatr (Rio J). 2007;83(6):505-11.) A amostra foi composta por pacientes egressos desta UTI pediátrica, sendo incluídos no estudo indivíduos de ambos os sexos, com idade superior a 1 mês de vida e inferior a 18 anos completos, com permanência na UTI pediátrica por um período ≥ 24 horas. Foram excluídos do estudo indivíduos dependentes de tecnologia ventilatória previamente à internação na UTI pediátrica, prematuros (idade gestacional ≤ 37 semanas) com idade ≤ 12 meses no momento da admissão no estudo e pacientes readmitidos na UTI pediátrica em um período ≤ 24 horas após a alta da unidade.

A avaliação da funcionalidade foi realizada pela FSS (Apêndice 1 APÊNDICE Apêndice 1 Functional Status Scale 1 2 3 4 5 Normal Mild dysfunction Moderate dysfunction Severe dysfunction Very severe dysfunction Mental status Normal sleep/wake; appropriate responsivity Sleepy but arousable to noise/touch/movement and/or periods of social nonresponsivity Lethargic and/or irritable Minimal arousal to stimulus (stupor) Unresponsive and/or Coma and/or Vegetative Sensory Intact hearing and vision and responsive to touch Suspected hearing or Suspected vision loss Not reactive to auditory stimuli or Not reactive to visional stimuli Not reactive to auditory stimuli and Not reactive to visional stimuli Abnormal response to pain or touch Communication Appropriate non-crying vocalizations, interactive facial expressiveness, or gestures Diminished Vocalization Diminished Facial Expression and/or social responsiveness Absence of attention getting behavior No demonstration of discomfort Absence of communication Motor function Coordinated body movements and Normal muscle control and Awareness of action and why it’s being done 1 limb functionally impaired 2 or more limbs functionally impaired Poor head control Diffuse Spasticity, Paralysis, Decerebrate/Decorticate Posturing Feeding All food taken by mouth with age appropriate help NPO or need for age -inappropriate help with feeding Oral and tube feedings Parenteral Nutrition with oral or tube feedings All parenteral nutrition Respiratory Room air and no artificial support or aids Oxygen and/or Suctioning Tracheostomy CPAP for all or part of the Day and/or Mechanical Ventilator support for part of the day Mechanical ventilatory support for all of the day and night Fonte: Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver, National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.(7) ), aplicada a todos os participantes do estudo no primeiro dia após a alta da UTI pediátrica, sempre pelo mesmo avaliador. Esta escala já foi validada para a população pediátrica na língua inglesa,(77 Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.) e os pesquisadores obtiveram autorização do autor responsável para sua utilização neste estudo. A escala de funcionalidade é composta por seis domínios: estado mental, sensório, comunicação, função motora, alimentação e respiração. Cada domínio é categorizado de normal (1) a disfunção muito severa (5) e seu escore total varia de 6 a 30.

As pontuações da FSS global são categorizadas em: 6 - 7 para adequada; 8 - 9, disfunção leve; 10 - 15, disfunção moderada; 16 - 21, disfunção severa; e mais de 21 pontos, disfunção muito severa.(88 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.) A escala PIM2 é preditiva de mortalidade específica para utilização em UTI pediátrica. Para seu preenchimento é registrado o primeiro valor de cada variável clínica medida a partir do momento da admissão até 1 hora após a chegada na UTI pediátrica.(99 Slater A, Shann F, Pearson G; Paediatric Index of Mortality (PIM) Study Group. PIM2: a revised version of the Paediatric Index of Mortality. Intensive Care Med. 2003;29(2):278-85.,1010 Shann F, Pearson G, Slater A, Wilkinson K. Pediatric index of mortality (PIM): a mortality prediction model for children in intensive care. Intensive Care Med. 1997;23(2):201-7.) Esse instrumento é aplicado de rotina pela equipe médica da UTI pediátrica do HCPA em todos os pacientes admitidos nesta unidade, e seu escore final é registrado no prontuário eletrônico.

As informações clínicas e demográficas dos pacientes, como idade, sexo, diagnóstico de base, motivo da internação, tipo de internação, procedência, tempo de internação na UTI pediátrica e tempo de permanência em VMI, foram coletadas a partir do prontuário eletrônico dos participantes. A ocorrência de óbito e reinternações foi avaliada no mês de outubro de 2015 por meio do livro de registro da UTI pediátrica e prontuário eletrônico.

O tamanho de amostra estimado foi de 47 indivíduos, considerando um poder estatístico de 80%, nível de significância de 5%, ajustados para uma margem de erro de 2 pontos na escala FSS e desvio padrão de 4,4, como apresentado no estudo original;(77 Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.) para verificar correlações de, no mínimo, 0,4 entre as variáveis de escore funcional e tempo de internação, tempo de ventilação mecânica e PIM2, foi utilizado o software WinPEPI, versão 11.43. As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão quando a distribuição era simétrica, e mediana e amplitude interquartil quando distribuição assimétrica, conforme teste de normalidade de Shapiro-Wilk. Para fins da análise comparativa para tempo de VMI, tempo de internação e PIM2, os indivíduos foram divididos em dois grupos, conforme o escore FSS global, sendo o primeiro com menor comprometimento funcional (categorias adequada e disfunção leve) e o segundo, com maior comprometimento funcional (categorias disfunção moderada, disfunção severa e disfunção muito severa).

Para comparação do escore funcional, de acordo com a ocorrência de reinternação, comparação entre os sexos e comparação entre os grupos de maior e menor comprometimento no escore funcional global em relação ao tempo de VMI, tempo de internação e PIM2, foi utilizado o teste U Mann-Whitney. Foi considerado um nível de significância de 5%. Os dados foram analisados no programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 18.0.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 50 indivíduos egressos da UTI pediátrica do HCPA, que preencheram os critérios de inclusão no estudo. As características principais da amostra estão demonstradas na tabela 1. As causas de admissão mais frequentes foram: insuficiência respiratória (40%), pós-operatórios (16%), sepse e choque (12%) e insuficiência hepática (12%).

Tabela 1
Características clínicas e demográficas da amostra (n=50)

Os resultados da avaliação funcional na alta da UTI pediátrica por meio da FSS global e seus domínios estão apresentados na tabela 2. Quanto ao estado funcional global, 15 indivíduos foram classificados com funcionalidade adequada, 7 como disfunção leve, 20 como disfunção moderada, 7 como disfunção severa e 1 indivíduo apresentou disfunção muito severa. Um total de 18% dos indivíduos apresentaram FSS global normal (6) e apenas 6% obtiveram FSS global ≥ 20, considerado como comprometimento funcional de severo a muito severo.

Tabela 2
Avaliação funcional segundo a Functional Status Scale (n=50)

Durante o período do estudo, 40% dos pacientes apresentaram reinternação na UTI pediátrica e 12% dos pacientes foram a óbito. A comparação do escore funcional pela FSS e da PIM2 em relação à ocorrência de reinternação na UTI pediátrica é demonstrada na tabela 3. Não houve diferença estatística significativa entre os sexos em relação ao escore global e domínios da FSS.

Tabela 3
Escore funcional Functional Status Scale e Pediatric Index of Mortality 2 nos grupos reinternação e não reinternação

A comparação do PIM2, tempo de internação e tempo de VMI entre os grupos de menor e maior comprometimento funcional global está demonstrada na tabela 4.

Tabela 4
Comparação do Pediatric Index of Mortality 2, tempo de internação e tempo de ventilação mecânica invasiva entre os grupos de menor e maior comprometimento funcional global

DISCUSSÃO

No presente estudo, a maioria dos indivíduos apresentou funcionalidade global com disfunção moderada quando avaliados pela FSS no primeiro dia após a alta da UTI pediátrica. O maior comprometimento funcional foi demonstrado nos domínios de "função motora" e "alimentação". Pela primeira vez, nosso estudo evidenciou que os pacientes que reinternaram na UTI pediátrica demonstraram, comparativamente aos que não reinternaram, ter pior funcionalidade global e especificamente pior função motora, alimentação e respiração. Ainda, este mesmo grupo de pacientes apresentou maiores índices preditivos de mortalidade pela PIM2. Adicionalmente, nos indivíduos que apresentaram maior comprometimento funcional global, foi observado um maior tempo de internação na UTI pediátrica e maior permanência em VMI.

A mediana do escore funcional global e o porcentual de indivíduos com FSS normal e FSS global ≥ 20 encontrados em nossa população foram semelhantes aos resultados do estudo original do instrumento.(77 Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.) As principais causas de admissão na UTI pediátrica, como insuficiência respiratória, pós-operatórios, sepse e choque, e insuficiência hepática, foram semelhantes às de outro estudo realizado na UTI pediátrica do HCPA,(55 Alievi PT, Carvalho PR, Trotta EA, Mombelli Filho R. The impact of admission to a pediatric intensive care unit assessed by means of global and cognitive performance scales. J Pediatr (Rio J). 2007;83(6):505-11.) por conta do perfil de pacientes admitidos na presente unidade.

No presente estudo, verificamos que 82% dos pacientes apresentaram algum grau de alteração nos domínios da FSS após a alta da UTI pediátrica (FSS > 6). O maior comprometimento nos domínios "função motora" e "alimentação" pode ser explicado pelos períodos de imobilidade e/ou restrição ao leito durante a internação na UTI pediátrica, que comumente ocasionam o desenvolvimento de fraqueza neuromuscular.(1111 Lipshutz AK, Gropper MA. Acquired neuromuscular weakness and early mobilization in the intensive care unit. Anesthesiology. 2013;118(1):202-15.) Em relação à disfunção na alimentação, verificamos elevado porcentual de pacientes com necessidade de nutrição enteral, que se mantém, por vezes, após a alta da unidade. Esse resultado corrobora o encontrado no estudo de Pollack et al.,(88 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.) que realizaram a avaliação da FSS basal por meio de dados retrospectivos pré-internação e após a alta da UTI pediátrica, evidenciaram maior morbidade nos domínios "respiração", "função motora" e "alimentação".

A principal causa de admissão em nosso estudo foi por insuficiência respiratória, mas, quando avaliados após a alta da UTI pediátrica, a maioria dos indivíduos não apresentou comprometimento importante neste domínio, o que indica que os pacientes apresentam recuperação praticamente completa nele, desmamando das tecnologias de suporte ventilatório antes da transferência para a unidade de internação pediátrica.

Ao analisarmos os pacientes quanto à reinternação na UTI pediátrica, nossos achados apontam que pacientes com pior escore FSS global e comprometimento nos domínios "função motora", "alimentação" e "respiração" na alta reinternaram nesta unidade. Não existem outros estudos que avaliem a relação entre a ocorrência de reinternações e escores funcionais após a alta na população pediátrica. Tal achado demonstra que pacientes com prejuízo nestas funções devem ser monitorizados e acompanhados com maior atenção da equipe multiprofissional, potencializando a recuperação dessas funções e, possivelmente, evitando a reinternação na UTI pediátrica. Na relação dos pacientes que reinternaram na UTI pediátrica com maiores índices de mortalidade pelo PIM2 na admissão anterior, os escores preditivos de mortalidade, como fator de risco independente para reinternações na UTI, já foram descritos para pacientes adultos utilizando o Acute Physiologic and Chronic Health Evaluation (APACHE II).(1212 Rosenberg AL, Hofer TP, Hayward RA, Strachan C, Watts CM. Who bounces back? Physiologic and other predictors of intensive care unit readmission. Crit Care Med. 2001;29(3):511-8.,1313 Campbell AJ, Cook JA, Adey G, Cuthbertson BH. Predicting death and readmission after intensive care discharge. Brit J Anaesth. 2008;100(5):656-62.) Ainda não existem estudos avaliando esta relação na população pediátrica.

Diferente de outros estudos que apontam relação entre a funcionalidade na alta, avaliada por meio da Pediatric Cerebral Performance Category (PCPC) e da Pediatric Outcome Performance Category (POPC), com os índices preditivos de mortalidade na admissão,(55 Alievi PT, Carvalho PR, Trotta EA, Mombelli Filho R. The impact of admission to a pediatric intensive care unit assessed by means of global and cognitive performance scales. J Pediatr (Rio J). 2007;83(6):505-11.,1414 Mestrovic J, Polic B, Mestrovic M, Kardum G, Marusic E, Sustic A. Desfecho funcional de crianças tratadas em unidade de terapia intensiva. J Pediatr (Rio J). 2008;84(3):232-6.,1515 Fiser DH, Tilford JM, Roberson PK. Relationship of illness severity and length of stay to functional outcomes in the pediatric intensive care unit: a multi-institutional study. Crit Care Med. 2000;28(4):1173-9.) neste estudo não observamos diferença significativa no PIM2 da admissão, conforme o comprometimento no escore FSS global apresentado pelos indivíduos na alta da UTI pediátrica. Isto pode ser explicado conforme Fonseca et al.,(1616 Fonseca JG, Ferreira AR. [Application of the Pediatric Index of Mortality 2 in pediatric patients with complex chronic conditions]. J Pediatr (Rio J). 2014;90(5):506-11. Portuguese.) que verificaram que o PIM2 demonstrou ser uma medida inadequada para predizer mortalidade de pacientes com condições crônicas, o que parece ser o caso da população em nosso estudo, no qual apenas 16% dos indivíduos não apresentavam alguma condição prévia de saúde à internação na UTI pediátrica. Os autores destacam como limitação do PIM2 a inclusão de poucas variáveis de predição que avaliem estas condições,(1616 Fonseca JG, Ferreira AR. [Application of the Pediatric Index of Mortality 2 in pediatric patients with complex chronic conditions]. J Pediatr (Rio J). 2014;90(5):506-11. Portuguese.) além de considerar apenas a primeira hora de internação do paciente, sendo que as condições clínicas podem variar drasticamente dentro das primeiras 24 horas de internação.(1717 Martha VF, Garcia PC, Piva JP, Einloft PR, Bruno F, Rampon V. Comparação entre dois escores de prognóstico (PRISM e PIM) em unidade de terapia intensiva pediátrica. J Pediatr (Rio J). 2005;81(3):259-64.)

Fiser et al.(1515 Fiser DH, Tilford JM, Roberson PK. Relationship of illness severity and length of stay to functional outcomes in the pediatric intensive care unit: a multi-institutional study. Crit Care Med. 2000;28(4):1173-9.) verificaram associação da escala de avaliação funcional motora e cognitiva POPC e PCPC com o tempo de internação na UTI pediátrica. Estudo de Alievi et al.,(55 Alievi PT, Carvalho PR, Trotta EA, Mombelli Filho R. The impact of admission to a pediatric intensive care unit assessed by means of global and cognitive performance scales. J Pediatr (Rio J). 2007;83(6):505-11.) utilizando a POPC e PCPC, verificou aumento não linear comparando os escores funcionais e o tempo de internação na UTI pediátrica. Em nosso estudo, o grupo de indivíduos que apresentou escore FSS global de moderado a muito severo apresentou significativamente maior tempo de internação na UTI pediátrica e maior permanência em VMI. Até o momento, não existem outros estudos avaliando o comportamento da FSS em relação ao tempo de internação e tempo de VMI.

Podemos apontar como limitação deste estudo, a realização da avaliação de funcionalidade em um único momento na alta da UTI pediátrica, sendo importante a realização de outros estudos comparando a FSS na admissão e na alta da unidade, para melhor evidenciar novas morbidades decorrentes de condições crônicas ou agudas dos indivíduos. Além disto, a validação para língua portuguesa da FSS deve ser realizada para futuros estudos com sua utilização.

CONCLUSÃO

Este é o primeiro estudo utilizando a FSS na população brasileira. Foi possível demonstrar maior prevalência de disfunção moderada na funcionalidade global dos indivíduos após a alta da unidade de terapia intensiva pediátrica e maior comprometimento, principalmente nos domínios físicos de "função motora" e "alimentação" e menor comprometimento nos domínios cognitivos.

Nossos achados também demonstraram relação da ocorrência de reinternação na unidade de terapia intensiva pediátrica com piores escores da FSS e com maiores índices preditivos de mortalidade pelo PIM2 e, ainda, maior comprometimento funcional global na FSS, refletindo em significativo aumento no tempo de permanência na unidade de terapia intensiva pediátrica e em ventilação mecânica invasiva.

  • Editor responsável: Jefferson Pedro Piva

AGRADECIMENTOS

À toda equipe da unidade de terapia intensiva pediátrica e da unidade de internação pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e ao financiamento do Fundo de Incentivo à Pesquisa e Eventos (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

APÊNDICE

Apêndice 1
Functional Status Scale

REFERÊNCIAS

  • 1
    Oom P. Morbilidade em cuidados intensivos pediátricos. Acta Pediatr Port. 2004;35(3):279-85.
  • 2
    Vesz PS, Costanzi M, Stolnik D, Dietrich C, Freitas KL, Silva LA, et al. Aspectos funcionais e psicológicos imediatamente após alta da unidade de terapia intensiva: coorte prospectiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(3):218-24.
  • 3
    Curzel J, Forgiarini Junior LA, Rieder MM. Avaliação da independência funcional após alta da unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(2):93-8.
  • 4
    Collaborative Pediatric Critical Care Research Network (CPCCRN), National Institute for Child Health and Human Development (NICHD). Development of a Quantitative Functional Status Scale (FSS) for Pediatric Patients. CPCCRN Protocol Number 004. Version 1.01 [Internet]. Salt Lake City: University of Utah; 2006. [cited 2017 Aug 30]. Available from: https://www.cpccrn.org/studyDatasets/documents/FSSProtocol.pdf
    » https://www.cpccrn.org/studyDatasets/documents/FSSProtocol.pdf
  • 5
    Alievi PT, Carvalho PR, Trotta EA, Mombelli Filho R. The impact of admission to a pediatric intensive care unit assessed by means of global and cognitive performance scales. J Pediatr (Rio J). 2007;83(6):505-11.
  • 6
    Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Moler F, Shanley T, et al. Relationship between the functional status scale and the pediatric overall performance category and pediatric cerebral performance category scales. JAMA Pediatr. 2014;168(7):671-6.
  • 7
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2017
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2017
  • Aceito
    22 Jun 2017
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