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Injúria renal aguda e hipertensão intra-abdominal em paciente queimado em terapia intensiva

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a frequência de hipertensão intra-abdominal no paciente grande queimado e sua associação com a ocorrência de injúria renal aguda.

Métodos:

Estudo de coorte prospectivo, com população de pacientes queimados internados nos leitos de unidade de terapia intensiva especializada. Realizada amostragem de conveniência de pacientes adultos internados no período de 1º de agosto de 2015 a 31 de outubro de 2016. Foram coletados dados clínicos e da queimadura, além de medidas seriadas da pressão intra-abdominal. O nível de significância utilizado foi de 5%.

Resultados:

Foram analisados 46 pacientes. Evoluíram com hipertensão intra-abdominal 38 pacientes (82,6%). A mediana da maior pressão intra-abdominal foi 15,0mmHg (intervalo interquartílico: 12,0 - 19,0). Desenvolveram injúria renal aguda 32 (69,9%) pacientes. A mediana do tempo para desenvolvimento de injúria renal aguda foi de 3 dias (intervalo interquartílico: 1 - 7). A análise individual de fatores de risco para injúria renal aguda apontou associação com hipertensão intra-abdominal (p = 0,041), uso de glicopeptídeos (p = 0,001), uso de vasopressor (p = 0,001) e uso de ventilação mecânica (p = 0,006). Foi evidenciada associação de injúria renal aguda com maior mortalidade em 30 dias (log-rank, p = 0,009).

Conclusão:

Ocorreu hipertensão intra-abdominal em grande parte dos pacientes estudados, predominantemente nos graus I e II. Os fatores de risco identificados para ocorrência de injúria renal aguda foram hipertensão intra-abdominal, uso de glicopeptídeos, vasopressor e ventilação mecânica. Injúria renal aguda esteve associada à maior mortalidade em 30 dias.

Descritores:
Unidades de terapia intensiva; Insuficiência renal; Hipertensão intra-abdominal; Unidades de queimados; Queimaduras; Insuficiência de múltiplos órgãos

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the frequency of intra-abdominal hypertension in major burn patients and its association with the occurrence of acute kidney injury.

Methods:

This was a prospective cohort study of a population of burn patients hospitalized in a specialized intensive care unit. A convenience sample was taken of adult patients hospitalized in the period from 1 August 2015 to 31 October 2016. Clinical and burn data were collected, and serial intra-abdominal pressure measurements taken. The significance level used was 5%.

Results:

A total of 46 patients were analyzed. Of these, 38 patients developed intra-abdominal hypertension (82.6%). The median increase in intra-abdominal pressure was 15.0mmHg (interquartile range: 12.0 to 19.0). Thirty-two patients (69.9%) developed acute kidney injury. The median time to development of acute kidney injury was 3 days (interquartile range: 1 - 7). The individual analysis of risk factors for acute kidney injury indicated an association with intra-abdominal hypertension (p = 0.041), use of glycopeptides (p = 0.001), use of vasopressors (p = 0.001) and use of mechanical ventilation (p = 0.006). Acute kidney injury was demonstrated to have an association with increased 30-day mortality (log-rank, p = 0.009).

Conclusion:

Intra-abdominal hypertension occurred in most patients, predominantly in grades I and II. The identified risk factors for the occurrence of acute kidney injury were intra-abdominal hypertension and use of glycopeptides, vasopressors and mechanical ventilation. Acute kidney injury was associated with increased 30-day mortality.

Keywords:
Intensive care units; Renal insufficiency; Intra-abdominal hypertension; Burn units; Burns; Multiple organ failure

INTRODUÇÃO

A ocorrência de hipertensão intra-abdominal (HIA) em pacientes cirúrgicos, sépticos ou vítimas de trauma tem sido amplamente descrita na literatura.(11 Prado LF, Alves Jr. A, Cardoso ES, Andrade RS, Andrade RS, Fernandes MK. Pressão intra-abdominal em pacientes com trauma abdominal. Rev Col Bras Cir. 2005;32(2):83-9.,22 Holodinsky JK, Roberts DJ, Ball CG, Blaser AR, Starkopf J, Zygun DA, et al. Risk factors for intra-abdominal hypertension and abdominal compartment syndrome among adult intensive care unit patients: a systematic review and meta-analysis. Crit Care. 2013;17(5):R249.) A síndrome compartimental abdominal (SCA) é uma complicação que resulta de aumento da pressão intra-abdominal (PIA). Valores altos de PIA não são fisiologicamente tolerados e complicam com disfunção orgânica, especialmente hemodinâmica, respiratória e renal.(33 Ivatury RR, Diebel L, Porter JM, Simon RJ. Intra-abdominal hypertension and the abdominal compartment syndrome. Surg Clin North Am. 1997;77(4):783-800.) O diagnóstico precoce é fundamental para prevenir complicações provocadas pela HIA.(44 Starkopf J, Tamme K, Blaser AR. Should we measure intra-abdominal pressures in every intensive care patient? Ann Intensive Care. 2012;2 Suppl 1:S9.)

Tendo em vista a relevância do tema, foi fundada a World Society of the Abdominal Compartment Syndrome (WSACS), que elaborou um documento para padronizar as definições e os valores normais de PIA, e guiar a prática clínica.(55 Malbrain ML, Cheatham ML, Kirkpatrick A, Sugrue M, Parr M, De Waele J, et al. Results from the International Conference of Experts on Intra-abdominal Hypertension and Abdominal Compartment Syndrome. I. Definitions. Intensive Care Med. 2006;32(11):1722-32.) Valores normais de PIA variam entre zero a 12mmHg. Elevações sustentadas da PIA acima de 12mmHg definem HIA. A SCA é definida por elevações da PIA acima de 20mmHg associadas a disfunções orgânicas.

Os fatores de risco associados ao desenvolvimento de SCA podem ser classificados em primários ou secundários. Os fatores primários são de causas anatomicamente localizadas na pelve e no abdome. Fatores secundários são decorrentes de outras causas, como sepse, acidose, hipotermia, reposição volêmica e resposta inflamatória sistêmica. No paciente grande queimado, a presença de lesão térmica na região do abdome, o extravasamento capilar secundário à resposta inflamatória sistêmica e a reposição volêmica agressiva são fatores que contribuem para a elevação da PIA.(66 Ivy ME, Atweh NA, Palmer J, Possenti PP, Pineau M, D'Aiuto M. Intra-abdominal hypertension and abdominal compartment syndrome in burn patients. J Trauma. 2000;49(3):387-91.)

A incidência de HIA no grande queimado é variável na literatura e está associada à área da queimadura, sendo elevada no paciente com mais de 20% da superfície corporal queimada.(77 Ruiz-Castilla M, Barret JP, Sanz D, Aguilera J, Serracanta J, García V, et al. Analysis of intra-abdominal hypertension in severe burned patients: the Vall d'Hebron experience. Burns. 2014;40(4):719-24.) O uso de ventilação mecânica também está associado à maior incidência de HIA e ao pior prognóstico nos casos não tratados.(88 Wise R, Jacobs J, Pilate S, Jacobs A, Peeters Y, Vandervelden S, et al. Incidence and prognosis of intra-abdominal hypertension and abdominal compartment syndrome in severely burned patients: Pilot study and review of the literature. Anaesthesiol Intensive Ther. 2016;48(2):95-109.)

A HIA, no grande queimado, geralmente ocorre nas primeiras 48 horas durante o período inicial de ressuscitação. A SCA ocorre após a fase aguda e apresenta associação com episódios de complicações infecciosas.(99 Malbrain ML, De Keulenaer BL, Oda J, De Laet I, De Waele JJ, Roberts DJ, et al. Intra-abdominal hypertension and abdominal compartment syndrome in burns, obesity, pregnancy, and general medicine. Anaesthesiol Intensive Ther. 2015;47(3):228-40.) Os rins são órgãos muito vulneráveis durante o tratamento inicial do grande queimado, seja pela ocorrência de HIA, pelas intervenções cirúrgicas ou por agentes nefrotóxicos. A injúria renal aguda (IRA) pode decorrer da redução do fluxo sanguíneo renal nos casos de HIA e, neste cenário, o fluxo urinário não pode ser usado como guia de reposição volêmica, levando à perda de um parâmetro de monitorização importante no grande queimado.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a frequência de HIA no paciente grande queimado e sua associação com a ocorrência de injuria renal aguda.

MÉTODOS

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná - Universidade Estadual de Londrina sob parecer CEP 041/2013, CAAE 13327013.8.0000.5231. Todos os participantes concordaram com a pesquisa e assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Trata-se de um estudo de coorte prospectivo. A população estudada foi composta por pacientes internados nos leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) especializada do Centro de Tratamento de Queimados de um hospital universitário.

Foi realizada amostragem de conveniência de pacientes adultos vítimas de queimaduras e internados consecutivamente no local da pesquisa. Foram incluídos todos aqueles internados no período de agosto de 2015 a outubro de 2016. Foram excluídos pacientes com idade menor que 18 anos; com área de superfície corporal queimada menor que 20%; com diagnóstico de trauma associado à queimadura; e aqueles que não consentiram participar do estudo. Os dados dos pacientes inseridos no estudo foram coletados durante a permanência na UTI, e a data e o desfecho na saída do hospital foram anotados.

A coleta de dados incluiu dados clínicos, laboratoriais e demográficos, diagnósticos primários e secundários, e dados sobre o tipo e extensão da queimadura. Também foram coletados dados de drogas nefrotóxicas utilizadas durante a permanência na UTI. A gravidade do paciente foi avaliada pelo escore Abbreviated Burn Severity Index (ABSI).(1010 Tobiasen J, Hiebert JM, Edlich RF. The abbreviated burn severity index. Ann Emerg Med. 1982;11(5):260-2.)

A superfície corporal queimada foi calculada com base na tabela de Lund e Browder(1111 Lund CC, Browder NC. The estimation of burns areas. Surg Gynecol Obstet. Chicago. 1944;79(4):352-58.) pelo médico especialista em cirurgia plástica, na admissão hospitalar. Balanço hídrico acumulado foi definido como resultado da soma entre o registro diário de líquidos infundidos e eliminados por paciente nas primeiras 48 horas. A HIA foi definida segundo os critérios da WSACS como uma elevação da PIA ≥ 12mmHg sustentada ou repetida. A HIA foi classificada em graus, de acordo com os valores de PIA, e enquadrada como grau I (12 - 15mmHg), grau II (16 - 20mmHg), grau III (21 - 25mmHg) e grau IV (> 25mmHg). A SCA foi definida como valor sustentado de PIA > 20mmHg associado com nova falência ou disfunção orgânica.(55 Malbrain ML, Cheatham ML, Kirkpatrick A, Sugrue M, Parr M, De Waele J, et al. Results from the International Conference of Experts on Intra-abdominal Hypertension and Abdominal Compartment Syndrome. I. Definitions. Intensive Care Med. 2006;32(11):1722-32.) Injúria renal aguda foi definida como elevação de creatinina basal igual ou superior a 0,3mg/dL em 48 horas, ou igual ou superior a 1,5 vez em um intervalo de até 7 dias.(1212 Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO). Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney Int Suppl. 2012;2(1):1-138.)

A medida inicial da PIA foi realizada nas primeiras 3 horas da admissão. Se a medida esteve em valor dentro do limite da normalidade, a PIA foi registrada diariamente pela manhã, sempre no mesmo horário, por 7 dias ou até a retirada do cateter vesical de demora. Quando a média > 12mmHg, foi registrada a cada 6 horas, enquanto permanecesse elevada.

A PIA foi verificada a partir da pressão intravesical. A técnica de mensuração da PIA foi aplicada utilizando o sistema de medida AbViser® (ConvaTec),(1313 AbViser® Medical. AbViser® AutoValve® Instructions. Disponível em: http://abviser.com/wp-content/uploads/2011/04/AbViser-Instructions-Chart-Transducer-Not-Included.pdf. Acesso em 24 nov. 2016.
http://abviser.com/wp-content/uploads/20...
) o que permite monitorização contínua da PIA, redução do tempo para cada registro, redução da margem de erro em cada medida e redução do risco de contaminação da sonda vesical de demora. O sistema é posicionado assepticamente entre a sonda vesical e o sistema coletor. O paciente permanece em posição supina, sem contração abdominal. O transdutor é zerado e posicionado na crista ilíaca ao nível da linha axilar média. Solução salina estéril é aspirada por uma seringa estéril protegida e conectada a um frasco que está em um sistema fechado com a AbViser® Autovalve®, e 20mL são injetados dentro da bexiga, fechando automaticamente a válvula para a leitura da PIA. É registrada a PIA lida no monitor multiparamétrico ao final da expiração. A leitura da PIA dura de 1 a 3 minutos e, após este período, o sistema valvular abre automaticamente, e a leitura é zerada. Após cada leitura, foi confirmado que a urina estava drenando normalmente.

Os resultados das variáveis contínuas foram descritos por mediana e intervalo interquartílico (ITQ). Os dados categóricos foram apresentados como frequência em tabelas. As variáveis categóricas foram analisadas com o teste qui quadrado. Foram realizadas correlações com teste de Pearson, para avaliar o grau de dependência entre variáveis. Foi realizada análise univariada para identificar fatores associados ao desfecho considerado IRA. A mortalidade hospitalar foi descrita como frequência. Foi feita análise da curva de sobrevivência de Kaplan-Meier, e as diferenças entre os grupos foram avaliadas pelo teste de Log-rank. O nível de significância utilizado foi de 5%, e as análises foram realizadas utilizando-se o programa MedCalc para Windows, versão 9.3.2.0 (MedCalc Software, Mariakerke, Belgium).

RESULTADOS

No período estudado, foram admitidos 68 pacientes. Foram excluídos do estudo 22 pacientes, e restaram 46 pacientes para serem analisados (Figura 1). Destes, 33 (71,1%) eram do sexo masculino e tinham mediana de idade de 40,5 anos (ITQ: 28,0 - 53,0). As queimaduras aconteceram mais frequentemente em situações de acidente doméstico (43,5%), e a mediana da superfície corporal queimada foi de 30,5% (ITQ: 20,5 - 47,0), como indica a tabela 1.

Figura 1
Seleção de pacientes queimados admitidos em unidade de terapia intensiva especializada em um hospital universitário, 2015-2016.

TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; SCQ - superfície corporal queimada; HIA - hipertensão intra-abdominal.


Tabela 1
Caracterização das internações de pacientes queimados admitidos em unidade de terapia intensiva especializada

O balanço hídrico acumulado de 48 horas de internação teve mediana de 5.233,0mL (ITQ: 3.562,0 - 8.224,0). Foram sobreviventes no desfecho hospitalar 21 (45,7%) pacientes. A mediana da permanência em UTI foi de 15 dias (ITQ: 6,0 - 26,0) e a da permanência hospitalar, 20 dias (ITQ: 11,0 - 32,0).

Evoluíram com HIA 38 (82,6%) pacientes, sendo predominante o grau I em 17 casos (37,0%), seguido pelo grau II em 12 casos (26,1%). A SCA desenvolveu-se em 11 pacientes (23,9%). Ao comparar as características dos grupos de pacientes, foi observado que os pacientes que desenvolveram HIA tinham maior média de idade, maior gravidade da queimadura refletida pelo escore ABSI, apresentaram mais frequentemente IRA, e necessitaram uso de glicopeptídeos, vasopressores e ventilação mecânica. A presença de HIA também esteve associada à maior taxa de mortalidade (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação das características clínicas e desfecho de pacientes queimados com e sem hipertensão intra-abdominal admitidos em unidade de terapia intensiva especializada

O valor de pico da PIA apresentou correlação positiva fraca com o balanço hídrico acumulado nas primeiras 48 horas (r = 0,29; p = 0,047). O valor de pico de PIA apresentou correlação positiva fraca com o pior valor de creatinina sérica durante a permanência na UTI (r = 0,47; p = 0,001).

Dos pacientes estudados, 32 (69,9%) desenvolveram IRA durante o período de estudo. O valor de pico da creatinina sérica dosada nos pacientes durante a permanência da UTI teve mediana de 1,33mg/dL (ITQ: 1,0 - 2,39). A mediana do tempo para desenvolvimento de IRA foi de 3 dias (ITQ: 1 - 7). A análise univariada de fatores de risco para IRA apontou associação com HIA (p = 0,041), uso de glicopeptídeos (p = 0,001), uso de vasopressor (p = 0,001) e uso de ventilação mecânica (p = 0,006) (Tabela 3).

Tabela 3
Análise univariada dos fatores de risco para injúria renal aguda de pacientes queimados admitidos em unidade de terapia intensiva especializada

Na análise de sobrevida (Figura 2), foi evidenciada associação de IRA com maior mortalidade em 30 dias (Log-rank, p = 0,009).

Figura 2
Comparação de sobrevida em 30 dias para pacientes com e sem injúria renal aguda em pacientes queimados admitidos em unidade de terapia intensiva especializada em um hospital universitário, 2015-2016.

IRA - injúria renal aguda. Log-rank, p = 0,009.


DISCUSSÃO

O presente estudo demonstra elevada frequência de HIA no paciente grande queimado e sua associação com a ocorrência de IRA. Por estes resultados, podemos ressaltar a importância do controle da PIA e da prevenção da IRA em pacientes queimados. Ainda podemos sugerir que a prevenção da ocorrência de IRA nestes pacientes deve levar à melhora da taxa de mortalidade, pela associação encontrada entre IRA e pior prognóstico.

As características clínicas dos pacientes do presente estudo se assemelham com dados de outros países. Nos Estados Unidos, a maioria dos pacientes queimados atendidos de 2006 a 2015 era do sexo masculino, com predominância da faixa etária entre 20 e 59 anos. A prevalência de ocorrências foi doméstica, em 73% dos casos. A etiologia térmica e por escaldo foram predominantes em 75% dos pacientes. A mortalidade foi menor neste estudo americano e aumentou conforme maior idade do paciente e maior superfície corporal queimada.(1414 American Burn Association (ABA). National Burn Repository. Report of data from 2006-2015. Chicago: American Burn Association, National Burn Repository; 2016.)

No Brasil, o sexo masculino é o mais afetado, e o álcool é o principal agente de queimaduras em adultos, predominando os acidentes domésticos.(1515 Cruz BF, Cordovil PB, Batista KN. Perfil epidemiológico de pacientes que sofreram queimaduras no Brasil: revisão de literatura. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(4):246-50.) Tal cenário configura quadros evitáveis da queimadura, sendo a prevenção válida no sentido de evitar a lesão e todas suas complicações diretas e decorrentes do tratamento. Logo, é válido desenvolver políticas públicas sobre prevenção de acidentes com queimaduras e também desenvolver estudos para traçar a epidemiologia nos diversos centros do país.

A mensuração da PIA tem sido cada vez mais realizada em UTI pelo conhecimento que se tem sobre a disfunção orgânica decorrente de seu valor alterado.(1616 Zampieri FG, Almeida JR, Schettino GP, Park M, Machado FS, Azevedo LC. Factors associated with variation in intracranial pressure in a model of intra-abdominal hypertension with acute lung injury. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(2):164-9.) Existem variações de técnicas de mensurar a PIA conforme os materiais utilizados, porém todas as formas estudadas consistem em manter o paciente em posição supina, sem contração abdominal e mensuração no final da expiração. O profissional de enfermagem, que é o responsável por instalar o equipamento e realizar as medidas, necessita de treinamento teórico e prático para realizar tal procedimento de forma adequada. Existe desconhecimento de profissionais de saúde sobre a metodologia da mensuração da PIA,(1717 Milanesi R, Caregnato RC. Pressão intra-abdominal: revisão integrativa. Einstein (São Paulo) 2016;14(3):423-30.) assim como falta conhecimento sobre HIA e suas implicações clínicas.(1818 Japiassú AM, Falcão H, Freitas F, Freitas S, Souza PC, Lannes R, et al. [Measurement of intra-abdominal pressure in the intensive care unit: the opinion of the critical care physicians]. Rev Bras Ter Intensiva; 2007;19(2):186-91. Portuguese.) Ainda não há consenso sobre uma metodologia padronizada para mensurar a PIA, porém existem fortes recomendações sobre a importância desta medida e de seu significado clínico ao paciente internado.(1919 Malbrain ML. You don't have any excuse, just start measuring abdominal pressure and act upon it! Minerva Anestesiol. 2008;74(1-2):1-2.)

Os fatores de risco encontrados para IRA estão relacionados à fisiopatologia da injúria renal. O uso de drogas nefrotóxicas, como glicopeptídeos, está associado à lesão renal direta e à consequente disfunção deste órgão, especialmente se o paciente estiver em UTI, com nível sérico da droga acima da normalidade e com terapia prolongada.(2020 Perazella MA. Drug use and nephrotoxicity in the intensive care unit. Kidney Int. 2012;81(12):1172-8.,2121 Elyasi S, Khalili H, Dashti-Khavidaki S, Mohammadpour A. Vancomycin-induced nephrotoxicity: mechanism, incidence, risk factors and special populations. A literature review. Eur J Clin Pharmacol. 2012;68(9):1243-55.) Alteração de perfusão orgânica, por instabilidade circulatória, como já evidenciado na literatura,(22 Holodinsky JK, Roberts DJ, Ball CG, Blaser AR, Starkopf J, Zygun DA, et al. Risk factors for intra-abdominal hypertension and abdominal compartment syndrome among adult intensive care unit patients: a systematic review and meta-analysis. Crit Care. 2013;17(5):R249.) é fator de risco para lesão renal. O paciente com HIA também apresenta variação hemodinâmica com prejuízo de perfusão renal.(99 Malbrain ML, De Keulenaer BL, Oda J, De Laet I, De Waele JJ, Roberts DJ, et al. Intra-abdominal hypertension and abdominal compartment syndrome in burns, obesity, pregnancy, and general medicine. Anaesthesiol Intensive Ther. 2015;47(3):228-40.,1717 Milanesi R, Caregnato RC. Pressão intra-abdominal: revisão integrativa. Einstein (São Paulo) 2016;14(3):423-30.) O uso de ventilação mecânica, com consequente alteração da pressão intratorácica, também está associado à presença de HIA. Tal fator de risco é proporcional à gravidade do quadro respiratório e da prescrição de ventilação mecânica.(2222 Soler Morejón Cde D, Tamargo Barbeito TO. Effect of mechanical ventilation on intra-abdominal pressure in critically ill patients without other risk factors for abdominal hypertension: an observational multicenter epidemiological study. Ann Intensive Care. 2012;2 Suppl 1:S22.)

É evidenciada a associação entre IRA e maior mortalidade em 30 dias em pacientes internados em terapia intensiva.(2323 Gammelager H, Christiansen CF, Johansen MB, Tønnesen E, Jespersen B, Sørensen HT. One-year mortality among Danish intensive care patients with acute kidney injury: a cohort study. Crit Care. 2012;16(4):R124.) A HIA é uma complicação associada à disfunção orgânica, especialmente à IRA, que é grande marcador de morbidade e de piora de prognóstico no paciente atendido em UTI. Diversos fatores estão associados à evolução para IRA na internação, especialmente no paciente grave. A mensuração da PIA de maneira constante pode atuar de forma antecipatória, no sentido de alertar a equipe sobre a iminência de HIA e, assim, evitar aumento de morbidade no paciente internado.

O presente estudo tem algumas limitações, como o pequeno número de pacientes avaliados e por se tratar de estudo de centro único. Os efeitos das variáveis preditoras para os desfechos estudados podem ter sido subestimados e devem ser interpretados com cautela. A força deste estudo se deve ao fato de ser um dos poucos relatos sobre monitorização da PIA em pacientes queimados da América Latina e trazer dados locais inéditos sobre a ocorrência de HIA e IRA nestes pacientes.

CONCLUSÃO

Ocorreu hipertensão intra-abdominal em grande parte dos pacientes estudados, predominantemente nos graus I e II. Os fatores de risco identificados para ocorrência de injúria renal aguda foram hipertensão intra-abdominal, uso de glicopeptídeos, vasopressor e ventilação mecânica. A injúria renal aguda está associada à maior mortalidade em 30 dias nos pacientes estudados.

  • Editor responsável: Luciano César Pontes de Azevedo

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2018
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2017
  • Aceito
    09 Out 2017
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