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Organização dos cuidados de reabilitação nas unidades de cuidados intensivos portuguesas

RESUMO

Objetivo:

Descrever os diferentes modelos de prestação de cuidados de reabilitação em prática nas unidades de cuidados intensivos de adultos portuguesas.

Métodos:

Estudo observacional simples (transversal), realizado por meio de inquérito on-line enviado aos enfermeiros-chefes ou responsáveis das 58 unidades de cuidados intensivos de adultos que integram a base de dados da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos.

Resultados:

Foram identificados três modelos de organização dos cuidados de reabilitação: cuidados prestados pela equipe da unidade de cuidados intensivos (22,9%), cuidados prestados por equipes externas especializadas (25,0%), um misto dos modelos anteriores, conjugando as duas situações (52,1%). No primeiro modelo, os cuidados eram prestados essencialmente por enfermeiros com especialização em reabilitação e, no segundo, por fisioterapeutas. Não foram encontradas diferenças significativas entre os modelos no que diz respeito à disponibilidade de cuidados, em horas/dia ou dias/semana (p = 0,268 e 0,994 respetivamente), ou a resultados como tempo de internamento em cuidados intensivos, tempo de ventilação ou taxa de mortalidade na unidade (p = 0,418, 0.923 e 0,240 respetivamente).

Conclusão:

A organização dos cuidados de reabilitação nas unidades de cuidados intensivos portuguesas é singular e heterogênea. Apesar dos diferentes modelos de organização de cuidados, a disponibilidade de horas de cuidados é semelhante, bem como os resultados gerais observados nos doentes.

Descritores:
Cuidados críticos; Enfermagem em reabilitação; Serviço hospitalar de fisioterapia/organização & administração; Portugal

ABSTRACT

Objective:

To describe the different rehabilitation care models in practice in Portuguese adult intensive care units.

Methods:

A simple observational (cross-sectional) study was conducted through an online survey sent to the head nurses or individuals responsible for the 58 adult intensive care units that are part of the database of the Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos.

Results:

We identified three models of organization of rehabilitation care: care provided by the staff of the intensive care unit (22.9%), care provided by specialized external teams (25.0%), and a mixture of the previous models, combining the two situations (52.1%). In the first model, the care was provided mainly by nurses with specialization in rehabilitation and, in the second model, the care was provided by physiotherapists. No significant differences were found between the models regarding the availability of care, in hours/day or days/week (p = 0.268 and 0.994, respectively), or results such as length of hospital stay in intensive care, ventilation time, or mortality rate in the unit (p = 0.418, 0.923, and 0.240, respectively).

Conclusion:

The organization of rehabilitation care in Portuguese intensive care units is unique and heterogeneous. Despite different care organization models, the availability of hours of care is similar, as are the overall results observed in patients.

Keywords:
Critical care; Rehabilitation nursing; Hospital physical therapy service/organization & administration; Portugal

INTRODUÇÃO

Nas unidades de cuidados intensivos (UCI), os conhecidos efeitos da imobilização prolongada são potenciados pelo desenvolvimento de neuropatias ou miopatias decorrentes da própria doença.(11 Callahan LA, Supinski GS. Sepsis-induced myopathy. Crit Care Med. 2009;37(10 Suppl):S354-67.

2 Angel MJ, Bril V, Shannon P, Herridge MS. Neuromuscular function in survivors of the acute respiratory distress syndrome. Can J Neurol Sci. 2007;34(4):427-32.
-33 Hermans G, De Jonghe B, Bruyninckx F, Van den Berghe G. Interventions for preventing critical illness polyneuropathy and critical illness myopathy. Cochrane Database Syst Rev. 2014;(1):CD006832.) Mesmo após superarem a fase aguda, os doentes passam frequentemente por um estado de grande debilidade física/funcional, sendo, por vezes, incapazes de realizar simples Atividades de Vida Diária, e de debilidade psicossocial, que compromete a reintegração social e profissional. Todos estes achados associam-se a uma redução da qualidade de vida abaixo da média da população em geral.

A teoria do repouso no leito já faz parte do passado, e a reabilitação precoce figura como uma prática segura e benéfica. Segundo uma metanálise realizada em 2014,(33 Hermans G, De Jonghe B, Bruyninckx F, Van den Berghe G. Interventions for preventing critical illness polyneuropathy and critical illness myopathy. Cochrane Database Syst Rev. 2014;(1):CD006832.) existem evidências de que esta prática, a par do controle glicêmico, desempenha um papel protetor para o desenvolvimento das alterações neuromusculares decorrentes da doença crítica.

Apesar de existirem recomendações internacionais sobre a reabilitação em UCI(44 França EE, Ferrari F, Fernandes P, Cavalcanti R, Duarte A, Martinez BP, et al. Fisioterapia em pacientes críticos adultos: recomendações do Departamento de Fisioterapia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(1):6-22.

5 Hodgson CL, Stiller K, Needham DM, Tipping CJ, Harrold M, Baldwin CE, et al. Expert consensus and recommendations on safety criteria for active mobilization of mechanically ventilated critically ill adults. Crit Care. 2014;18(6):658.
-66 Gosselink R, Bott J, Johnson M, Dean E, Nava S, Norrenberg M, et al. Physiotherapy for adult patients with critical illness: recommendations of the European Respiratory Society and European Society of Intensive Care Medicine Task Force on Physiotherapy for Critically Ill Patients. Intensive Care Med. 2008;34(7):1188-99.) e de serem divulgados protocolos de mobilização precoce mais ou menos abrangentes,(77 Balas MC, Burke WJ, Gannon D, Cohen MZ, Colburn L, Bevil C, et al. Implementing the awakening and breathing coordination, delirium monitoring/management, and early exercise/mobility bundle into everyday care: opportunities, challenges, and lessons learned for implementing the ICU Pain, Agitation, and Delirium Guidelines. Crit Care Med. 2013;41(9 Suppl 1):S116-27.

8 Drolet A, DeJuilio P, Harkless S, Henricks S, Kamin E, Leddy EA, et al. Move to improve: the feasibility of using an early mobility protocol to increase ambulation in the intensive and intermediate care settings. Phys Ther. 2013;93(2):197-207.
-99 Murakami FM, Yamaguti WP, Onoue MA, Mendes JM, Pedrosa RS, Maida AL, et al. Functional evolution of critically ill patients undergoing an early rehabilitation protocol. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(2):161-9.) a realidade portuguesa é pouco conhecida. Ainda, o contexto português, para além de diferentes modelos de gestão hospitalar, possui particularidades na organização dos próprios cuidados de reabilitação, com uma multiplicidade de cenários, sem que se conheça o trabalho desenvolvido em cada centro nem seus resultados.

O objetivo primário desta investigação foi descrever os diferentes modelos de prestação de cuidados de reabilitação em prática nas UCI de adultos portuguesas. Constituíram os objetivos secundários: quantificar o número de profissionais com formação em reabilitação disponíveis em cada unidade; verificar os prestadores e prescritores de cuidados de reabilitação em cada modelo; e identificar o modelo que garante mais horas de cuidados e melhores resultados.

MÉTODOS

Estudo do tipo observacional simples (transversal), realizado por meio de inquérito on-line dirigido aos enfermeiros-chefes ou responsáveis de serviço das UCI de adultos, de nível II e III, que integravam a base de dados da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos (SPCI), com aprovação pela Comissão de Ética da Universidade da Beira Interior (Parecer CE-FCS-2016-028).

O inquérito foi composto por 28 questões, agrupadas em: caraterização da instituição, que identificava o modelo de gestão e a classificação da instituição, tendo em conta a natureza de suas responsabilidades e o quadro de valências (Portaria 82/2014);(1010 Portaria no 82/14 de 10 de Abril. Diário da República No71/14 - I Série A [Internet]. Ministério da Saude. Lisboa. 2014:2364-6. [citado 2018 Fev 4]. Disponível em: https://dre.pt/application/conteudo/25343991
https://dre.pt/application/conteudo/2534...
) caraterização da unidade, identificando seu tipo e o número de leitos ativos; caracterização da equipe, quantificando o número de profissionais das diferentes áreas de cuidados, distinguindo os que desenvolviam sua atividade em tempo integral dos que o faziam em tempo parcial; organização dos cuidados de reabilitação, que identificava o modelo de organização de cuidados e os prestadores, bem como sua forma de planeamento e implementação. Foram ainda verificados: existência de avaliação funcional na alta, acompanhamento após a alta, utilização de indicadores relativos às práticas de reabilitação, disponibilidade de Recursos Humanos (em termos de horas e dias de cuidados disponíveis), e de recursos materiais para a reabilitação. Em relação ao último ano, questionou-se: número de doentes admitidos, gravidade média, tempo de internação em UCI, tempo médio de ventilação invasiva e taxa de mortalidade na unidade.

Este questionário foi elaborado pela equipe de investigadores e revisado por peritos da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas e da Associação Portuguesa dos Enfermeiros Especializados em Enfermagem de Reabilitação. Um enfermeiro especializado em enfermagem de reabilitação, com funções de chefia, e dois fisioterapeutas, que trabalhavam em uma UCI, também checaram as perguntas.

A coleta de dados decorreu no período de 1º de novembro de 2016 a 1º de março de 2017.

A análise estatística foi realizada por meio do programa IBM Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 22. A estatística descritiva foi calculada por meio de frequências, porcentagens, médias e desvios padrão. A análise da independência do modelo de organização de cuidados, em relação ao modelo de gestão institucional, ao grau de diferenciação hospitalar e à classificação da UCI, foi realizada por meio do teste qui quadrado de Pearson obtido por simulação de Monte Carlo. A comparação dos diferentes modelos, no que se refere a horas/dias de cuidados, número de doentes admitidos e sua gravidade, foi feita pelo teste de teste de Kruskal-Wallis. A comparação dos resultados assitenciais, tempo de internamento, tempo de ventilação e taxa de mortalidade, foi feita pelo teste de análise de variância (ANOVA). Utilizou-se um nível de significância de 0.05.

RESULTADOS

Foram enviados inquéritos para os enfermeiros-chefes ou responsáveis de 58 UCI, pertencentes a 51 hospitais. Foram respondidos 54 inquéritos, sendo 6 excluídos por apresentarem menos de dois terços de respostas válidas, totalizando 48 inquéritos válidos. A elevada adesão a este inquérito se deu, em parte, pela pertinência do tema e também por conta da metodologia utilizada, já que o inquérito foi enviado após um primeiro contato telefônico, que objetivou apresentar o investigador e os objetivos da investigação.

A amostra obtida incluiu maioritariamente UCI integradas em hospitais do Grupo I (de menor diferenciação). O modelo de gestão destas instituições era predominantemente o público empresarial, e as unidades eram, sobretudo, médico-cirúrgicas ou polivalentes (Tabela 1). Esta amostra representou um total de 399 leitos de cuidados intensivos e 132 leitos de cuidados intermediários (referentes a 18 unidades que integravam serviços de cuidados intermediários).

Tabela 1
Caraterização das unidades de cuidados intensivos participantes

Equipe multidisciplinar

Os enfermeiros constituíram a classe profissional maioritária, seguidos dos médicos. Estatisticamente, em torno de um em cada dez (9,4%) enfermeiros possuía formação especializada em enfermagem de reabilitação; 92% das UCI portuguesas tinham enfermeiros com esta especialização, ainda que em apenas 75% delas eles desempenhavam funções especializadas. Cerca de 46% das unidades contavam com enfermeiro de reabilitação a desempenhar funções especializadas em tempo integral, 29% apenas em tempo parcial e 25% não tinham enfermeiro de reabilitação em funções. Apenas três fisioterapeutas trabalhavam em tempo integral nas UCI, e fonoaudiólogos ou terapeutas ocupacionais trabalhavam em tempo parcial e de forma pontual.

Organização dos cuidados

Foram identificados três modelos de organização dos cuidados de reabilitação (Figura 1): um modelo interno, em que a prestação de cuidados era feita pela equipa da própria UCI (22,9%); um externo, em que a prestação de cuidados era assegurada por uma equipe especializada externa à UCI (25,0%); e um modelo misto, em que os cuidados eram prestados pela equipe da UCI em articulação com uma equipe externa especializada (52,1%).

Figura 1
Modelos de organização dos cuidados de reabilitação.

Cruzando a distribuição destes modelos de cuidados com o modelo de gestão institucional, observou-se que tanto nas entidades públicas empresariais como nas parcerias público-privadas predominou o modelo de cuidados misto (51% nas entidades públicas empresariais e 75% nas parcerias público-privadas). No entanto, a análise inferencial permitiu afirmar que a organização dos cuidados de reabilitação era independente do modelo de gestão institucional (X2(2) = 1,419; p = 0,797; N = 43).

Efetuando análise semelhante para a classificação da UCI, o modelo misto predominou também nas unidades médico-cirúrgicas (43%), polivalentes (57%) e neurocirúrgicas (100%). Nas unidades cardiotorácicas, os modelos misto e interno representavam igual proporção (50%). No entanto, a organização dos cuidados de reabilitação é igualmente independente da classificação da UCI (X2(6) = 6,498; p = 0,370; N = 47).

Sobre o grau de diferenciação hospitalar, nos hospitais do Grupo I e III predominou o modelo misto (48% e 79%) e, nos do Grupo II, o modelo externo especializado (63%), com diferenças estatisticamente significativas (X2(4) = 12,178; p = 0,015; N = 47).

Os cuidados de reabilitação nas UCI portuguesas eram prestados por vários profissionais, destacando-se os fisioterapeutas e os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, por terem uma participação mais frequente. No modelo de cuidados interno, os prestadores foram em sua maioria enfermeiros com especialidade em enfermagem de reabilitação, designados popularmente como enfermeiros de reabilitação (todas as unidades com modelo interno integravam enfermeiros de reabilitação). Já no caso de os cuidados serem prestados por uma equipe externa especializada, os prestadores foram principalmente fisioterapeutas (67,7%), seguidos dos enfermeiros de reabilitação (18,9%).

A decisão de iniciar reabilitação em um doente crítico foi tomada com maior frequência pelos enfermeiros de reabilitação, quer seja de forma unilateral ou por discussão da equipe multidisciplinar. Já no modelo de cuidados prestados por uma equipe externa especializada, este papel foi assumido principalmente pelo médico intensivista (Figura 2). Também para elaboração do plano de cuidados de reabilitação, destacou-se o papel dos enfermeiros de reabilitação, independentemente do modelo de organização de cuidados (Figura 3).

Figura 2
Tomada de decisão de iniciar cuidados de reabilitação.

Figura 3
Elaboração do programa de reabilitação.

Para a avaliação dos doentes na alta, em nove das unidades (22,0%) foram avaliados aspetos relacionados com a funcionalidade. Em cinco delas, o modelo de prestação de cuidados de reabilitação era misto; em três era interno; e em uma, externo.

A avaliação pós-alta era feita em seis das unidades (12,5%), e apenas em uma situação foi reportada participação de um fisioterapeuta nesta avaliação, a qual foi principalmente feita por médico e enfermeiro. Duas UCI de cada modelo de organização de cuidados faziam avaliação dos doentes após a alta.

A obtenção de indicadores relacionados com as práticas de reabilitação foi feita em dez unidades (20,8%), as quais integravam em sua maioria o grupo em que a organização dos cuidados de reabilitação era feita segundo o modelo misto (seis unidades com modelo misto e duas com modelo interno).

Disponibilidade de recursos

Independentemente do modelo de organização dos cuidados e do tempo que cada profissional dedicava à UCI, 77,1% das unidades dispunham de cuidados de enfermagem de reabilitação, 68,8% de fisioterapia, 14,6% de terapia ocupacional e 8,3% de fonoaudiólogo. Em média, os cuidados de reabilitação estavam disponíveis 5,83 ± 4,24 horas/dia e 5,02 ± 2,17 dias/semana. Apesar de o modelo da equipe interna da UCI assegurar mais horas de cuidados por dia e mais dias por semana, estas diferenças não tiveram significado estatístico (Tabela 2).

Tabela 2
Disponibilidade de cuidados de reabilitação

Apenas 39,58% das unidades apresentaram seus resultados em termos de tempo de internamento em UCI, tempo de ventilação invasiva e taxa de mortalidade na UCI. O tempo médio de internamento foi de 7,38 ± 2,25 dias; o tempo de ventilação invasiva, de 5,73 ± 2,69 dias; e a taxa de mortalidade de 20,80 ± 6,07%. Estes resultados foram independentes do modelo de organização dos cuidados de reabilitação (Tabela 3).

Tabela 3
Resultados assistenciais no último ano

DISCUSSÃO

Apesar de existirem publicações que tratam a utilização de determinadas técnicas de reabilitação no doente crítico, ou os benefícios da reabilitação em geral, a organização dos cuidados de reabilitação nas UCI não é bem conhecida. A nível europeu, no ano 2000 foi publicado o perfil da fisioterapia nas UCI.(1111 Norrenberg M, Vincent JL, European Soc Intensive Care M. A profile of European intensive care unit physiotherapists. European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med. 2000;26(7):988-94.) Segundo este estudo, 75% das unidades integravam fisioterapeutas em exclusividade, e os resultados de Portugal (à data representado por sete UCI) estavam em concordância com os do resto da Europa. Nos Estados Unidos, em 2015, 34% das UCI tinham fisioterapeuta e/ou terapeuta ocupacional dedicados(1212 Bakhru RN, Wiebe DJ, McWilliams DJ, Spuhler VJ, Schweickert WD. An Environmental Scan for Early Mobilization Practices in U.S. ICUs. Crit Care Med. 2015;43(11):2360-9.) e, no Japão, em 2016, 77% das UCI possuíam cuidados de reabilitação em regime de chamada.(1313 Taito S, Sanui M, Yasuda H, Shime N, Lefor AK; Japanese Society of Education for Physicians and Trainees in Intensive Care (JSEPTIC) Clinical Trial Group. Current rehabilitation practices in intensive care units: a preliminary survey by the Japanese Society of Education for Physicians and Trainees in Intensive Care (JSEPTIC) Clinical Trial Group. J Intensive Care. 2016;4:66.)

Apesar de Portugal, há 17 anos, ter participado da análise europeia, tínhamos a percepção de que, no presente, os resultados poderiam ser divergentes, não só pelo período de tempo, como pelo desenvolvimento verificado na organização das unidades e na formação especializada de fisioterapeutas, na área de cuidados intensivos, e de enfermeiros de cuidados intensivos, em enfermagem de reabilitação. Outros estudos que, de forma indireta, abordaram esta questão fizeram-no focados na intervenção dos fisioterapeutas(1414 Salgueiro AC, Correia CL, Lopes AA, Menezes A, Clemente J. Realidade portuguesa da intervenção do fisioterapeuta em unidades de cuidados intensivos. Re(habilitar). 2007;(4/5):65-91.) ou na dotação de enfermeiros de reabilitação.(1515 Portugal. Ministério da Saúde. Avaliação da situação nacional das unidades de cuidados intensivos. Portugal; 2013. 459p.) Ambas as classes profissionais são relevantes neste contexto: a enfermagem de reabilitação normalmente integrada na equipe da UCI, e a fisioterapia geralmente integrada em serviços de medicina física e reabilitação. Na maioria das unidades, independentemente do tipo ou do modelo de gestão, o cenário mais frequente é a articulação destas duas situações. Apesar das diferentes formas de organização, a disponibilidade de horas de cuidados é semelhante, e os resultados gerais também são similares. Seria interessante analisar resultados mais sensíveis aos cuidados de reabilitação, mas ainda é baixo o número de unidades que utiliza indicadores específicos, os quais são relativamente heterogêneos - por este motivo, não foram incluídos nesta análise.

Tal como em 2000,(1111 Norrenberg M, Vincent JL, European Soc Intensive Care M. A profile of European intensive care unit physiotherapists. European Society of Intensive Care Medicine. Intensive Care Med. 2000;26(7):988-94.) ainda não estão disponíveis os cuidados de reabilitação no período noturno. Ainda assim, 16,7% das unidades oferecem cuidados de reabilitação por mais de 8 horas por dia, contrastando com 10,4% que referiram zero horas/dia, deixando entender que este tipo de cuidados não faz parte de sua prática diária. Também apenas uma unidade referiu que a reabilitação era feita de acordo com protocolo existente. São resultados com margem de melhoria, se considerarmos que a reabilitação precoce do doente crítico é segura e benéfica, e que a sistematização dos cuidados, por meio de protocolos, demonstra claros benefícios.(99 Murakami FM, Yamaguti WP, Onoue MA, Mendes JM, Pedrosa RS, Maida AL, et al. Functional evolution of critically ill patients undergoing an early rehabilitation protocol. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(2):161-9.,1616 Morris PE, Goad A, Thompson C, Taylor K, Harry B, Passmore L, et al. Early intensive care unit mobility therapy in the treatment of acute respiratory failure. Crit Care Med. 2008;36(8):2238-43.

17 Schweickert WD, Pohlman MC, Pohlman AS, Nigos C, Pawlik AJ, Esbrook CL, et al. Early physical and occupational therapy in mechanically ventilated, critically ill patients: a randomised controlled trial. Lancet. 2009;373(9678):1874-82.
-1818 Brummel NE, Girard TD, Ely EW, Pandharipande PP, Morandi A, Hughes CG, et al. Feasibility and safety of early combined cognitive and physical therapy for critically ill medical and surgical patients: the Activity and Cognitive Therapy in ICU (ACT-ICU) trial. Intensive Care Med. 2014;40(3):370-9.)

Concluímos esta análise salientando o número de enfermeiros com formação especializada em reabilitação (cerca de 10%) a integrarem as equipes das UCI, ainda que em alguns serviços não desempenhem funções na área. Destaca-se ainda o papel interventivo destes profissionais não só na prestação direta de cuidados, como na planificação dos mesmos. A presença destes profissionais na organização dos cuidados de reabilitação do doente crítico torna Portugal um caso particular, justificando esta análise individual.

Este estudo teve potenciais limitações. Tentamos minimizar o enviesamento inquirindo todas as UCI nacionais que integravam a base de dados da SPCI, e a taxa de participação foi bastante positiva (82,76%). Para evitar que pudesse haver mais que uma resposta do mesmo inquirido, bloqueamos informaticamente o utilizador depois de uma resposta (não o IP, porque poderia ser o mesmo em unidades da mesma instituição). Para estimular a participação, reduzimos o tamanho do inquérito, optando por não incluir questões de caracterização do perfil dos inquiridos ou dos elementos de reabilitação. Para recolher o máximo de informação possível permitimos existência de respostas em branco, sendo, a posteriori, selecionados todos os inquéritos com mais de dois terços de respostas válidas. Pode ter havido algum viés por inquirir apenas o enfermeiro-chefe ou o responsável, e por não inquirir elementos de outras áreas de especialização. Esta opção foi tomada porque consideramos que, no seio da equipe multidisciplinar e tendo em conta as várias especificidades que dizem respeito a este tema, o enfermeiro-chefe é uma figura presente em todos os contextos e com capacidade de responder às diferentes questões.

Trabalhos futuros deveriam procurar conhecer as práticas de reabilitação de cada unidade, bem como comparar resultados entre si e com outros países onde a realidade seja diferente.

CONCLUSÃO

A realidade portuguesa se mostrou singular e heterogênea. Foram identificados um modelo interno de organização, prestado essencialmente por enfermeiros de reabilitação; um modelo externo, prestado maioritariamente por fisioterapeutas; e um misto, geralmente com a participação de ambos. Apesar dos diferentes modelos de organização de cuidados, a disponibilidade de horas de cuidados foi semelhante. Por outro lado, a análise de resultados e a obtenção de indicadores sensíveis aos cuidados de reabilitação foram, na maioria das vezes, aspectos marginais aos diversos modelos. No entanto, os resultados disponíveis não mostraram diferenças entre os modelos.

AGRADECIMENTOS

A todos os participantes nesta investigação, pois apenas com sua contribuição foi possível desenvolver este projeto; à Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, por ter disponibilizado sua base de dados; à Sociedade Portuguesa de Fisioterapeutas e a Associação Portuguesa de Enfermeiros de Reabilitação, pelo apoio prestado; aos fisioterapeutas Daniel Martins e Miguel Ferraz, e ao enfermeiro Carlos Margato, pelo trabalho de revisão enquanto especialistas na área.

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Editado por

Editor responsável: Pedro Póvoa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2017
  • Aceito
    03 Dez 2017
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