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SOFA nas primeiras 24 horas como preditor de desfecho em insuficiência hepática aguda

RESUMO

Objetivo:

Descrever uma coorte de doentes com insuficiência hepática aguda, e analisar os fatores demográficos e clínicos associados à mortalidade.

Métodos:

Estudo de coorte retrospectivo em que todos os pacientes admitidos por insuficiência hepática aguda foram incluídos no período de 28 de julho de 2012 a 31 de agosto de 2017. Dados clínicos e demográficos foram coletados via Sistema Epimed. Foram mensurados SAPS 3, SOFA e MELD. Estimaram-se as OR e seus IC95%. Foram obtidas as curvas Características de Operação do Receptor para os escores de prognóstico, assim como a curva Kaplan-Meier de sobrevida para o escore com melhor predição de mortalidade.

Resultados:

A maioria dos 40 doentes era do sexo feminino (77,5%), e a etiologia mais frequente foi hepatite pelo vírus B (n = 13). Apenas 35% dos doentes foram submetidos ao transplante hepático. A mortalidade hospitalar foi de 57,5% (IC95%: 41,5 - 73,5). Dentre os escores investigados, apenas o SOFA se manteve associado ao risco de morte (OR = 1,37; IC95% 1,11 - 1,69; p < 0,001). Após a estratificação do SOFA em < 12 e ≥ 12 pontos, a sobrevida foi maior nos pacientes com SOFA < 12 (Log-rank p < 0,001).

Conclusão:

SOFA nas primeiras 24 horas foi o maior preditor de desfecho fatal.

Descritores:
Insuficiência hepática; Prognóstico; Escores de disfunção orgânica; Transplante hepático

ABSTRACT

Objective:

To describe a cohort of patients with acute liver failure and to analyze the demographic and clinical factors associated with mortality.

Methods:

Retrospective cohort study in which all patients admitted for acute liver failure from July 28, 2012, to August 31, 2017, were included. Clinical and demographic data were collected using the Epimed System. The SAPS 3, SOFA, and MELD scores were measured. The odds ratios and 95% confidence intervals were estimated. Receiver operating characteristics curves were obtained for the prognostic scores, along with the Kaplan-Meier survival curve for the score best predicting mortality.

Results:

The majority of the 40 patients were female (77.5%), and the most frequent etiology was hepatitis B (n = 13). Only 35% of the patients underwent liver transplantation. The in-hospital mortality rate was 57.5% (95%CI: 41.5 - 73.5). Among the scores investigated, only SOFA remained associated with risk of death (OR = 1.37; 95%CI 1.11 - 1.69; p < 0.001). After SOFA stratification into < 12 and ≥ 12 points, survival was higher in patients with SOFA <12 (log-rank p < 0.001).

Conclusion:

SOFA score in the first 24 hours was the best predictor of fatal outcome.

Keywords:
Liver failure; Prognosis; Organ dysfunction scores; Liver transplantation

INTRODUÇÃO

A insuficiência hepática aguda é uma síndrome rara com elevada mortalidade (60 a 90%), a qual varia conforme a etiologia e o centro responsável pelo manejo.(11 Polson J, Lee WM; American Association for the Study of Liver Disease. AASLD position paper: the management of acute liver failure. Hepatology. 2005;41(5):1179-97.) É definida pela presença de encefalopatia, intervalo entre icterícia e encefalopatia de até 26 semanas e coagulopatia (razão normalizada internacional - INR ≥ 1,5) na ausência de doença hepática prévia.(11 Polson J, Lee WM; American Association for the Study of Liver Disease. AASLD position paper: the management of acute liver failure. Hepatology. 2005;41(5):1179-97.) Sua etiologia é o principal determinante prognóstico, porém idade, duração do intervalo entre icterícia e encefalopatia, valor de INR, níveis de Fator V, grau de encefalopatia, níveis séricos de bilirrubina total e creatinina sérica também são importantes.(22 Bernal W, Wendon J. Acute liver failure. N Engl J Med. 2013;369(26): 2525-34.) O transplante hepático pode ser a única alternativa curativa para doentes selecionados.(22 Bernal W, Wendon J. Acute liver failure. N Engl J Med. 2013;369(26): 2525-34.)

No Brasil, poucos dados têm sido publicados avaliando o desfecho e os fatores de risco associados em doentes com insuficiência hepática aguda. Os escassos relatos se dão em geral no contexto de doentes com indicação de transplante hepático, realizado ou não. O escore Model for End-stage Liver Disease (MELD), calculado retrospectivamente com dados imediatamente pré-transplante, foi significativamente mais elevado em doentes submetidos ao transplante hepático por insuficiência hepática aguda que não sobreviveram no pós-operatório (n = 8; MELD = 51,86 ± 12,3) do que em doentes submetidos ao transplante hepático que sobreviveram (n = 9; MELD = 38,47 ± 7,1).(33 Pacheco-Moreira LF, Balbi E, Enne M, Roma J, Paulino dos Santos K, Annunziata TB, et al. Liver transplantation for acute liver failure: trying to define when transplantation is futile. Transplant Proc. 2007;39(10): 3178-81.) Viana et al. avaliaram 20 doentes com insuficiência hepática aguda e critérios para transplante hepático, dos quais 12 foram transplantados e 8 não. Entre os transplantados, o MELD médio foi de 36. Sete pacientes permaneceram vivos com boa função hepática em um seguimento médio de 26,2 meses.(44 Viana CF, Rocha TD, Cavalcante FP, Valença Jr JT, Coelho GR, Garcia JH. Liver transplantation for acute liver failure: a 5 years experience. Arq Gastroenterol. 2008;45(3):192-4.)

No Brasil, o Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), efetuado pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), registrou 1.880 transplantes hepáticos realizados no ano de 2016. Destes, 150 foram realizados no Rio Grande do Sul, incluindo tanto receptores adultos como pediátricos, porém o RBT não especifica diagnósticos.(55 Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). Registro Brasileiro de Transplantes 2016. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2016/. Acessado em 10/07/2017
http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/fi...
) Recentemente, Lauer et al. relataram sua experiência com 250 transplantes realizados em 236 pacientes, dos quais apenas 2,4% foram realizados por insuficiência hepática aguda.(66 Lauer SS, Miguel GP, de Abreu IW, Stein AB. Hepatic transplants in Espirito Santo State, Brazil. Transplant Proc. 2017;49(4):841-7.)

Neste estudo, objetivamos descrever uma coorte de doentes com insuficiência hepática aguda, e analisar os fatores demográficos e clínicos associados à mortalidade.

MÉTODOS

Estudo de coorte retrospectivo e unicêntrico realizado em uma unidade de terapia intensiva (UTI) com 11 leitos em um hospital terciário na Região Sul do Brasil. A equipe médica era constituída por 17 intensivistas, com cobertura de 2 médicos por turno, a cada 24 horas, nos 7 dias da semana.

Trata-se de um hospital para transplantados de órgãos sólidos e hematológicos, com UTI especializada para esse fim. A unidade era referência para transplantados em pós-operatório imediato e com complicações tardias, além de referência para internação de pacientes com suspeita de insuficiência hepática aguda encaminhados pelas centrais de regulação do município e do estado. A indicação do transplante, nos casos de insuficiência hepática aguda, era determinada pelos critérios do King's College, conforme a câmara técnica da Central Estadual de Transplantes.

Todos os pacientes com ≥ 18 anos admitidos por insuficiência hepática aguda na UTI do hospital foram incluídos no período de 28 de julho de 2012 a 31 de agosto de 2017. A definição de insuficiência hepática aguda adotada foi a previamente descrita na literatura.(11 Polson J, Lee WM; American Association for the Study of Liver Disease. AASLD position paper: the management of acute liver failure. Hepatology. 2005;41(5):1179-97.) Foi utilizada a classificação para insuficiência hepática aguda de O'Grady:(77 O'Grady J. Timing and benefit of liver transplantation in acute liver failure. J Hepatol. 2014;60(3):663-70.) hiperaguda se intervalo entre icterícia e encefalopatia hepática de zero a 7 dias; aguda propriamente dita se intervalo entre icterícia e encefalopatia hepática de 8 a 28 dias; e subaguda se intervalo entre icterícia e encefalopatia hepática > 28 dias.

Os dados dos pacientes foram inseridos no site do Sistema Epimed Monitor (Epimed Solutions, Rio de Janeiro, Brasil). Não ocorreram perdas de seguimento. O Simplified Acute Physiology Score (SAPS 3)(88 Metnitz PG, Moreno RP, Almeida E, Jordan B, Bauer P, Campos RA, Iapichino G, Edbrooke D, Capuzzo M, Le Gall JR; SAPS 3 Investigators. SAPS 3--From evaluation of the patient to evaluation of the intensive care unit. Part 1: Objectives, methods and cohort description. Intensive Care Med. 2005;31(10):1336-44.,99 Moreno RP, Metnitz PG, Almeida E, Jordan B, Bauer P, Campos RA, Iapichino G, Edbrooke D, Capuzzo M, Le Gall JR; SAPS 3 Investigators. SAPS 3--From evaluation of the patient to evaluation of the intensive care unit. Part 2: Development of a prognostic model for hospital mortality at ICU admission. Intensive Care Med. 2005;31(10):1345-55.) e o Sequential Organ Failure Assessment (SOFA)(1010 Vincent JL, de Mendonca A, Cantraine F, Moreno R, Takala J, Suter PM, et al. Use of the SOFA score to assess the incidence of organ dysfunction/failure in intensive care units: results of a multicenter, prospective study. Working group on "sepsis-related problems" of the European Society of Intensive Care Medicine. Crit Care Med. 1998;26(11):1793-800.) foram mensurados considerando os dados coletados na primeira hora e nas primeiras 24 horas de admissão na UTI, respectivamente. O MELD foi mensurado com os primeiros resultados laboratoriais (bilirrubina, INR e creatinina) disponíveis após a internação.(1111 Kamath PS, Wiesner RH, Malinchoc M, Kremers W, Therneau TM, Kosberg CL, et al. A model to predict survival in patients with end-stage liver disease. Hepatology. 2001;33(2):464-70.)

Todos os pacientes ≥ 18 anos admitidos na UTI por insuficiência hepática aguda foram incluídos a despeito de apresentarem indicação ou terem sido submetidos ao transplante hepático. Somente a primeira admissão na UTI foi considerada para cada paciente. Os dados dos pacientes foram coletados prospectivamente até o desfecho hospitalar.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (Plataforma Brasil CAAE número 19687113.8.2002.5335). A necessidade para consentimento livre e esclarecido foi dispensada, pois nenhuma intervenção foi realizada e nenhum dado individual foi divulgado.

A análise estatística dos dados foi realizada por meio do programa Stata versão 12.0 (StataCorp LP, College Station, Texas, USA). Para a descrição dos dados da amostra geral, utilizaram-se frequências absolutas e relativas, para variáveis categóricas, e medidas de tendência central e dispersão, para as variáveis numéricas contínuas. Foi realizada análise bivariada para verificar possíveis associações entre mortalidade e as características investigadas no estudo (variáveis independentes), utilizando-se o teste qui quadrado de Pearson para heterogeneidade de proporções (variáveis categóricas) e de tendência linear (variáveis ordinais). Para a realização de comparação entre médias (variáveis numéricas contínuas), utilizou-se o teste t de Student. Valor de significância menor que 5% (p < 0,05) foi considerado estatisticamente significativo. Posteriormente, estimaram-se as odds ratio (OR) brutas para as associações investigadas, incluindo seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Adicionalmente, foram obtidas e comparadas as áreas sob a curva Característica de Operação do Receptor (ASC COR) para os escores de prognóstico por meio do teste qui quadrado para igualdade entre ASC COR, utilizando algoritmo sugerido por DeLong et al.(1212 DeLong ER, DeLong DM, Clarke-Pearson DL. Comparing the areas under two or more correlated receiver operating characteristic curves: a nonparametric approach. Biometrics. 1988;44(3):837-45.) Obtiveram-se, também, curvas de sobrevida (Kaplan-Meier) para o escore com melhor predição de mortalidade (SOFA), comparando dois grupos de doentes classificados de acordo com o melhor ponto de corte identificado por meio dos valores de sensibilidade e especificidade obtidos na ASC COR. Utilizou-se o teste Log-rank de Cox-Mantel para comparação de sobrevivência entre os dois grupos.

RESULTADOS

Um total de 40 doentes com insuficiência hepática aguda foi internado ao longo de pouco mais de 5 anos. A média de idade dos pacientes foi de 44,3 anos (± 12,8 anos). Na tabela 1, são apresentadas as características gerais da amostra de doentes. A maioria dos doentes pertencia ao sexo feminino (77,5%) e procedia de outras instituições (72,5%) diretamente para a UTI da instituição da pesquisa. A etiologia mais frequente foi viral (15; 37,5%). Dos 15 casos virais, 13 se deveram à hepatite pelo vírus B. Ainda ocorreram um caso de hepatite viral A aguda sobreposta a uma infecção viral crônica pelo vírus B e um caso de hepatite viral A aguda sem coinfecção ou hepatopatia crônica documentada. Nove casos (22,5%) foram considerados hepatotoxicidade: três sem um agente definido, porém com patologia do órgão explantado compatível (um destes casos ocorreu em doente HIV positivo sem tratamento antirretroviral); dois casos atribuídos a antirretrovirais em doentes HIV positivos; isoniazida, um caso; alopurinol, um caso; um caso por ingesta excessiva de paracetamol em uma doente com hepatopatia crônica por nonalcoholic steatohepatitis (NASH); e um caso por ingesta de chá de Kava-Kava sob recomendação médica, um fitoterápico potencialmente hepatotóxico. Foram ainda observados oito casos de etiologia indeterminada, sendo três deles em doentes HIV positivos sem coinfecção documentada e sem ingesta de drogas hepatotóxicas. As complicações nas primeiras 24 horas foram frequentes, especialmente a necessidade de ventilação mecânica, em 70% dos casos. Conforme a classificação de O'Grady,(77 O'Grady J. Timing and benefit of liver transplantation in acute liver failure. J Hepatol. 2014;60(3):663-70.) 57,5% dos doentes apresentaram insuficiência hepática aguda hiperaguda; 30% insuficiência hepática aguda propriamente dita e 12,5% insuficiência hepática subaguda. Apenas 35% dos doentes foram submetidos ao transplante hepático. Dezenove doentes foram listados para transplante de fígado, e cinco deles não apresentavam os critérios do King's College para tanto. Destes cinco, um teve piora do INR e outro foi caracterizado como crônico após biópsia hepática. Em três doentes, não foi possível determinar retrospectivamente o critério adotado para a listagem. Cinco doentes listados não foram transplantados: quatro por evolução a choque refratário e um por evolução à morte encefálica antes da oferta de órgão para transplante. Dos 14 pacientes transplantados, 7 tiveram alta hospitalar e os demais faleceram durante a internação. A média entre a listagem e a realização do transplante foi de 2 dias, não considerando o paciente listado como crônico por meio basicamente do MELD, cujo intervalo foi de 21 dias.

Tabela 1
Características gerais da amostra e distribuição de mortalidade hospitalar

A mortalidade hospitalar foi 57,5% (IC95%: 41,5 - 73,5).

A tabela 2 apresenta a distribuição de mortalidade hospitalar conforme os dados laboratoriais e escores prognósticos nos doentes com insuficiência hepática aguda. Observou-se, nesta amostra, que os doentes que desenvolveram complicações como insuficiência respiratória e insuficiência renal aguda, ou que necessitaram de ventilação mecânica e vasopressores nas primeiras 24 horas após a internação, apresentaram maior probabilidade de ocorrência de óbito, comparados aos doentes que não apresentaram tais complicações (Tabela 1). Pior valor laboratorial nas primeiras 24 horas de admissão para INR (7,1 ± 5,7) e fator V (24,7 ± 17,9) também se mostrou associado a uma maior ocorrência de mortalidade dentre os doentes, assim como apresentar maior pontuação nos escores SOFA (13,5 ± 4,3) e MELD (38,7 ± 12,8) (Tabela 2).

Tabela 2
Médias e desvios-padrão das características laboratoriais e dos escores de prognóstico na amostra total

A figura 1 compara as ASC COR dos diferentes escores, demonstrando uma melhor predição do SOFA para mortalidade. A figura 2 apresenta a curva Kaplan-Meier de sobrevida dentre os doentes, conforme o SOFA estratificado em < 12 e ≥ 12 pontos. A sobrevida foi menor nos doentes com SOFA ≥ 12 pontos (Log-rank p < 0,001).

Figura 1
Áreas sob a curva Característica de Operação do Receptor dos escores de prognóstico para evolução hospitalar em doentes com insuficiência hepática aguda. (N=40).

SAPS - Simplified Acute Physiology Score; SOFA - Sequential Organ Failure Assessment; MELD - Model for End-Stage Liver Disease; ASC COR: área sob a curva Característica de Operação do Receptor. * Valor de p para teste qui quadrado para igualdade entre: área sob a curva Característica de Operação do Receptor, utilizando um algoritmo sugerido por DeLong et al.(1212 DeLong ER, DeLong DM, Clarke-Pearson DL. Comparing the areas under two or more correlated receiver operating characteristic curves: a nonparametric approach. Biometrics. 1988;44(3):837-45.)


Figura 2
Curvas de sobrevida (Kaplan-Meier) comparando dois grupos de doentes com insuficiência hepática aguda classificados de acordo com o melhor ponto de corte obtido pelo SOFA.

SOFA - Sequential Organ Failure Assessment. Valor de p para teste Log-rank de Cox-Mantel para comparação de curvas de sobrevida.


DISCUSSÃO

Este é um estudo que descreve um grande número de pacientes com diagnóstico de insuficiência hepática aguda, o que permite melhor análise de fatores de risco para desfechos como taxa de mortalidade. O predomínio do sexo feminino entre os doentes é compatível com o descrito na literatura europeia e norte-americana (73%(1313 Ostapowicz G, Fontana RJ, Schiodt FV, Larson A, Davern TJ, Han SH, McCashland TM, Shakil AO, Hay JE, Hynan L, Crippin JS, Blei AT, Samuel G, Reisch J, Lee WM; U.S. Acute Liver Failure Study Group. Results of a prospective study of acute liver failure at 17 tertiary care centers in the United States. Ann Intern Med. 2002;137(12):947-54.) e 69,3%,(1414 Reuben A, Tillman H, Fontana RJ, Davern T, McGuire B, Stravitz RT, et al. Outcomes in adults with acute liver failure between 1998 and 2013: an observational cohort study. Ann Intern Med. 2016;164(11):724-32.) respectivamente). A etiologia viral, especialmente pelo vírus B, foi a causa mais frequente no nosso meio, ao contrário das coortes na Europa e Estados Unidos, nas quais predominou a intoxicação por paracetamol.(1313 Ostapowicz G, Fontana RJ, Schiodt FV, Larson A, Davern TJ, Han SH, McCashland TM, Shakil AO, Hay JE, Hynan L, Crippin JS, Blei AT, Samuel G, Reisch J, Lee WM; U.S. Acute Liver Failure Study Group. Results of a prospective study of acute liver failure at 17 tertiary care centers in the United States. Ann Intern Med. 2002;137(12):947-54.,1414 Reuben A, Tillman H, Fontana RJ, Davern T, McGuire B, Stravitz RT, et al. Outcomes in adults with acute liver failure between 1998 and 2013: an observational cohort study. Ann Intern Med. 2016;164(11):724-32.) A segunda etiologia mais frequente no nosso meio foi a hepatotóxica, predominantemente por medicamentos prescritos com fins terapêuticos. Ao contrário de séries descritas na Grã-Bretanha(1313 Ostapowicz G, Fontana RJ, Schiodt FV, Larson A, Davern TJ, Han SH, McCashland TM, Shakil AO, Hay JE, Hynan L, Crippin JS, Blei AT, Samuel G, Reisch J, Lee WM; U.S. Acute Liver Failure Study Group. Results of a prospective study of acute liver failure at 17 tertiary care centers in the United States. Ann Intern Med. 2002;137(12):947-54.) e Estados Unidos,(1414 Reuben A, Tillman H, Fontana RJ, Davern T, McGuire B, Stravitz RT, et al. Outcomes in adults with acute liver failure between 1998 and 2013: an observational cohort study. Ann Intern Med. 2016;164(11):724-32.) tivemos apenas um caso atribuído ao paracetamol. Ainda, ocorreram três casos de hepatite autoimune, e três casos gestacionais, sendo dois consequentes à infiltração gordurosa aguda e um por laceração hepática extensa, consequente à eclampsia. São preocupantes os sete casos em doentes HIV positivos, considerando-se a prevalência destes pacientes na população sob tratamento antirretroviral ou não.(1515 Barcellos NT, Fuchs SC, Fuchs FD. Prevalence of and risk factors for HIV infection in individuals testing for HIV at counseling centers in Brazil. Sex Transm Dis. 2003;30(2):166-73.) Ressalta-se a dificuldade em transplantar um doente HIV positivo em caráter emergencial, pois, frequentemente, o status imunológico é desconhecido no momento do diagnóstico da hepatopatia aguda. A não utilização de doadores HIV positivos para receptores HIV positivos no Brasil é um outro fator que limita a oferta de órgãos para estes doentes em caráter emergencial.(1616 Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto Nº 9.175, de 18 de Outubro de 2017. Regulamenta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, para tratar da disposição de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento [Internet]. [citado 2018 Fev 7]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Decreto/D9175.htm.
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) As etiologias indeterminadas responderam por 20% dos nossos casos. Na literatura mundial, as causas indeterminadas respondem por menos de 15% dos casos.(1313 Ostapowicz G, Fontana RJ, Schiodt FV, Larson A, Davern TJ, Han SH, McCashland TM, Shakil AO, Hay JE, Hynan L, Crippin JS, Blei AT, Samuel G, Reisch J, Lee WM; U.S. Acute Liver Failure Study Group. Results of a prospective study of acute liver failure at 17 tertiary care centers in the United States. Ann Intern Med. 2002;137(12):947-54.) Esta diferença provavelmente reflete uma incapacidade de reconhecer injúrias hepatotóxicas ou mesmo virais, além de diagnósticos como hepatite autoimune e outros menos comuns.

Dentre as complicações presentes nas primeiras 24 horas, a necessidade elevada de ventilação mecânica, drogas vasopressoras e diálise caracteriza a gravidade de nossa população. Isto provavelmente se deve ao fato de a maioria dos doentes serem oriundos de outras instituições, muitos dos quais com reconhecimento relativamente tardio da síndrome. Também deve se salientar o predomínio de apresentações hiperagudas em 40% dos casos à internação, pois estes pacientes frequentemente são intubados para proteção de via aérea e manejo de hipertensão intracraniana, por apresentarem graus de encefalopatia hepática mais profundos.(1717 Wang DW, Yin YM, Yao YM. Advances in the management of acute liver failure. World J Gastroenterol. 2013;19(41):7069-77.) Desta forma, não é surpreendente que apenas 35% dos nossos doentes tenham sido transplantados, que a mortalidade hospitalar tenha superado os 57% e que apenas o SOFA tenha demonstrado significância estatística para predição de desfecho fatal. Embora não validado para todos os grupos diagnósticos responsáveis pela insuficiência hepática aguda, o SOFA apresentou discriminação e calibração superior aos critérios do King's College e ao MELD para intoxicação por paracetamol.(1818 Cholongitas E, Theocharidou E, Vasianopoulos P, Betrosian A, Shaw S, Patch D, et al. Comparison of the sequential organ failure assessment score with the King's College Hospital criteria and the model for end-stage liver disease score for the prognosis of acetaminophen-induced acute liver failure. Liver Transpl. 2012;18(4):405-12.) Interessantemente, no nosso estudo, o SOFA das primeiras 24 horas apresentou melhor discriminação para o desfecho fatal do que o MELD à internação. É importante salientar que, em estudo conduzido por Parkash et al. com 91 pacientes acometidos por insuficiência hepática, 30 deles por hepatite viral B, o MELD foi superior aos critérios do King's College para predição de óbito com um escore médio de 38 em não sobreviventes(1919 Parkash O, Mumtaz K, Hamid S, Ali Shah SH, Wasim Jafri SM. MELD score: utility and comparison with King's College criteria in non-acetaminophen acute liver failure. J Coll Physicians Surg Pak. 2012;22(8):492-6.) - um valor similar ao nosso. O fato do MELD e das demais variáveis não terem atingido significância estatística após o ajuste era esperado, considerando-se o número de apenas 40 pacientes, pois não há poder para realizar essa análise, o que é perceptível na amplitude dos IC95% das OR na análise bruta. Apesar disto, chama a atenção a tendência a um maior risco de óbito em doentes com apresentações hiperagudas, o que vai de encontro aos dados de séries temporais mais recentes e coortes mais robustas de pacientes com insuficiência hepática aguda.(22 Bernal W, Wendon J. Acute liver failure. N Engl J Med. 2013;369(26): 2525-34.,77 O'Grady J. Timing and benefit of liver transplantation in acute liver failure. J Hepatol. 2014;60(3):663-70.) Isto pode refletir um reconhecimento mais tardio da deterioração neurológica destes doentes com retardo na oferta de cuidados críticos e na possibilidade de avaliação para transplante hepático emergencial.(22 Bernal W, Wendon J. Acute liver failure. N Engl J Med. 2013;369(26): 2525-34.)

Embora apenas 35% doentes tenham sido transplantados, estes números são superiores aos da coorte de Ostapowicz et al.,(1313 Ostapowicz G, Fontana RJ, Schiodt FV, Larson A, Davern TJ, Han SH, McCashland TM, Shakil AO, Hay JE, Hynan L, Crippin JS, Blei AT, Samuel G, Reisch J, Lee WM; U.S. Acute Liver Failure Study Group. Results of a prospective study of acute liver failure at 17 tertiary care centers in the United States. Ann Intern Med. 2002;137(12):947-54.) na qual 29% dos doentes foram submetidos ao transplante e de Reuben et al.,(1414 Reuben A, Tillman H, Fontana RJ, Davern T, McGuire B, Stravitz RT, et al. Outcomes in adults with acute liver failure between 1998 and 2013: an observational cohort study. Ann Intern Med. 2016;164(11):724-32.) na qual 23,2% dos doentes foram submetidos ao transplante.

Nosso estudo tem diversas limitações. A natureza retrospectiva da análise dos dados, mesmo que coletados prospectivamente, impede de definir quantos doentes foram listados e em que momento, além de quantos entre os listados não foram transplantados e por quais motivos. Assim, optamos por não testar os critérios do King's College disponíveis apenas à internação, pois frequentemente os consideramos evolutivamente. Também não temos o exato grau de encefalopatia hepática à internação, embora a Escala de Coma de Glasgow possa identificar melhor os indivíduos mais graves à admissão (ECG ≤ 7), pois é menos sujeita à variabilidade de interpretação que a escala classicamente utilizada de West-Haven.(2020 Nabi E, Bajaj JS. Useful tests for hepatic encephalopathy in clinical practice. Curr Gastroenterol Rep. 2014;16(1):362.) Além disto não possuímos outras informações evolutivas, as quais podem ser importantes para considerar o transplante.(1111 Kamath PS, Wiesner RH, Malinchoc M, Kremers W, Therneau TM, Kosberg CL, et al. A model to predict survival in patients with end-stage liver disease. Hepatology. 2001;33(2):464-70.) Por fim, em decorrência do tamanho amostral deste estudo (menos de cem pacientes) a realização de análise de Regressão Logística Multivariável (análise ajustada) ficou prejudicada.

CONCLUSÕES

A hepatite viral aguda pelo vírus B foi a principal etiologia e o SOFA nas primeiras 24 horas foi o melhor preditor de desfecho fatal.

REFERÊNCIAS

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Editado por

Editor responsável: Leandro Utino Taniguchi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2017
  • Aceito
    14 Dez 2017
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