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Redução da desnutrição em pacientes pediátricos gravemente enfermos

RESUMO

Objetivo:

Comparar a prevalência de desnutrição em dois momentos de uma unidade de terapia intensiva pediátrica.

Métodos:

Estudo transversal retrospectivo, com pacientes internados na unidade de terapia intensiva pediátrica de um hospital universitário em dois períodos de 1 ano com intervalo de 4 anos. A avaliação nutricional foi realizada a partir do peso e da estatura aferidos no momento da internação. O índice de massa corporal para idade foi o parâmetro escolhido para avaliação do estado nutricional classificado de acordo com a Organização Mundial de Saúde, conforme faixa etária.

Resultados:

A amostra total de pacientes foi de 881 (406 da amostra contemporânea e 475 da amostra histórica). Houve redução significativa da desnutrição na amostra contemporânea (p = 0,03). Os pacientes desnutridos da amostra histórica tiveram associação significativa com mortalidade e tempo de internação, enquanto que os desnutridos da amostra contemporânea não apresentaram piores desfechos.

Conclusão:

Houve redução significativa da desnutrição entre os pacientes da mesma unidade de terapia intensiva pediátrica quando comparamos dois momentos. Nossos achados de modificação de perfil nutricional em pacientes gravemente enfermos corroboram dados de estado nutricional de crianças e adolescentes a nível mundial.

Descritores:
Estado nutricional; Unidade de terapia intensiva pediátrica; Desnutrição; Mortalidade; Prognóstico

ABSTRACT

Objective:

To compare the prevalence of malnutrition during two time periods in a pediatric intensive care unit.

Methods:

This was a retrospective cross-sectional study of patients admitted to the pediatric intensive care unit of a university hospital during two one-year periods with an interval of four years between them. Nutritional evaluation was conducted based on weight and height measured at admission. The body mass index-for-age was the parameter chosen to evaluate nutritional status, as classified according to the World Health Organization, according to age group.

Results:

The total sample size was 881 (406 in the contemporary sample and 475 in the historical sample). There was a significant reduction in malnutrition in the contemporary sample (p = 0.03). Malnourishment in patients in the historical sample was significantly associated with mortality and length of stay, while malnourishment in patients in the contemporary sample was not associated with worse outcomes.

Conclusion:

There was a significant reduction in malnutrition among patients in the same pediatric intensive care unit when comparing the two time periods. Our findings of a change in nutritional profile in critically ill patients corroborate the nutritional status data of children and adolescents worldwide.

Keywords:
Nutritional status; Pediatric intensive care unit; Malnutrition; Mortality; Prognosis

INTRODUÇÃO

A avaliação antropométrica é uma ferramenta necessária ao acompanhamento da saúde da criança, sendo um item importante para estimar seu estado nutricional e monitorar seu crescimento e desenvolvimento.(11 Cole TJ. The development of growth references and growth charts. Ann Hum Biol. 2012;39(5):382-94.) Em âmbito hospitalar, auxilia na identificação de transtornos alimentares, apoia o diagnóstico, facilita o prognóstico, possibilitando uma intervenção precoce e segura.(22 Delgado AF, Okay TS, Leone C, Nichols B, Del Negro GM, Vaz FA. Hospital malnutrition and inflammatory response in critically ill children and adolescents admitted to a tertiary intensive care unit. Clinics (Sao Paulo). 2008;63(3):357-62.

3 Péret Filho LA, Penna FG, Rodrigues FG, Santana DP, Hanan B, Oliveira GN, et al. Avaliação nutricional de crianças internadas em enfermaria geral de um hospital público. Pediatria (São Paulo). 2005;27:12-8.

4 Rocha GA, Rocha EJ, Martins CV. The effects of hospitalization on the nutritional status of children. J Pediatr (Rio J). 2006;82(1):70-4.
-55 Sarni RO, Carvalho Mde F, Monte CM, Albuquerque ZP, Souza FI. Anthropometric evaluation, risk factors for malnutrition, and nutritional therapy for children in teaching hospitals in Brazil. J Pediatr (Rio J). 2009;85(3):223-8.)

Estudos realizados em âmbito hospitalar ainda apontam para uma alta prevalência de desnutrição na admissão.(55 Sarni RO, Carvalho Mde F, Monte CM, Albuquerque ZP, Souza FI. Anthropometric evaluation, risk factors for malnutrition, and nutritional therapy for children in teaching hospitals in Brazil. J Pediatr (Rio J). 2009;85(3):223-8.

6 Baxter JA, Al-Madhaki FI, Zlotkin SH. Prevalence of malnutrition at the time of admission among patients admitted to a Canadian tertiary-care paediatric hospital. Paediatr Child Health. 2014;19(8):413-7.
-77 Pawellek I, Dokoupil K, Kaletzo B. Prevalence of malnutrition in paediatric hospital patients. Clin Nutr. 2008;27(1):72-6.) Em unidades de terapia intensiva (UTI) pediátrica, as inadequações de estado nutricional tendem a se agravar em função das barreiras para ofertar uma nutrição ideal para estes pacientes, como, por exemplo, restrições de volume, procedimentos e intervenções, gravidade, pausas alimentares frequentes e falta de padronização de processos guiados por evidência, para melhor nutrir.(22 Delgado AF, Okay TS, Leone C, Nichols B, Del Negro GM, Vaz FA. Hospital malnutrition and inflammatory response in critically ill children and adolescents admitted to a tertiary intensive care unit. Clinics (Sao Paulo). 2008;63(3):357-62.,77 Pawellek I, Dokoupil K, Kaletzo B. Prevalence of malnutrition in paediatric hospital patients. Clin Nutr. 2008;27(1):72-6.,88 Martinez EE, Bechard LJ, Mehta MN. Nutrition algorithms and bedside nutrient delivery practices in pediatric intensive care units: an international multicenter cohort study. Nutr Clin Pract. 2014;29(3):360-7.)

Outro aspecto importante a considerar é a inadequação do estado nutricional contrária à desnutrição: a obesidade. Considerada um problema de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde (OMS), ela afeta uma proporção alarmante e crescente de crianças e adolescentes em todo o mundo, podendo comprometer a longevidade da população devido às suas comorbidades e complicações.(99 United Nations Children's Fund, World Health Organization, World Bank Group. Levels and trends in child malnutrition: UNICEF-WHO - World Bank joint child malnutrition estimates. Key findings of the 2015 edition. New York; WHO; 2015.)

A especulação sobre a modificação do perfil nutricional de pacientes admitidos em instituições hospitalares vem sendo observada entre pesquisadores da área, como, por exemplo, no estudo realizado por Castro et al., em uma UTI pediátrica no México, que identificou redução da desnutrição e aumento significativo de sobrepeso e obesidade em crianças no momento da internação.(1010 Castro GT, Kaufer-Horwitz M, Carrillo-López HA, Klünder-Klünder M, Jarillo-Quijada A, García-Hernández HR. Nutritional status of children in critical condition at admission to pediatric intensive care units. Bol Med Hosp Infant Mex. 2013;70(3):214-9.)

Pacientes com quaisquer inadequações de estado nutriconal podem apresentar desfechos (ventilação mecânica - VM, mortalidade, tempo de internação e presença de infecção) desfavoráveis dentro de uma UTI pediátrica, sendo de suma importância a verificação do perfil nutricional, bem como ocorre esta relação.(1111 Costa CA, Tonial CT, Garcia PC. Association between nutritional status and outcomes in critically-ill pediatric patients - a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2016;92(3):223-9.)

Nosso objetivo foi comparar a prevalência de desnutrição em dois momentos de uma UTI pediátrica e avaliar sua relação com gravidade e os desfechos: necessidade de VM, tempo de internação e mortalidade.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal retrospectivo. A amostra foi constituída por pacientes admitidos em dois períodos de 1 ano, com intervalo de 4 anos, na UTI pediátrica de um hospital universitário da Região Sul do Brasil. A presente unidade é caracterizada como mista, recebendo pacientes clínicos e cirúrgicos, provenientes da emergência, enfermaria, centro cirúrgico e de outros hospitais, contando com 12 leitos.

Para comparação, denominamos os dois momentos da seguinte maneira: amostra histórica, composta por pacientes que internaram no período de setembro de 2009 a agosto de 2010 e amostra contemporânea, composta por pacientes que internaram no período de junho de 2013 a junho de 2014.

Os critérios de exclusão utilizados foram baseados em estudo de Pollack et al. em 1988:(1212 Pollack MM, Ruttimann UE, Getson PR. Pediatric risk of mortality (PRISM) score. Crit Care Med. 1988;16(11):1110-6.) tempo de permanência inferior a 8 horas na unidade, pacientes em que não foram realizadas medidas antropométricas e pacientes com tempo de permanência maior de 90 dias.

Os dados demográficos foram coletados na admissão do paciente, sendo registrados em banco de dados da unidade como rotina, conforme a admissão e a alta dos pacientes. Este banco é rotineiramente revisado pela equipe de pesquisas da unidade.

Em relação ao tipo de paciente, classificamos como clínico ou cirúrgico e, para a procedência, em pacientes internos (provenientes do bloco cirúrgico e enfermaria) e externos (provenientes da emergência ou de fora do hospital e transferidos diretamente para a UTI pediátrica).

As medidas antropométricas (peso e estatura) foram aferidas pela enfermagem no momento da internação e transferidas para o software WHO Anthro 3.1.0 (zero a 5 anos) e WHO AnthroPlus 1.0.2 (maiores de 5 a 19 anos), utilizados para realizar a análise do estado nutricional dos indivíduos. Os dados foram expressos em escore Z, e as curvas da Organização Mundial da Saúde (OMS) foram usadas como padrão de referência.(1313 WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child Growth Standards: Length/height-for-age, weight-for-age, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age: Methods and development. Geneva: World Health Organization; 2006.,1414 de Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007;85(9):660-7.) Elegemos o índice de massa corporal para idade (IMC/I) como indicador de desnutrição para nossa comparação principal, por atingir todas as faixas etárias. Os pontos de corte utilizados seguiram a Norma Técnica de Classificação do estado nutricional do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) para crianças e adolescentes.(1515 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Incorporação das curvas de crescimento da Organização Mundial da Saúde de 2006 e 2007 no SISVAN. Brasília: Ministério da Saúde; 2007.) Para fins de estratificação, a classificação estado nutricional foi subdividida da seguinte forma: índice de massa corporal para a idade (IMC/I), em Z < -2 para desnutridos (magreza e magreza acentuada) e em Z ≥ -2 para não desnutridos (eutrofia, risco de sobrepeso, sobrepeso, obesidade e obesidade grave).

Para avaliação de gravidade dos pacientes, utilizamos o escore Pediatric Index of Mortality (PIM 2).(1616 Slater A, Shann F, Pearson G; Paediatric Index of Mortality (PIM) Study Group. PIM2: a revised version of the Paediatric Index of Mortality. Intensive Care Med. 2003;29(2):278-85.) O cálculo do escore é realizado pelos médicos da unidade. Os resultados foram estratificados em PIM 2, acima ou abaixo de 6% (PIM 2 < 6 e PIM 2 > 6), considerando-se pacientes com maior gravidade, aqueles com PIM 2 > 6%, levando-se em conta a mortalidade histórica da unidade.

Os pacientes foram classificados conforme sua principal disfunção orgânica no momento da internação (respiratória, neurológica, cardíaca, hematológica, hepática e renal). Também avaliamos a presença destas disfunções durante a internação. A síndrome de disfunção múltipla de órgãos (SDMO) foi determinada pelo episódio simultâneo de disfunção em dois ou mais órgãos. A definição de disfunção orgânica foi adaptada da International Pediatric Sepsis Consensus Conference, de 2005, publicada por Goldstein et al.(1717 Goldstein B, Giroir B, Randolph A; International Consensus Conference on Pediatric Sepsis. International pediatric sepsis consensus conference: definitions for sepsis and organ dysfunction in pediatrics. Pediatr Crit Care Med. 2005;6(1):2-8.)

Os desfechos principais foram a necessidade de VM, e o tempo de internação e mortalidade nos dois períodos estudados. A causa da alta foi considerada por melhora clínica ou óbito. Para avaliação do tempo de internação, considerou-se a diferença em dias da admissão e da alta ou do óbito. Estratificamos a variável tempo de internação para análise de desfecho em prolongada (tempo de internação ≥ 7 dias) e não prolongada (tempo de internação < 7 dias).

Os dados numéricos foram expressos em valor absoluto e porcentual. A análise descritiva utilizou média, desvio padrão, mediana e intervalo interquartil. Para avaliar associação do estado nutricional com desfechos, utilizamos o teste qui-quadrado de Pearson, e teste exato de Fischer quando a frequência esperada foi ≤ 5. Para as variáveis contínuas de caracterização da amostra (distribuição assimétrica), utilizamos o teste de Mann-Whitney. Foram considerados significativos os valores de p < 0,05. A análise dos dados foi feita por meio do programa IBM Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS Statistics 17.0).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob o parecer número 790.498, expedido em 12 de setembro de 2014. Os pesquisadores assinaram termo de compromisso para utilização de dados.

RESULTADOS

O total de internações dos dois períodos foi de 904 pacientes. Não foram incluídos na análise 23 pacientes por conta dos critérios de exclusão. Desta forma, foram analisadas 881 internações. Destes, 406 pacientes compuseram a amostra contemporânea e 475, a amostra histórica. Ilustramos, na figura 1, o fluxograma de inclusão dos pacientes no estudo.

Figura 1
Fluxograma de inclusão dos pacientes.

Observamos que as amostras são semelhantes em relação à maioria de suas características de admissão, com diferença significativa apenas para tipo de pacientes, sendo observada redução significativa da desnutrição, segundo o IMC/I, e redução de internações de pacientes classificados como clínicos. Apresentamos dados de admissão na tabela 1.

Tabela 1
Comparação das características de admissão entre as amostras

Na análise de desfechos entre desnutridos, na amostra histórica, a desnutrição tinha associação significativa com óbito e tempo de internação, enquanto que, na amostra contemporânea, não houve associação da desnutrição com nenhum dos desfechos avaliados.

Em relação à gravidade (PIM2 > 6), os pacientes desnutridos da amostra histórica eram mais graves na admissão em relação aos não desnutridos (p = 0,02), já os desnutridos da amostra contemporânea não diferiram dos não desnutridos em relação à gravidade (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação de desfechos entre os desnutridos das amostras

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo mostram que houve modificação no perfil nutricional de pacientes pediátricos críticos da unidade estudada, com redução significativa da desnutrição no momento de admissão.

Em relação às suas características gerais na internação, a unidade se manteve em um mesmo perfil, quando comparamos as duas amostras e ainda a estudos anteriores (2002 e 2010).(1818 Einloft PR, Garcia PC, Piva JP, Bruno F, Kipper DJ, Fiori RM. Perfil epidemiológico de dezesseis anos de uma unidade de terapia intensiva pediátrica. Rev Saúde Pública. 2002;36(6):728-33.,1919 Garcia PC, Eulmesekian P, Branco RG, Perez A, Sffogia A, Olivero L, et al. External validation of the paediatric logistic organ dysfunction score. Intensive Care Med. 2010;36(1):116-22.) Quando avaliamos o motivo principal de admissão, também observamos semelhança entre as amostras. As disfunções orgânicas mais prevalentes nos dois momentos foram respiratórias, seguidas por neurológicas - características comuns em UTI pediátrica, como observado em outros estudos.(2020 Leteurtre S, Duhamel A, Grandbastien B, Proulx F, Cotting J, Gottesman R, et al. Daily estimation of the severity of multiple organ dysfunction syndrome in critically ill children. CMAJ. 2010;182(11):1181-7.,2121 Typpo KV, Petersen NJ, Hallman DM, Markovitz BP, Mariscalco MM. Day 1 multiple organ dysfunction syndrome is associated with poor functional outcome and mortality in the pediatric intensive care unit. Pediatr Crit Care Med. 2009;10(5):562-70.)

Quando comparados a gravidade e os desfechos entre os pacientes desnutridos nos dois momentos, os desnutridos da amostra histórica eram mais graves e tinham piores desfechos. Na nossa amostra contemporânea de pacientes, a desnutrição não se relacionou com nenhum dos desfechos avaliados (tempo de internação > 7, VM, SDMO e mortalidade). Este resultado pode ser explicado pela relação entre os dados de gravidade e desfechos, já que, na amostra contemporânea, os desnutridos eram menos graves no momento da admissão. Especulamos também que esse dado possa ter sido influenciado por nossa estratificação para análise, pois os pacientes que consideramos "não desnutridos" eram todos que apresentavam Z > -2 de IMC/I, ou seja, aqueles com diagnóstico de eutrofia, risco de sobrepeso, sobrepeso, obesidade e obesidade grave, não sendo, portanto, estudado o quanto esses pacientes com sobrepeso e obesidade possam ter influenciado nos desfechos.

Os estudos que avaliam a relação do estado nutricional com gravidade e desfechos em UTI pediátrica são numerosos, porém heterogêneos, em sua metodologia e resultados. A desnutrição tem associação independente com tempo de VM, porém não é preditor de mortalidade.(2222 de Souza Menezes F, Leite HP, Koch Nogueira PC. Malnutrition as an independent predictor of clinical outcome in critically ill children. Nutrition. 2012;28(3):267-70.) Zamberlan et al., em estudo realizado em UTI pediátrica no Brasil, avaliaram pacientes em pós-operatório de transplante hepático e não encontraram associação entre estado nutricional e mortalidade, mas com tempo de internação.(2323 Zamberlan P, Leone C, Tannuri U, Carvalho WB, Delgado AF. Nutritional risk and anthropometric evaluation in pediatric liver transplantation. Clinics (Sao Paulo). 2012;67(12):1387-92.) Já Delgado et al., observaram que pacientes desnutridos tinham pior resposta inflamatória, porém não encontraram associação com desfechos.(2424 Delgado AF, Okay ST, Leone C, Nichols B, Del Negro GM, Vaz FA. Hospital malnutrition and inflammatory response in critically ill children and adolescents admitted to a tertiary intensive care unit. Clinics (Sao Paulo). 2008;63(3):357-62.) Mota et al., por sua vez, estudaram a influência da desnutrição na utilização de VM e verificaram que pacientes desnutridos tinham mais necessidade de VM e permaneciam mais tempo internados.(2525 Mota EM, Garcia PC, Piva JP, Fritscher CC. [The influence of poor nutrition on the necessity of mechanical ventilation among children admitted to the pediatric intensive care unit]. J Pediatr (Rio J). 2002;78(2):146-52. Portuguese.)

Na análise realizada em nosso estudo, a redução da desnutrição na admissão foi de 6% no período de 4 anos. Chama atenção o porcentual de desnutridos encontrado em relação a um estudo realizado pelo nosso grupo de pesquisas, no qual Einloft et al. avaliaram perfil epidemiológico de 16 anos da UTI pediátrica em amostra de 13.131 pacientes, encontrando 30% de desnutrição na internação.(1818 Einloft PR, Garcia PC, Piva JP, Bruno F, Kipper DJ, Fiori RM. Perfil epidemiológico de dezesseis anos de uma unidade de terapia intensiva pediátrica. Rev Saúde Pública. 2002;36(6):728-33.) Esses dados sugerem de que a transição nutricional reflete também em meio hospitalar.

Estudos realizados em diferentes países do mundo apresentam achados semelhantes aos de estudos realizados anteriormente pelo nosso grupo, e o número de desnutridos varia em média de 20 a 50%.(77 Pawellek I, Dokoupil K, Kaletzo B. Prevalence of malnutrition in paediatric hospital patients. Clin Nutr. 2008;27(1):72-6.,2626 Hulst J, Joosten K, Zimmermann L, Hop W, van Buuren S, Büller H, et al. Malnutrition in critically ill children: from admission to 6 months after discharge. Clin Nutr. 2004;23(2):223-32.) No presente estudo, o número de desnutridos da amostra contemporânea foi de 15,8%, ou seja, inferior aos achados dos estudos referidos acima e um dos menores já encontrados. Nossos resultados se aproximam dos de um estudo multicêntrico realizado por Mehta et al., que avaliaram o estado nutricional de pacientes de 31 UTI pediátrica de oito países, encontrando 17,1% pacientes desnutridos segundo IMC (Z < -2) - mesmo parâmetro e estratificação utilizados em nosso estudo.(2727 Mehta NM, Bechard LJ, Cahill N, Wang M, Day A, Duggan CP, et al. Nutritional practices and their relationship to clinical outcomes in critically ill children--an international multicenter cohort study. Crit Care Med. 2012;40(7):2204-11.)

Alguns autores têm apontado a necessidade de estudar as possíveis complicações de pacientes pediátricos críticos com sobrepeso e obesidade, com desfechos desfavoráveis dentro de UTI pediátrica.(2828 Brown CV, Neville AL, Salim A, Rhee P, Cologne K, Demetriades D. The impact of obesity on severely injured children and adolescents. J Pediatr Surg. 2006;41(1):88-91; discussion 88-91.

29 Rana AR, Michalsky MP, Teich S, Groner JI, Caniano DA, Schuster DP. Childhood obesity: a risk factor for injuries observed at a level-1 trauma center. J Pediatr Surg. 2009;44(8):1601-5.
-3030 Goh VL, Wakeham MK, Brazauskas R, Mikhailov TA, Goday PS. Obesity is not associated with increased mortality and morbidity in critically ill children. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2013;37(1):102-8.) Assim, fica como reflexão e dúvida a ser investigada neste grupo de pacientes a relação desta modificação de perfil nutricional com desfechos negativos.

Importante salientar que dados disponíveis a respeito da relação do estado nutricional e desfechos clínicos, bem como os do presente estudo, são oriundos de estudos observacionais, e há dificuldade de conclusão pela heterogeneidade destes e limitações.(1111 Costa CA, Tonial CT, Garcia PC. Association between nutritional status and outcomes in critically-ill pediatric patients - a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2016;92(3):223-9.)

Podemos considerar algumas limitações no nosso estudo: a aferição dos dados antropométricos corre o risco de ser prejudicada no momento da admissão, por conta da instabilidade do paciente; o IMC/I foi utilizado isoladamente para definir o estado nutricional, não sendo levadas em consideração outras variáveis; não avaliamos evolução nutricional desta população, sendo o perfil nutricional, nos dois momentos, avaliado na ocasião de admissão.

CONCLUSÃO

Ao estudarmos dois períodos no intervalo de 4 anos da mesma unidade de terapia intensiva pediátrica observamos uma modificação no perfil nutricional da unidade. Verificamos queda significativa da desnutrição segundo o índice de massa corporal para idade neste intervalo de tempo, e não encontramos diferença entre pacientes desnutridos e não desnutridos para os desfechos avaliados. Os dados da nossa amostra corroboram dados de modificação de perfil nutricional já observados entre crianças e adolescentes na população da maioria dos países, onde a desnutrição é condição cada vez menos frequente.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo fornecimento da bolsa de estudos, possibilitando a realização deste estudo.

REFERÊNCIAS

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Editado por

Editor responsável: Jefferson Pedro Piva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018
  • Data do Fascículo
    Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2017
  • Aceito
    12 Jan 2018
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