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Utilização da vasopressina no tratamento de choque séptico refratário

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a evolução em curto prazo de pacientes com choque séptico refratário à norepinefrina tratados com vasopressina em uma unidade de terapia intensiva de um hospital universitário.

Métodos:

Foi realizado estudo retrospectivo não comparado (série de casos). Foram coletados dados clínicos, laboratoriais e antropométricos de pacientes que receberam infusão de vasopressina para tratamento de choque refratário a catecolaminas no período de dezembro de 2014 a junho de 2016. Para a avaliação de gravidade, foram utilizados o APACHE II e o SOFA. O desfecho principal foi mortalidade em 3 e em 30 dias.

Resultados:

Foram incluídos 80 pacientes, sendo 60% do sexo masculino. Em 86,3% dos casos, verificou-se APACHE II nas faixas mais altas (> 20). A mortalidade em 30 dias foi de 86,2%, sendo que 75% dos pacientes foram a óbito dentro de 72 horas após início do uso da vasopressina.

Conclusão:

A série avaliada apresentou alta mortalidade nas primeiras 72 horas de tratamento com vasopressina. O uso de vasopressina em pacientes refratários à norepinefrina teve pouco ou nenhum impacto na mortalidade. Não é possível excluir que a alta mortalidade no presente estudo esteja vinculada ao início relativamente tardio (após estabelecida refratariedade à norepinefrina) da vasopressina, devendo essa hipótese ser melhor avaliada por estudo randomizado.

Descritores:
Sepse; Mortalidade; Hipotensão; Vasopressina; Norepinefrina

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the short-term evolution of patients with septic shock refractory to norepinephrine treated with vasopressin in an intensive care unit of a university hospital.

Methods:

An unmatched retrospective study (case series) was performed. Clinical, laboratory, and anthropometric data were collected from patients who received vasopressin infusion for treatment of catecholamine-refractory shock from December 2014 to June 2016. For the assessment of severity, APACHE II and SOFA scores were used. The main outcome was mortality at 3 and 30 days.

Results:

A total of 80 patients were included, of which 60% were male. In 86.3% of the cases, APACHE II was observed in the highest ranges (> 20). The 30-day mortality was 86.2%, and 75% of the patients died within 72 hours after starting vasopressin.

Conclusion:

The series evaluated had high mortality in the first 72 hours of treatment with vasopressin. The use of vasopressin in patients who are refractory to norepinephrine had little or no impact on mortality. It was not possible to exclude the possibility that the high mortality in the present study was linked to the relatively late onset (after established refractoriness of norepinephrine) of vasopressin; this hypothesis should be further evaluated in a randomized study.

Keywords:
Sepsis; Mortality; Hypotension; Vasopressin; Norepinephrine

INTRODUÇÃO

O choque séptico, definido pela necessidade de uso de vasopressor para manter pressão arterial média acima de 65mmHg após a infusão adequada de fluidos, associada a nível sérico de lactato acima de 2mmol/L, é o tipo mais comum de choque entre pacientes hospitalizados, sendo importante causa de morbimortalidade no Brasil e no mundo.(11 Instituto Latino Americano para Estudos da Sepse (ILAS). Sepse: um problema de saúde pública [Internet]. Brasília (DF): Conselho Federal de Medicina; 2015 [citado 2017 Maio 7]. Disponível em: http://www.ilas.org.br/assets/arquivos/upload/Livro-ILAS(Sepse-CFM-ILAS).pdf
http://www.ilas.org.br/assets/arquivos/u...
,22 Rocha LL, Pessoa CM, Corrêa TD, Pereira AJ, de Assunção MS, Silva E. Current concepts on hemodynamic support and therapy in septic shock. Braz J Anesthesiol. 2015;65(5):395-402.) No Brasil, a incidência de choque séptico tem aumentado nos últimos anos; a taxa de mortalidade em 28 dias atinge cerca de 50%, com densidade de incidência de 30 casos por mil pacientes/dia. Segundo o estudo PROGRESS, a taxa de letalidade global do choque séptico é de 49,6%; no Brasil, estima-se que esta taxa atinja cerca de 67%, sendo maior nos hospitais públicos.(11 Instituto Latino Americano para Estudos da Sepse (ILAS). Sepse: um problema de saúde pública [Internet]. Brasília (DF): Conselho Federal de Medicina; 2015 [citado 2017 Maio 7]. Disponível em: http://www.ilas.org.br/assets/arquivos/upload/Livro-ILAS(Sepse-CFM-ILAS).pdf
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2 Rocha LL, Pessoa CM, Corrêa TD, Pereira AJ, de Assunção MS, Silva E. Current concepts on hemodynamic support and therapy in septic shock. Braz J Anesthesiol. 2015;65(5):395-402.

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8 Noritomi DT, Ranzani OT, Monteiro MB, Ferreira EM, Santos SR, Leibel F, et al. Implementation of a multifaceted sepsis education program in an emerging country setting: clinical outcomes and cost-effectiveness in a long-term follow-up study. Intensive Care Med. 2014;40(2):182-91.
-99 Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (REBRATS). Alfadrotrecogina para o tratamento de sepse grave. Bol Bras Aval Tecnol Saúde (BRATS). 2006;1(2):1-5.)

Estudo de prevalência em 230 unidades de terapia intensiva (UTI) brasileiras apontou que 30% dos leitos de UTI do Brasil estavam ocupados por pacientes com sepse grave ou choque séptico.(11 Instituto Latino Americano para Estudos da Sepse (ILAS). Sepse: um problema de saúde pública [Internet]. Brasília (DF): Conselho Federal de Medicina; 2015 [citado 2017 Maio 7]. Disponível em: http://www.ilas.org.br/assets/arquivos/upload/Livro-ILAS(Sepse-CFM-ILAS).pdf
http://www.ilas.org.br/assets/arquivos/u...
,99 Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (REBRATS). Alfadrotrecogina para o tratamento de sepse grave. Bol Bras Aval Tecnol Saúde (BRATS). 2006;1(2):1-5.) Segundo relatório do Instituto Latino Americano da Sepse (ILAS), 42,2% dos pacientes internados em hospitais brasileiros públicos e privados, em julho de 2015, vieram a óbito decorrente de complicações e da gravidade da sepse.(1010 Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS). Relatório Nacional. Protocolos Gerenciados de sepse: sepse grave e choque séptico 2005-2015. [Internet]. São Paulo: ILAS; 2005 [citado 2017 Maio 23]. Disponível em: http://www.ilas.org.br/assets/arquivos/relatorio-nacional/relatorio-nacional.pdf
http://www.ilas.org.br/assets/arquivos/r...
,1111 Rhodes A, Evans LE, Alhazzani W, Levy MM, Antonelli M, Ferrer R, et al. Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines for Management of Sepsis and Septic Shock: 2016. Intensive Care Med. 2017;43(3):304-77.) As taxas de mortalidade para choque séptico com tratamento usual (uso de catecolaminas) variam na faixa de 40 - 60%.(1212 Angus DC, Linde-Zwirble WT, Lidicker J, Clermont G, Carcillo J, Pinsky MR. Epidemiology of severe sepsis in the United States: analysis of incidence, outcome, and associated costs of care. Crit Care Med. 2001;29(7):1303-10.)

A infusão de vasopressores em pacientes sépticos deve ser instaurada sempre que a expansão volêmica não for suficiente para restaurar a pressão arterial e a disfunção orgânica.(66 Harrison DA, Welch CA, Eddleston JM. The epidemiology of severe sepsis in England, Wales and Northern Ireland, 1996 to 2004: secondary analysis of a high quality clinical database, the ICNARC Case Mix Programme Database. Crit Care. 2006;10(2):R42.) Segundo diretrizes internacionais, recomenda-se o uso de norepinefrina como vasopressor de primeira escolha (dose recomendada de 0,05 - 2µg/kg/minuto). Uma proporção significativa de pacientes, entretanto, não obtém resposta clínica adequada. Estudos clínicos randomizados e observacionais demonstraram que a administração de doses baixas de vasopressina em pacientes com choque séptico refratário à reposição volêmica e ao uso de catecolaminas pode elevar a pressão arterial e reduzir o uso de catecolaminas; outros benefícios fisiológicos potenciais são apontados, como redução do risco de insuficiência renal e de arritmias.(1313 Westphal GA, Silva E, Salomão R, Bernardo WM, Machado FR. Diretrizes para tratamento da sepse grave/choque séptico: ressuscitação hemodinâmica. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(1):13-23.

14 Malay MB, Ashton RC Jr, Landry DW, Townsend RN. Low-dose vasopressin in the treatment of vasodilatory septic shock. J Trauma. 1999;47(4):699-703; discussion 703-5.
-1515 Patel BM, Chittock DR, Russell JA, Walley KR. Beneficial effects of short-term vasopressin infusion during severe septic shock. Anesthesiology. 2002;96(3):576-82.)

Desta forma, apesar de faltarem evidências de alta qualidade mostrando benefício na mortalidade, diretrizes de tratamento de choque séptico recomendam a adição de vasopressina em baixa dose, correspondente a 0,03 - 0,04 Unidade Internacional (UI)/minuto, à norepinefrina, como alternativa terapêutica nos casos refratários, com a intenção de aumentar a pressão arterial média (PAM) e diminuir a dose de norepinefrina.(1616 Polito A, Parisini E, Ricci Z, Picardo S, Annane D. Vasopressin for treatment of vasodilatory shock: an ESICM systematic review and meta-analysis. Intensive Care Med. 2012;38(1):9-19.) Entretanto, o efeito da vasopressina sobre a mortalidade permanece controverso.(1717 Russell JA, Walley KR, Singer J, Gordon AC, Hébert PC, Cooper DJ, Holmes CL, Mehta S, Granton JT, Storms MM, Cook DJ, Presneill JJ, Ayers D; VASST Investigators. Vasopressin versus norepinephrine infusion in patients with septic shock. N Engl J Med. 2008;358(9):877-87.) São considerados necessários mais estudos, a fim de definir qual a melhor estratégia de tratamento, bem como quais grupos de pacientes se beneficiariam mais da associação de vasopressor, com diferente mecanismo de ação nesta situação.

O presente estudo teve por objetivo avaliar a evolução em curto prazo de pacientes com choque séptico refratário à norepinefrina tratados com vasopressina, em termos de mortalidade e tempo de internação na UTI. O objetivo secundário foi descrever características clínicas de uma série de casos com choque refratário à primeira linha de tratamento.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo observacional de delineamento retrospectivo não comparado. Foram analisados os dados de pacientes que estiveram internados no período de dezembro de 2014 a junho de 2016. Foram incluídos pacientes com idade a partir de 18 anos, internados em qualquer unidade do hospital, que iniciaram o uso de vasopressina para o tratamento de choque séptico. Conforme política do hospital, a vasopressina só tem seu uso liberado para o tratamento de choque séptico em caso de refratariedade à norepinefrina, conforme definido pelo médico assistente. Os pacientes foram identificados por meio de relatório de prescrição informatizada, sendo incluídos aqueles com registro de dispensação e administração de infusão de vasopressina. Foram coletados dados relativos a medidas antropométricas, doença de base, tempo de uso dos vasopressores, presença de disfunção orgânica e complicações. Os dados dos pacientes foram coletados diretamente do prontuário eletrônico, sendo registrados os dados de evolução até seu desfecho hospitalar (alta ou óbito), ou por até 30 dias após o início do tratamento com vasopressina.(1818 Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Institucional do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. [Internet]. 2017 [citado 2017 Maio 17]. Disponível em: https://www.hcpa.edu.br/institucional
https://www.hcpa.edu.br/institucional...
)

Para avaliação de gravidade e da probabilidade de complicações, foram registrados o Acute Physiology, and Chronic Health Evaluation II (APACHE II; obtido no momento em que houve início da terapia com vasopressina) e o Sequential Organ Failure Assessment Score (SOFA).(1919 Knaus WA, Zimmerman JE, Wagner DP, Draper EA, Lawrence DE. APACHE-acute physiology and chronic health evaluation: a physiologically based classification system. Crit Care Med. 1981;9(8):591-7.

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Os desfechos principais foram mortalidade em 3 e em 30 dias e tempo de internação na UTI.

Os dados foram coletados por meio de formulário padronizado, incluídos em banco de dados Excel® e analisados quantitativamente por meio do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS). O estudo foi aprovado pelo Comitê Científico de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (projeto: 150592; CAAE 51721915700005327).

RESULTADOS

Foram incluídos 80 pacientes com idade média de 55 anos, com predominância na faixa de 61 anos ou mais (42,5%), sendo a maioria homens (60%). Os dados clínicos e demográficos da amostra estão descritos na tabela 1. A maioria dos pacientes (86,3%) apresentou APACHE acima de 20 pontos; a mediana da pontuação no SOFA obtida no dia em que foi definida a refratariedade à norepinefrina foi 11 pontos (percentil 25%: 9; 75%: 13).

Tabela 1
Características demográficas e clínicas dos pacientes analisados (n = 80)

Em todos os casos, o uso da vasopressina se seguiu à utilização de norepinefrina, sendo esta utilizada como primeira opção, na posologia usual de 1µg/kg/minuto.

A duração média de tratamento com norepinefrina previamente ao início de vasopressina foi de 5 dias. A vasopressina, em média, foi utilizada por 3 dias, tendo sido a utilização interrompida pelo óbito na maioria dos casos. No momento do início da vasopressina, a hemodiálise vinha sendo realizada em 26,3% dos casos, e a insuficiência ventilatória foi observada em 92,5% dos casos.

Sessenta pacientes (75%) foram a óbito dentro de 72 horas do início da infusão de vasopressina. A taxa de mortalidade em 30 dias foi de 86,2% (Tabelas 2 e 3). Não se observou associação entre o APACHE II em relação à incidência de óbito, com taxa de letalidade de 81,8% na faixa de zero a 19 pontos e 78,3% para a faixa de > 20 pontos. O mesmo se observou com a avaliação pelo SOFA,(2222 Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.,2323 Ferreira FL, Bota DP, Bross A, Mélot C, Vincent JL. Serial evaluation of the SOFA score to predict outcome in critically ill patients. JAMA. 2001;286(14):1754-8.) verificando-se mediana de 11 (percentil 25%: 9 e 75%: 13) no grupo que foi a óbito dentro de 72 horas, e 10 (percentil 25%: 8 e 75%: 12,75) no grupo que sobreviveu, com p = 0,238.

Tabela 2
Resultados (n = 80)
Tabela 3
Evolução clínica de pacientes que sobreviveram após 72 horas (n = 19)

DISCUSSÃO

A vasopressina foi incorporada na lista de medicamentos do hospital em 2014 por solicitação do Serviço de Transplante Cardíaco. Teve seu uso aprovado para casos de choque associado à vasoplegia no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Após a inclusão na lista, entretanto, a vasopressina passou a ser prescrita também em casos refratários de choque séptico, principalmente em adultos. Desta forma, a Comissão de Farmácia e Terapêutica decidiu por avaliar o padrão de uso do medicamento e sua efetividade, quando utilizado fora da indicação de uso inicialmente aprovada.

No presente estudo, foi observada alta mortalidade em 30 dias de pacientes que fizeram uso de vasopressina para tratamento de choque séptico refratário ao uso de norepinefrina. De fato, em vários estudos localizados, a mortalidade foi menor do que a observada na presente série. Na metanálise realizada por Polito et al.,(1616 Polito A, Parisini E, Ricci Z, Picardo S, Annane D. Vasopressin for treatment of vasodilatory shock: an ESICM systematic review and meta-analysis. Intensive Care Med. 2012;38(1):9-19.) verificou-se mortalidade de 40,6% em 512 pacientes sépticos que usaram vasopressina. Entretanto, essa metanálise incluiu estudos em que a vasopressina foi usada em primeira linha, ao passo que a presente série avaliou o uso em situação de refratariedade à norepinefrina.

Na metanálise de estudos randomizados (32 estudos, 3.544 pacientes) conduzida por Avni et al.(2424 Avni T, Lador A, Lev S, Leibovici L, Paul M, Grossman A. Vasopressors for the treatment of septic shock: systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2015;10(8):e0129305.) o efeito de diferentes vasopressores na mortalidade total de pacientes adultos com choque séptico foi avaliado. Com exceção de norepinefrina, que foi associada à redução de mortalidade por todas as causas quando comparada com dopamina (risco relativo - RR 0,89; intervalo de confiança de 95% - IC95% 0,81 - 0,98), não se observaram diferenças na mortalidade entre os diferentes tratamentos. Desfechos hemodinâmicos foram semelhantes entre os diversos vasopressores, com alguma superioridade da norepinefrina na pressão venosa central no débito urinário e nos níveis de lactato.

Serpa Neto et al.,(2525 Serpa Neto A, Nassar AP, Cardoso SO, Manetta JA, Pereira VG, Espósito DC, et al. Vasopressin and terlipressin in adult vasodilatory shock: a systematic review and meta-analysis of nine randomized controlled trials. Crit Care. 2012;16(4):R154.) em metanálise de ensaios randomizados (9 estudos, n = 998), verificaram redução da necessidade de norepinefrina entre pacientes recebendo terlipressina ou vasopressina comparados aos controles (diferença média padronizada -1,58; IC95% -1,73 - -1,44); p < 0,0001). Nesse estudo as estimativas de efeito são fornecidas de forma combinada para usuários de vasopressina e terlipressina.

Apesar das limitações do APACHE para predição de óbito, optou-se por utilizá-lo dado seu uso disseminado ainda hoje na prática clínica como parâmetro de gravidade e prognóstico.(1919 Knaus WA, Zimmerman JE, Wagner DP, Draper EA, Lawrence DE. APACHE-acute physiology and chronic health evaluation: a physiologically based classification system. Crit Care Med. 1981;9(8):591-7.,2626 Hissa PN, Hissa MR, Araújo PS. Análise comparativa entre dois escores na previsão de mortalidade em unidade de terapia intensiva. Rev Soc Bras Clin Med. 2013;11(1):21-6.) O APACHE obtido após análise dos casos demonstra que a maior incidência de óbito foi na faixa de > 20 pontos (69 pacientes) enquanto que a faixa de zero a 19 pontos apresentou 11 pacientes.

O acompanhamento da evolução individual dos pacientes por meio dos prontuários pelo sistema eletrônico do hospital ocorreu até se dar o desfecho hospitalar (alta ou óbito) ou por um período máximo de 30 dias após o início do tratamento com vasopressina.(2727 Mehta S, Granton J, Gordon AC, Cook DJ, Lapinsky S, Newton G, Bandayrel K, Little A, Siau C, Ayers D, Singer J, Lee TC, Walley KR, Storms M, Cooper DJ, Holmes CL, Hebert P, Presneill J, Russell JA; Vasopressin and Septic Shock Trial (VASST) Investigators. Cardiac ischemia in patients with septic shock randomized to vasopressin or norepinephrine. Crit Care. 2013;17(3):R117.,2828 Gordon AC, Mason AJ, Thirunavukkarasu N, Perkins GD, Cecconi M, Cepkova M, Pogson DG, Aya HD, Anjum A, Frazier GJ, Santhakumaran S, Ashby D, Brett SJ; VANISH Investigators. Effect of Early Vasopressin vs Norepinephrine on Kidney Failure in Patients with Septic Shock: The VANISH Randomized Clinical Trial. JAMA. 2016;316(5):509-18.) Portanto, para os pacientes que sobreviveram por um período maior de 30 dias, não conhece o desfecho final, o que pode ser considerado limitação do estudo. Entre os pacientes que tiveram sobrevida maior que 72 horas, apenas 18,8% apresentaram melhora. Este fato pode ser um dos motivos pelo qual estudos clínicos randomizados geralmente apresentam tempo curto de seguimento máximo, como no caso dos estudos realizados por Malay et al.(1414 Malay MB, Ashton RC Jr, Landry DW, Townsend RN. Low-dose vasopressin in the treatment of vasodilatory septic shock. J Trauma. 1999;47(4):699-703; discussion 703-5.) e Patel et al.,(1515 Patel BM, Chittock DR, Russell JA, Walley KR. Beneficial effects of short-term vasopressin infusion during severe septic shock. Anesthesiology. 2002;96(3):576-82.) com tempo de seguimento de 4 e 24 horas, respectivamente. Entretanto, há outros casos em que houve um seguimento prolongado, como no de Russell et al.,(1717 Russell JA, Walley KR, Singer J, Gordon AC, Hébert PC, Cooper DJ, Holmes CL, Mehta S, Granton JT, Storms MM, Cook DJ, Presneill JJ, Ayers D; VASST Investigators. Vasopressin versus norepinephrine infusion in patients with septic shock. N Engl J Med. 2008;358(9):877-87.) em que se avaliou mortalidade em 28 dias e em 90 dias.

Outra limitação a destacar é que não houve, durante o estudo, a aferição detalhada de desfechos hemodinâmicos e metabólicos importantes, como níveis sanguíneos de lactato, citocinas e troponinas, havendo, desta forma, a necessidade de estudos futuros que avaliem essas variáveis. Optou-se por não avaliar detalhadamente estes parâmetros, optando-se por avaliar primariamente um desfecho "duro" (mortalidade). A resposta clínica ao efeito vasopressor foi avaliada por meio da PAM.(1515 Patel BM, Chittock DR, Russell JA, Walley KR. Beneficial effects of short-term vasopressin infusion during severe septic shock. Anesthesiology. 2002;96(3):576-82.)

Dado o delineamento não controlado, este estudo pode ser considerado de caráter predominantemente exploratório e gerador de hipóteses; de fato, a partir desses dados não é possível estabelecer a eficácia da vasopressina na redução de mortalidade. Considera-se, entretanto, que o estudo tem utilidade para reflexões sobre a prática clínica, dado o uso frequente de vasopressina neste contexto, apesar da carência de evidências de boa qualidade situação de refratariedade.

CONCLUSÃO

Foi elevada a mortalidade precoce de pacientes sépticos com choque refratário tratados com vasopressina. A alta taxa de insucesso terapêutico pode ter sido devido ao perfil de gravidade da doença de base; outra possibilidade seria a introdução relativamente tardia da vasopressina. Entretanto, a associação de vasopressina a catecolaminas em primeira linha de tratamento não se mostrou eficaz em estudos clínicos.

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Editado por

Editor responsável: Pedro Póvoa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2018
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2017
  • Aceito
    13 Jun 2018
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