Acessibilidade / Reportar erro

Características e desfechos de pacientes com sepse adquirida na comunidade e no hospital

RESUMO

Objetivo:

Comparar as características clínicas e os desfechos de pacientes com sepse adquirida na comunidade ou no hospital.

Métodos:

Trata-se de estudo retrospectivo de coorte, que incluiu todos os pacientes com diagnóstico de sepse detectada entre janeiro de 2010 e dezembro de 2015 em um hospital privado localizado na Região Sul do Brasil. Os desfechos (mortalidade, tempo de permanência na unidade de terapia intensiva e no hospital) foram avaliados por meio da análise dos registros eletrônicos.

Resultados:

Foram hospitalizados, no total, 543 pacientes com diagnóstico de sepse, com frequência de 90,5 (85 a 105) casos por ano. Destes, 319 (58%) casos foram classificados como sepse adquirida no hospital. Este grupo apresentava doença mais grave e tinha um maior número de disfunções de órgãos, assim como teve um tempo maior de permanência no hospital [8 (8 - 10) versus 23 (20 - 27) dias; p < 0,001] e na unidade de terapia intensiva [5 (4 - 7) versus 8,5 (7 - 10); p < 0,001] do aqueles que apresentavam sepse adquirida na comunidade. Após ajustar quanto à idade, escore APACHE II e disfunção hemodinâmica e respiratória, a sepse adquirida no hospital persistiu associada com maior mortalidade (OR 1,96; IC95% 1,15 - 3,32, p = 0,013).

Conclusão:

Nossos resultados contribuem para a definição do perfil epidemiológico da sepse na amostra estudada, na qual a sepse adquirida no hospital foi mais grave e associada com mortalidade mais alta.

Descritores:
Sepse; Doença iatrogênica; Infecções comunitárias adquiridas; Mortalidade; Brasil

ABSTRACT

Objective:

To compare the clinical characteristics and outcomes of patients with community-acquired and hospital-acquired sepsis.

Methods:

This is a retrospective cohort study that included all patients with a diagnosis of sepsis detected between January 2010 and December 2015 at a private hospital in southern Brazil. Outcomes (mortality, intensive care unit and hospital lengths of stay) were measured by analyzing electronic records.

Results:

There were 543 hospitalized patients with a diagnosis of sepsis, with a frequency of 90.5 (85 to 105) cases/year. Of these, 319 (58%) cases were classified as hospital-acquired sepsis. This group exhibited more severe disease and had a larger number of organ dysfunctions, with higher hospital [8 (8 - 10) versus 23 (20 - 27) days; p < 0.001] and intensive care unit [5 (4 - 7) versus 8.5 (7 - 10); p < 0.001] lengths of stay and higher in-hospital mortality (30.7% versus 15.6%; p < 0.001) than those with community-acquired sepsis. After adjusting for age, APACHE II scores, and hemodynamic and respiratory dysfunction, hospital-acquired sepsis remained associated with increased mortality (OR 1.96; 95%CI 1.15 - 3.32, p = 0.013).

Conclusion:

The present results contribute to the definition of the epidemiological profile of sepsis in the sample studied, in which hospital-acquired sepsis was more severe and was associated with higher mortality.

Keywords:
Sepsis; Iatrogenic disease; Community-acquired infections; Mortality; Brazil

INTRODUÇÃO

Define-se sepse como uma disfunção de órgãos que ameaça a vida, provocada por uma resposta desregulada do hospedeiro à infecção; trata-se de um importante problema de saúde pública.(11 Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.) Com base em estudos populacionais conduzidos nos Estados Unidos, que mostraram incidência anual de sepse de 300 casos por 100 mil habitantes, a incidência estimada no Brasil é de 600 mil casos por ano, gerando importante ônus para os sistema de saúde.(22 Angus DC, Linde-Zwirble WT, Lidicker J, Clermont G, Carcillo J, Pinsky MR. Epidemiology of severe sepsis in the United States: analysis of incidence, outcome, and associated costs of care. Crit Care Med. 2001;29(7):1303-10.,33 Sogayar AM, Machado FR, Rea-Neto A, Dornas A, Grion CM, Lobo SM, Tura BR, Silva CL, Cal RG, Beer I, Michels V, Safi J, Kayath M, Silva E; Costs StudyGroup - Latin American Sepsis Institute. A multicentre, prospective study to evaluate costs of septic patients in Brazilian intensive care units. Pharmacoeconomics. 2008;26(5):425-34.) Além da elevada incidência, a sepse é uma causa importante de óbitos nas unidades de terapia intensiva (UTIs) de todo o mundo.(44 Liu V, Escobar GJ, Greene JD, Soule J, Whippy A, Angus DC, et al. Hospital deaths in patients with sepsis from 2 independent cohorts. JAMA. 2014;312(1):90-2.) Apesar dos avanços no diagnóstico e no tratamento da sepse, a mortalidade relacionada a ela permanece elevada, especialmente nos países em desenvolvimento.

No Brasil, a taxa de mortalidade é de 55,7%, segundo o estudo SPREAD, e 57,4%, segundo o estudo PROGRESS,(55 Machado FR, Cavalcanti AB, Bozza FA, Ferreira EM, Angotti Carrara FS, Sousa JL, Caixeta N, Salomao R, Angus DC, Pontes Azevedo LC; SPREAD Investigators; Latin American Sepsis Institute Network. The epidemiology of sepsis in Brazilian intensive care units (the Sepsis PREvalence Assessment Database, SPREAD): an observational study. Lancet Infect Dis. 2017;17(11):1180-9.,66 Beale R, Reinhart K, Brunkhorst FM, Dobb G, Levy M, Martin G, Martin C, Ramsey G, Silva E, Vallet B, Vincent JL, Janes JM, Sarwat S, Williams MD; PROGRESS Advisory Board. Promoting Global Research Excellence in Severe Sepsis (PROGRESS): lessons from an international sepsis registry. Infection. 2009;37(3):222-32.) o que contrasta com os 45% observados em outros países em desenvolvimento e os 38,2% nos países desenvolvidos.(77 Westphal GA, Koenig A, Caldeira Filho M, Feijó J, de Oliveira LT, Nunes F, et al. Reduced mortality after the implementation of a protocol for the early detection of severe sepsis. J Crit Care. 2011;26(1):76-81.,88 Sales Júnior JA, David CM, Hatum R, Souza PC, Japiassú A, Pinheiro CT, Friedman G, Silva OB, Dias MD, Koterba E, Dias FS, Piras C, Luiz RR; Grupo de Estudo de Sepse do Fundo AMIB. An epidemiological study of sepsis in intensive care units: Sepsis Brazil study. Rev Bras Ter Intensiva, 2006;18(1):9-17. Portuguese.)

As estratégias para redução da mortalidade relacionada à sepse foram amplamente disseminadas por meio da Campanha Sobrevivendo à Sepse (CSS)(99 Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb SA, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including the Pediatric Subgroup. Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med. 2013;41(2): 580-637.) e incluem ressuscitação hídrica, mensuração dos níveis de lactato e obtenção de hemoculturas antes da administração de antibióticos, assim como administração de antibioticoterapia de amplo espectro dentro da primeira hora após o diagnóstico. Diversos estudos publicados nos últimos 15 anos confirmaram que as intervenções que contribuem para redução da mortalidade relacionada à sepse são detecção precoce, ressuscitação e antibioticoterapia.(1010 Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, Peterson E, Tomlanovich M; Early Goal-Directed Therapy Collaborative Group. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001;345(19):1368-77.

11 Mouncey PR, Osborn TM, Power GS, Harrison DA, Sadique MZ, Grieve RD, Jahan R, Harvey SE, Bell D, Bion JF, Coats TJ, Singer M, Young JD, Rowan KM; ProMISe Trial Investigators. Trial of early, goal-directed resuscitation for septic shock. N Engl J Med. 2015;372(14):1301-11.

12 ProCESS Investigators, Yealy DM, Kellum JA, Huang DT, Barnato AE, Weissfeld LA, Pike F, et al. A randomized trial of protocol-based care for early septic shock. N Engl J Med. 2014;370(18):1683-93.
-1313 ARISE Investigators, ANZICS Clinical Trials Group, Peake SL, Delaney A, Bailey M, Bellomo R, Cameron PA, Cooper DJ, et al. Goal-directed resuscitation for patients with early septic shock. N Engl J Med. 2014;371(16):1496-506.) No entanto, estes estudos avaliaram principalmente pacientes atendidos no pronto-socorro, que primariamente correspondem a casos de sepse adquirida na comunidade. Um estudo recente conduzido pelo Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS) em UTIs brasileiras para pacientes adultos demonstrou que, para pacientes com sepse adquirida no hospital, o tempo até o diagnóstico é mais longo, a adesão ao tratamento é menor e a mortalidade é mais elevada.(55 Machado FR, Cavalcanti AB, Bozza FA, Ferreira EM, Angotti Carrara FS, Sousa JL, Caixeta N, Salomao R, Angus DC, Pontes Azevedo LC; SPREAD Investigators; Latin American Sepsis Institute Network. The epidemiology of sepsis in Brazilian intensive care units (the Sepsis PREvalence Assessment Database, SPREAD): an observational study. Lancet Infect Dis. 2017;17(11):1180-9.)

Poucos estudos, compararam as características, a evolução e a mortalidade de pacientes com sepse adquirida na comunidade com as da sepse adquirida no hospital.(1414 Page DB, Donnelly JP, Wang HE. Community-, healthcare-, and hospital-acquired severe sepsis hospitalizations in the University Health System Consortium. Crit Care Med. 2015;43(9):1945-51.)

Neste contexto, o objetivo do presente estudo foi comparar as características clínicas e os desfechos de pacientes com sepse adquirida na comunidade com os mesmos parâmetros em pacientes com sepse adquirida no hospital.

MÉTODOS

Este foi um estudo retrospectivo de coorte, que analisou os registros de pacientes sépticos internados em hospital privado localizado na Região Sul do Brasil, identificados entre janeiro de 2010 e dezembro de 2015.

Incluíram-se todos os pacientes com idade superior a 18 anos que tiveram diagnóstico de sepse entre janeiro de 2010 e dezembro de 2015 nesse hospital. O diagnóstico de sepse foi estabelecido com base no reconhecimento de foco de infecção, suspeito ou confirmado, associado com pelo menos uma disfunção de órgão. Os pacientes em risco de infecção e sepse foram triados com base em sinais sugestivos de infecção e disfunções de órgãos clinicamente detectáveis (Tabela 1).

Tabela 1
Sinais clínicos expandidos de infecção, incluindo sinais clinicamente detectáveis de disfunção de órgãos

Os pacientes foram divididos em dois grupos, segundo a origem da sepse, identificada nos prontuários médicos: sepse adquirida na comunidade e sepse adquirida no hospital. Os casos de sepse diagnosticados quando da admissão ao hospital ou até 48 horas após a admissão foram classificados como casos adquiridos na comunidade, e os casos diagnosticados a partir de 48 horas após a admissão ao hospital foram classificados como adquiridos no hospital. Pacientes transferidos de outros hospitais com registros incompletos e com doença terminal, segundo o julgamento da equipe médica responsável, não foram incluídos no estudo.

A triagem para sepse consistiu da busca ativa por sinais sugestivos de infecção e de disfunções clinicamente detectáveis de órgãos, no primeiro exame de todos os pacientes atendidos nas alas hospitalares e no pronto-socorro. Técnicos de enfermagem foram treinados para identificar e comunicar manifestações de dois ou mais sinais sugestivos de infecção à enfermagem responsável. Após registrar sinais sugestivos de infecção, o prontuário médico eletrônico foi programado para enviar alertas eletrônicos a dispositivos móveis utilizados pelos enfermeiros. Após avaliação inicial pelo enfermeiro, a equipe médica foi notificada para avaliar o paciente, confirmar o diagnóstico de sepse, procurar por outras disfunções de órgãos não avaliadas no protocolo de triagem e dar início ao tratamento.(55 Machado FR, Cavalcanti AB, Bozza FA, Ferreira EM, Angotti Carrara FS, Sousa JL, Caixeta N, Salomao R, Angus DC, Pontes Azevedo LC; SPREAD Investigators; Latin American Sepsis Institute Network. The epidemiology of sepsis in Brazilian intensive care units (the Sepsis PREvalence Assessment Database, SPREAD): an observational study. Lancet Infect Dis. 2017;17(11):1180-9.,77 Westphal GA, Koenig A, Caldeira Filho M, Feijó J, de Oliveira LT, Nunes F, et al. Reduced mortality after the implementation of a protocol for the early detection of severe sepsis. J Crit Care. 2011;26(1):76-81.,99 Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb SA, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including the Pediatric Subgroup. Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med. 2013;41(2): 580-637.

10 Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, Peterson E, Tomlanovich M; Early Goal-Directed Therapy Collaborative Group. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001;345(19):1368-77.

11 Mouncey PR, Osborn TM, Power GS, Harrison DA, Sadique MZ, Grieve RD, Jahan R, Harvey SE, Bell D, Bion JF, Coats TJ, Singer M, Young JD, Rowan KM; ProMISe Trial Investigators. Trial of early, goal-directed resuscitation for septic shock. N Engl J Med. 2015;372(14):1301-11.

12 ProCESS Investigators, Yealy DM, Kellum JA, Huang DT, Barnato AE, Weissfeld LA, Pike F, et al. A randomized trial of protocol-based care for early septic shock. N Engl J Med. 2014;370(18):1683-93.

13 ARISE Investigators, ANZICS Clinical Trials Group, Peake SL, Delaney A, Bailey M, Bellomo R, Cameron PA, Cooper DJ, et al. Goal-directed resuscitation for patients with early septic shock. N Engl J Med. 2014;371(16):1496-506.

14 Page DB, Donnelly JP, Wang HE. Community-, healthcare-, and hospital-acquired severe sepsis hospitalizations in the University Health System Consortium. Crit Care Med. 2015;43(9):1945-51.
-1515 Westphal GA, Lino AS. Systematic screening is essential for early diagnosis of severe sepsis and septic shock. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(2):96-101.) O diagnóstico de sepse (antes denominada sepse grave) foi definido na presença de uma infecção presumida mais qualquer disfunção de órgão. Choque séptico foi identificado pela necessidade de utilizar fármaco vasopressor para manter pressão arterial média (PAM) de 65mmHg.(11 Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.)

O tratamento clínico se baseou nas recomendações propostas pela CSS, que incluem a obtenção de hemoculturas antes da administração de antibióticos, antibioticoterapia dentro da primeira hora após o diagnóstico de sepse, mensuração inicial dos níveis de lactato, expansão de volume adequada (definida como administração de pelo menos 30mL/kg de fluidos cristaloides, na presença de hipotensão ou níveis de lactato acima de 4mmol/L) e uso de fármacos vasopressores em caso de persistência da hipotensão (PAM < 65mmHg). O conjunto completo de medidas para ressuscitação se caracterizou pelo cumprimento de todas essas fases.

As variáveis analisadas foram sexo, idade, escore Acute Physiology and Chronic Health Disease Classification System II (APACHE II), tipo de hospitalização (cirúrgica ou clínica), índice de comorbidade de Charlson,(1616 Oltean S, Tatulescu D, Bondor C, Slavcovici A, Cismaru C, Lupse M, et al. Charlson's weighted index of comorbidities is useful in assessing the risk of death in septic patients. J Crit Care. 2012;27(4):370-5.) foco de infecção, número e tipos de disfunções de órgãos (respiratória, renal, plaquetária, hepática, hemodinâmica e neurológica), além da necessidade de hemodiálise.

As disfunções de órgãos foram caracterizadas conforme a definição da CSS:(99 Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb SA, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including the Pediatric Subgroup. Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med. 2013;41(2): 580-637.) disfunção respiratória e hipoxemia arterial (pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio - PaO2/FiO2 < 300); disfunção renal se oligúria aguda (débito urinário < 0,5mL/kg/hora por pelo menos 2 horas) ou um aumento dos níveis de creatinina > 0,5mg/dL; disfunção plaquetária se contagem de plaquetas < 100.000µ/L; disfunção hepática se bilirrubina total > 4mg/dL; disfunção hemodinâmica, se PAM < 70mmHg ou pressão arterial sistólica < 90mmHg ou diminuição da pressão arterial sistólica > 40mmHg; e disfunção neurológica se qualquer alteração do nível de consciência.

O desfecho primário foi a mortalidade hospitalar. A mortalidade aos 30 dias, tempo de permanência na UTI e tempo de permanência no hospital foram considerados desfechos secundários.

Análise estatística

Os dados a respeito dos fatores de risco associados com os desfechos principais foram tabulados e analisados com uso de métodos de estatística descritiva, incluindo proporções, médias e desvios padrão. A associação das variáveis contínuas com o desfecho principal e fatores de exposição foi analisada com teste t de Student e as variáveis categóricas com utilização do teste do qui-quadrado. Utilizaram-se estimativas de Mantel-Haenszel para definir possíveis variáveis de confusão e testes da homogeneidade da razão de propensão para definir possíveis variáveis modificadoras do efeito, considerando um nível de significância de 5%. As variáveis que alteraram o efeito bruto da variável de exposição no desfecho principal em mais de 20% foram consideradas possíveis fatores de confusão do efeito e incluídas na regressão logística, assim como aquelas que apresentaram razões de propensão não homogêneas. O teste de razão de verossimilhança foi utilizado para inclusão e manutenção da variável no modelo de regressão logística, considerando nível de significância de 5%.

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Municipal São José de Joinville sob o número de registro CAAE 51661515.3.0000.5362.

RESULTADOS

Foram incluídos 543 pacientes hospitalizados, com diagnóstico de sepse no período compreendido entre 2010 e 2015. A frequência média foi de 90,5 (85 a 105) casos por ano. Destes, 319 (58,8%) pacientes tinham sepse adquirida no hospital.

A tabela 2 apresenta as características dos grupos. Não houve diferença em relação ao tempo entre as alterações nos sinais vitais e o diagnóstico (55 minutos para sepse adquirida na comunidade versus 1 hora e 25 minutos para sepse adquirida no hospital; p = 0,06). Os focos de infecção mais frequentes foram pulmões, trato urinário e abdome. Pacientes com sepse adquirida no hospital tiveram frequência mais elevada de foco abdominal (p = 0,02) e infecções da corrente sanguínea (p < 0,001). Este grupo também apresentou doença mais grave segundo o APACHE II (p < 0,001), e teve mais frequentemente necessidade de hemodiálise (p = 0,02) e maior número de disfunções de órgãos, particularmente disfunção respiratória (p < 0,001) e disfunção neurológica (p < 0,001).

Tabela 2
Características dos pacientes hospitalizados com sepse com origem na comunidade e no hospital

A utilização de diferentes medidas de ressuscitação é mostrada pela tabela 3. A adesão ao conjunto total de medidas de ressuscitação esteve presente em 34,8% dos pacientes com sepse adquirida na comunidade e em 41,4% dos pacientes com sepse adquirida no hospital (p = 0,12). Não se observaram diferenças em relação a outros componentes do conjunto de medidas para ressuscitação.

Tabela 3
Frequência de aplicação de itens do conjunto de medidas de ressuscitação em pacientes com sepse de origem comunitária e hospitalar

Os desfechos dos pacientes são apresentados na tabela 4. A mortalidade hospitalar global foi de 24,4% (n = 133), sendo mais elevada entre os pacientes com sepse adquirida no hospital do que entre aqueles com sepse adquirida na comunidade (respectivamente 30,7% e 15,6%; p < 0,001). O grupo com sepse adquirida no hospital teve um tempo mais longo de permanência no hospital [8 (8 - 10) versus 23 (20 - 27) dias; p < 0,001] e na UTI [5 (4 - 7) versus 8,5 (7 - 10); p < 0,001]. O tempo de permanência no hospital, após o diagnóstico de sepse, também foi mais prolongado entre os pacientes com sepse adquirida no hospital [8 (8 - 10) versus 13 (7 - 24) dias; p < 0,001].

Tabela 4
Desfechos dos pacientes com diagnóstico de sepse adquirida na comunidade e no hospital

Conduziu-se uma regressão logística para avaliar a associação entre as variáveis clinicamente significativas (sepse comunitária/hospitalar, hemodiálise, disfunção respiratória, instabilidade hemodinâmica, tempo de permanência na UTI, idade, escore APACHE II e disfunção neurológica) e o risco de óbito (Tabela 1S - Material suplementar). Após ajuste quanto a idade, escore APACHE II e disfunção hemodinâmica e respiratória, a sepse adquirida no hospital permaneceu com mortalidade mais alta (OR 1,96; IC95% 1,15 - 3,32; p = 0,013).

DISCUSSÃO

Nossos resultados demonstram que, em comparação à sepse adquirida na comunidade, a sepse adquirida no hospital se associa com mortalidade mais elevada e maior tempo de permanência na UTI e no hospital. Estes resultados corroboram os poucos estudos que compararam a sepse adquirida na comunidade com aquela adquirida no hospital, demonstrando que esta última se associa a prognósticos piores.(1414 Page DB, Donnelly JP, Wang HE. Community-, healthcare-, and hospital-acquired severe sepsis hospitalizations in the University Health System Consortium. Crit Care Med. 2015;43(9):1945-51.,1717 Adrie C, Alberti C, Chaix-Couturier C, Azoulay E, De Lassence A, Cohen Y, et al. Epidemiology and economic evaluation of severe sepsis in France: age, severity, infection site, and place of acquisition (community, hospital, or intensive care unit) as determinants of workload and cost. J Crit Care. 2005;20(1):46-58.

18 Tsertsvadze A, Royle P, McCarthy N. Community-onset sepsis and its public health burden: protocol of a systematic review. Syst Rev. 2015;4:119.
-1919 Hoenigl M, Wagner J, Raggam RB, Prueller F, Prattes J, Eigl S, et al. Characteristics of hospital-acquired and community-onset blood stream infections, South-East Austria. PLoS One 2014;9(8):e104702.)

Observamos uma frequência de sepse adquirida na comunidade de 42%, em contraste com os achados de dois outros estudos que relataram uma predominância dos casos de sepse adquirida na comunidade (57,0% e 55,8%).(1717 Adrie C, Alberti C, Chaix-Couturier C, Azoulay E, De Lassence A, Cohen Y, et al. Epidemiology and economic evaluation of severe sepsis in France: age, severity, infection site, and place of acquisition (community, hospital, or intensive care unit) as determinants of workload and cost. J Crit Care. 2005;20(1):46-58.,2020 Alberti C, Brun-Buisson C, Burchardi H, Martin C, Goodman S, Artigas A, et al. Epidemiology of sepsis and infection in ICU patients from an international multicentre cohort study. Intensive Care Med. 2002;28(2):108-21.) Estas diferenças podem ser explicadas pelas particularidades epidemiológicas de cada instituição, como idade dos pacientes, severidade e presença de comorbidades. Independentemente da concordância dos achados entre os estudos, o conhecimento epidemiológico tem importância clínica e implicações para o desenvolvimento de estratégias de identificação precoce para pacientes com sepse. Por outro lado, há concordância entre os nossos achados e os de outros estudos com relação à mortalidade e ao tempo de permanência no hospital e na UTI, que foram mais elevados entre os pacientes com sepse adquirida no hospital.(1414 Page DB, Donnelly JP, Wang HE. Community-, healthcare-, and hospital-acquired severe sepsis hospitalizations in the University Health System Consortium. Crit Care Med. 2015;43(9):1945-51.,1717 Adrie C, Alberti C, Chaix-Couturier C, Azoulay E, De Lassence A, Cohen Y, et al. Epidemiology and economic evaluation of severe sepsis in France: age, severity, infection site, and place of acquisition (community, hospital, or intensive care unit) as determinants of workload and cost. J Crit Care. 2005;20(1):46-58.

18 Tsertsvadze A, Royle P, McCarthy N. Community-onset sepsis and its public health burden: protocol of a systematic review. Syst Rev. 2015;4:119.

19 Hoenigl M, Wagner J, Raggam RB, Prueller F, Prattes J, Eigl S, et al. Characteristics of hospital-acquired and community-onset blood stream infections, South-East Austria. PLoS One 2014;9(8):e104702.
-2020 Alberti C, Brun-Buisson C, Burchardi H, Martin C, Goodman S, Artigas A, et al. Epidemiology of sepsis and infection in ICU patients from an international multicentre cohort study. Intensive Care Med. 2002;28(2):108-21.) Além disto, os focos de infecção foram similares entre os diferentes estudos, com prevalência de infecções pulmonares e abdominais.(1717 Adrie C, Alberti C, Chaix-Couturier C, Azoulay E, De Lassence A, Cohen Y, et al. Epidemiology and economic evaluation of severe sepsis in France: age, severity, infection site, and place of acquisition (community, hospital, or intensive care unit) as determinants of workload and cost. J Crit Care. 2005;20(1):46-58.,2020 Alberti C, Brun-Buisson C, Burchardi H, Martin C, Goodman S, Artigas A, et al. Epidemiology of sepsis and infection in ICU patients from an international multicentre cohort study. Intensive Care Med. 2002;28(2):108-21.) Corroborando os achados de Page et al.,(1414 Page DB, Donnelly JP, Wang HE. Community-, healthcare-, and hospital-acquired severe sepsis hospitalizations in the University Health System Consortium. Crit Care Med. 2015;43(9):1945-51.) identificamos clara predominância de infecções abdominais e infecções resultantes de procedimentos cirúrgicos entre os casos de sepse adquirida no hospital - fato que pode ajudar a definir estratégias específicas para detecção de um fenótipo característico de sepse nosocomial.(1414 Page DB, Donnelly JP, Wang HE. Community-, healthcare-, and hospital-acquired severe sepsis hospitalizations in the University Health System Consortium. Crit Care Med. 2015;43(9):1945-51.) Com relação a isto, o presente estudo sugere que pacientes cirúrgicos com suspeita clínica de infecção abdominal devem ser estritamente monitorados, já que têm maior probabilidade de desenvolver sepse, pelo menos em nossa instituição.

A mortalidade foi significantemente mais elevada entre os pacientes com sepse adquirida no hospital do que entre os com sepse adquirida na comunidade (30,7% versus 15,6%; p < 0,001). Page et al.(1414 Page DB, Donnelly JP, Wang HE. Community-, healthcare-, and hospital-acquired severe sepsis hospitalizations in the University Health System Consortium. Crit Care Med. 2015;43(9):1945-51.) sugeriram que, em contraste com o que ocorre no pronto-socorro, é frequente que as alas não disponham dos recursos necessários para o monitoramento frequente dos sinais vitais e dos resultados de exames laboratoriais. Quando este é o caso, é necessário que se implantem estratégias específicas para que a sepse possa ser diagnosticada precocemente também nas enfermarias. Em nosso hospital, temos um sistema eletrônico de alarme, que é acoplado ao prontuário eletrônico e permite rápida detecção de pacientes com sepse, tanto no pronto-socorro quanto nas alas (1 hora e 22 minutos ± 3 horas e 28 minutos versus 1 hora e 58 minutos ± 3 horas e 41 minutos; p = 0,06). Apesar da forte tendência a uma diferença aritmética no tempo de detecção entre ambos os grupos, a diferença média de 36 minutos não parece ser clinicamente relevante. Embora a sepse seja detectada em menos de 2 horas, tanto nas alas quanto no pronto-socorro, a mortalidade da sepse adquirida no hospital foi mais elevada do que a associada com a sepse adquirida na comunidade, o que dá apoio à ideia de que a sepse adquirida no hospital ocorre em pacientes que são, intrinsicamente, mais graves. Além disto, mesmo após ajuste do risco de óbito para os fatores de confusão, como idade e severidade, o risco de óbito permaneceu significantemente mais elevado no grupo de pacientes com sepse adquirida no hospital, o que sugere que variáveis intrínsecas dos pacientes parecem ter efeito importante no risco de óbito associado à sepse.

Nos últimos 15 anos, diversos estudos conduzidos em pronto-socorro demonstraram que o tratamento precoce da sepse, com utilização de conjuntos de medidas de ressuscitação, associa-se com redução da mortalidade.(77 Westphal GA, Koenig A, Caldeira Filho M, Feijó J, de Oliveira LT, Nunes F, et al. Reduced mortality after the implementation of a protocol for the early detection of severe sepsis. J Crit Care. 2011;26(1):76-81.,99 Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb SA, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including the Pediatric Subgroup. Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med. 2013;41(2): 580-637.

10 Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, Peterson E, Tomlanovich M; Early Goal-Directed Therapy Collaborative Group. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001;345(19):1368-77.

11 Mouncey PR, Osborn TM, Power GS, Harrison DA, Sadique MZ, Grieve RD, Jahan R, Harvey SE, Bell D, Bion JF, Coats TJ, Singer M, Young JD, Rowan KM; ProMISe Trial Investigators. Trial of early, goal-directed resuscitation for septic shock. N Engl J Med. 2015;372(14):1301-11.

12 ProCESS Investigators, Yealy DM, Kellum JA, Huang DT, Barnato AE, Weissfeld LA, Pike F, et al. A randomized trial of protocol-based care for early septic shock. N Engl J Med. 2014;370(18):1683-93.
-1313 ARISE Investigators, ANZICS Clinical Trials Group, Peake SL, Delaney A, Bailey M, Bellomo R, Cameron PA, Cooper DJ, et al. Goal-directed resuscitation for patients with early septic shock. N Engl J Med. 2014;371(16):1496-506.) Pode-se inferir que estratégias agressivas de adesão a conjuntos de medidas de ressuscitação também contribuem para redução da mortalidade em pacientes com sepse adquirida no hospital.

Nossos resultados contradizem esta inferência, considerando-se que não se observaram diferenças significantes em termos de adesão ao conjunto completo de medidas de ressuscitação, no tempo até o diagnóstico, na adesão à antibioticoterapia precoce e na adesão à ressuscitação hemodinâmica, que foram similares entre os dois grupos (Tabela 3). Alguns autores sugerem que não existe evidência suficiente para indicar que os componentes do conjunto de medidas de ressuscitação podem modificar o desfecho.(2121 Marik PE, Raghunathan K, Bloomstone J. Rebuttal From Dr Marik et al. Chest. 2013;144(2):379-80.

22 Ferrer R, Artigas A, Levy MM, Blanco J, González-Díaz G, Garnacho-Montero J, Ibáñez J, Palencia E, Quintana M, de la Torre-Prados MV; Edusepsis Study Group. Edusepsis Study Group. Improvement in process of care and outcome after a multicenter severe sepsis educational program in Spain. JAMA. 2008;299(19):2294-303.

23 Westphal GA, Koenig A, Caldeira Filho M, Feijó J, de Oliveira LT, Nunes F, et al. Reduced mortality after the implementation of a protocol for the early detection of severe sepsis. J Crit Care. 2011;26(1):76-81.
-2424 Shiramizo SC, Marra AR, Durão MS, Paes ÂT, Edmond MB, Pavão dos Santos OF. Decreasing mortality in severe sepsis and septic shock patients by implementing a sepsis bundle in a hospital setting. Plos One 2011;6(11):e26790.) O estudo Edusepsis demonstrou redução da mortalidade em pacientes sépticos, embora a adesão ao conjunto de medidas de ressuscitação só tenha aumentado de 5,3% para 10%.(2222 Ferrer R, Artigas A, Levy MM, Blanco J, González-Díaz G, Garnacho-Montero J, Ibáñez J, Palencia E, Quintana M, de la Torre-Prados MV; Edusepsis Study Group. Edusepsis Study Group. Improvement in process of care and outcome after a multicenter severe sepsis educational program in Spain. JAMA. 2008;299(19):2294-303.) Em 2011, o nosso grupo publicou um ensaio antes-depois que envolveu pacientes do setor de emergência e das alas, e demonstrou associação entre a rapidez do diagnóstico de sepse (34 ± 48 horas versus 11 ± 17 horas; p < 0,001) e redução da mortalidade (61,7% versus 38,2%; p < 0,001), enquanto a adesão ao conjunto de medidas de 6 horas permaneceu constante (32,3% versus 28,7%; p = 0,55).(2323 Westphal GA, Koenig A, Caldeira Filho M, Feijó J, de Oliveira LT, Nunes F, et al. Reduced mortality after the implementation of a protocol for the early detection of severe sepsis. J Crit Care. 2011;26(1):76-81.) Shiramizo et al.(2424 Shiramizo SC, Marra AR, Durão MS, Paes ÂT, Edmond MB, Pavão dos Santos OF. Decreasing mortality in severe sepsis and septic shock patients by implementing a sepsis bundle in a hospital setting. Plos One 2011;6(11):e26790.) relataram resultados semelhantes; neste contexto, alguns estudos sugerem que provavelmente apenas o uso precoce de antimicrobianos é importante quando um cuidado geral dos pacientes está disponível. Um estudo de coorte prospectivo, observacional e multicêntrico conduzido em 44 UTIs da Alemanha demonstrou que o retardo no controle do foco infeccioso além de 6 horas pode ter um importante impacto na mortalidade dos pacientes, e que só existem evidências indiretas com relação ao impacto do momento da terapia antimicrobiana na mortalidade por sepse, apesar da baixa adesão às recomendações das diretrizes para tratamento da sepse.(2525 Bloos F, Thomas-Ru¨ddel D, Ru¨ddel H, Engel C, Schwarzkopf D, Marshall JC, Harbarth S, Simon P, Riessen R, Keh D, Dey K, Weiß M, Toussaint S, Schädler D, Weyland A, Ragaller M, Schwarzkopf K, Eiche J, Kuhnle G, Hoyer H, Hartog C, Kaisers U, Reinhart K; MEDUSA Study Group. Impact of compliance with infection management guidelines on outcome in patients with severe sepsis: a prospective observational multi-center study. Crit Care. 2014;18(2):R42.) Um estudo retrospectivo que envolveu 185 hospitais da base de dados do Departamento de Saúde do Estado e Nova Iorque mostrou que um tempo maior para concluir o conjunto de tratamento de 3 horas para pacientes com sepse e a administração de antibióticos de amplo espectro se associaram com risco mais elevado mortalidade hospitalar ajustada ao risco.(2626 Seymour CW, Gesten F, Prescott HC, Friedrich ME, Iwashyna TJ, Phillips GS, et al. Time to treatment and mortality during mandated emergency care for sepsis. N Engl J Med. 2017;376(23):2235-44.)

Os pacientes do grupo com sepse adquirida no hospital receberam mais fluidos para ressuscitação, porém não foi possível avaliar o relacionamento com o desfecho, já que se observaram outros fatores de confusão com interferência nos resultados. Alguns autores sugerem que o uso precoce liberal de fluidos em pacientes com sepse é perigoso, pois não existe um nível-alvo ideal de PAM, o que leva à ampla variabilidade na administração de fluidos entre os grandes ensaios em sepse. Além disto, deve ocorrer grande prevalência de pacientes não responsivos a fluidos, para os quais o uso excessivo de fluidos pode ser danoso.(2727 Genga K, Russell JA. Early liberal fluids for sepsis patients are harmful. Crit Care Med. 2016;44(12):2258-62.) Entretanto, os efeitos adversos de um balanço positivo são mais comumente observados após a fase inicial de resgate.(2828 Acheampong A, Vincent JL. A positive fluid balance is an independent prognostic factor in patients with sepsis. Crit Care. 2015;19:251.) No presente estudo, não avaliamos a infusão de fluidos após a fase de ressuscitação ou os parâmetros de responsividade dos pacientes a fluidos.

A mortalidade geral (24,4%), assim como a mortalidade entre pacientes com sepse adquirida na comunidade (15,6%) e a sepse nosocomial (30,7%) foram mais baixas do que a mortalidade brasileira relatada pelos estudos SPREAD (55,7%) e PROGRESS (57,4%).(55 Machado FR, Cavalcanti AB, Bozza FA, Ferreira EM, Angotti Carrara FS, Sousa JL, Caixeta N, Salomao R, Angus DC, Pontes Azevedo LC; SPREAD Investigators; Latin American Sepsis Institute Network. The epidemiology of sepsis in Brazilian intensive care units (the Sepsis PREvalence Assessment Database, SPREAD): an observational study. Lancet Infect Dis. 2017;17(11):1180-9.,66 Beale R, Reinhart K, Brunkhorst FM, Dobb G, Levy M, Martin G, Martin C, Ramsey G, Silva E, Vallet B, Vincent JL, Janes JM, Sarwat S, Williams MD; PROGRESS Advisory Board. Promoting Global Research Excellence in Severe Sepsis (PROGRESS): lessons from an international sepsis registry. Infection. 2009;37(3):222-32.) Esta diferença pode ser explicada, em parte, pela natureza privada do hospital onde o estudo foi conduzido, uma vez que os resultados podem ter sido influenciados pelas melhores condições de infraestrutura e recursos humanos. No SPREAD, observou-se mortalidade elevada em centros com menor disponibilidade de recursos, sem a infraestrutura necessária para o tratamento da sepse e com falta de leitos de UTI, resultando em tratamento inadequado e retardamento da primeira dose de antibióticos.(55 Machado FR, Cavalcanti AB, Bozza FA, Ferreira EM, Angotti Carrara FS, Sousa JL, Caixeta N, Salomao R, Angus DC, Pontes Azevedo LC; SPREAD Investigators; Latin American Sepsis Institute Network. The epidemiology of sepsis in Brazilian intensive care units (the Sepsis PREvalence Assessment Database, SPREAD): an observational study. Lancet Infect Dis. 2017;17(11):1180-9.) Por outro lado, as taxas iniciais que foram relatadas em estudos prévios(2323 Westphal GA, Koenig A, Caldeira Filho M, Feijó J, de Oliveira LT, Nunes F, et al. Reduced mortality after the implementation of a protocol for the early detection of severe sepsis. J Crit Care. 2011;26(1):76-81.,2929 Westphal GA, Feijó J, Andrade PS, Trindade L, Suchard C, Monteiro MA, et al. Early detection strategy and mortality reduction in severe sepsis. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(2):113-23.) (antes das estratégias de detecção precoce) de mortalidade relacionada à sepse em nosso hospital, foram similares às taxas nacionais. Estes achados sugerem que a detecção precoce pode influenciar na redução da mortalidade relacionada tanto à sepse adquirida na comunidade quanto à sepse adquirida no hospital.

Nosso estudo teve algumas limitações. Foi um ensaio observacional e, potencialmente, variáveis de confusão que não foram reconhecidas podem ter influenciado nos desfechos. Como o estudo foi conduzido em um hospital particular localizado na Região Sul do Brasil, os resultados não podem ser generalizados para o sistema público de saúde ou para outros centros na mesma região ou em todo o país. A seleção, o diagnóstico e o tratamento dos pacientes foram realizados em conformidade com as diretrizes da CSS, e as novas definições publicadas em 2016 não foram levadas em consideração.(11 Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.,99 Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb SA, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including the Pediatric Subgroup. Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med. 2013;41(2): 580-637.,3030 Antonelli M, DeBacker D, Dorman T, Kleinpell R, Levy M, Rhodes A. Surviving Sepsis Campaign Responds to Sepsis-3. 2016. Available from: http://www.survivingsepsis.org/SiteCollectionDocuments/SSC-Statements-Sepsis-Definitions-3-2016.pdf (accessed April 2017).
http://www.survivingsepsis.org/SiteColle...
,3131 Surviving Sepsis Campaign: updated bundles in response to new evidence. 2014. Available from: http://www.survivingsepsis.org/sitecollectiondocuments/ssc_bundle.pdf (accessed April 2017).
http://www.survivingsepsis.org/sitecolle...
) A avaliação das disfunções de órgãos também seguiu as definições da CSS e não o sistema Sequential Organ Failure Assessment (SOFA). Outra limitação deste estudo foi o fato de não discriminar pacientes com sepse associada aos cuidados médicos, cuja prevalência e severidade são distintas em comparação com a sepse adquirida na comunidade e a adquirida no hospital.(1414 Page DB, Donnelly JP, Wang HE. Community-, healthcare-, and hospital-acquired severe sepsis hospitalizations in the University Health System Consortium. Crit Care Med. 2015;43(9):1945-51.) Os critérios de inclusão não consideraram pacientes readmitidos durante o período. Como os dados foram colhidos com base em anotações de sinais vitais no prontuário eletrônico, alguns sinais clínicos de infecção e de disfunção de órgãos não foram utilizados para a triagem de pacientes, e não foi possível classificar os pacientes com choque séptico com base nos níveis séricos de lactato. Outra limitação foi o fato de não termos avaliado a causa da hospitalização para os pacientes com sepse adquirida no hospital. Apesar destas limitações, a escassez de artigos a respeito deste assunto observada na literatura até aqui salienta a importância deste estudo, que descreve o perfil destes dois grupos de pacientes e seus desfechos hospitalares, reforçando a necessidade de adotar e manter estratégias para detecção precoce da sepse.

CONCLUSÃO

Em comparação a pacientes com sepse adquirida na comunidade, a sepse adquirida no hospital se associa a desfechos piores, inclusive mortalidade mais elevada, e maior tempo de permanência na unidade de terapia intensiva e no hospital. A mortalidade foi mais alta em pacientes com sepse adquirida no hospital, a despeito do mesmo tempo para administração de antibióticos e ressuscitação hídrica ainda mais agressiva. A mortalidade geral em nossa amostra foi mais baixa do que a mortalidade por sepse previamente relatada no Brasil. Apesar de algumas limitações, o conhecimento do perfil destes dois grupos de pacientes e seus respectivos desfechos ajuda a definir estratégias para a detecção e o tratamento de pacientes com sepse adquirida na comunidade e no hospital.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.
  • 2
    Angus DC, Linde-Zwirble WT, Lidicker J, Clermont G, Carcillo J, Pinsky MR. Epidemiology of severe sepsis in the United States: analysis of incidence, outcome, and associated costs of care. Crit Care Med. 2001;29(7):1303-10.
  • 3
    Sogayar AM, Machado FR, Rea-Neto A, Dornas A, Grion CM, Lobo SM, Tura BR, Silva CL, Cal RG, Beer I, Michels V, Safi J, Kayath M, Silva E; Costs StudyGroup - Latin American Sepsis Institute. A multicentre, prospective study to evaluate costs of septic patients in Brazilian intensive care units. Pharmacoeconomics. 2008;26(5):425-34.
  • 4
    Liu V, Escobar GJ, Greene JD, Soule J, Whippy A, Angus DC, et al. Hospital deaths in patients with sepsis from 2 independent cohorts. JAMA. 2014;312(1):90-2.
  • 5
    Machado FR, Cavalcanti AB, Bozza FA, Ferreira EM, Angotti Carrara FS, Sousa JL, Caixeta N, Salomao R, Angus DC, Pontes Azevedo LC; SPREAD Investigators; Latin American Sepsis Institute Network. The epidemiology of sepsis in Brazilian intensive care units (the Sepsis PREvalence Assessment Database, SPREAD): an observational study. Lancet Infect Dis. 2017;17(11):1180-9.
  • 6
    Beale R, Reinhart K, Brunkhorst FM, Dobb G, Levy M, Martin G, Martin C, Ramsey G, Silva E, Vallet B, Vincent JL, Janes JM, Sarwat S, Williams MD; PROGRESS Advisory Board. Promoting Global Research Excellence in Severe Sepsis (PROGRESS): lessons from an international sepsis registry. Infection. 2009;37(3):222-32.
  • 7
    Westphal GA, Koenig A, Caldeira Filho M, Feijó J, de Oliveira LT, Nunes F, et al. Reduced mortality after the implementation of a protocol for the early detection of severe sepsis. J Crit Care. 2011;26(1):76-81.
  • 8
    Sales Júnior JA, David CM, Hatum R, Souza PC, Japiassú A, Pinheiro CT, Friedman G, Silva OB, Dias MD, Koterba E, Dias FS, Piras C, Luiz RR; Grupo de Estudo de Sepse do Fundo AMIB. An epidemiological study of sepsis in intensive care units: Sepsis Brazil study. Rev Bras Ter Intensiva, 2006;18(1):9-17. Portuguese.
  • 9
    Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb SA, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including the Pediatric Subgroup. Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med. 2013;41(2): 580-637.
  • 10
    Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, Peterson E, Tomlanovich M; Early Goal-Directed Therapy Collaborative Group. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001;345(19):1368-77.
  • 11
    Mouncey PR, Osborn TM, Power GS, Harrison DA, Sadique MZ, Grieve RD, Jahan R, Harvey SE, Bell D, Bion JF, Coats TJ, Singer M, Young JD, Rowan KM; ProMISe Trial Investigators. Trial of early, goal-directed resuscitation for septic shock. N Engl J Med. 2015;372(14):1301-11.
  • 12
    ProCESS Investigators, Yealy DM, Kellum JA, Huang DT, Barnato AE, Weissfeld LA, Pike F, et al. A randomized trial of protocol-based care for early septic shock. N Engl J Med. 2014;370(18):1683-93.
  • 13
    ARISE Investigators, ANZICS Clinical Trials Group, Peake SL, Delaney A, Bailey M, Bellomo R, Cameron PA, Cooper DJ, et al. Goal-directed resuscitation for patients with early septic shock. N Engl J Med. 2014;371(16):1496-506.
  • 14
    Page DB, Donnelly JP, Wang HE. Community-, healthcare-, and hospital-acquired severe sepsis hospitalizations in the University Health System Consortium. Crit Care Med. 2015;43(9):1945-51.
  • 15
    Westphal GA, Lino AS. Systematic screening is essential for early diagnosis of severe sepsis and septic shock. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(2):96-101.
  • 16
    Oltean S, Tatulescu D, Bondor C, Slavcovici A, Cismaru C, Lupse M, et al. Charlson's weighted index of comorbidities is useful in assessing the risk of death in septic patients. J Crit Care. 2012;27(4):370-5.
  • 17
    Adrie C, Alberti C, Chaix-Couturier C, Azoulay E, De Lassence A, Cohen Y, et al. Epidemiology and economic evaluation of severe sepsis in France: age, severity, infection site, and place of acquisition (community, hospital, or intensive care unit) as determinants of workload and cost. J Crit Care. 2005;20(1):46-58.
  • 18
    Tsertsvadze A, Royle P, McCarthy N. Community-onset sepsis and its public health burden: protocol of a systematic review. Syst Rev. 2015;4:119.
  • 19
    Hoenigl M, Wagner J, Raggam RB, Prueller F, Prattes J, Eigl S, et al. Characteristics of hospital-acquired and community-onset blood stream infections, South-East Austria. PLoS One 2014;9(8):e104702.
  • 20
    Alberti C, Brun-Buisson C, Burchardi H, Martin C, Goodman S, Artigas A, et al. Epidemiology of sepsis and infection in ICU patients from an international multicentre cohort study. Intensive Care Med. 2002;28(2):108-21.
  • 21
    Marik PE, Raghunathan K, Bloomstone J. Rebuttal From Dr Marik et al. Chest. 2013;144(2):379-80.
  • 22
    Ferrer R, Artigas A, Levy MM, Blanco J, González-Díaz G, Garnacho-Montero J, Ibáñez J, Palencia E, Quintana M, de la Torre-Prados MV; Edusepsis Study Group. Edusepsis Study Group. Improvement in process of care and outcome after a multicenter severe sepsis educational program in Spain. JAMA. 2008;299(19):2294-303.
  • 23
    Westphal GA, Koenig A, Caldeira Filho M, Feijó J, de Oliveira LT, Nunes F, et al. Reduced mortality after the implementation of a protocol for the early detection of severe sepsis. J Crit Care. 2011;26(1):76-81.
  • 24
    Shiramizo SC, Marra AR, Durão MS, Paes ÂT, Edmond MB, Pavão dos Santos OF. Decreasing mortality in severe sepsis and septic shock patients by implementing a sepsis bundle in a hospital setting. Plos One 2011;6(11):e26790.
  • 25
    Bloos F, Thomas-Ru¨ddel D, Ru¨ddel H, Engel C, Schwarzkopf D, Marshall JC, Harbarth S, Simon P, Riessen R, Keh D, Dey K, Weiß M, Toussaint S, Schädler D, Weyland A, Ragaller M, Schwarzkopf K, Eiche J, Kuhnle G, Hoyer H, Hartog C, Kaisers U, Reinhart K; MEDUSA Study Group. Impact of compliance with infection management guidelines on outcome in patients with severe sepsis: a prospective observational multi-center study. Crit Care. 2014;18(2):R42.
  • 26
    Seymour CW, Gesten F, Prescott HC, Friedrich ME, Iwashyna TJ, Phillips GS, et al. Time to treatment and mortality during mandated emergency care for sepsis. N Engl J Med. 2017;376(23):2235-44.
  • 27
    Genga K, Russell JA. Early liberal fluids for sepsis patients are harmful. Crit Care Med. 2016;44(12):2258-62.
  • 28
    Acheampong A, Vincent JL. A positive fluid balance is an independent prognostic factor in patients with sepsis. Crit Care. 2015;19:251.
  • 29
    Westphal GA, Feijó J, Andrade PS, Trindade L, Suchard C, Monteiro MA, et al. Early detection strategy and mortality reduction in severe sepsis. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(2):113-23.
  • 30
    Antonelli M, DeBacker D, Dorman T, Kleinpell R, Levy M, Rhodes A. Surviving Sepsis Campaign Responds to Sepsis-3. 2016. Available from: http://www.survivingsepsis.org/SiteCollectionDocuments/SSC-Statements-Sepsis-Definitions-3-2016.pdf (accessed April 2017).
    » http://www.survivingsepsis.org/SiteCollectionDocuments/SSC-Statements-Sepsis-Definitions-3-2016.pdf
  • 31
    Surviving Sepsis Campaign: updated bundles in response to new evidence. 2014. Available from: http://www.survivingsepsis.org/sitecollectiondocuments/ssc_bundle.pdf (accessed April 2017).
    » http://www.survivingsepsis.org/sitecollectiondocuments/ssc_bundle.pdf

Editado por

Editor responsável: Flávia Ribeiro Machado

Disponibilidade de dados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2018
  • Aceito
    04 Dez 2018
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br