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Ativação de oxigenação por membrana extracorpórea: uma atitude terapêutica a ponderar

RESUMO

Objetivo:

Descrever o perfil epidemiológico das vítimas assistidas pela Viatura Médica de Emergência e Reanimação em paragem cardiorrespiratória e refletir se tinham critérios para utilizar a oxigenação por membrana extracorpórea.

Métodos:

Estudo retrospectivo, de coorte, descritivo e exploratório. A colheita de dados foi efetuada durante o mês de janeiro de 2018, na região Norte de Portugal, por meio da consulta à base de registos da Viatura Médica de Emergência e Reanimação sobre assistências prestadas no período de 2012 a 2016. Foi elaborada uma grelha de observação suportada pelo instrumento utilizado para a colheita de dados do registo nacional de paragem cardiorrespiratória pré-hospitalar.

Resultados:

Após aplicar critérios de inclusão, a amostra foi composta por 36 vítimas. Verificou-se que a oxigenação por membrana extracorpórea poderia ter sido aplicada a 24 vítimas no período balizado da colheita de dados, o que resultaria em várias possibilidades de transplantação e/ou sobrevivência, quer da própria vítima quer de outras vidas.

Conclusão:

A Viatura Médica de Emergência e Reanimação tem potencial para ser incluída na rede oxigenação por membrana extracorpórea da área em estudo.

Descritores:
Oxigenação por membrana extracorpórea; Parada cardíaca; Cuidados críticos; Ambulâncias; Emergências

ABSTRACT

Objective:

To describe the epidemiological profile of victims of cardiac arrest assisted using a nontransporting emergency medical service vehicle and to determine whether these patients met the criteria for the use of extracorporeal membrane oxygenation.

Methods:

This study employed a retrospective, cohort, descriptive, and exploratory design. Data were collected in January 2018 in northern Portugal by consulting the records of nontransporting emergency medical service vehicles that provided assistance between 2012 and 2016. An observation grid was prepared that was supported by the instrument used for collecting data from the national registry of out-ofhospital cardiac arrests.

Results:

After applying the inclusion criteria, the sample consisted of 36 victims. Extracorporeal membrane oxygenation could have been applied to 24 victims during the period analyzed, which might have increased the odds for transplantation, survival, or both, for either the victim or other individuals.

Conclusion:

Nontransporting emergency medical service vehicles have the potential for inclusion in the extracorporeal membrane oxygenation network of the study area.

Keywords:
Extracorporeal membrane oxygenation; Heart arrest; Critical care; Ambulances; Emergencies

INTRODUÇÃO

Atualmente, a prestação de cuidados ao doente crítico traduz-se como um grande desafio para os profissionais de saúde. As mudanças que recentemente se têm operado, em termos de aumento e de complexidade dos problemas de saúde das pessoas, e a sofisticação das tecnologias, quer de diagnóstico quer de tratamento, impõem aos profissionais conhecimentos e práticas atualizados para gestão de cuidados ao doente crítico.(11 Aires CM. Cuidados de enfermagem especializados perante múltiplas vitimas em situação critica [dissertação]. [Internet]. Lisboa: Escola Superior de Enfermagem de Lisboa; 2015. [citado 2017 Mai 30]. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.26/16490
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)

O doente crítico define-se como "aquele em que, por disfunção ou falência profunda de um ou mais órgãos ou sistemas, a sua sobrevivência esteja dependente de meios avançados de monitorização e terapêutica". Assim, doente crítico é uma pessoa cuja vida está ameaçada e depende de meios avançados de monitorização, vigilância e terapêutica.(22 Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos. Transporte de doentes críticos. Recomendações [Internet]. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos; 2008. p. 9 [atualizado 2016; citado 2017 Jun 30]. Disponível em: https://spci.pt/files/2016/03/9764_miolo1.pdf
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) Diferentes complicações do doente crítico podem levar a uma paragem cardiorrespiratória.

Entende-se a paragem cardiorrespiratória como a cessação da atividade mecânica do coração, confirmada pela ausência de sinais de circulação, tendo como causa várias situações clínicas. A paragem cardiorrespiratória caracteriza-se por quatro padrões de alteração do ritmo cardíaco, sendo o mais comum a fibrilação ventricular, seguida da taquicardia ventricular sem pulso, da atividade elétrica sem pulso e da assistolia.(33 Moura LT, Lacerda LC, Gonçalves DD, Andrade RB, Oliveira YR. Assistência ao paciente em parada cardiorrespiratória em unidade de terapia intensiva. Rev RENE. 2012;13(2):419-27.)

As manobras de ressuscitação cardiopulmonar são a intervenção clínica mais comum para restabelecer a circulação espontânea do doente crítico. A ressuscitação cardiopulmonar deve ser uma intervenção precoce, apropriada, coordenada e padronizada, para que se alcance o sucesso na reversão clínica.(44 Silva RM, Silva BA, Silva FJ, Amaral CF. Ressuscitação cardiopulmonar de adultos com parada cardíaca intra-hospitalar utilizando o estilo Utstein. Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(4): 427-35.) É possível recuperar a circulação espontânea com o Suporte Básico de Vida, mas este não é, na maioria das situações, suficiente, sendo necessário iniciar manobras de Suporte Avançado de Vida, que consiste em alcançar retorno da circulação espontânea, por meio de cuidados médicos avançados. Idealmente, o Suporte Avançado de Vida deve ser iniciado ainda na fase pré-hospitalar e continuado no hospital. Sempre que ocorra uma reanimação com sucesso, é fundamental manter os cuidados pós-reanimação, visando preservar a integridade dos órgãos.(55 República Portuguesa. Serviço Nacional de Saúde. Instituto Nacional de Emergência Médica. Cadeia de sobrevivência [Internet]. Gestos que salvam: INEM; 2017 [citado 2017 Out 10]. Disponível em: http://www.inem.pt/2017/05/29/cadeia-de-sobrevivencia/
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) Com este propósito, em alguns países, já se procedeu à introdução da oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO).

Em Portugal, o aparecimento da ECMO foi consequência da pandemia resultante da infeção pelo vírus influenza A (H1N1) em 2009. A nível mundial, foram inúmeras as instituições que adotaram o mesmo tipo de intervenção.(66 Farias AC. Cuidado de enfermagem especializado à pessoa dependente de oxigenação por membrana extracorporal (ECMO) [dissertação]. [Internet]. Lisboa: Escola Superior de Enfermagem de Lisboa; 2015. [citado 2017 Mai 30]. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.26/16386
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)

A ECMO envolve um circuito extracorporal, que oxigena e remove o dióxido de carbono do sangue, diretamente, usando um oxigenador. As trocas de gases realizam-se por membrana semipermeável. O sangue desoxigenado é drenado para uma cânula de drenagem com uma bomba externa, que o faz passar pelo oxigenador, e é devolvido à vítima por uma cânula de reintrodução. Quando o sangue é drenado pelo sistema venoso é bombeado para uma artéria, o circuito providencia tanto suporte respiratório como cardíaco.(77 Abrams D, Combes A, Brodie D. Extracorporeal membrane oxygenation in cardiopulmonary disease in adults. J Am Coll Cardiol. 2014;63(25 Pt A):2769-78.)

A ECMO está indicada no tratamento do choque cardiogênico refratário, na presença de disfunção severa biventricular, falência cardíaca, paragem cardiorrespiratória e disritmias ventriculares malignas.(88 Stub D, Bernard S, Pellegrino V, Smith K, Walker T, Sheldrake J, et al. Refractory cardiac arrest treated with mechanical CPR, hypothermia, ECMO and early reperfusion (the CHEER trial). Resuscitation. 2015;86:88-94.) Os critérios obrigatórios para a utilização da ECMO são idade compreendida entre 18 anos e 60 anos de idade; ausência de comorbidades significativas; ritmo desfibrilável na primeira avaliação; evidência de tromboembolismo pulmonar, hipotermia ou intoxicação aguda; paragem circulatória presenciada e prontamente assistida; tempo de paragem circulatória até meio de Suporte Avançado de Vida inferior a 10 minutos; tempo de Suporte Avançado de Vida até início da canulação entre 10 a 30 minutos; transporte com dispositivo de compressão torácica mecânica na paragem cardiorespiratória extra-hospitalar.(99 Lamhaut L, Jouffroy R, Soldan M, Phillipe P, Deluze T, Jaffry M, et al. Safety and feasibility of prehospital extra corporeal life support implementation by non-surgeons for out-of-hospital refractory cardiac arrest. Resuscitation. 2013;84(11):1525-9.)

A evidência científica tem demostrado que a utilização da ECMO é importante em diferentes contextos. A ECMO reduz as taxas de mortalidade e recupera órgãos para transplante.(1010 Shin JS, Lee SW, Han GS, Jo WM, Choi SH, Hong YS. Successful extracorporeal life support in cardiac arrest with recurrent ventricular fibrillation unresponsive to standard cardiopulmonary resuscitation. Resuscitation. 2007;73(2):309-13.,1111 Governo de Portugal. Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP. Operacionalização do programa de colheita de órgãos em dadores em paragem cardiocirculatória [Internet]. Transplantação-Paragem Cardiocirculatória: Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP. 2014 Out [citado 2017 Set 28]. Disponível em http://www.ipst.pt/files/TRANSPLANTACAO/Paragem_Cardiocirculatoria.pdf
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)

A organização de respostas a situações de emergência, em particular, tem sido da responsabilidade do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). No pré-hospitalar, a intervenção clínica tem o objetivo de garantir à população a prestação de cuidados de saúde a sinistrados e vítimas de doença súbita, assegurando correta abordagem e estabilização da vítima no local da ocorrência.(1212 Portugal. Ministério da Saúde. Decreto Lei nº124/2011. Lisboa (PT): Diário da República 1ª série; 2011 Dez 29. 8 p. Nº 249 [Internet]. [citado 2017 Dez 18]. Disponível em: INEM: http://www.inem.pt/wp-content/uploads/2017/07/01-Decreto-Lei-124-Lei-Org%C3%A2nica-do-Minist%C3%A9rio-da-Sa%C3%BAde.pdf
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) Um dos meios de intervenção no contexto pré-hospitalar é a Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER), que é um veículo de intervenção pré-hospitalar, que se destina ao transporte rápido, realizado por um médico e um enfermeiro, com formação específica em emergência médica, particularmente em Suporte Avançado de Vida e Suporte Avançado de Vida em Trauma.(1313 Portugal. Ministério da Saúde. Despacho nº 14898/2011. Lisboa (PT): Diário da República 2ª série; 2011 Nov 3. 2 p. Nº 211 43563 [Internet]. [citado 2017 Dez 19]. Disponível em: http://sanchoeassociados.com/DireitoMedicina/Omlegissum/legislacao2011/Novembro/Desp_14898_2011.pdf
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)

Face ao supracitado, questionamos: As vítimas em paragem cardiorrespiratória, assistidas pela VMER de um centro hospitalar, tinham critérios para aplicação da ECMO?

Assim, foram definidos os objetivos: descrever o perfil epidemiológico das vítimas assistidas pela VMER em paragem cardiorrespiratória e refletir se elas tinham critérios para utilizar a ECMO.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo retrospectivo, de coorte, descritivo. O estudo reporta-se a vítimas assistidas pela VMER de um centro hospitalar, no ano 2012 a 2016, de um conselho do norte de Portugal.

No período considerado para o estudo, foram assistidas 8.330 vítimas, no entanto, selecionando apenas vítimas em paragem cardiorrespiratória, ficamos com uma amostra 1.525.

Definimos como critérios de inclusão idade compreendida entre 18 anos e 60 anos; ausência de comorbidades significativas; ritmo desfibrilável na primeira avaliação; evidência de tromboembolismo pulmonar, hipotermia ou intoxicação aguda; paragem cardiorrespiratória presenciada e prontamente assistida; tempo de paragem cardiorrespiratória até meio de Suporte Avançado de Vida inferior a 10 minutos (podendo atingir os 15 minutos); tempo de Suporte Avançado de Vida até início da canulação entre 10 a 30 minutos; transporte com dispositivo de compressão torácica na paragem cardiorrespiratória extra-hospitalar.(99 Lamhaut L, Jouffroy R, Soldan M, Phillipe P, Deluze T, Jaffry M, et al. Safety and feasibility of prehospital extra corporeal life support implementation by non-surgeons for out-of-hospital refractory cardiac arrest. Resuscitation. 2013;84(11):1525-9.) Após aplicação destes critérios, trabalhamos com amostra não probabilística racional com 36 vítimas em paragem cardiorrespiratória.

A recolha de informação foi obtida por consulta dos processos clínicos. Foi elaborada uma grelha de registos, na qual a informação foi organizada por grupos. O primeiro grupo destinou-se a dados sociodemográficos (idade, sexo, ano de ocorrência e antecedentes patológicos). O segundo grupo foi composto por outras variáveis (locais de ocorrência, tipo de ocorrência, hipótese de diagnóstico, horas reais e ritmos cardíacos). Por fim, o terceiro grupo remeteu-se aos critérios de inclusão, sendo eles aplicação de desfibrilador automático externo (DAE) à chegada; tempo até chegada da VMER inferior a 15 minutos; distância do local de ocorrência ao serviço de urgência do centro de referência inferior a 30 minutos.(1111 Governo de Portugal. Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP. Operacionalização do programa de colheita de órgãos em dadores em paragem cardiocirculatória [Internet]. Transplantação-Paragem Cardiocirculatória: Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP. 2014 Out [citado 2017 Set 28]. Disponível em http://www.ipst.pt/files/TRANSPLANTACAO/Paragem_Cardiocirculatoria.pdf
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)

O trabalho foi realizado com autorização da Comissão Ética e Conselho de Administração da instituição onde foi realizada a recolha de informação (Enfermagem da Escola Superior de Saúde do Vale do Ave - ESSVA/ENF-Va-017/2017). Foi garantido o respeito de todos os pressupostos deontológicos inerentes à ética da investigação com seres humanos. A informação recolhida foi organizada e posteriormente analisada, recorrendo-se à análise estatística descritiva (contagens, médias, percentagens e desvio padrão) e inferencial (teste da binominal e teste da aderência do qui-quadrado), por meio do programa Statiscal Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23.

RESULTADOS

A apresentação dos resultados foi organizada tendo como primeiro momento a caracterização sociodemográfica das vítimas, seguindo-se as outras variáveis.

Caraterização sociodemográfica

Foram incluídas 36 vítimas em paragem cardiorrespiratória, e 26 (72,2%) delas eram do sexo masculino. Verificou-se variação de idades, desde os 25 aos 60 anos de idade, sendo a média de idades de 48,06 anos, e o desvio padrão de 10,26. Relativamente ao ano de ocorrência, verificamos que 2013 foi o ano em que houve maior taxa de ocorrência de paragem cardiorrespiratória (12 ocorrências; 33,3%), seguido de 2014 (9 ocorrências; 25%), 2012 e 2016 (6 ocorrências; 16,7%) e 2015 (3 ocorrências; 8,3%).

A doença mental e diabetes mellitus foram os principais antecedentes patológicos no sexo feminino, seguidos de hipertensão arterial e problemas respiratórios; alcoolismo e obesidade surgiram em apenas uma vítima. No sexo masculino, hipertensão arterial, diabetes mellitus, doença cardíaca, obesidade e acidente vascular cerebral foram predominantes; doença mental, dislipidemia, neoplasias e doença hepática, e vítimas com hábitos de tabagismo e de alcoolismo foram menos frequentes.

Outras variáveis

Apresentamos dados sobre local e tipo de ocorrência, hipóteses de diagnóstico, horas reais e ritmos cardíacos. Em relação ao local de ocorrência (Figura 1), o domicílio foi o local onde ocorreu maior assistência por parte da VMER, cerca de 69,44% (25 ocorrências), seguido de 11,11% (4 ocorrências) na via pública e 5,56% em instituição pública (2 ocorrências) e com menos significado em instituições de saúde e 2,78% (clínicas de saúde) em rendez-vous.

Figura 1
Local de ocorrência de vítimas assistidas pela Viatura Médica de Emergência e Reanimação da região norte de Portugal.

No que respeita aos ritmos cardíacos, importa ressalvar que do universo total das paragem cardiorrespiratória foram excluídas as que apresentavam ritmo de assistolia (Figura 2); o ritmo de paragem mais comum quando da chegada da VMER foi a fibrilação ventricular, com 36,11% (13 vítimas), seguida de atividade elétrica sem pulso com 25% (9 vítimas). As vítimas restantes (14; 38,89%) não apresentavam ritmos de paragem, tendo sido denominados como "outros". Estes ritmos foram avaliados quando da chegada da VMER ao local; em algumas das ocorrências os bombeiros já tinham iniciado manobras de Suporte Básico de Vida, tendo algumas das vítimas recuperado ritmo sinusal. Ou seja, à chegada da VMER, os ritmos não eram de paragem cardiorrespiratória, porém foram registados como paragem cardiorrespiratória revertida.

Figura 2
Ritmos cardíacos referentes à primeira análise das vítimas assistidas pela Viatura Médica de Emergência e Reanimação da região norte de Portugal.

AESP - atividade elétrica sem pulso; FV - fibrilação ventricular.


Na figura 3, pode ler-se que o tempo de resposta da VMER, (sendo este o intervalo de tempo entre a ativação da VMER e a chegada da equipe ao local) variou entre 1 e 31 minutos, sendo que as maiores prevalências de resposta da VMER foram de 1 até 15 minutos (32 ocorrências) e dos 15 aos 31 minutos (4 ocorrências). A média do tempo de resposta foi de 10 minutos e 3 segundos, e o desvio padrão foi de 0,0043. Este valor favorável à sobrevida da vítima integra os critérios de ECMO (suportado na janela de resposta otimizada).

Figura 3
Tempo de resposta às vítimas de paragem cardiorrespiratória pela Viatura Médica de Emergência e Reanimação.

VMER - Viatura Médica de Emergência e Reanimação.


Critérios para transplantação

Pela análise da tabela 1, que apresenta as variáveis de inclusão para a transplantação, verificou-se que o DAE foi aplicado em 16,7% (6 vítimas) dos casos, mas não foi usado em 83,3% (30 vítimas). Em 88,9% (32 ocorrências), o tempo de ocorrência foi inferior a 15 minutos e em 11,1% (4 ocorrências), o tempo foi superior a 15 minutos. No que respeita à distância do local de ocorrência até ao serviço de urgência, um hospital central da região norte, 66,7% (24 ocorrências) conseguiram chegar ao local com tempo inferior a 30 minutos e 30,6% (11 ocorrências) ultrapassaram o tempo limite de 30 minutos, sendo que 2,8% (1 ocorrência) não apresentavam dados sobre a localização. Para o tratamento destes dados, foi necessária a utilização dos dados de localização da base de dados fornecida pela VMER, tendo sido calculado o tempo de deslocação até ao serviço de urgência de um hospital central da região norte através do programa Global Positioning System.

Tabela 1
Análise univariada das variáveis de inclusão das vítimas de paragem cardiorrespiratória para a transplantação

Na variável "ano de ocorrência", o valor de p = 0,165 e > 0,05, logo aceitou-se que não houve evidência estatística suficiente para afirmar que as ocorrências se dividiram igualmente pelos 5 anos de ocorrências. No caso do local de ocorrência, valor de p = 0,000 e < 0,05. Houve evidência estatística suficiente para afirmar que as hipóteses de local de ocorrência não se dividiram equitativamente por suas opções, ou seja, não houve o mesmo número de ocorrências em cada um dos locais, uma vez que decorreram com maior frequência no domicílio. No que se refere ao caso da variável "ritmos cardíacos", p = 0,000 e < 0,05. Entende-se que existiu evidência estatística suficiente para afirmar que as ocorrências não se dividiram igualmente por cada opção de ritmo cardíaco (Tabela 2).

Tabela 2
Análise inferencial: teste da aderência do qui-quadrado em variáveis de inclusão para transplantação e outras variáveis

DISCUSSÃO

O objetivo principal deste trabalho foi identificar se as vítimas em paragem cardiorrespiratória, assistidas pela VMER de um centro hospitalar, tinham critérios para aplicação da ECMO. O estudo realizado na região Norte de Portugal, consultando-se a base de dados da VMER, cuja população-alvo foi de 8.330 vítimas, chegou-se a uma amostra com 36 pacientes após a aplicação dos critérios de inclusão.

A média das idades destas vítimas foi de 48 anos de idade. Destacou-se o sexo masculino face ao sexo feminino. Este perfil corrobora os resultados encontrados por Branco(1414 Branco MR. Potencial da ressuscitação cardiopulmonar assistida por ECMO na emergência pré-hospitalar [dissertação]. [Internet]. Portugal: Escola Superior de Saúde, Instituto Politécnico de Viana do Castelo; 2015. [citado 2018 Jan 13];. Disponível em: http://repositorio.ipvc.pt/handle/20.500.11960/1359
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) que também teve mais vítimas do sexo masculino. Este perfil pode estar relacionado com os antecedentes pessoais das vítimas, sendo predominantes a hipertensão arterial e o diabetes mellitus; estas patologias associam-se ainda a acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca e hábitos de tabagismo no sexo masculino, enquanto que, no feminino, os antecedentes de relevo baseavam-se em doença mental. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística,(1515 Portugal. Instituto Nacional de Estatística. Óbitos por local de residencia, sexo, grupo etário e causa de morte anual. Indicadores de ocorrencias [Internet]. Portugal: Instituto Nacional de Estatística; 2016 [atualizado 2018 Março 16; citado 2018 Abr 27 ]. Disponível em: https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0008206&contexto=bd&selTab=tab2
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) as doenças de transtornos mentais e comportamentais foram predominantes no sexo feminino. Por outro lado, as doenças cardiovasculares predominam no sexo masculino, o que ajuda a compreender as características das vítimas.

Salientou-se que, no ano de 2013, houve maior taxa de ocorrência de ativações da VMER. No que respeita ao local de ocorrência, esta foi predominantemente no domicílio, não havendo dados de comparação para estas ocorrências. Tendo em conta a idade das vítimas variar entre os 20 e os 60 anos, uma vez que nesta idade as vítimas não estão institucionalizadas e observando a hora de ativação da VMER, a maioria ocorreu em horário pós-laboral e em horário de almoço.

Quanto aos ritmos de cardíacos encontrados, o mais prevalente foi a fibrilação ventricular, seguida da atividade elétrica sem pulso. Os dados encontrados foram idênticos aos de Branco,(1414 Branco MR. Potencial da ressuscitação cardiopulmonar assistida por ECMO na emergência pré-hospitalar [dissertação]. [Internet]. Portugal: Escola Superior de Saúde, Instituto Politécnico de Viana do Castelo; 2015. [citado 2018 Jan 13];. Disponível em: http://repositorio.ipvc.pt/handle/20.500.11960/1359
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) em que a fibrilação ventricular foi o segundo ritmo a prevalecer, sendo a assistolia o ritmo primordial. Contudo, na nossa apresentação de dados, não referimos o ritmo assistolia, pois sua exclusão é um dos critérios de inclusão para a ativação da ECMO. Assim, por causa deste, 310 vítimas que apresentavam ritmo de assistolia foram excluidas da amostra. De acordo com o estudo, esta variável foi relacionada com o tempo em que a vítima esteve sem Suporte Básico de Vida, devido ao tempo de ativação do INEM e, consequentemente, das equipes de emergência até a chegada ao local onde estava a vítima.

O tempo de resposta da VMER foi inferior a 15 minutos na maior parte dos casos. Logo, compreendemos que a resposta rápida foi crucial para terem existido vítimas ainda com ritmo que não assistolia. Estes dados afirmam também que seria possível aplicar o ECMO, uma vez que o tempo inferior a 30 minutos é um dos critérios de inclusão. As variáveis ritmos relacionaram-se com os diversos procedimentos na abordagem à vítima em PCR, nomeadamente a desfibrilação automática externa.

O DAE foi aplicado a algumas vítimas, mas não pela VMER, visto que este procedimento não é realizado pela mesma, mas sim com a utilização de um desfibrilador manual.

O tempo em que a vítima se encontrou em paragem cardiorrespiratória até ao início das manobras de Suporte Básico de Vida foi inferior a 15 minutos na maior parte das ocorrências, mas existiram ocorrências iniciadas em um tempo superior aos 15 minutos e, ainda, outras destas ocorrências não tinham informação sobre o início de paragem cardiorrespiratória, o que se traduz em não resposta. Branco(1414 Branco MR. Potencial da ressuscitação cardiopulmonar assistida por ECMO na emergência pré-hospitalar [dissertação]. [Internet]. Portugal: Escola Superior de Saúde, Instituto Politécnico de Viana do Castelo; 2015. [citado 2018 Jan 13];. Disponível em: http://repositorio.ipvc.pt/handle/20.500.11960/1359
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) obteve dados em que o Suporte Básico de Vida foi iniciado em um período de tempo não superior a 10 minutos, tendo variado entre o zero e 5 minutos.

Um dos critérios principais para a ativação da ECMO é o tempo de distância do local da ocorrência ao serviço de urgência inferior a 30 minutos; neste estudo, 24 ocorrências cumpriram esse critério e 11 ultrapassavam o limite máximo de 30 minutos. Com isto, a ECMO poderia ter sido aplicada a 24 vítimas no período balizado da recolha de dados, o que resultaria em várias possibilidades de transplantação e/ou sobrevivência, quer da própria vítima quer de outras, concluindo que seria importante a inclusão da VMER no programa ECMO, aumentando a possibilidade de recuperação de vítimas com essa técnica.

Emergiram algumas limitações no desenvolver desta investigação, assim, sugerimos mais investigações nesta área cientifica. Deparamo-nos com a escassez de artigos sobre a temática em estudo e a falta de registos referentes às vítimas, dados sobre taxas de complicação, taxas de sobrevivências, de recuperação, custo monetário e treino dos profissionais.

CONCLUSÃO

Esta temática foi pertinente pelo presumível de que quanto maior o conhecimento, maior será a capacidade individual na correta avaliação e no tratamento executado de forma adequada, assim como sua implementação, uma vez que este tema é ainda recente e pouco desenvolvido. A oxigenação por membrana extracorpórea contribui para o aumento das taxas de sobrevivência nas diferentes faixas etárias e pode reduzir as taxas de mortalidade em vítimas em choque cardiogênico após infarto agudo do miocárdio, cardiotomia e, principalmente, paragem cardiorrespiratória, assim como possibilita e contribui para a recuperação de órgãos para transplante, diminuindo os tratamentos em doentes crônicos e a doação de cadáver a médio prazo. Verificamos a importância da inclusão da Viatura Médica de Emergência e Reanimação de um hospital periférico como parte integrante de referenciação no programa oxigenação por membrana extracorpórea, pois foram encontradas vítimas com critérios para sua aplicação, sendo estes dados fundamentais para a obtenção de ganhos em saúde.

AGRADECIMENTOS

Este estudo não seria possível sem a colaboração da equipe da Viatura Médica de Emergência e Reanimação, do Centro Hospitalar onde foi realizado o estudo. Deixamos aqui expresso o nosso muito obrigado pelo trabalho de equipe realizado.

REFERÊNCIAS

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Editado por

Editor responsável: Luciano César Pontes de Azevedo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2018
  • Aceito
    18 Fev 2019
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