Acessibilidade / Reportar erro

Características e preditores de doença crítica crônica na unidade de terapia intensiva

RESUMO

Objetivo:

Caracterizar os pacientes com doença crítica crônica e identificar os preditores relacionados à evolução para doença crítica crônica.

Métodos:

Coleta prospectiva de dados por 1 ano realizada na unidade de terapia intensiva de um hospital geral localizado na Região Sul do país. Construíram-se três modelos de regressão logística para identificar os fatores associados com doença crítica crônica.

Resultados:

Dentre os 574 pacientes admitidos à unidade de terapia intensiva durante o período do estudo, 200 foram submetidos à ventilação mecânica. Destes, 85 (43,5%) pacientes desenvolveram doença crítica crônica, totalizando 14,8% de todos os pacientes admitidos à unidade de terapia intensiva. O modelo de regressão que avaliou os fatores prévios à admissão à unidade de terapia intensiva associados com doença crítica crônica identificou insuficiência renal crônica submetida à diálise (OR 3,57; p = 0,04) e diagnóstico neurológico quando da admissão ao hospital (OR 2,25; p = 0,008) como fatores independentes. No modelo que avaliou a associação de doença crítica crônica com situações ocorridas durante a permanência na unidade de terapia intensiva, destacaram-se fraqueza muscular (OR 2,86; p = 0,01) e úlceras por pressão (OR 9,54; p < 0,001). Na análise multivariada global (fatores prévios e situações ocorridas durante a permanência na unidade de terapia intensiva), destacaram-se admissão ao hospital por doenças neurológicas (OR 2,61; p = 0,03) e desenvolvimento de úlceras por pressão (OR 9,08; p < 0,001).

Conclusão:

A incidência de doença crítica crônica foi similar à observada em outros estudos e teve associação mais forte com o diagnóstico de doenças neurológicas quando da admissão ao hospital e insuficiência renal crônica submetida à hemodiálise, assim como com complicações desenvolvidas durante a hospitalização, como úlceras por pressão e fraqueza muscular.

Descritores:
Estado terminal; Respiração artificial; Úlcera por pressão; Debilidade muscular; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective:

To characterize patients with chronic critical illness and identify predictors of development of chronic critical illness.

Methods:

Prospective data was collected for 1 year in the intensive care unit of a general hospital in Southern Brazil. Three logistic regression models were constructed to identify factors associated with chronic critical illness.

Results:

Among the 574 subjects admitted to the intensive care unit, 200 were submitted to mechanical ventilation. Of these patients, 85 (43.5%) developed chronic critical illness, composing 14.8% of all the patients admitted to the intensive care unit. The regression model that evaluated the association of chronic critical illness with conditions present prior to intensive care unit admission identified chronic renal failure in patients undergoing hemodialysis (OR 3.57; p = 0.04) and a neurological diagnosis at hospital admission (OR 2.25; p = 0.008) as independent factors. In the model that evaluated the association of chronic critical illness with situations that occurred during intensive care unit stay, muscle weakness (OR 2.86; p = 0.01) and pressure ulcers (OR 9.54; p < 0.001) had the strongest associations. In the global multivariate analysis (that assessed previous factors and situations that occurred in the intensive care unit), hospital admission due to neurological diseases (OR 2.61; p = 0.03) and the development of pressure ulcers (OR 9.08; p < 0.001) had the strongest associations.

Conclusion:

The incidence of chronic critical illness in this study was similar to that observed in other studies and had a strong association with the diagnosis of neurological diseases at hospital admission and chronic renal failure in patients undergoing hemodialysis, as well as complications developed during hospitalization, such as pressure ulcers and muscle weakness.

Keywords:
Critical illness; Respiration, artificial; Pressure ulcers; Muscle weakness; Intensive care units

INTRODUÇÃO

Os avanços em termos da terapia intensiva e do uso de novas tecnologias resultaram em uma maior sobrevivência entre pacientes críticos. Contudo, alguns pacientes que sobrevivem à doença aguda permanecem dependentes de terapia intensiva por longos períodos, caracterizando uma população com doença crítica crônica (DCC).(11 Estenssoro E, Reina R, Canales HS, Saenz MG, Gonzalez FE, Aprea MM, et al. The distinct clinical profile of chronically critically ill patients: a cohort study. Crit Care. 2006;10(3):R89.

2 Wiencek C, Winkelman C. Chronic critical illness: prevalence, profile, and pathophysiology. AACN Adv Crit Care. 2010;21(1):44-61.
-33 Sjoding MW, Cooke CR. Chronic critical illness: a growing legacy of successful advances in critical care. Crit Care Med. 2015;43(2):476-7.) Esta população é geralmente composta por pacientes com idade avançada e/ou com comorbidades crônicas, que desenvolvem dependência prolongada e contínua de ventilação mecânica (VM) e complicações, como disfunção cerebral, fraqueza muscular, distúrbios endócrinos, desnutrição e úlceras por pressão.(44 Nelson JE, Meier DE, Litke A, Natale DA, Siegel RE, Morrison RS. The symptom burden of chronic critical illness. Crit Care Med. 2004;32(7):1527-34.)

A confirmação da progressão da fase aguda para uma DCC é difícil, pois não existe referência óbvia para definir tal transição.(33 Sjoding MW, Cooke CR. Chronic critical illness: a growing legacy of successful advances in critical care. Crit Care Med. 2015;43(2):476-7.,55 Carson SS. Definitions and epidemiology of the chronically critically ill. Respir Care. 2012;57(6):848-56; discussion 856-8.) Além disto, não há definição uniformemente aceita da caracterização de DCC.(55 Carson SS. Definitions and epidemiology of the chronically critically ill. Respir Care. 2012;57(6):848-56; discussion 856-8.,66 Nelson JE, Cox CE, Hope AA, Carson SS. Chronic critical illness. Am J Respir Crit Care Med. 2010;182(4):446-54.) As definições mais comumente utilizadas são a duração da VM (> 14 dias ou > 21 dias), ou a necessidade de uma traqueostomia.(55 Carson SS. Definitions and epidemiology of the chronically critically ill. Respir Care. 2012;57(6):848-56; discussion 856-8.,77 Boniatti MM, Friedman G, Castilho RK, Vieira SR, Fialkow L. Characteristics of chronically critically ill patients: comparing two definitions. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(4):701-4.) Para fins de parametrização, uma decisão de consenso definiu VM prolongada com duração de pelo menos 21 dias.(88 MacIntyre NR, Epstein SK, Carson S, Scheinhorn D, Christopher K, Muldoon S; National Association for Medical Direction of Respiratory Care. Management of patients requiring prolonged mechanical ventilation: report of a NAMDRC consensus conference. Chest. 2005;128(6):3937-54.

9 Seneff MG, Zimmerman JE, Knaus WA, Wagner DP, Draper EA. Predicting the duration of mechanical ventilation. The importance of disease and patient characteristics. Chest. 1996;110(2):469-79.
-1010 Heyland DK, Konopad E, Noseworthy TW, Johnston R, Gafni A. Is it 'worthwhile' to continue treating patients with a prolonged stay (> 14 days) in the ICU? An economic evaluation. Chest. 1998;114(1):192-8.) Dependendo do critério utilizado, pacientes com DCC respondem por até 15% dos pacientes críticos,(99 Seneff MG, Zimmerman JE, Knaus WA, Wagner DP, Draper EA. Predicting the duration of mechanical ventilation. The importance of disease and patient characteristics. Chest. 1996;110(2):469-79.,1111 Wagner DP. Economics of prolonged mechanical ventilation. Am Rev Respir Dis. 1989;140(2 Pt 2):S14-8.) e, considerando-se o aumento da expectativa de vida e a prevalência de DCC, é previsto que esta população aumente a cada ano.(1212 Zilberberg MD, de Wit M, Pirone JR, Shorr AF. Growth in adult prolonged acute mechanical ventilation: implications for healthcare delivery. Crit Care Med. 2008;36(5):1451-5.

13 Girard K, Raffin TA. The chronically critically ill: to save or let die? Respir Care. 1985;30(5):339-47.
-1414 Halpern NA, Pastores SM, Greenstein RJ. Critical care medicine in the United States 1985-2000: an analysis of bed numbers, use, and costs. Crit Care Med. 2004;32(6):1254-9.)

Pacientes com DCC são uma população com características fisiopatológicas próprias, que sofrem de alterações neuroendócrinas, metabólicas e neuromusculares em até 20% dos casos.(1515 Engoren M, Arslanian-Engoren C, Fenn-Buderer N. Hospital and long-term outcome after tracheostomy for respiratory failure. Chest. 2004;125(1):220-7.,1616 Loss SH, Oliveira RP, Maccari JG, Savi A, Boniatti MM, Hetzel MP, et al. The reality of patients requiring prolonged mechanical ventilation: a multicenter study. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(1):26-35.) As complicações clínicas resultantes destas alterações implicam em maior necessidade de cuidados domiciliares ou institucionalização, re-hospitalizações frequentes, elevadas taxas de mortalidade hospitalar e pós-hospitalar, assim como elevados custos, tanto diretos quanto indiretob-as.(77 Boniatti MM, Friedman G, Castilho RK, Vieira SR, Fialkow L. Characteristics of chronically critically ill patients: comparing two definitions. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(4):701-4.,1717 Carson SS, Bach PB, Brzozowski L, Leff A. Outcomes after long-term acute care. An analysis of 133 mechanically ventilated patients. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(5 Pt 1):1568-73.

18 Engoren M, Arslanian-Engoren C. Hospital and long-term outcome of trauma patients with tracheostomy for respiratory failure. Am Surg. 2005;71(2):123-7.

19 Kahn JM, Carson SS, Angus DC, Linde-Zwirble WT, Iwashyna TJ. Development and validation of an algorithm for identifying prolonged mechanical ventilation in administrative data. Health Serv Outcomes Res Method. 2009;9(2):117-32.

20 Cox CE, Carson SS, Holmes GM, Howard A, Carey TS. Increase in tracheostomy for prolonged mechanical ventilation in North Carolina, 1993-2002. Crit Care Med. 2004;32(11):2219-26.

21 Sinuff T, Adhikari NK, Cook DJ, Schünemann HJ, Griffith LE, Rocker G, et al. Mortality predictions in the intensive care unit: comparing physicians with scoring systems. Crit Care Med. 2006;34(3):878-85.
-2222 Honarmand A, Safavi M, Moradi D. The use of infection probability score and sequential organ failure assessment scoring systems in predicting mechanical ventilation requirement and duration. Ulus Travma Acil Cerrahi Derg. 2009;15(5):440-7.) A mortalidade, após 6 meses da alta hospitalar, excede a mortalidade dos pacientes com a maior parte das doenças malignas, e o retorno à vida social dos pacientes sobreviventes com DCC é infrequente.(2323 Campbell GB, Happ MB. Symptom identification in the chronically critically ill. AACN Adv Crit Care. 2010;21(1):64-79.)

A despeito de sua relevância, ainda são escassas as informações referentes à epidemiologia da DCC.(1616 Loss SH, Oliveira RP, Maccari JG, Savi A, Boniatti MM, Hetzel MP, et al. The reality of patients requiring prolonged mechanical ventilation: a multicenter study. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(1):26-35.,2424 Maguire JM, Carson SS. Strategies to combat chronic critical illness. Curr Opin Crit Care. 2013;19(5):480-7.,2525 El-Fakhouri S, Carrasco HV, Araújo GC, Frini IC. Epidemiological profile of ICU patients at Faculdade de Medicina de Marília. Rev Assoc Med Bras. 2016;62(3):248-54.) Além de uma melhor compreensão fisiopatológica da cronificação da doença crítica, a caracterização epidemiológica dos pacientes com DCC pode facilitar o planejamento e a implantação de protocolos de cuidados para prevenção do desenvolvimento desta condição tão devastadora em termos de morbidade e mortalidade. Estas informações podem também dar suporte às equipes de profissionais de saúde, para adequada comunicação com familiares do paciente com relação às perspectivas em curto e longo prazo, e proporcionar suporte para decisões quanto à continuidade da utilização de medidas avançadas de suporte à vida.(33 Sjoding MW, Cooke CR. Chronic critical illness: a growing legacy of successful advances in critical care. Crit Care Med. 2015;43(2):476-7.)

Neste contexto, o objetivo do presente estudo foi caracterizar a população com DCC e identificar fatores preditores da evolução para DCC, comparando com os dados referentes a outros pacientes mecanicamente ventilados.

MÉTODOS

Estudo observacional, conduzido entre agosto de 2015 e julho de 2016, em uma unidade de terapia intensiva (UTI) geral com 14 leitos em um hospital público na Região Sul do país, sem instalações para cuidados em longo prazo. O hospital é referência regional para emergência e urgência, neurologia e neurocirurgia, oncologia, ortopedia e traumatologia, queimados e transplantes.

O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) sob o número de registro 1.153.723. Obteve-se a assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de todos os participantes (ou de seus guardiões legais) incluídos no estudo.

Incluíram-se todos os pacientes com 18 anos ou mais que necessitaram de VM por mais de 48 horas. Não foram incluídos pacientes com lesão da medula espinhal, doença neuromuscular (síndrome de Guillain-Barré, miastenia gravis, esclerose lateral amiotrófica e esclerose múltipla) como causa primária para a hospitalização, que necessitaram de traqueostomia emergencial e os que tiveram diagnóstico de morte cerebral, assim como não se incluíram pacientes readmitidos à UTI, com registros clínicos incompletos e transferidos para outro hospital. Os participantes incluídos foram seguidos diariamente, a partir da admissão à UTI até a alta hospitalar ou óbito no hospital.

Os pacientes foram divididos em dois grupos. O Grupo DCC foi composto por pacientes que necessitaram de VM por pelo menos 21 dias(77 Boniatti MM, Friedman G, Castilho RK, Vieira SR, Fialkow L. Characteristics of chronically critically ill patients: comparing two definitions. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(4):701-4.,88 MacIntyre NR, Epstein SK, Carson S, Scheinhorn D, Christopher K, Muldoon S; National Association for Medical Direction of Respiratory Care. Management of patients requiring prolonged mechanical ventilation: report of a NAMDRC consensus conference. Chest. 2005;128(6):3937-54.,1616 Loss SH, Oliveira RP, Maccari JG, Savi A, Boniatti MM, Hetzel MP, et al. The reality of patients requiring prolonged mechanical ventilation: a multicenter study. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(1):26-35.) e/ou traqueostomia para facilitar o desmame da VM;(66 Nelson JE, Cox CE, Hope AA, Carson SS. Chronic critical illness. Am J Respir Crit Care Med. 2010;182(4):446-54.) o Grupo Controle foi formado por pacientes com necessidade de VM por menos de 21 dias.

Os dados foram coletados de forma prospectiva, a partir dos registros no prontuário médico eletrônico, e transferidos para um formulário de coleta de dados. As informações registradas foram informações demográficas (idade, sexo, etnia, data da admissão ao hospital, data da admissão à UTI, data da alta da UTI e data da alta hospitalar ou óbito); comorbidades prévias (diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência cardíaca congestiva, doença pulmonar crônica, insuficiência renal crônica - IRC - submetida à hemodiálise, neoplasia maligna, cardiopatia isquêmica e doença causada pelo HIV); grupo relacionado ao diagnóstico na admissão ao hospital e admissão à UTI - quanto a condições neurológicas, consideramos acidente vascular cerebral isquêmico e hemorrágico, hemorragia subaracnóidea, neoplasia afetando o sistema nervoso central e lesão cerebral traumática; procedimentos e medicamentos administrados durante os primeiros 21 dias na UTI (data de início da VM, número de extubações bem-sucedidas - mais de 48 horas de respiração espontânea, data da traqueostomia, medicações utilizadas durante a hospitalização - corticosteroides, relaxantes neuromusculares e aminoglicosídeos - e cirurgia não programada durante a permanência na UTI) e comorbidades durante a permanência na UTI (fraqueza muscular - grau 1 a 5, segundo a escala Medical Research Council - MRC -; síndrome do desconforto respiratório agudo - SDRA -; delirium segundo a escala Confusion Assessment Method for Intensive Care Unit - CAM-ICU; úlceras de pressão grau 2 a 4, hemorragia digestiva alta, candidemia, pneumonia associada ao ventilador e sepse - infecção presumida ou confirmada mais disfunção de pelo menos um órgão).

Para avaliação da força muscular dos pacientes, utilizamos a MRC, que classifica a força muscular em cinco graus: grau 0 para ausência de movimentos; grau 1, apenas um esboço ou tentativa de contração; grau 2, movimentação ativa apenas sem ação da gravidade; grau 3, movimentação ativa contra gravidade; grau 4, movimentação ativa contra resistência; e grau 5, força normal.(2626 Medical Research Council. Aids to the examination of the peripheral nervous system. Memorandum no. 45. London: Her Majesty's Stationery Office; 1981.)

Calcularam-se os escores segundo o Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3)(2727 Japiassú AM, Cukier MS, Queiroz AG, Gondim CR, Penna GL, Almeida GF, et al. Early predictive factors for intensive care unit readmission. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(4):353-8.) e índice de Charlson(2424 Maguire JM, Carson SS. Strategies to combat chronic critical illness. Curr Opin Crit Care. 2013;19(5):480-7.,2828 Rodriguez AH, Bub MB, Perão OF, Zandonadi G, Rodriguez MJ. Epidemiological characteristics and causes of deaths in hospitalized patients under intensive care. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):229-34.) no primeiro dia da admissão à UTI. O escore do Sequential Organ Failure Assessment (SOFA)(2929 Seligman R, Seligman BG, Teixeira PJ. Comparing the accuracy of predictors of mortality in ventilator-associated pneumonia. J Bras Pneumol. 2011;37(4):495-503.) foi calculado nos dias 1, 7, 14 e 21 de VM.

Análise estatística

Os dados foram analisados com utilização do programa estatístico MedCalc, versão 16.4.3 (MedCalc Software BVBA, Ostend, Bélgica). As variáveis contínuas foram expressas como médias mais ou menos desvio padrão. Aplicou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para avaliar a distribuição normal dos dados. Utilizamos o teste t de Student para comparar médias e o teste paramétrico de Mann-Whitney para comparar variáveis com distribuição assimétrica. As variáveis categóricas foram expressas como valores absolutos e relativos, e comparadas com utilização do teste qui-quadrado. Considerou-se como estatisticamente significante valor de p inferior a 0,05. Determinaram-se a odds ratio (OR) e o intervalo de confiança de 95% (IC95%) para a comparação dos dois grupos de participantes, com o fim de avaliar o impacto de cada uma das variáveis no desenvolvimento da DCC. Todas as variáveis para as quais se obteve nível significante de p < 0,01 no modelo univariado foram selecionadas para construir os três seguintes modelos nas análises multivariadas por regressão logística, considerando DCC como variável dependente: o modelo global das características prévias e na admissão à UTI, assim como características desenvolvidas durante a hospitalização; o modelo que analisou apenas as características prévias e quando da admissão; e o modelo que analisou exclusivamente as características desenvolvidas durante a hospitalização.

RESULTADOS

Durante o período do estudo, ocorreram 574 hospitalizações na UTI, sendo que 374 pacientes não cumpriam os critérios de inclusão. Dentre os 200 pacientes avaliados, 85 foram incluídos no Grupo DCC por necessitarem de suporte ventilatório por pelo menos 21 dias (n = 56) e/ou traqueostomia para fins de desmame da ventilação (n = 29). Os outros 115 pacientes foram incluídos no Grupo Controle (Figura 1). Pacientes que receberam alta da UTI e mais adiante foram readmitidos (n = 3) não foram reincluídos nesta análise.

Figura 1
Fluxograma do estudo.

UTI - unidade de terapia intensiva; DCC - doença crítica crônica.


A tabela 1 compara o Grupo DCC com o Controle em relação às características apresentadas na admissão ao hospital. Pacientes com DCC tiveram média de idade mais elevada (p = 0,04), frequência mais elevada de IRC (p = 0,003), frequência mais alta de doenças neurológicas como diagnóstico de admissão (p = 0,009) e tempo mais longo de hospitalização até a admissão à UTI (p = 0,02). Não se identificaram diferenças em relação a sexo, etnia, índice de Charlson, setor de hospitalização antes da admissão à UTI e patologias cirúrgicas.

Tabela 1
Características dos pacientes antes da admissão à unidade de terapia intensiva

A tabela 2 apresenta a comparação entre os Grupo DCC e Controle em relação às variáveis na admissão e permanência na UTI. Não houve diferenças entre os grupos com relação a SAPS 3, diagnóstico de admissão à unidade e SOFA em intervalos de 7 dias. O Grupo DCC demonstrou frequência mais elevada das seguintes comorbidades desenvolvidas durante a permanência na UTI: fraqueza muscular (60,0% versus 14,8%; p < 0,001), úlcera por pressão (68,2% versus 11,3; p < 0,001), sepse (44,7% versus 20,0%; p < 0,001) e pneumonia associada ao ventilador (21,2% versus 8,7%; p = 0,01).

Tabela 2
Características dos pacientes após admissão à unidade de terapia intensiva

A administração de relaxantes musculares (51,7% versus 35,6%; p = 0,02) e de aminoglicosídeos (18,8% versus 6,9%; p = 0,01) também foi mais frequente em pacientes com DCC, além de haver tendência a maior utilização de corticosteroides entre esses pacientes (27,1% versus 17,3%; p = 0,09).

Análise multivariada e ocorrência de doença crítica crônica

A tabela 3 apresenta três modelos de análise multivariada para predição de DCC. O modelo global foi delineado com base nas características apresentadas entre a admissão e a alta da UTI. As variáveis independentes mais associadas com DCC foram o diagnóstico de doença neurológica na admissão ao hospital (OR 2,61; IC95% 1,13 - 6,06; p = 0,03) e do desenvolvimento de úlceras por pressão durante a permanência na UTI (OR 9,08; IC95% 4,15 - 25,32; p < 0,001).

Tabela 3
Análise multivariada dos fatores associados com doença crítica crônica

Com base nos achados na tabela 1, construímos um segundo modelo de análise multivariada restrito às características na admissão ao hospital. Dentre essas características, as variáveis mais associadas com DCC foram IRC (OR 3,57; IC95% 1,04 - 12,05; p = 0,04) e diagnóstico neurológico como motivo para admissão ao hospital (OR 2,25; IC95% 1,21 - 4,18; p = 0,008).

O terceiro modelo de análise multivariada foi construído com base nos achados da tabela 2, para analisar a associação entre as situações desenvolvidas durante a permanência na UTI e a cronificação da doença crítica. As variáveis que se destacaram foram a ocorrência de fraqueza muscular (OR 2,86; IC95% 1,22 - 6,69; p = 0,01) e úlcera por pressão (OR 9,54; IC95% 4,07 - 22,35; p < 0,001).

Tempo de permanência e mortalidade

Os dados relativos ao tempo de permanência e mortalidade são apresentados pela tabela 4. Os pacientes com DCC tiveram tempo de permanência mais longo no período antes da admissão à UTI (8,1 ± 10,1 dias versus 5,1 ± 7,0 dias; p = 0,02), na UTI (29,3 ± 20,4 dias versus 10,5 ± 6,9 dias; p < 0,001) e no hospital (47,7 ± 29,3 dias versus 24,6 ± 37,4 dias; p < 0,001). Não se observaram diferenças quanto à mortalidade na UTI (OR 0,85; IC95% 0,47 - 1,54; p = 0,29) e à mortalidade hospitalar (OR 1,33; IC95% 0,75 - 2,34; p = 0,61). Entretanto, dentre os sobreviventes à UTI, a mortalidade foi mais elevada no Grupo DCC (OR 4,30; IC95% 1,31 - 14,01; p = 0,01).

Tabela 4
Comparação entre os grupos em relação ao tempo de permanência e mortalidade

DISCUSSÃO

Nossos achados reafirmam a elevada incidência de DCC observada em outros estudos. Os pacientes com DCC apresentavam doenças neurológicas como principal causa de admissão à UTI e frequência mais elevada de complicações do tratamento, como úlceras por pressão e fraqueza muscular.

Pacientes com DCC apresentam uma síndrome complexa e multifacetada, que não se limita a critérios cronológicos e arbitrários, como duração da VM e/ou traqueostomia, mas deveria incluir aspectos clínicos e demográficos.(2525 El-Fakhouri S, Carrasco HV, Araújo GC, Frini IC. Epidemiological profile of ICU patients at Faculdade de Medicina de Marília. Rev Assoc Med Bras. 2016;62(3):248-54.,2727 Japiassú AM, Cukier MS, Queiroz AG, Gondim CR, Penna GL, Almeida GF, et al. Early predictive factors for intensive care unit readmission. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(4):353-8.

28 Rodriguez AH, Bub MB, Perão OF, Zandonadi G, Rodriguez MJ. Epidemiological characteristics and causes of deaths in hospitalized patients under intensive care. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):229-34.

29 Seligman R, Seligman BG, Teixeira PJ. Comparing the accuracy of predictors of mortality in ventilator-associated pneumonia. J Bras Pneumol. 2011;37(4):495-503.
-3030 Bagshaw SM, Stelfox HT, Iwashyna TJ, Bellomo R, Zuege D, Wang X. Timing of onset of persistent critical illness: a multi-centre retrospective cohort study. Intensive Care Med. 2018; 44(12):2134-44.) Devemos considerar que permanências mais longas na UTI têm maior probabilidade de resultar em mais problemas adquiridos, assumindo que esta é uma característica inerente à população de pacientes com DCC classificados por critérios cronológicos. A falta de uma definição referente a estes critérios nos levou a adotar a definição de consenso para DCC que prediz 21 ou mais dias consecutivos de VM, sendo ainda um dos critérios mais utilizados e sugerido como base para futuras definições.(2828 Rodriguez AH, Bub MB, Perão OF, Zandonadi G, Rodriguez MJ. Epidemiological characteristics and causes of deaths in hospitalized patients under intensive care. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):229-34.) Sabe-se que a traqueostomia como critério para DCC pode resultar em falhas no relato desta população, ao selecionar pacientes em situações diferentes das da doença crônica.(77 Boniatti MM, Friedman G, Castilho RK, Vieira SR, Fialkow L. Characteristics of chronically critically ill patients: comparing two definitions. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(4):701-4.,88 MacIntyre NR, Epstein SK, Carson S, Scheinhorn D, Christopher K, Muldoon S; National Association for Medical Direction of Respiratory Care. Management of patients requiring prolonged mechanical ventilation: report of a NAMDRC consensus conference. Chest. 2005;128(6):3937-54.)

Dentre os pacientes admitidos à nossa UTI, 14,8% foram classificados como DCC. Apesar da adoção de um critério mais seletivo, a ocorrência foi próxima ao limite superior da faixa relatada por outros autores (5% a 15%),(11 Estenssoro E, Reina R, Canales HS, Saenz MG, Gonzalez FE, Aprea MM, et al. The distinct clinical profile of chronically critically ill patients: a cohort study. Crit Care. 2006;10(3):R89.,66 Nelson JE, Cox CE, Hope AA, Carson SS. Chronic critical illness. Am J Respir Crit Care Med. 2010;182(4):446-54.,77 Boniatti MM, Friedman G, Castilho RK, Vieira SR, Fialkow L. Characteristics of chronically critically ill patients: comparing two definitions. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(4):701-4.,99 Seneff MG, Zimmerman JE, Knaus WA, Wagner DP, Draper EA. Predicting the duration of mechanical ventilation. The importance of disease and patient characteristics. Chest. 1996;110(2):469-79.,1010 Heyland DK, Konopad E, Noseworthy TW, Johnston R, Gafni A. Is it 'worthwhile' to continue treating patients with a prolonged stay (> 14 days) in the ICU? An economic evaluation. Chest. 1998;114(1):192-8.,2727 Japiassú AM, Cukier MS, Queiroz AG, Gondim CR, Penna GL, Almeida GF, et al. Early predictive factors for intensive care unit readmission. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(4):353-8.) o que pode ser explicado pelo grau maior de severidade (SAPS médio > 60) observado na nossa população.(77 Boniatti MM, Friedman G, Castilho RK, Vieira SR, Fialkow L. Characteristics of chronically critically ill patients: comparing two definitions. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(4):701-4.,2424 Maguire JM, Carson SS. Strategies to combat chronic critical illness. Curr Opin Crit Care. 2013;19(5):480-7.)

Por razões inerentes à fisiologia do idoso, a recuperação de agressões orgânicas ocorre de forma mais lenta, o que faz com que a idade avançada seja reconhecida como fator de risco para cronificação na UTI.(2424 Maguire JM, Carson SS. Strategies to combat chronic critical illness. Curr Opin Crit Care. 2013;19(5):480-7.,2525 El-Fakhouri S, Carrasco HV, Araújo GC, Frini IC. Epidemiological profile of ICU patients at Faculdade de Medicina de Marília. Rev Assoc Med Bras. 2016;62(3):248-54.,2727 Japiassú AM, Cukier MS, Queiroz AG, Gondim CR, Penna GL, Almeida GF, et al. Early predictive factors for intensive care unit readmission. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(4):353-8.,2828 Rodriguez AH, Bub MB, Perão OF, Zandonadi G, Rodriguez MJ. Epidemiological characteristics and causes of deaths in hospitalized patients under intensive care. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):229-34.) Contudo, na nossa análise multivariada, a idade não se evidenciou como preditor de DCC, pois seu efeito pode ter sido atenuado pelo nível elevado de severidade da população mais jovem (menos de um terço dela tinha mais de 65 anos), uma característica previsível em populações atendidas em hospitais de trauma.

Dentre as características prévias à admissão à UTI, IRC como comorbidade foi um dos preditores de DCC. Insuficiência renal crônica é uma comorbidade associada com outras doenças, como diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica, com grande potencial degenerativo, que se refletiu em maior severidade e morbidade.(1919 Kahn JM, Carson SS, Angus DC, Linde-Zwirble WT, Iwashyna TJ. Development and validation of an algorithm for identifying prolonged mechanical ventilation in administrative data. Health Serv Outcomes Res Method. 2009;9(2):117-32.,2828 Rodriguez AH, Bub MB, Perão OF, Zandonadi G, Rodriguez MJ. Epidemiological characteristics and causes of deaths in hospitalized patients under intensive care. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):229-34.)

Doenças neurológicas quando da admissão ao hospital foram a categoria diagnóstica mais associada com DCC, o que corrobora a demonstração de que doenças neurológicas ou gradações anormais na escala Glasgow de coma são as características mais frequentes em pacientes com DCC.(33 Sjoding MW, Cooke CR. Chronic critical illness: a growing legacy of successful advances in critical care. Crit Care Med. 2015;43(2):476-7.,1616 Loss SH, Oliveira RP, Maccari JG, Savi A, Boniatti MM, Hetzel MP, et al. The reality of patients requiring prolonged mechanical ventilation: a multicenter study. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(1):26-35.,1717 Carson SS, Bach PB, Brzozowski L, Leff A. Outcomes after long-term acute care. An analysis of 133 mechanically ventilated patients. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(5 Pt 1):1568-73.) Quando Carson et al.(55 Carson SS. Definitions and epidemiology of the chronically critically ill. Respir Care. 2012;57(6):848-56; discussion 856-8.) propuseram uma definição multifacetada da DCC, eles sugeriram que condições neurológicas, como acidente vascular cerebral isquêmico, hemorragias intracerebrais e trauma do crânio, deveriam ser incluídas como critérios para DCC, além de VM prolongada, traqueostomia e sepse.(33 Sjoding MW, Cooke CR. Chronic critical illness: a growing legacy of successful advances in critical care. Crit Care Med. 2015;43(2):476-7.,55 Carson SS. Definitions and epidemiology of the chronically critically ill. Respir Care. 2012;57(6):848-56; discussion 856-8.) É amplamente conhecido que a sepse é uma entidade prevalente na UTI, assim como sua associação com elevadas taxas de morbidade.(2929 Seligman R, Seligman BG, Teixeira PJ. Comparing the accuracy of predictors of mortality in ventilator-associated pneumonia. J Bras Pneumol. 2011;37(4):495-503.,3131 Hermans G, Van Mechelen H, Clerckx B, Vanhullebusch T, Mesotten D, Wilmer A, et al. Acute outcomes and 1-year mortality of intensive care unit-acquired weakness. A cohort study and propensity-matched analysis. Am J Respir Crit Care Med. 2014;190(4):410-20.,3232 Greenberg SB, Vender J. The use of neuromuscular blocking agents in the ICU: where are we now? Crit Care Med. 2013;41(5):1332-44.) Embora não se tenha destacado na análise multivariada, a ocorrência de sepse como comorbidade desenvolvida durante a permanência na UTI foi mais que o dobro do que se observou no Grupo Controle (44,7% versus 20%; p < 0,001) (Tabela 2). O mesmo ocorreu em relação à pneumonia associada ao ventilador (21,2% versus 8,7%; p = 0,01), uma causa importante de sepse hospitalar que se associa com VM prolongada, condição intrínseca dos pacientes com DCC.(3333 Barbas CS, Ísola AM, Farias AM, Cavalcanti AB, Gama AM, Duarte AC, et al. Brazilian recommendations of mechanical ventilation 2013. Part 2. Rev Bras Ter Intensiva. 2014;26(3):215-39.

34 Combes A, Costa MA, Trouillet JL, Baudot J, Mokhtari M, Gibert C, et al. Morbidity, mortality, and quality-of-life outcomes of patients requiring > or = 14 days of mechanical ventilation. Crit Care Med. 2003;31(5):1373-81.
-3535 Westphal GA, Vieira KD, Orzechowski R, Kaefer KM, Zaclikevis VR, Mastroeni MF. [Analysis of quality of life following hospital discharge among survivors of severe sepsis and septic shock]. Rev Panam Salud Publica. 2012;31(6):499-505. Portuguese.)

Com relação ao tempo de permanência no hospital antes da admissão à UTI, detectamos, na análise multivariada, tendência estatística à sua presença como um preditor de DCC (OR 1,10; IC95% 0,99-1,07; p = 0,06) (Tabela 3). O tempo de hospitalização antes da admissão à UTI foi superior entre os pacientes oriundos das alas de internação, que geralmente apresentam mais morbidade e mortalidade na UTI do que os encaminhados pelo pronto-socorro. Estes desfechos desfavoráveis são frequentemente associados com condições clínicas prolongadas e mais graves, assim como demora na implantação de intervenções terapêuticas antes da admissão à UTI.(2727 Japiassú AM, Cukier MS, Queiroz AG, Gondim CR, Penna GL, Almeida GF, et al. Early predictive factors for intensive care unit readmission. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(4):353-8.)

Dentre as características associadas com desenvolvimento de DCC durante a permanência na UTI, identificamos úlceras por pressão e fraqueza muscular como fatores independentes (Tabela 3). Pacientes com DCC são altamente vulneráveis ao desenvolvimento de úlceras por pressão, geralmente em razão das longas permanências na UTI sob uso de VM. A prevalência pode variar entre 4% - 49% em pacientes críticos, chegando a 62,5% nos pacientes com DCC,(3636 Campanili TC, Santos VL, Strazzieri-Pulido KC, Thomaz PB, Nogueira PC. Incidence of pressure ulcers in cardiopulmonary intensive care unit patients. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(Spec No):7-14.) um valor que é próximo ao que observamos em nossos pacientes (68,2%). Assumindo a inexistência de um claro ponto de corte para definição de DCC (por exemplo, com alguns autores considerando 14 dias como ponto de corte adequado), deveríamos considerar que algumas variáveis, como úlceras por pressão, podem ser consequências (mesmo quando se desenvolvem antes de 21 dias) e não preditores da condição crônica.

O desenvolvimento de fraqueza muscular também foi associado com DCC e ocorreu em 60% de nossos casos, coerentemente com os 30% - 60% relatados por outros autores.(3737 Godoy MD, Costa HL, Silva Neto AE, Serejo AL, Souza LC, Kalil MR, et al. Muscular weakness acquired in ICU (ICU-AW): effects of systemic neuromuscular electrical stimulation. Rev Bras Neurol. 2015;51(4):110-3.) Os principais fatores envolvidos na ocorrência são inflamação sistêmica, desnutrição, descontrole glicêmico, sepse, uso de sedativos, corticosteroides, aminoglicosídeos, relaxantes neuromusculares, imobilidade e VM prolongada.(3838 Argov Z, Latronico N. Neuromuscular complications in intensive care patients. Handb Clin Neurol. 2014;121:1673-85.) Muitos destes fatores foram confirmados pelos nossos resultados, o que reforça a validade externa deles. Estas morbidades podem tornar-se persistentes, afetando o prognóstico e a qualidade de vida dos pacientes para realizar atividades de vida diária.(2929 Seligman R, Seligman BG, Teixeira PJ. Comparing the accuracy of predictors of mortality in ventilator-associated pneumonia. J Bras Pneumol. 2011;37(4):495-503.,3131 Hermans G, Van Mechelen H, Clerckx B, Vanhullebusch T, Mesotten D, Wilmer A, et al. Acute outcomes and 1-year mortality of intensive care unit-acquired weakness. A cohort study and propensity-matched analysis. Am J Respir Crit Care Med. 2014;190(4):410-20.,3232 Greenberg SB, Vender J. The use of neuromuscular blocking agents in the ICU: where are we now? Crit Care Med. 2013;41(5):1332-44.,3434 Combes A, Costa MA, Trouillet JL, Baudot J, Mokhtari M, Gibert C, et al. Morbidity, mortality, and quality-of-life outcomes of patients requiring > or = 14 days of mechanical ventilation. Crit Care Med. 2003;31(5):1373-81.)

Ao final de 1 ano, a mortalidade por DCC ocorre em 40% - 50% dos casos, e menos de 10% recuperam sua autonomia física e/ou mental.(3939 Leroy G, Devos P, Lambiotte F, Thévenin D, Leroy O. One-year mortality in patients requiring prolonged mechanical ventilation: multicenter evaluation of the ProVent score. Crit Care. 2014;18(4):R155.) Neste sentido, os achados do presente estudo contribuem para a compreensão da DCC, gerando subsídios para a prevenção e o tratamento de incapacidades funcionais e sequelas cognitivas resultantes da DCC. A caracterização dos pacientes com DCC é de importância fundamental para planejar o controle adequado de uma população que demanda grandes quantidades de recursos. O combate à DCC se inicia com a prevenção na fase aguda da doença e estratégias de tratamento precoces, inclusive um espectro de suportes ventilatório, nutricional e de reabilitação, que são necessário quando forem detectados fatores de risco.(2424 Maguire JM, Carson SS. Strategies to combat chronic critical illness. Curr Opin Crit Care. 2013;19(5):480-7.) Acrescente-se que os resultados aqui apresentados podem enriquecer o corpo de evidência já existente para desenvolvimento de ferramentas para estratificação e prevenção de cronificação da doença aguda, assim como no planejamento de ações para proporcionar assistência especializada a estes pacientes.(2929 Seligman R, Seligman BG, Teixeira PJ. Comparing the accuracy of predictors of mortality in ventilator-associated pneumonia. J Bras Pneumol. 2011;37(4):495-503.,3030 Bagshaw SM, Stelfox HT, Iwashyna TJ, Bellomo R, Zuege D, Wang X. Timing of onset of persistent critical illness: a multi-centre retrospective cohort study. Intensive Care Med. 2018; 44(12):2134-44.)

A mortalidade na UTI foi similar entre os grupos, o que também foi observado por outros autores.(4040 Lone NI, Walsh TS. Prolonged mechanical ventilation in critically ill patients: epidemiology, outcomes and modelling the potential cost consequences of establishing a regional weaning unit. Crit Care. 2011;15(2):R102.) A similaridade, em termos de severidade dos pacientes segundo o SAPS 3 em ambos os grupos (Grupo DCC: 64,6 ± 15,1 versus Grupo Controle: 63,2 ± 15,3; p = 0,51), pode ter contribuído para isto, assim como o viés de seleção causado pelo desfecho fatal de alguns pacientes no Grupo Controle, que poderiam ter desenvolvido DCC. Entretanto, contrariamente ao esperado, a mortalidade hospitalar também foi similar entre os grupos, o que foi fundamentalmente condicionado pelos óbitos que ocorreram na UTI, pois, quando se avaliaram os óbitos entre pacientes que sobreviveram à UTI, a razão de propensão dos óbitos foi muito mais alta no Grupo DCC (OR 4,30; IC95% 1,31 - 14,01; p = 0,01).

Nosso estudo tem algumas limitações. Primeiramente, foi desenvolvido em um único hospital com suas características próprias (público, de alta complexidade e que enfrentava problemas com a escassez de leitos na UTI), o que não permite extrapolar os resultados para outras instituições hospitalares. Em segundo lugar, o período de observação abrangeu apenas 1 ano. Em terceiro lugar, não foi realizado um acompanhamento dos pacientes após a alta hospitalar, o que restringe a extensão do nosso estudo no que se refere à determinação da mortalidade e da qualidade de vida dos pacientes com DCC ao longo do tempo. Ainda, em quarto lugar, apesar de termos relatado o sucesso de todas as extubações, a falta de informações a respeito da frequência de reintubações é mais uma limitação de nosso estudo, considerando que a fraqueza muscular que afeta o paciente com DCC pode interferir no processo de desmame ventilatório. Em quinto lugar, apesar de as transfusões de sangue contribuírem de forma independente para maior risco de óbito hospitalar, tempo de permanência e custos em pacientes críticos submetidos a VM prolongada,(4141 Zilberberg MD, Stern LS, Wiederkehr DP, Doyle JJ, Shorr AF. Anemia, transfusions and hospital outcomes among critically ill patients on prolonged acute mechanical ventilation: a retrospective cohort study. Crit Care. 2008;12(2):R60.) este aspecto não foi levado em consideração em nosso estudo. Finalmente, não se colheram informações a respeito dos objetivos de tratamento para pacientes sob cuidados paliativos, e tais pacientes não foram excluídos de nossa análise.

CONCLUSÃO

A incidência de doença crítica crônica foi elevada e similar à observada em outros estudos. A cronificação da doença crítica teve alta associação com insuficiência renal crônica submetida à hemodiálise e diagnóstico de doenças neurológicas quando da admissão ao hospital, além de relacionar-se com complicações desenvolvidas durante a hospitalização, como úlceras por pressão e fraqueza muscular. A mortalidade hospitalar foi elevada e não diferiu da observada na população controle.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Estenssoro E, Reina R, Canales HS, Saenz MG, Gonzalez FE, Aprea MM, et al. The distinct clinical profile of chronically critically ill patients: a cohort study. Crit Care. 2006;10(3):R89.
  • 2
    Wiencek C, Winkelman C. Chronic critical illness: prevalence, profile, and pathophysiology. AACN Adv Crit Care. 2010;21(1):44-61.
  • 3
    Sjoding MW, Cooke CR. Chronic critical illness: a growing legacy of successful advances in critical care. Crit Care Med. 2015;43(2):476-7.
  • 4
    Nelson JE, Meier DE, Litke A, Natale DA, Siegel RE, Morrison RS. The symptom burden of chronic critical illness. Crit Care Med. 2004;32(7):1527-34.
  • 5
    Carson SS. Definitions and epidemiology of the chronically critically ill. Respir Care. 2012;57(6):848-56; discussion 856-8.
  • 6
    Nelson JE, Cox CE, Hope AA, Carson SS. Chronic critical illness. Am J Respir Crit Care Med. 2010;182(4):446-54.
  • 7
    Boniatti MM, Friedman G, Castilho RK, Vieira SR, Fialkow L. Characteristics of chronically critically ill patients: comparing two definitions. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(4):701-4.
  • 8
    MacIntyre NR, Epstein SK, Carson S, Scheinhorn D, Christopher K, Muldoon S; National Association for Medical Direction of Respiratory Care. Management of patients requiring prolonged mechanical ventilation: report of a NAMDRC consensus conference. Chest. 2005;128(6):3937-54.
  • 9
    Seneff MG, Zimmerman JE, Knaus WA, Wagner DP, Draper EA. Predicting the duration of mechanical ventilation. The importance of disease and patient characteristics. Chest. 1996;110(2):469-79.
  • 10
    Heyland DK, Konopad E, Noseworthy TW, Johnston R, Gafni A. Is it 'worthwhile' to continue treating patients with a prolonged stay (> 14 days) in the ICU? An economic evaluation. Chest. 1998;114(1):192-8.
  • 11
    Wagner DP. Economics of prolonged mechanical ventilation. Am Rev Respir Dis. 1989;140(2 Pt 2):S14-8.
  • 12
    Zilberberg MD, de Wit M, Pirone JR, Shorr AF. Growth in adult prolonged acute mechanical ventilation: implications for healthcare delivery. Crit Care Med. 2008;36(5):1451-5.
  • 13
    Girard K, Raffin TA. The chronically critically ill: to save or let die? Respir Care. 1985;30(5):339-47.
  • 14
    Halpern NA, Pastores SM, Greenstein RJ. Critical care medicine in the United States 1985-2000: an analysis of bed numbers, use, and costs. Crit Care Med. 2004;32(6):1254-9.
  • 15
    Engoren M, Arslanian-Engoren C, Fenn-Buderer N. Hospital and long-term outcome after tracheostomy for respiratory failure. Chest. 2004;125(1):220-7.
  • 16
    Loss SH, Oliveira RP, Maccari JG, Savi A, Boniatti MM, Hetzel MP, et al. The reality of patients requiring prolonged mechanical ventilation: a multicenter study. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(1):26-35.
  • 17
    Carson SS, Bach PB, Brzozowski L, Leff A. Outcomes after long-term acute care. An analysis of 133 mechanically ventilated patients. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(5 Pt 1):1568-73.
  • 18
    Engoren M, Arslanian-Engoren C. Hospital and long-term outcome of trauma patients with tracheostomy for respiratory failure. Am Surg. 2005;71(2):123-7.
  • 19
    Kahn JM, Carson SS, Angus DC, Linde-Zwirble WT, Iwashyna TJ. Development and validation of an algorithm for identifying prolonged mechanical ventilation in administrative data. Health Serv Outcomes Res Method. 2009;9(2):117-32.
  • 20
    Cox CE, Carson SS, Holmes GM, Howard A, Carey TS. Increase in tracheostomy for prolonged mechanical ventilation in North Carolina, 1993-2002. Crit Care Med. 2004;32(11):2219-26.
  • 21
    Sinuff T, Adhikari NK, Cook DJ, Schünemann HJ, Griffith LE, Rocker G, et al. Mortality predictions in the intensive care unit: comparing physicians with scoring systems. Crit Care Med. 2006;34(3):878-85.
  • 22
    Honarmand A, Safavi M, Moradi D. The use of infection probability score and sequential organ failure assessment scoring systems in predicting mechanical ventilation requirement and duration. Ulus Travma Acil Cerrahi Derg. 2009;15(5):440-7.
  • 23
    Campbell GB, Happ MB. Symptom identification in the chronically critically ill. AACN Adv Crit Care. 2010;21(1):64-79.
  • 24
    Maguire JM, Carson SS. Strategies to combat chronic critical illness. Curr Opin Crit Care. 2013;19(5):480-7.
  • 25
    El-Fakhouri S, Carrasco HV, Araújo GC, Frini IC. Epidemiological profile of ICU patients at Faculdade de Medicina de Marília. Rev Assoc Med Bras. 2016;62(3):248-54.
  • 26
    Medical Research Council. Aids to the examination of the peripheral nervous system. Memorandum no. 45. London: Her Majesty's Stationery Office; 1981.
  • 27
    Japiassú AM, Cukier MS, Queiroz AG, Gondim CR, Penna GL, Almeida GF, et al. Early predictive factors for intensive care unit readmission. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(4):353-8.
  • 28
    Rodriguez AH, Bub MB, Perão OF, Zandonadi G, Rodriguez MJ. Epidemiological characteristics and causes of deaths in hospitalized patients under intensive care. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):229-34.
  • 29
    Seligman R, Seligman BG, Teixeira PJ. Comparing the accuracy of predictors of mortality in ventilator-associated pneumonia. J Bras Pneumol. 2011;37(4):495-503.
  • 30
    Bagshaw SM, Stelfox HT, Iwashyna TJ, Bellomo R, Zuege D, Wang X. Timing of onset of persistent critical illness: a multi-centre retrospective cohort study. Intensive Care Med. 2018; 44(12):2134-44.
  • 31
    Hermans G, Van Mechelen H, Clerckx B, Vanhullebusch T, Mesotten D, Wilmer A, et al. Acute outcomes and 1-year mortality of intensive care unit-acquired weakness. A cohort study and propensity-matched analysis. Am J Respir Crit Care Med. 2014;190(4):410-20.
  • 32
    Greenberg SB, Vender J. The use of neuromuscular blocking agents in the ICU: where are we now? Crit Care Med. 2013;41(5):1332-44.
  • 33
    Barbas CS, Ísola AM, Farias AM, Cavalcanti AB, Gama AM, Duarte AC, et al. Brazilian recommendations of mechanical ventilation 2013. Part 2. Rev Bras Ter Intensiva. 2014;26(3):215-39.
  • 34
    Combes A, Costa MA, Trouillet JL, Baudot J, Mokhtari M, Gibert C, et al. Morbidity, mortality, and quality-of-life outcomes of patients requiring > or = 14 days of mechanical ventilation. Crit Care Med. 2003;31(5):1373-81.
  • 35
    Westphal GA, Vieira KD, Orzechowski R, Kaefer KM, Zaclikevis VR, Mastroeni MF. [Analysis of quality of life following hospital discharge among survivors of severe sepsis and septic shock]. Rev Panam Salud Publica. 2012;31(6):499-505. Portuguese.
  • 36
    Campanili TC, Santos VL, Strazzieri-Pulido KC, Thomaz PB, Nogueira PC. Incidence of pressure ulcers in cardiopulmonary intensive care unit patients. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(Spec No):7-14.
  • 37
    Godoy MD, Costa HL, Silva Neto AE, Serejo AL, Souza LC, Kalil MR, et al. Muscular weakness acquired in ICU (ICU-AW): effects of systemic neuromuscular electrical stimulation. Rev Bras Neurol. 2015;51(4):110-3.
  • 38
    Argov Z, Latronico N. Neuromuscular complications in intensive care patients. Handb Clin Neurol. 2014;121:1673-85.
  • 39
    Leroy G, Devos P, Lambiotte F, Thévenin D, Leroy O. One-year mortality in patients requiring prolonged mechanical ventilation: multicenter evaluation of the ProVent score. Crit Care. 2014;18(4):R155.
  • 40
    Lone NI, Walsh TS. Prolonged mechanical ventilation in critically ill patients: epidemiology, outcomes and modelling the potential cost consequences of establishing a regional weaning unit. Crit Care. 2011;15(2):R102.
  • 41
    Zilberberg MD, Stern LS, Wiederkehr DP, Doyle JJ, Shorr AF. Anemia, transfusions and hospital outcomes among critically ill patients on prolonged acute mechanical ventilation: a retrospective cohort study. Crit Care. 2008;12(2):R60.

Editado por

Editor responsável: Jorge Ibrain Figueira Salluh

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2018
  • Aceito
    11 Jul 2019
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br