Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação das propriedades de medida das versões brasileiras da Escala de Estado Funcional para UTI e da Medida de Independência Funcional em pacientes críticos na unidade de terapia intensiva

RESUMO

Objetivo:

Comparar as propriedades de medida (consistência interna, confiabilidade intra e interavaliadores, validade do construto, e efeitos teto e piso) da Escala de Estado Funcional para UTI (FSS-ICU - Functional Status Score for the ICU) e da Medida de Independência Funcional (MIF)-domínio motor).

Métodos:

Neste estudo de propriedades de medida, a FSS-ICU e a MIF foram aplicadas em 100 pacientes (72,1 ± 15,9 anos; 53% masculino; Sequential Organ Failure Assessment = 11,0 ± 3,5 pontos; Simplified Acute Physiology Score 3 = 50,2 ± 16,8 pontos) na unidade de terapia intensiva na linha de base e após 2 horas pelo fisioterapeuta 1 (teste e reteste) e 30 minutos após a linha de base pelo fisioterapeuta 2. As propriedades de medidas avaliadas foram a consistência interna (alfa de Cronbach), as confiabilidades intra e interavaliadores (coeficiente de correlação intraclasse), a concordância (erro padrão de medida), a diferença mínima detectável com confiança de 90%, os efeitos teto e piso (frequência de pontuação máxima e mínima) e a validade do construto (correlação de Pearson).

Resultados:

Para a FSS-ICU e a MIF, foram encontradas adequadas consistência interna (alfa de Cronbach: FSS-ICU = 0,95 e MIF = 0,86), confiabilidades intra e interavaliadores para pontuação geral da FSS-ICU e MIF (coeficiente de correlação intraclasse > 0,75), concordância (diferença mínima detectável com confiança de 90% e MIF = 1,0 ponto; erro padrão de medida: FSS-ICU = 2% e MIF = 1%) e validade do construto (r = 0,94; p < 0,001). A FSS-ICU apresentou efeito teto de 16% e a MIF de 18%.

Conclusão:

As escalas FSS-ICU e MIF têm adequadas propriedades de medida para avaliarem funcionalidade em pacientes críticos, embora apresentem efeito teto.

Descritores:
Escalas funcionais; Propriedade de medida; Cuidados críticos; Atividades cotidianas

ABSTRACT

Objective:

To compare the measurement properties (internal consistency, intra and interrater reliability, construct validity, and ceiling and floor effects) of the Functional Status Score for the ICU (FSS-ICU) and the Functional Independence Measure (FIM-motor domain).

Methods:

In this study of measurement properties, the FSS-ICU and FIM were applied to 100 patients (72.1 ± 15.9 years; 53% male; Sequential Organ Failure Assessment = 11.0 ± 3.5 points, Simplified Acute Physiology Score 3 = 50.2 ± 16.8 points) in an intensive care unit at baseline and after 2 hours by physiotherapist 1 (test and retest) and 30 minutes after baseline by physiotherapist 2. The measurement properties evaluated were internal consistency (Cronbach's alpha), intra- and interrater reliability (intraclass correlation coefficient), agreement (standard error of measurement) and minimum detectable change at a 90% confidence level, ceiling and floor effects (frequency of maximum and minimum scores) and construct validity (Pearson's correlation).

Results:

The FSS-ICU and FIM presented adequate internal consistency (Cronbach's alpha, FSS-ICU = 0.95 and FIM = 0.86), intra-and interrater reliability for overall FSS-ICU and FIM score (ICC > 0.75), agreement (minimum detectable change at a 90% confidence level: FSS-ICU and FIM = 1.0 point; standard error of measurement: FSS-ICU = 2% and FIM = 1%) and construct validity (r = 0.94; p < 0.001). However, the FSS-ICU and FIM presented ceiling effects (maximum score for 16% of patients for the FSS-ICU and 18% for the FIM).

Conclusion:

The FSS-ICU and FIM present adequate measurement properties to assess functionality in critically ill patients, although they present ceiling effects.

Keywords:
Functional scales; Measurement property; Critical care; Activities of daily living

INTRODUÇÃO

Aproximadamente 20 milhões de pessoas anualmente são internadas em unidades de terapia intensiva (UTI) em todo o mundo.(11 Fan E, Cheek F, Chlan L, Gosselink R, Hart N, Herridge MS, Hopkins RO, Hough CL, Kress JP, Latronico N, Moss M, Needham DM, Rich MM, Stevens RD, Wilson KC, Winkelman C, Zochodne DW, Ali NA; ATS Committee on ICU-acquired Weakness in Adults; American Thoracic Society. An official American Thoracic Society Clinical Practice guideline: the diagnosis of intensive care unit-acquired weakness in adults. Am J Respir Crit Care Med. 2014;190(12):1437-46.) As melhorias na assistência nas UTI tem permitido o aumento na sobrevida destes pacientes, porém um efeito adverso que tem sido cada vez mais reportado é o impacto na funcionalidade.(22 Castro-Avila AC, Serón P, Fan E, Gaete M, Mickan S. Effect of early rehabilitation during intensive care unit stay on functional status: systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2015;10(7):e0130722.

3 Desai SV, Law TJ, Needham DM. Long-term complications of critical care. Crit Care Med. 2011;39(2):371-9.
-44 Robinson CC, Rosa RG, Kochhann R, Schneider D, Sganzerla D, Dietrich C, et al. Quality of life after intensive care unit: a multicenter cohort study protocol for assessment of long-term outcomes among intensive care survivors in Brazil. Rev Bras Ter Intensiva. 2018;30(4):405-13.)

A funcionalidade é conceituada como a capacidade para realizar atividades desde o autocuidado até aquelas com grandes necessidades de força e mobilidade.(55 Bruce B, Fries JF, Ambrosini D, Lingala B, Gandek B, Rose M, et al. Better assessment of physical function: item improvement is neglected but essential. Arthritis Res Ther. 2009;11(6):R191.) Alguns fatores estão associados com o comprometimento na funcionalidade: gravidade da doença crítica, uso de sedativos e/ou terapias de substituição como a hemodiálise, necessidade de ventilação mecânica invasiva e repouso prolongado no leito estão associados com prejuízos do condicionamento físico e redução da funcionalidade.(11 Fan E, Cheek F, Chlan L, Gosselink R, Hart N, Herridge MS, Hopkins RO, Hough CL, Kress JP, Latronico N, Moss M, Needham DM, Rich MM, Stevens RD, Wilson KC, Winkelman C, Zochodne DW, Ali NA; ATS Committee on ICU-acquired Weakness in Adults; American Thoracic Society. An official American Thoracic Society Clinical Practice guideline: the diagnosis of intensive care unit-acquired weakness in adults. Am J Respir Crit Care Med. 2014;190(12):1437-46.,22 Castro-Avila AC, Serón P, Fan E, Gaete M, Mickan S. Effect of early rehabilitation during intensive care unit stay on functional status: systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2015;10(7):e0130722.,66 Cornette P, Swine C, Malhomme B, Gillet JB, Meert P, D'Hoore W. Early evaluation of the risk of functional decline following hospitalization of older patients: development of a predictive tool. Eur J Public Health. 2006;16(2):203-8.,77 Dietrich C, Cardoso JR, Vargas F, Sanchez EC, Dutra FH, Moreira C, et al. Functional ability in younger and older elderlies after discharge from the intensive care unit. A prospective cohort. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(3):293-302.) Esse impacto negativo no condicionamento físico e na funcionalidade adquirido na UTI pode comprometer o retorno dos pacientes à plena participação social por até 5 anos.(88 Garland A, Dawson NV, Altmann I, Thomas CL, Phillips RS, Tsevat J, Desbiens NA, Bellamy PE, Knaus WA, Connors AF Jr; SUPPORT Investigators. Outcomes up to 5 years after severe, acute respiratory failure. Chest. 2004;126(6):1897-904.)

Na tentativa de minimizar ou prevenir esses efeitos adversos do internamento na UTI, a mobilização precoce tem sido cada vez mais estudada e implementada,(22 Castro-Avila AC, Serón P, Fan E, Gaete M, Mickan S. Effect of early rehabilitation during intensive care unit stay on functional status: systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2015;10(7):e0130722.) apresentando efeitos positivos na melhora de força muscular, na independência na marcha, na redução do tempo de internamento e nas melhoras contínua na funcionalidade.(11 Fan E, Cheek F, Chlan L, Gosselink R, Hart N, Herridge MS, Hopkins RO, Hough CL, Kress JP, Latronico N, Moss M, Needham DM, Rich MM, Stevens RD, Wilson KC, Winkelman C, Zochodne DW, Ali NA; ATS Committee on ICU-acquired Weakness in Adults; American Thoracic Society. An official American Thoracic Society Clinical Practice guideline: the diagnosis of intensive care unit-acquired weakness in adults. Am J Respir Crit Care Med. 2014;190(12):1437-46.,99 Schweickert WD, Pohlman MC, Pohlman AS, Nigos C, Pawlik AJ, Esbrook CL, et al. Early physical and occupational therapy in mechanically ventilated, critically ill patients: a randomised controlled trial. Lancet. 2009;373(9678):1874-82.) No entanto, para avaliar o impacto da mobilização precoce na UTI, é essencial a utilização de instrumentos validados e testados nesse ambiente.(1010 Christakou A, Papadopoulos E, Patsaki E, Sidiras G, Nanas S. Functional assessment scales in a general intensive care unit. A review. Hosp Chron. 2013;8(4):159-66.) As primeiras escalas para avaliação funcional em UTI foram adaptadas de centros de reabilitação para este ambiente, com destaque para a Medida de Independência Funcional - MIF (Functional Independence Measure - FIM).(1010 Christakou A, Papadopoulos E, Patsaki E, Sidiras G, Nanas S. Functional assessment scales in a general intensive care unit. A review. Hosp Chron. 2013;8(4):159-66.,1111 Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SS, Sakamoto H, Pinto PP, Battistella LR. Validação da Versão Brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2004;11(2):72-6.) Para utilização da MIF na UTI, foram necessárias algumas modificações nessas escalas, como a redução de 18 itens de avaliação para apenas 2, com destaque para as tarefas mais relevantes no ambiente de UTI.(1212 Jesus FS, Paim DM, Brito JO, Barros IA, Nogueira TB, Martinez BP, et al. Mobility decline in patients hospitalized in an intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(2):114-9.

13 Hinkle JL, McClaran J, Davies J, Ng D. Reliability and validity of the adult alpha functional independence measure instrument in England. J Neurosci Nurs. 2010;42(1):12-8.

14 Riberto M, Miyazaki MH, Jorge Filho D, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2001;8(1):45-52.
-1515 Elliott D, Denehy L, Berney S, Alison JA. Assessing physical function and activity for survivors of a critical illness: a review of instruments. Aust Crit Care. 2011;24(3):155-66.)

Para melhorar o processo de avaliação funcional, foram desenvolvidas escalas funcionais específicas para o ambiente de UTI.(1616 Parry SM, Granger CL, Berney S, Jones J, Beach L, El-Ansary D, et al. Assessment of impairment and activity limitations in the critically ill: a systematic review of measurement instruments and their clinimetric properties. Intensive Care Med. 2015;41(5):744-62.) Neste cenário, destaca-se a Escala de Estado Funcional para UTI (FSS-ICU - Functional Status Score for the Intensive Care Unit), que avalia as habilidades de rolar no leito, transferência da posição supina para sentada, transferência da posição sentada para posição de pé, sentar na beira da cama e deambular.(1717 Zanni JM, Korupolu R, Fan E, Pradhan P, Janjua K, Palmer JB, et al. Rehabilitation therapy and outcomes in acute respiratory failure: an observational pilot project. J Crit Care. 2010;25(2):254-62.

18 Parry SM, Denehy L, Beach LJ, Berney S, Williamson HC, Granger CL. Functional outcomes in ICU - what should we be using? - an observational study. Crit Care. 2015;19:127.
-1919 Thrush A, Rozek M, Dekerlegand JL. The clinical utility of the functional status score for the intensive care unit (FSS-ICU) at a long-term acute care hospital: a prospective cohort study. Phys Ther. 2012;92(12):1536-45.) Maiores pontuações finais da MIF e da FSS-ICU expressam melhor funcionalidade, e pontuações mais baixas indicam dependências dos pacientes para as atividades avaliadas.(2020 Curzel J, Forgiarini Junior LA, Rieder Mde M. Evaluation of functional independence after discharge from the intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(2):93-8.,2121 Silva VZ, Araújo JA Neto, Cipriano G Jr, Pinedo M, Needham DM, Zanni JM, et al. Brazilian version of the Functional Status Score for the ICU: translation and cross-cultural adaptation. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(1):34-8.) A MIF e a FSS-ICU já foram validadas e traduzidas para o português, porém apenas a sensibilidade da MIF e a confiabilidade da FSS-ICU foram testadas previamente.(2121 Silva VZ, Araújo JA Neto, Cipriano G Jr, Pinedo M, Needham DM, Zanni JM, et al. Brazilian version of the Functional Status Score for the ICU: translation and cross-cultural adaptation. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(1):34-8.,2222 Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SS, Sakamoto, Pinto PP, Battistella LR. Validação da Versão Brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2004;11(2):72-6.) No entanto, a avaliação de confiabilidade, os efeitos teto e piso, e a validade do construto fazem parte de um conjunto de propriedades de medidas que deve ser testado nos instrumentos em saúde para auxiliar na escolha do instrumento mais adequado para aplicação na prática clínica.(1111 Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SS, Sakamoto H, Pinto PP, Battistella LR. Validação da Versão Brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2004;11(2):72-6.,2121 Silva VZ, Araújo JA Neto, Cipriano G Jr, Pinedo M, Needham DM, Zanni JM, et al. Brazilian version of the Functional Status Score for the ICU: translation and cross-cultural adaptation. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(1):34-8.,2323 Terwee CB, Bot SD, de Boer MR, van der Windt DA, Knol DL, Dekker J, et al. Quality criteria were proposed for measurement properties of health status questionnaires. J Clin Epidemiol. 2007;60(1):34-42.,2424 Mokkink LB, Terwee CB, Gibbons E, Stratford PW, Alonso J, Patrick DL, et al. Inter-rater agreement and reliability of the COSMIN (COnsensus-based Standards for the selection of health status Measurement Instruments) checklist. BMC Med Res Methodol. 2010;10:82.)

O objetivo deste estudo é avaliar as propriedades de medida (validade convergente, confiabilidade intra e interavaliadores, consistência interna, concordância, e efeito teto e piso) da FSS-ICU e do domínio motor da MIF em pacientes internados na UTI.

MÉTODOS

Esta foi uma pesquisa de propriedades de medida, aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com seres humanos da Universidade Cidade de São Paulo, sob número 45685215.8.0000.0064.

Todos os pacientes elegíveis preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram avaliados pacientes internados consecutivamente na UTI do Hospital Aliança de Salvador, na Bahia, por razões clínicas ou cirúrgicas, entre janeiro de 2016 até dezembro de 2017. Este hospital era privado e considerado de médio porte, com UTI geral com 15 leitos, atendendo pacientes clínicos e cirúrgicos. Faziam parte da equipe da UTI fisioterapeutas, médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, nutricionistas, assistentes sociais e psicólogos.

De acordo com as diretrizes do Consensus-based standards for the selection of health measurement instruments (COSMIN) para realizar análises de reprodutibilidade, validade de construto e efeito teto e piso, é necessária amostra de 100 pacientes. Portanto, foi determinado tamanho amostral de 100 pacientes.(2525 Souza DC, Wegner F, Costa LC, Chiavegato LD, Lunardi AC. Measurement properties of the Human Activity Profile questionnaire in hospitalized patients. Braz J Phys Ther. 2017;21(3):153-8.) Foram incluídos pacientes admitidos há mais de 48 horas na UTI, sem restrição clínica para mobilização, acordados e cooperativos para compreender os comandos solicitados e que aceitassem participar da pesquisa.

Assim que o paciente era selecionado para o estudo, o Termo de Consentimento era apresentado a ele e/ou familiar no horário de visitas. Foi preconizado não aplicar as escalas no primeiro momento de retirada do leito, após longos períodos de imobilização, devido a mais chances de hipotensão ortostática e ao consequente medo em realizar os testes pelos pacientes, o que poderia comprometer as análises de confiabilidade. Também foi definida, com a equipe da enfermagem, a mobilização após analgesia para aqueles pacientes que necessitavam.

Os pacientes com alteração do quadro clínico detectada pela equipe médica entre as avaliações (hipotensão ou hipertensão, bradicardia ou taquicardia, taquipneia e/ou alterações do sensório, a partir da linha de base), sob efeito de sedação e drogas vasoativas e que utilizavam ventilação mecânica invasiva no momento da avaliação foram excluídos.

Todos os pacientes avaliados tinham prescrição de repouso relativo confirmada pelo médico plantonista e estabilidade dos sistemas fisiológicos (respiratório, cardiovascular e mental); assim, o fisioterapeuta teve a função de avaliar o sistema neuromusculoesquelético por meio da FSS-ICU e da MIF-domínio motor.

Para avaliação dos pacientes, foram envolvidos neste estudo 15 fisioterapeutas. Todos eram especialistas em terapia intensiva e treinados para aplicação das escalas, que é rotineiramente usada no hospital. Cada paciente era avaliado por dois destes fisioterapeutas: o fisioterapeuta 1 iniciou os procedimentos para avaliação na linha de base aplicando a FSS-ICU e a MIF-domínio motor (teste 1) para análise de consistência interna e efeitos teto e piso. Após 30 minutos, o fisioterapeuta 2, "cego" aos resultados do teste 1, também aplicou a FSS-ICU e a MIF-domínio motor (teste 2) para análise de confiabilidade entre avaliadores. Após 2 horas, o fisioterapeuta 1 reaplicou as escalas (reteste) para análise de confiabilidade intra-avaliadores e concordância (Figura 1). Durante os registros na ficha de coleta, os fisioterapeutas utilizavam um manual de instrução que detalha os níveis de assistências utilizados na avaliação.(2121 Silva VZ, Araújo JA Neto, Cipriano G Jr, Pinedo M, Needham DM, Zanni JM, et al. Brazilian version of the Functional Status Score for the ICU: translation and cross-cultural adaptation. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(1):34-8.)

Figura 1
Fluxograma para aplicação da Escala de Estado Funcional para UTI e da Medida de Independência Funcional- domínio motor. FSS-ICU - Escala de Estado Funcional para UTI; MIF - Medida de Independência Funcional.

Na ficha de coleta, constavam identificação da idade, sexo, datas de internamento e da alta na UTI, motivo da internação na UTI, comorbidades, necessidade de ventilação mecânica invasiva com registro das datas de intubação e extubação, e indicação sobre a utilização de drogas vasoativas e sedativos. Ainda, para identificação da gravidade clínica dos pacientes, foram utilizados o Sequential Organ Failure Assessment (SOFA)(2626 Minne L, Abu-Hanna A, de Jonge E. Evaluation of SOFA-based models for predicting mortality in the ICU: A systematic review. Crit Care. 2008;12(6):R161.) e o Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3).(2727 Silva Junior JM, Malbouisson LM, Nuevo HL, Barbosa LG, Marubayashi LY, Teixeira IC, et al. Applicability of the simplified acute physiology score (SAPS 3) in Brazilian hospitals. Rev Bras Anestesiol. 2010;60(1):20-31.)

A FSS-ICU é utilizada para graduar o desempenho físico do paciente e consta da avaliação de cinco tarefas: rolar no leito, transferência da posição supina para sentada, transferência da posição sentada para posição de pé, sentar na beira da cama e deambular. Cada item pode receber até 7 pontos, dependendo do grau de assistência necessária para cada tarefa. No total, a pontuação pode variar de zero (totalmente dependente) até 35 (completamente independente).(2121 Silva VZ, Araújo JA Neto, Cipriano G Jr, Pinedo M, Needham DM, Zanni JM, et al. Brazilian version of the Functional Status Score for the ICU: translation and cross-cultural adaptation. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(1):34-8.,2828 Huang M, Chan KS, Zanni JM, Parry SM, Neto SG, Neto JA, et al. Functional Status Score for the ICU: An International Clinimetric Analysis of Validity, Responsiveness, and Minimal Important Difference. Crit Care Med. 2016;44(12):e1155-e1164.)

A MIF-domínio motor contém apenas os domínios de transferências e locomoção, pois entendemos que são os mais pertinentes dentro da UTI para uso do fisioterapeuta e também é mais comparável com a FSS-ICU.(1212 Jesus FS, Paim DM, Brito JO, Barros IA, Nogueira TB, Martinez BP, et al. Mobility decline in patients hospitalized in an intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(2):114-9.) Sua pontuação varia de zero a 7 para cada tarefa, considerando o grau de assistência necessária para que o paciente realize as transferências no leito e a locomoção. A soma dos itens varia do valor mínimo de zero e ao máximo de 14 pontos.(1111 Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SS, Sakamoto H, Pinto PP, Battistella LR. Validação da Versão Brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2004;11(2):72-6.,1414 Riberto M, Miyazaki MH, Jorge Filho D, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2001;8(1):45-52.)

As propriedades testadas e respectivas análises estão apresentadas em médias e desvio padrão, para variáveis contínuas, e em números absolutos, porcentagem e frequência, para as variáveis categóricas, depois de passarem pelo teste de normalidade de Shapiro-Wilks.

A consistência interna foi testada pelo coeficiente de alfa de Cronbach, para as escalas totais da FSS-ICU e da MIF-domínio motor. Além da análise total, também foi realizada, para a FSS-ICU, a avaliação da consistência interna sem cada um dos itens para detecção de redundância. A variação do índice é de zero a 1 e, quanto maior o valor, maior a confiabilidade da escala. Foram considerados apropriados os valores entre 0,75 e 0,95.(2929 Mokkink LB, Terwee CB, Patrick DL, Alonso J, Stratford PW, Knol DL, et al. The COSMIN study reached international consensus on taxonomy, terminology, and definitions of measurement properties for health-related patient-reported outcomes. J Clin Epidemiol. 2010;63(7):737-45.)

A concordância foi testada pelo erro padrão de medida (EPM) e a diferença mínima detectada com 90% de confiança (DMD90). A DMD90 correspondeu à pontuação no teste 1 menos a pontuação no teste 2 dividido pela √2 × EPM. O EPM foi considerado muito bom se < 5% da pontuação total, bom se ≥ 5% e < 10%, em dúvida se ≥ 10% e < 20% e duvidoso quando > 20%.(2929 Mokkink LB, Terwee CB, Patrick DL, Alonso J, Stratford PW, Knol DL, et al. The COSMIN study reached international consensus on taxonomy, terminology, and definitions of measurement properties for health-related patient-reported outcomes. J Clin Epidemiol. 2010;63(7):737-45.)

A confiabilidade foi testada intra e interavaliadores pelo coeficiente de correlação intraclasse (CCI), subtipo concordância absoluta para medidas únicas, tendo sido considerada a variância das medidas em cada participante, e não na média (CCI2,1), com seu respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%). A classificação adotada foi: pobre se CCI < 0,4; satisfatória se 0,4 ≤ CCI < 0,75 e excelente se CCI ≥ 0,75.(2929 Mokkink LB, Terwee CB, Patrick DL, Alonso J, Stratford PW, Knol DL, et al. The COSMIN study reached international consensus on taxonomy, terminology, and definitions of measurement properties for health-related patient-reported outcomes. J Clin Epidemiol. 2010;63(7):737-45.)

A validade convergente foi testada pela correlação de Pearson entre as pontuações totais da FSS-ICU e da MIF-domínio motor. Sua correlação foi caracterizada da seguinte forma: se ƿ = 1, significa correlação perfeita positiva entre duas categorias das escalas; se ƿ = -1 significa correlação negativa perfeita entre duas categorias das escalas; e se ƿ = 0, significa que as categorias das escalas não dependem linearmente uma da outra. Nossa hipótese era a de que existisse uma correlação forte e positiva entre as escalas, por elas avaliarem o mesmo construto (mobilidade).(2929 Mokkink LB, Terwee CB, Patrick DL, Alonso J, Stratford PW, Knol DL, et al. The COSMIN study reached international consensus on taxonomy, terminology, and definitions of measurement properties for health-related patient-reported outcomes. J Clin Epidemiol. 2010;63(7):737-45.)

Os efeitos teto e piso foram testados por frequência e considerados presentes se 15% dos pacientes ou mais alcançassem a pontuação máxima ou mínima nos instrumentos.(2929 Mokkink LB, Terwee CB, Patrick DL, Alonso J, Stratford PW, Knol DL, et al. The COSMIN study reached international consensus on taxonomy, terminology, and definitions of measurement properties for health-related patient-reported outcomes. J Clin Epidemiol. 2010;63(7):737-45.)

RESULTADOS

Inicialmente, foram triados 145 pacientes, e 45 foram excluídos devido a mudanças clínicas entre as avaliações (Figura 1). Uma amostra de 100 pacientes com média de idade de 72,1 ± 15,9 anos completou o estudo. Cerca de 19% apresentaram dois ou três motivos para internamento na UTI, e 70% da amostra tinha mais de uma comorbidade associada, sendo as condições de pós-operatório (eletivo ou de urgência) as principais causas de internamento na UTI. O escore de gravidade SOFA teve pontuação média de 11,0 ± 3,5, e o SAPS 3 teve pontuação média de 50,2 ± 16,5 (Tabela 1). Para os pacientes que precisaram, o tempo médio de suporte ventilatório invasivo foi de 5,36 ± 4,34 dias. Foi utilizada sedação em 26,9% dos pacientes e 28,8% necessitaram de drogas vasoativas.

Tabela 1
Características demográficas e clínicas dos pacientes

Consistência interna

Foi considerada como adequada, sendo encontrada consistência interna de 0,95 pelo alfa de Cronbach para pontuação total da FSS-ICU (Tabela 2) e 0,86 para a pontuação total da MIF-domínio motor. Não foi possível calcular o alfa de Cronbach para cada item deletado da escala MIF-domínio motor, já que ela possui dois itens.

Tabela 2
Alfa de Cronbach por item deletado para cada tarefa da Escala de Estado Funcional para UTI

Concordância

A DMD90 encontrou 1,0 ponto para FSS-ICU e MIF, com EPM de 0,54 ponto (2%) e 0,11 ponto (1%), respectivamente.

Confiabilidade

Os CCI das pontuações totais da FSS-ICU e da MIF-domínio motor foram considerados adequados e estão descritos na tabela 3.

Tabela 3
Coeficientes de correlação intraclasse para pontuação total da Escala de Estado Funcional para UTI e da Medida de Independência Funcional - domínio motor intra e interavaliadores

Validade convergente

Foi identificada correlação de 0,94 para a pontuação total entre a FSS-ICU e a MIF-domínio motor, com p < 0,001.

Efeito teto e piso

O efeito teto foi observado em 16% da amostra com FSS-ICU e 18% obtiveram a pontuação máxima nas avaliações com a MIF. O efeito piso não foi observado nas escalas. A FSS-ICU teve pontuação média total de 21,37 ± 10,07 e a pontuação média total da MIF- domínio motor foi de 8,06 ± 4,31.

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo avaliar as propriedades de medida da FSS-ICU e da MIF-domínio motor, sendo identificada forte correlação entre elas, pois avaliam o mesmo construto: a mobilidade. Os resultados deste estudo demonstraram que a FSS-ICU e a MIF-domínio motor apresentaram adequadas consistência interna, confiabilidade e concordância para todas as tarefas no teste e reteste. Além disso, a validade foi convergente entre as escalas e ambas não apresentaram efeito piso, mas tiveram efeito teto.(2929 Mokkink LB, Terwee CB, Patrick DL, Alonso J, Stratford PW, Knol DL, et al. The COSMIN study reached international consensus on taxonomy, terminology, and definitions of measurement properties for health-related patient-reported outcomes. J Clin Epidemiol. 2010;63(7):737-45.)

Como base na detecção de propriedades de medida adequadas em ambas as escalas, podemos inferir que, apesar da FSS-ICU ter sido desenvolvida tendo a MIF como referência, ela é uma escala mais completa e robusta, sendo específica para o ambiente de UTI, e permite documentar e medir a eficácia das intervenções terapêuticas durante a continuidade do cuidado no hospital de sobreviventes de doença crítica.(1717 Zanni JM, Korupolu R, Fan E, Pradhan P, Janjua K, Palmer JB, et al. Rehabilitation therapy and outcomes in acute respiratory failure: an observational pilot project. J Crit Care. 2010;25(2):254-62.,1919 Thrush A, Rozek M, Dekerlegand JL. The clinical utility of the functional status score for the intensive care unit (FSS-ICU) at a long-term acute care hospital: a prospective cohort study. Phys Ther. 2012;92(12):1536-45.) Por outo lado, o domínio motor da MIF possui apenas dois itens e, logo, é de rápida aplicação, podendo ser uma boa escolha para triagem e encaminhamento de pacientes em risco funcional, para assistência fisioterapêutica mais ou menos intensa durante o tratamento em UTI. Além disso, uma alteração de 2 pontos na FSS-ICU parece ser clinicamente importante em pacientes crônicos, e a aplicação da FSS-ICU não altera significativamente as sessões de avaliação ou tratamento fisioterapêutico, já que estima-se que seja necessário menos de 1 minuto para registro dos dados e, portanto, é importante para documentar os efeitos das intervenções.(1919 Thrush A, Rozek M, Dekerlegand JL. The clinical utility of the functional status score for the intensive care unit (FSS-ICU) at a long-term acute care hospital: a prospective cohort study. Phys Ther. 2012;92(12):1536-45.)

Como a MIF não foi desenvolvida para ambiente hospitalar, um estudo multicêntrico americano já investigara a validação dessa escala neste meio, sendo aplicada em pacientes subagudos e crônicos e predominantemente acometidos por doenças neurológicas, identificando-se adequada consistência interna, embora, para o subitem de locomoção, tenha sido menor que 0,70, mostrando-se inferior ao valor de 0,86 encontrado em nosso estudo, no qual a escala foi aplicada para pacientes críticos.(3030 Dodds TA, Martin DP, Stolov WC, Deyo RA. A validation of the functional independence measurement and its performance among rehabilitation inpatients. Arch Phys Med Rehabil. 1993;74(5):531-6.) Dodds et al.(3030 Dodds TA, Martin DP, Stolov WC, Deyo RA. A validation of the functional independence measurement and its performance among rehabilitation inpatients. Arch Phys Med Rehabil. 1993;74(5):531-6.) reforçam que a MIF é um instrumento com confiabilidade adequada para identificar as mudanças físicas dos pacientes com programa de reabilitação e confirmam a capacidade (validade do construto) do instrumento para discriminar pacientes a partir da idade e comorbidades.

A MIF só foi traduzida e validada em português-brasileiro em 2000, e os autores não relataram problemas de equivalência linguística e cultural, com validade convergente confirmada quando aplicada em pacientes com maior comprometimento motor, que apresentaram menores pontuações no escore total da escala.(1111 Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SS, Sakamoto H, Pinto PP, Battistella LR. Validação da Versão Brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2004;11(2):72-6.) Porém, novamente, a confiabilidade da escala foi menor no estudo de Riberto et al.,(1111 Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SS, Sakamoto H, Pinto PP, Battistella LR. Validação da Versão Brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2004;11(2):72-6.) que envolveu pacientes de UTI e ambulatório na mesma amostra, se comparado com nosso estudo exclusivamente com pacientes críticos. Outra diferença entre os estudos foi a utilização do escore qualitativo e quantitativo para avaliação da concordância. Riberto et al.(1111 Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SS, Sakamoto H, Pinto PP, Battistella LR. Validação da Versão Brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2004;11(2):72-6.,1414 Riberto M, Miyazaki MH, Jorge Filho D, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2001;8(1):45-52.) avaliaram a confiabilidade de dois avaliadores usando o teste de kappa e consideraram como moderada-substancial, diferente do nosso estudo, que mediu por meio do CCI e pontuou como excelente.

Em 2010, a versão alfa MIF reduziu a escala de 18 para 6 itens (4 motor e 2 cognitivos) e manteve a pontuação de 1 a 7 para classificar o nível de independência para cada tarefa.(1313 Hinkle JL, McClaran J, Davies J, Ng D. Reliability and validity of the adult alpha functional independence measure instrument in England. J Neurosci Nurs. 2010;42(1):12-8.) Esta escala já foi testada em UTI e mostrou-se capaz de identificar mudanças na capacidade de realizar transferências e locomoção entre a admissão e a alta hospitalar.(3131 Martin UJ, Hincapie L, Nimchuk M, Gaughan J, Criner GJ. Impact of whole-body rehabilitation in patients receiving chronic mechanical ventilation. Crit Care Med. 2005;33(10):2259-65.) Estudo prévio aplicou a MIF apenas com os domínios de transferência no leito e locomoção na UTI, utilizando a pontuação de 1 a 7 para classificar a independência dos pacientes na tarefa,(1212 Jesus FS, Paim DM, Brito JO, Barros IA, Nogueira TB, Martinez BP, et al. Mobility decline in patients hospitalized in an intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(2):114-9.) confirmando que esta escala pode ser melhor aplicada na UTI com estas adaptações, no entanto as propriedades de medida desta alteração da escala foi testada pela primeira vez no nosso estudo.(1212 Jesus FS, Paim DM, Brito JO, Barros IA, Nogueira TB, Martinez BP, et al. Mobility decline in patients hospitalized in an intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(2):114-9.)

Ao contrário da MIF, a FSS-ICU foi desenvolvida especificamente para o ambiente de UTI, quando avaliou o impacto funcional em pacientes que necessitaram de ventilação mecânica invasiva(1717 Zanni JM, Korupolu R, Fan E, Pradhan P, Janjua K, Palmer JB, et al. Rehabilitation therapy and outcomes in acute respiratory failure: an observational pilot project. J Crit Care. 2010;25(2):254-62.) e teve sua utilidade clínica confirmada para a avaliação funcional em uma população de pacientes de longo internamento hospitalar.(1919 Thrush A, Rozek M, Dekerlegand JL. The clinical utility of the functional status score for the intensive care unit (FSS-ICU) at a long-term acute care hospital: a prospective cohort study. Phys Ther. 2012;92(12):1536-45.) Na tabela 4, constam as propriedades de medidas de estudos com a FSS-ICU e a MIF.

Tabela 4
Distribuição das propriedades de medida da Escala de Estado Funcional para UTI e da Medida de Independência Funcional

Parry et al.(1818 Parry SM, Denehy L, Beach LJ, Berney S, Williamson HC, Granger CL. Functional outcomes in ICU - what should we be using? - an observational study. Crit Care. 2015;19:127.) desenvolveram estudo observacional em 66 pacientes e utilizaram 4 escalas para avaliação funcional: FSS-ICU, Physical Function in Intensive Care Unit Test (PFIT), Perme Score, Intensive Care Unit Mobility Scale (IMS) e Short Physical Performance Battery (SPPB), concluindo que a FSS-ICU e o PFIT tinham potencial e recomendando sua utilização na prática e na pesquisa clínica. Os autores encontraram diferença minimamente importante quatro a cinco vezes maior do que a detectada em nosso estudo. Provavelmente, a diferença na concordância entre os estudos foi observada pela diferença de motivo de internamento na UTI, que foi predominantemente descompensação respiratória no estudo de Parry et al.(1818 Parry SM, Denehy L, Beach LJ, Berney S, Williamson HC, Granger CL. Functional outcomes in ICU - what should we be using? - an observational study. Crit Care. 2015;19:127.) e pós-operatório no nosso estudo, sendo a população do estudo de Parry et al.,(1818 Parry SM, Denehy L, Beach LJ, Berney S, Williamson HC, Granger CL. Functional outcomes in ICU - what should we be using? - an observational study. Crit Care. 2015;19:127.) potencialmente mais instável clinicamente.

Em relação à interpretabilidade, em um estudo multicêntrico, Huang et al.(2828 Huang M, Chan KS, Zanni JM, Parry SM, Neto SG, Neto JA, et al. Functional Status Score for the ICU: An International Clinimetric Analysis of Validity, Responsiveness, and Minimal Important Difference. Crit Care Med. 2016;44(12):e1155-e1164.) encontraram efeito teto apenas durante a avaliação na alta hospitalar, enquanto nosso estudo encontrou o mesmo efeito na FSS-ICU durante o internamento na UTI, podendo ser explicado pela maior prevalência de pacientes cirúrgicos na nossa amostra. Neste mesmo estudo,(2828 Huang M, Chan KS, Zanni JM, Parry SM, Neto SG, Neto JA, et al. Functional Status Score for the ICU: An International Clinimetric Analysis of Validity, Responsiveness, and Minimal Important Difference. Crit Care Med. 2016;44(12):e1155-e1164.) a consistência interna e a validade convergente foram similares às encontradas por nós. A confiabilidade intra-avaliadores medida no nosso estudo foi confirmada pelo estudo de Ragavan et al.,(3232 Ragavan V, Greenwood K, Bibi K. The Functional Status Score for the Intensive Care Unit Scale: Is It Reliable in the Intensive Care Unit? Can It Be Used to Determine Discharge Placement? J Acute Care Phys Ther. 2016;7(3):93-100.) embora estes autores não tenham seguido as recomendações do COSMIN(3333 Mokkink LB, Prinsen CA, Bouter LM, Vet HC, Terwee CB. The COnsensus-based Standards for the selection of health Measurement INstruments (COSMIN) and how to select an outcome measurement instrument. Braz J Phys Ther. 2016;20(2):105-13.) para realização de estudos de clinimetria.

A identificação de ferramentas para avaliar as limitações de atividade e incapacidade em pacientes críticos que já tiveram suas propriedades de medidas testadas foi tema de revisão sistemática conduzida por Parry et al.(1616 Parry SM, Granger CL, Berney S, Jones J, Beach L, El-Ansary D, et al. Assessment of impairment and activity limitations in the critically ill: a systematic review of measurement instruments and their clinimetric properties. Intensive Care Med. 2015;41(5):744-62.) Os autores identificaram que altas pontuações do PFIT e da FSS-ICU na alta da UTI estão associadas com alta hospitalar diretamente para casa. Porém, eles reforçam que é difícil utilizar uma única ferramenta para avaliação física em UTI, devido às flutuações clínicas do paciente crítico e as limitações para cooperação do paciente em testes como o de força muscular. Os autores recomendam que as avaliações sejam baseada na estrutura da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), o que é contemplado pela FSS-ICU, que avalia atividades (transferência e marcha).(1616 Parry SM, Granger CL, Berney S, Jones J, Beach L, El-Ansary D, et al. Assessment of impairment and activity limitations in the critically ill: a systematic review of measurement instruments and their clinimetric properties. Intensive Care Med. 2015;41(5):744-62.)

A avaliação das propriedades de medida da MIF ocorreu apenas em pacientes hospitalizados. Por isso, sua capacidade para identificar alterações funcionais no ambiente de reabilitação é alta.(3030 Dodds TA, Martin DP, Stolov WC, Deyo RA. A validation of the functional independence measurement and its performance among rehabilitation inpatients. Arch Phys Med Rehabil. 1993;74(5):531-6.) No entanto, a MIF completa apresenta limitações para reprodução no ambiente de UTI, já que contempla atividades como usar banheiro e subir escadas.(3434 Christakou A, Papadopoulos E, Patsaki I, Sidiras G, Nanas S. Functional assessment scales in a general intensive care unit. A review. Hosp Chron. 2013;8(4):164-70.) Por isso, a FSS-ICU pode ser mais apropriada para aplicação na UTI, porque contempla atividades mais comuns no contexto da doença crítica.(3434 Christakou A, Papadopoulos E, Patsaki I, Sidiras G, Nanas S. Functional assessment scales in a general intensive care unit. A review. Hosp Chron. 2013;8(4):164-70.)

As limitações deste estudo referem-se à possível identificação de efeito teto nesta população, pela maior prevalência de pacientes em pós-operatório na amostra, com tempo médio de internamento na UTI de 4,5 dias, que não permite distinguir o que é uma limitação da escala ou da amostra. Além disso, por ser um estudo unicêntrico, nossos resultados podem não necessariamente representar a população de pacientes críticos de UTIs brasileiras, porém a maioria dos estudos de propriedade de medida têm essa mesma característica, e as propriedades encontradas neste estudo foram similares às de estudos anteriores em outros idiomas.

CONCLUSÃO

A maioria das propriedades de medida (consistência interna, concordância, confiabilidade, validade convergente e efeito piso) da FSS-ICU e da MIF-domínio motor é adequada para avaliar a capacidade de transferências e deambulação de pacientes críticos na unidade de terapia intensiva, embora as escalas apresentem efeito teto.

AGRADECIMENTOS

Fonte financiadora: Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares (PROSUP) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

REFERÊNCIAS

  • 1
    Fan E, Cheek F, Chlan L, Gosselink R, Hart N, Herridge MS, Hopkins RO, Hough CL, Kress JP, Latronico N, Moss M, Needham DM, Rich MM, Stevens RD, Wilson KC, Winkelman C, Zochodne DW, Ali NA; ATS Committee on ICU-acquired Weakness in Adults; American Thoracic Society. An official American Thoracic Society Clinical Practice guideline: the diagnosis of intensive care unit-acquired weakness in adults. Am J Respir Crit Care Med. 2014;190(12):1437-46.
  • 2
    Castro-Avila AC, Serón P, Fan E, Gaete M, Mickan S. Effect of early rehabilitation during intensive care unit stay on functional status: systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2015;10(7):e0130722.
  • 3
    Desai SV, Law TJ, Needham DM. Long-term complications of critical care. Crit Care Med. 2011;39(2):371-9.
  • 4
    Robinson CC, Rosa RG, Kochhann R, Schneider D, Sganzerla D, Dietrich C, et al. Quality of life after intensive care unit: a multicenter cohort study protocol for assessment of long-term outcomes among intensive care survivors in Brazil. Rev Bras Ter Intensiva. 2018;30(4):405-13.
  • 5
    Bruce B, Fries JF, Ambrosini D, Lingala B, Gandek B, Rose M, et al. Better assessment of physical function: item improvement is neglected but essential. Arthritis Res Ther. 2009;11(6):R191.
  • 6
    Cornette P, Swine C, Malhomme B, Gillet JB, Meert P, D'Hoore W. Early evaluation of the risk of functional decline following hospitalization of older patients: development of a predictive tool. Eur J Public Health. 2006;16(2):203-8.
  • 7
    Dietrich C, Cardoso JR, Vargas F, Sanchez EC, Dutra FH, Moreira C, et al. Functional ability in younger and older elderlies after discharge from the intensive care unit. A prospective cohort. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(3):293-302.
  • 8
    Garland A, Dawson NV, Altmann I, Thomas CL, Phillips RS, Tsevat J, Desbiens NA, Bellamy PE, Knaus WA, Connors AF Jr; SUPPORT Investigators. Outcomes up to 5 years after severe, acute respiratory failure. Chest. 2004;126(6):1897-904.
  • 9
    Schweickert WD, Pohlman MC, Pohlman AS, Nigos C, Pawlik AJ, Esbrook CL, et al. Early physical and occupational therapy in mechanically ventilated, critically ill patients: a randomised controlled trial. Lancet. 2009;373(9678):1874-82.
  • 10
    Christakou A, Papadopoulos E, Patsaki E, Sidiras G, Nanas S. Functional assessment scales in a general intensive care unit. A review. Hosp Chron. 2013;8(4):159-66.
  • 11
    Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SS, Sakamoto H, Pinto PP, Battistella LR. Validação da Versão Brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2004;11(2):72-6.
  • 12
    Jesus FS, Paim DM, Brito JO, Barros IA, Nogueira TB, Martinez BP, et al. Mobility decline in patients hospitalized in an intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(2):114-9.
  • 13
    Hinkle JL, McClaran J, Davies J, Ng D. Reliability and validity of the adult alpha functional independence measure instrument in England. J Neurosci Nurs. 2010;42(1):12-8.
  • 14
    Riberto M, Miyazaki MH, Jorge Filho D, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2001;8(1):45-52.
  • 15
    Elliott D, Denehy L, Berney S, Alison JA. Assessing physical function and activity for survivors of a critical illness: a review of instruments. Aust Crit Care. 2011;24(3):155-66.
  • 16
    Parry SM, Granger CL, Berney S, Jones J, Beach L, El-Ansary D, et al. Assessment of impairment and activity limitations in the critically ill: a systematic review of measurement instruments and their clinimetric properties. Intensive Care Med. 2015;41(5):744-62.
  • 17
    Zanni JM, Korupolu R, Fan E, Pradhan P, Janjua K, Palmer JB, et al. Rehabilitation therapy and outcomes in acute respiratory failure: an observational pilot project. J Crit Care. 2010;25(2):254-62.
  • 18
    Parry SM, Denehy L, Beach LJ, Berney S, Williamson HC, Granger CL. Functional outcomes in ICU - what should we be using? - an observational study. Crit Care. 2015;19:127.
  • 19
    Thrush A, Rozek M, Dekerlegand JL. The clinical utility of the functional status score for the intensive care unit (FSS-ICU) at a long-term acute care hospital: a prospective cohort study. Phys Ther. 2012;92(12):1536-45.
  • 20
    Curzel J, Forgiarini Junior LA, Rieder Mde M. Evaluation of functional independence after discharge from the intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(2):93-8.
  • 21
    Silva VZ, Araújo JA Neto, Cipriano G Jr, Pinedo M, Needham DM, Zanni JM, et al. Brazilian version of the Functional Status Score for the ICU: translation and cross-cultural adaptation. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(1):34-8.
  • 22
    Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SS, Sakamoto, Pinto PP, Battistella LR. Validação da Versão Brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiatr. 2004;11(2):72-6.
  • 23
    Terwee CB, Bot SD, de Boer MR, van der Windt DA, Knol DL, Dekker J, et al. Quality criteria were proposed for measurement properties of health status questionnaires. J Clin Epidemiol. 2007;60(1):34-42.
  • 24
    Mokkink LB, Terwee CB, Gibbons E, Stratford PW, Alonso J, Patrick DL, et al. Inter-rater agreement and reliability of the COSMIN (COnsensus-based Standards for the selection of health status Measurement Instruments) checklist. BMC Med Res Methodol. 2010;10:82.
  • 25
    Souza DC, Wegner F, Costa LC, Chiavegato LD, Lunardi AC. Measurement properties of the Human Activity Profile questionnaire in hospitalized patients. Braz J Phys Ther. 2017;21(3):153-8.
  • 26
    Minne L, Abu-Hanna A, de Jonge E. Evaluation of SOFA-based models for predicting mortality in the ICU: A systematic review. Crit Care. 2008;12(6):R161.
  • 27
    Silva Junior JM, Malbouisson LM, Nuevo HL, Barbosa LG, Marubayashi LY, Teixeira IC, et al. Applicability of the simplified acute physiology score (SAPS 3) in Brazilian hospitals. Rev Bras Anestesiol. 2010;60(1):20-31.
  • 28
    Huang M, Chan KS, Zanni JM, Parry SM, Neto SG, Neto JA, et al. Functional Status Score for the ICU: An International Clinimetric Analysis of Validity, Responsiveness, and Minimal Important Difference. Crit Care Med. 2016;44(12):e1155-e1164.
  • 29
    Mokkink LB, Terwee CB, Patrick DL, Alonso J, Stratford PW, Knol DL, et al. The COSMIN study reached international consensus on taxonomy, terminology, and definitions of measurement properties for health-related patient-reported outcomes. J Clin Epidemiol. 2010;63(7):737-45.
  • 30
    Dodds TA, Martin DP, Stolov WC, Deyo RA. A validation of the functional independence measurement and its performance among rehabilitation inpatients. Arch Phys Med Rehabil. 1993;74(5):531-6.
  • 31
    Martin UJ, Hincapie L, Nimchuk M, Gaughan J, Criner GJ. Impact of whole-body rehabilitation in patients receiving chronic mechanical ventilation. Crit Care Med. 2005;33(10):2259-65.
  • 32
    Ragavan V, Greenwood K, Bibi K. The Functional Status Score for the Intensive Care Unit Scale: Is It Reliable in the Intensive Care Unit? Can It Be Used to Determine Discharge Placement? J Acute Care Phys Ther. 2016;7(3):93-100.
  • 33
    Mokkink LB, Prinsen CA, Bouter LM, Vet HC, Terwee CB. The COnsensus-based Standards for the selection of health Measurement INstruments (COSMIN) and how to select an outcome measurement instrument. Braz J Phys Ther. 2016;20(2):105-13.
  • 34
    Christakou A, Papadopoulos E, Patsaki I, Sidiras G, Nanas S. Functional assessment scales in a general intensive care unit. A review. Hosp Chron. 2013;8(4):164-70.

Editado por

Editor responsável: Leandro Utino Taniguchi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2019
  • Aceito
    11 Jul 2019
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br