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Para: Comparação entre técnicas de higiene brônquica em pacientes mecanicamente ventilados: ensaio clínico randomizado

Ao Editor,

Neste número da Revista Brasileira de Terapia Intensiva, Naue et al.(11 Naue WS, Herve BB, Vieira FN, Deponti GN, Martins LF, Dias AS, et al. Comparison of bronchial hygiene techniques in mechanically ventilated patients: a randomized clinical trial. Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(1):39-46.) apresentam um interessante estudo. Gostaríamos de cumprimentar os autores por sua relevante contribuição à literatura científica relativa ao assunto em questão, porém necessitamos de esclarecimentos a respeito do delineamento do estudo e de seu relato.

Os resultados do estudo demonstram que a hiperinflação com ventilador mecânico (HVM) associada à vibrocompressão (VB) aumentou a quantidade de secreções aspiradas, o que não ocorreu com outras técnicas. Contudo, quando se aplicou HVM isoladamente em comparação com a aspiração pulmonar (ASP) isoladamente, a quantidade de secreção removida não diferiu de forma significante, ou pior, segundo a figura 3, parece que a ASP foi capaz de remover mais secreção do que a HVM, apesar da ausência de significância estatística. Isto nos leva a refletir sobre a razão por que a HVM, particularmente na forma como foi realizada, poderia ter levado a um efeito oposto ao objetivado, isto é, por que deslocou a secreção para a periferia dos pulmões? No protocolo utilizado, a HVM foi realizada com o modo controle por pressão (que os autores equivocadamente classificaram como "modo ciclagem de pressão"), com aumento da pressão inspiratória até se obter um pico de pressão de 40cmH2O. Cremos que o uso do modo controle por pressão não favorece um pico de fluxo expiratório 10% superior ao pico de fluxo expiratório, necessário para deslocar o muco para a glote por meio de interação líquido-gás de duas fases (viés de fluxo expiratório).(22 Volpe MS, Adams AB, Amato MB, Marini JJ. Ventilation patterns influence airway secretion movement. Respir Care. 2008;53(10):1287-94.)

Thomas(33 Thomas PJ. The effect of mechanical ventilator settings during ventilator hyperinflation techniques: a bench-top analysis. Anaesth Intensive Care. 2015;43(1):81-7.) demonstrou, em um modelo comparativo, que o modo de ventilação com controle por volume/fluxo é melhor sucedido para obtenção de uma tendência de fluxo expiratório, teoricamente necessário para adequada depuração das secreções pulmonares. Isto se deve à capacidade de controlar o pico de fluxo inspiratório, o que não é possível nos modos com controle por pressão: nestes, o fluxo inspiratório é variável, adaptando-se segundo a complacência do sistema respiratório, a resistência de vias aéreas e o esforço inspiratório do paciente. Em um ensaio randomizado cruzado, Amaral et al.(44 Amaral BL, de Figueiredo AB, Lorena DM, Oliveira AC, Carvalho NC, Volpe MS. Effects of ventilation mode and manual chest compression on flow bias during the positive end- and zero end-expiratory pressure manoeuvre in mechanically ventilated patients: a randomized crossover trial. Physiotherapy. 2019 Feb 3. pii: S0031-9406(19)30037-9.) observaram que a tendência de fluxo expiratório foi significantemente maior no modo controle por volume do que no modo controle por pressão. Ao aumentar a pressão inspiratória, os autores demonstraram aumento no fluxo inspiratório em uma razão menos que proporcional ao fluxo expiratório, reduzindo as chances de obter uma proporção PIF/PEF ≤ 0,9, necessária para mover o muco em direção à glote. Nossa questão é: se a HVM fosse realizada no modo com controle por volume, poderia ter havido uma limpeza mais eficaz das secreções?(22 Volpe MS, Adams AB, Amato MB, Marini JJ. Ventilation patterns influence airway secretion movement. Respir Care. 2008;53(10):1287-94.)

Os autores também não padronizaram o tempo de incremento inspiratório. Este parâmetro, quando ajustado para o mesmo nível da pressão inspiratória, pode modificar o fluxo inspiratório para ser maior (se o tempo de ascensão/pressurização for mais rápido) ou menor (tempo de ascensão/pressurização mais curto). A falta de padronização dos ajustes pode ter provocado diferentes relacionamentos entre PIF/PEF para um mesmo tempo e ajuste da pressão inspiratória.(33 Thomas PJ. The effect of mechanical ventilator settings during ventilator hyperinflation techniques: a bench-top analysis. Anaesth Intensive Care. 2015;43(1):81-7.,44 Amaral BL, de Figueiredo AB, Lorena DM, Oliveira AC, Carvalho NC, Volpe MS. Effects of ventilation mode and manual chest compression on flow bias during the positive end- and zero end-expiratory pressure manoeuvre in mechanically ventilated patients: a randomized crossover trial. Physiotherapy. 2019 Feb 3. pii: S0031-9406(19)30037-9.) Gostaríamos também de destacar que as regulagens da ventilação mecânica não são a única forma de melhorar a limpeza de secreções; estudos em grandes animais demonstram o benefício da técnica de compressão manual do tórax (compressão mais intensa de início precoce)(55 Ntoumenopoulos G, Shannon H, Main E. Do commonly used ventilator settings for mechanically ventilated adults have the potential to embed secretions or promote clearance? Respir Care. 2011;56(12):1887-92.) e da gravidade (cabeça mais baixa).(66 Marti JD, Li Bassi G, Rigol M, Saucedo L, Ranzani OT, Esperatti M, et al. Effects of manual rib cage compressions on expiratory flow and mucus clearance during mechanical ventilation. Crit Care Med. 2013;41(3):850-6.)

Finalmente, os autores relacionaram de forma incorreta intervenções em curto prazo com desfechos longitudinais de duração da ventilação e mortalidade. Não conseguimos compreender como um ensaio randomizado e cruzado com intervenção única pode determinar desfechos de ensaios longitudinais, já que os pacientes receberam a mesma intervenção durante toda sua permanência na unidade de terapia intensiva.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Naue WS, Herve BB, Vieira FN, Deponti GN, Martins LF, Dias AS, et al. Comparison of bronchial hygiene techniques in mechanically ventilated patients: a randomized clinical trial. Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(1):39-46.
  • 2
    Volpe MS, Adams AB, Amato MB, Marini JJ. Ventilation patterns influence airway secretion movement. Respir Care. 2008;53(10):1287-94.
  • 3
    Thomas PJ. The effect of mechanical ventilator settings during ventilator hyperinflation techniques: a bench-top analysis. Anaesth Intensive Care. 2015;43(1):81-7.
  • 4
    Amaral BL, de Figueiredo AB, Lorena DM, Oliveira AC, Carvalho NC, Volpe MS. Effects of ventilation mode and manual chest compression on flow bias during the positive end- and zero end-expiratory pressure manoeuvre in mechanically ventilated patients: a randomized crossover trial. Physiotherapy. 2019 Feb 3. pii: S0031-9406(19)30037-9.
  • 5
    Ntoumenopoulos G, Shannon H, Main E. Do commonly used ventilator settings for mechanically ventilated adults have the potential to embed secretions or promote clearance? Respir Care. 2011;56(12):1887-92.
  • 6
    Marti JD, Li Bassi G, Rigol M, Saucedo L, Ranzani OT, Esperatti M, et al. Effects of manual rib cage compressions on expiratory flow and mucus clearance during mechanical ventilation. Crit Care Med. 2013;41(3):850-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2019
  • Aceito
    13 Jun 2019
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