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Avaliação temporal da dor neonatal após aspiração de vias aéreas

RESUMO

Objetivo:

Avaliar temporalmente o estímulo doloroso em prematuros com o uso de três escalas de mensuração de dor neonatal.

Métodos:

Foram observados 83 prematuros durante a aspiração de vias aéreas por três avaliadores (E1, E2 e E3) utilizando três escalas de avaliação da dor (Neonatal Facial Coding System - NFCS; Neonatal Infant Pain Scale - NIPS; e Premature Infant Pain Profile - PIPP) em cinco momentos: T1 (antes da aspiração de vias aéreas), T2 (durante a aspiração de vias aéreas), T3 (1 minuto após a aspiração de vias aéreas), T4 (3 minutos após a aspiração de vias aéreas) e T5 (5 minutos após a aspiração de vias aéreas). Utilizaram-se o Light’s Kappa (concordância entre examinadores e entre as escalas em cada tempo) e teste de McNemar (comparação entre os tempos), considerando-se p < 0,05.

Resultados:

Houve diferença significativa entre T1 e T2 para os três examinadores nas três escalas. Em T3, observou-se dor em 22,9%/E1, 28,9%/E2 e 24,1%/E3 de acordo com a NFCS; 22,9%/E1, 21,7%/E2 e 16,9%/E3, conforme a NIPS e 49,4%/E1, 53,9%/E2 e 47%/E3 considerando a PIPP dos prematuros. Houve diferença entre T1 e T3 nas três escalas, exceto para dois examinadores na PIPP (E2: p = 0,15/ E3: p = 0,17). Ao comparar T4 e T5 ao T1, não houve diferença em nenhuma das três escalas.

Conclusão:

Os prematuros necessitaram de pelo menos 3 minutos para retornarem ao seu estado inicial de repouso (sem dor).

Descritores:
Dor; Medição da dor; Sucção; Recém-nascido prematuro; Inquéritos e questionários; Reprodutibilidade dos testes

ABSTRACT

Objective:

To temporally assess a painful stimulus in premature infants using 3 neonatal pain scales.

Methods:

A total of 83 premature infants were observed during airway aspiration by 3 evaluators (E1, E2 and E3) using 3 pain assessment scales (Neonatal Facial Coding System - NFCS; Neonatal Infant Pain Scale - NIPS; and Premature Infant Pain Profile - PIPP) at 5 time points: T1 (before airway aspiration), T2 (during airway aspiration), T3 (1 minute after airway aspiration), T4 (3 minutes after airway aspiration), and T5 (5 minutes after airway aspiration). Light’s Kappa (agreement among examiners and among scales at each time point) and the McNemar test (comparison among time points) were used considering p < 0.05.

Results:

There was a significant difference between the 3 examiners for T1 and T2 using the 3 scales. In T3, pain was observed in 22.9%/E1, 28.9%/E2, and 24.1%/E3 according to the NFCS; 22.9%/E1, 21.7%/E2, and 16.9%/E3 according to the NIPS; and 49.4%/E1, 53.9%/E2, and 47%/E3 according to the PIPP. There was a difference between T1 and T3 using the 3 scales, except for 2 examiners for the PIPP (E2: p = 0.15/E3: p = 0.17). Comparing T4 and T5 to T1, there was no difference in the 3 scales.

Conclusion:

Premature infants required at least 3 minutes to return to their initial state of rest (no pain).

Keywords:
Pain; Pain measurement; Suction; Infant, premature; Surveys and questionnaires; Reproducibility of results

INTRODUÇÃO

A dor é definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a uma lesão tecidual real, potencial ou descrita, sempre subjetiva.(11 International Association for the Study of Pain (IASP). IASP terminology [Internet]. Washington, D.C IASP; c2018. [cited 2020 Jan 1]. Available from: https://www.iasp-pain.org/Education/Content.aspx?ItemNumber=1698.
https://www.iasp-pain.org/Education/Cont...
) Entretanto, este conceito não pode ser aplicado de forma literal ao recém-nascido devido à falta de capacidade de verbalização e à ausência de experiências dolorosas prévias, que possibilitariam a comparação e a descrição da sensação de dor.(22 Carter BS, Brunkhorst J. Neonatal pain management. Semin Perinatol. 2017;41(2):111-6.)

A dor é inerente aos cuidados na unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal, pois são realizados inúmeros procedimentos e intervenções de rotina, com média de 51 estímulos dolorosos em apenas 1 dia, incluindo punções, aspirações, dentre outros.(33 Field T. Preterm newborn pain research review. Infant Behav Dev. 2017;49:141-50.) Assim, os profissionais atuantes na UTI neonatal têm cada vez mais a preocupação de mensurar as sensações dolorosas relacionadas a manipulações, já que se entende que o sistema nervoso central (SNC) do neonato, incluindo o prematuro, é maduro no que concerne à condução do estímulo doloroso.(22 Carter BS, Brunkhorst J. Neonatal pain management. Semin Perinatol. 2017;41(2):111-6.)

A exposição prolongada à dor pode resultar em alterações na conformação do cérebro, tendo como consequência o desenvolvimento prejudicado.(44 Grunau RVE. Early pain in preterm infants. A model of long-term effects. Clin Perinatol. 2002;29(3):373-94, vii-viii.) Quanto mais prematuro for o recém-nascido, mais fortes são as respostas e maior sensibilidade à dor existe.(55 Bhalla T, Shepherd E, Tobias JD. Neonatal pain management. Saudi J Anaesth. 2014;8(Suppl 1):89-97.) A abordagem referente à redução da dor nos primeiros momentos da infância deve ser intensificada, a fim de evitar comprometimentos futuros, como alterações emocionais, comportamentais, de aprendizagem e do crescimento.(66 Maxwell LG, Malavolta CP, Fraga MV. Assessment of pain in the neonate. Clin Perinatol. 2013;40(3):457-69.,77 Vinall J, Miller SP, Chau V, Brummelte S, Synnes AR, Grunau RE. Neonatal pain in relation to postnatal growth in infants born very preterm. Pain. 2012;153(7):1374-81.)

Uma das questões mais importantes deste campo de conhecimento diz respeito à dificuldade de avaliação e mensuração da dor no neonato, constituindo um dos maiores obstáculos para o tratamento adequado da dor nas UTI neonatais. Existem muitas escalas, mas nenhuma delas emerge como padrão-ouro para as avaliações.(88 Lim Y, Godambe S. Prevention and management of procedural pain in the neonate: an update, American Academy of Pediatrics, 2016. Arch Dis Child Educ Pract Ed. 2017;102(5):254-6.)

Adicionalmente, algumas estratégias não farmacológicas vêm sendo propostas para reduzir a dor durante os diversos manuseios na UTI, incluindo posicionamento no leito, estímulo à sucção não nutritiva, dentre outros.(99 Oliveira IM, Castral TC, Cavalcante MM, Carvalho JC, Daré MF, Salge AK. Nursing professionals' knowledge and attitude related to assessment and treatment of neonatal pain. Rev Eletr Enf. 2016;18:e1160.,1010 Hall RW, Anand KJ. Pain management in newborns. Clin Perinatol. 2014;41(4):895-924.) Contudo, são rotinas próprias de cada instituição e que não têm o foco no tempo de utilização. O estudo do tempo em que os neonatos permanecem sentindo dor após determinado estímulo não foi realizado, o que pode gerar ações pouco efetivas ou geradoras de manuseios excessivos.(1111 Falcão FR, Silva MA. Contenção durante a aspiração traqueal em recém-nascidos. Rev Cienc Med Biol. 2008;7(2):123-31.,1212 Valitalo PA, van Dijk M, Krekels EH, Gibbins S, Simons SH, Tibboel D, et al. Pain and distress caused by endotracheal suctioning in neonates is better quantified by behavioural than physiological items: a comparison based on item response theory modelling. Pain. 2016;157(8):1611-7.)

Neste contexto, é essencial, além de reconhecer a dor, saber por quanto tempo o prematuro permanece com a sensação dolorosa. Com isso, a equipe poderá elaborar estratégias baseadas em dados concretos. O estudo temporal com mais de uma escala e mais de um avaliador faz-se necessário para que, na ausência de um padrão-ouro, os dados sejam mais confiáveis e possam trazer informações acerca da possibilidade de uma das escalas trazer melhor concordância entre os examinadores.

O objetivo do presente estudo foi avaliar temporalmente o estímulo doloroso em prematuros com o uso de três escalas de mensuração de dor neonatal.

MÉTODOS

Foram incluídos prematuros estáveis clinicamente e sem diagnóstico de anormalidade neurológica. Excluíram-se portadores de síndromes genéticas e doenças congênitas; recém-nascidos que apresentaram ultrassonografia transfontanela alterada após o nascimento, em uso de sedação ou bloqueio neuromuscular e cujas mães tivessem utilizado drogas ilícitas ou álcool durante a gestação; com índice de Apgar < 7 no primeiro minuto e que não se recuperaram no quinto minuto de vida; com condições que causam dor, como: enterocolite necrosante e presença de dreno torácico ou abdominal, e uso de soluções glicosadas há pelo menos 30 minutos antes do início das observações.

Três avaliadores (E1, E2 e E3) observaram os prematuros inicialmente em três momentos: antes (T1), durante (T2) e 1 minuto (T3) após a aspiração de vias aéreas. A equipe percebeu, com a análise parcial dos resultados (n = 50), que 1 minuto após o procedimento de aspiração de vias aéreas não era o suficiente para o recém-nascido retornar ao estado inicial sem dor. A partir disto, a observação e o preenchimento das escalas de dor passaram a ser feitas em cinco momentos (n = 33; n total = 83), a saber: antes do procedimento (T1), durante (T2), 1 minuto (T3), 3 minutos (T4) e 5 minutos (T5) após a limpeza de vias aéreas, utilizando três escalas de avaliação da dor (Neonatal Facial Coding System - NFCS, Neonatal Infant Pain Scale - NIPS, Premature Infant Pain Profile - PIPP) simultaneamente. A aspiração de vias aéreas foi utilizada como procedimento controle, já que tal técnica gera dor intensa.(1212 Valitalo PA, van Dijk M, Krekels EH, Gibbins S, Simons SH, Tibboel D, et al. Pain and distress caused by endotracheal suctioning in neonates is better quantified by behavioural than physiological items: a comparison based on item response theory modelling. Pain. 2016;157(8):1611-7.,1313 Hartley KA, Miller CS, Gephart SM. Facilitated tucking to reduce pain in neonates: evidence for best practice. Adv Neonatal Care. 2015;15(3):201-8.) O profissional que realizou o procedimento de limpeza das vias aéreas foi sempre o mesmo, a fim de evitar diferenças técnicas durante o manuseio, e as observações foram feitas durante o atendimento de rotina.

Foi realizada estatística descritiva dos resultados obtidos. A análise de concordância entre os três avaliadores nos tempos citados para cada escala dolorosa foi realizada pelo teste Light’s Kappa. Os indicadores de dor neonatal entre os tempos analisados foram comparados pelo teste de McNemar, considerando-se p ≤ 0,05 como estatisticamente significativos.

Pesquisa observacional com abordagem quantitativa, entre março de 2015 e maio de 2017, aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa de uma maternidade pública de referência nacional (Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro), sob número CAAE: 25211913.9.0000.5275.

RESULTADOS

Foram incluídos 83 recém-nascidos, com idade gestacional entre 140 e 260 dias (218,3 ± 24 dias; Apgar no quinto minuto ≥ 7) sem sedação. O valor de Apgar variou no primeiro minuto entre 4 e 9, com o valor da mediana sendo 7 e, no quinto minuto, entre 7 e 10, com mediana de 9. Quanto ao suporte ventilatório em uso no momento da coleta de dados, 48 recém-nascidos (58%) estavam em pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) e 6 (7%) em uso de tubo orotraqueal. Os demais não estavam em uso de nenhum suporte, totalizando 29 (35%) recém-nascidos em ar ambiente.

Os três avaliadores preencheram, cada um, uma ficha com todos os itens necessários para os escores de três escalas de dor: NFCS, NIPS e PIPP. A totalização da pontuação em cada escala foi realizada posteriormente apenas pela pesquisadora principal. Os escores correspondentes à presença de dor foram feitos de acordo com cada uma das escalas utilizadas. A análise descritiva desses achados mostra a porcentagem de recém-nascidos com ou sem dor nos três primeiros tempos analisados nos 83 neonatos (Tabela 1).

Tabela 1
Recém-nascidos com dor e sem dor em T1, T2 e T3, em cada escala e avaliador

Com base nos resultados da figura 1, pôde-se constatar que o estímulo realizado em T2 foi potencialmente doloroso para as três escalas de dor e que, em T3 (após 1 minuto do procedimento), ainda existia um percentual de dor superior a T1, já sugerindo que o tempo necessário para a recuperação do recém-nascido fosse maior. Identificou-se, também, que houve diferença estatisticamente significativa entre os valores de T1 e T2 para as três escalas, bem como entre T2 e T3. Ao analisar o valor de p entre os momentos T1 e T3 para confirmar se 1 minuto foi suficiente para a recuperação do recém-nascido, apenas para dois avaliadores na escala PIPP não houve evidência para negar a igualdade entre o primeiro e o terceiro tempo. Assim, na maioria dos casos, o neonato não voltou ao estágio inicial.

Figura 1
Evolução temporal da resposta ao estímulo doloroso em prematuros por avaliador nos três primeiros tempos de observação (n = 83). (A) Valores de percentuais de dor verificados pelo primeiro avaliador por meio de três escalas; (B) Valores de percentuais de dor verificados pelo segundo avaliador por meio de três escalas; (C) Valores de percentuais de dor verificados pelo terceiro avaliador por meio de três escalas. NFCS - Neonatal Facial Coding System; NIPS - Neonatal Infant Pain Scale; PIPP - Premature Infant Pain Profile; T1 - análise realizada antes do procedimento de aspiração de vias aéreas; T2 - análise realizada durante o procedimento de aspiração de vias aéreas; T3 - análise realizada 1 minuto após o procedimento de aspiração de vias aéreas (n = 83). *Diferença estatisticamente significativa entre T2 e os tempos T1 e T3; † diferença estatisticamente significativa entre T1 e T3. Não houve diferença entre os tempos T1 e T3 na escala Premature Infant Pain Profile (teste de McNemar, considerando-se p < 0,05 como estatisticamente significativo).

A partir destes primeiros resultados, optou-se por ampliar o tempo de observação para mais dois tempos, o T4 (três minutos após o estímulo) e o T5 (cinco minutos após o estímulo) (n = 30). Ao compará-los ao T1, não houve diferença estatística, ou seja, podem ser considerados iguais (Tabela 2). Desse modo, 3 minutos após o procedimento doloroso foi o suficiente para o retorno do recém-nascido ao seu estado inicial (T1).

Tabela 2
Valor de p entre os tempos T1, T4 e T5 para as três escalas (n = 30)

As escalas apresentaram concordância baixa em todos os tempos observados (Tabela 3). Os tempos T4 e T5 não fizeram parte do teste de concordância em razão do tamanho pequeno da amostra (n = 30). O mesmo teste foi feito para observar a concordância entre os avaliadores (Tabela 3) nos três primeiros tempos de coleta de dados e, como resultado, observou-se concordância fraca entre eles.

Tabela 3
Valores da concordância entre as escalas de dor nos três primeiros tempos de avaliação (A) e entre os examinadores (B)

DISCUSSÃO

O presente estudo confirma a aspiração de vias aéreas como procedimento potencialmente doloroso.(1212 Valitalo PA, van Dijk M, Krekels EH, Gibbins S, Simons SH, Tibboel D, et al. Pain and distress caused by endotracheal suctioning in neonates is better quantified by behavioural than physiological items: a comparison based on item response theory modelling. Pain. 2016;157(8):1611-7.,1313 Hartley KA, Miller CS, Gephart SM. Facilitated tucking to reduce pain in neonates: evidence for best practice. Adv Neonatal Care. 2015;15(3):201-8.) O tempo de retorno à situação inicial (sem dor) ocorreu após 3 minutos. A partir da concordância fraca entre os avaliadores e escalas, foi possível corroborar a dificuldade em propor um padrão-ouro para a avaliação da dor neonatal.

Na literatura, observa-se a carência de estudos que foquem no tempo de recuperação do recém-nascido após estímulo doloroso. Aguilar Cordero et al.(1414 Aguilar Cordero MJ, Mur Villar N, García García I. Evaluation of pain in healthy newborns and in newborns with developmental problems (Down syndrome). Pain Manag Nurs. 2015;16(3):267-72.) comparam recém-nascidos saudáveis e com síndrome de Down em relação ao tempo necessário para perceber o estímulo doloroso e, em seguida, saná-lo. Como resultado, a pesquisa mostrou que crianças com síndrome de Down necessitam de mais tempo para se recuperarem do estímulo doloroso. Já Campbell-Yeo et al.(1515 Campbell-Yeo ML, Johnston CC, Joseph KS, Feeley N, Chambers CT, Barrington KJ. Cobedding and recovery time after heel lance in preterm twins: results of a randomized trial. Pediatrics. 2012;130(3):500-6.) compararam gêmeos prematuros na mesma incubadora e em incubadoras distintas após punção de calcâneo e concluíram que aqueles na mesma incubadora têm o tempo de recuperação mais curto após o estímulo doloroso que gêmeos em incubadoras separadas. O presente estudo inova ao trazer dados de prematuros avaliados temporalmente após o estímulo doloroso. Inicialmente, foram escolhidos apenas três tempos para observação e análise (T1, T2 e T3), já que os pesquisadores consideravam a possibilidade de que 1 minuto fosse o suficiente para o retorno do recém-nascido ao estado inicial. Com o andamento da coleta e a sumarização parcial dos dados, 1 minuto não foi suficiente para que o recém-nascido parasse de sentir dor. Dessa forma, a partir daquele momento, ampliamos o tempo de observação para o terceiro (T4) e quinto (T5) minutos após a aspiração de vias aéreas. Com isso, os resultados mostraram que pelo menos 3 minutos são necessários para que o recém-nascido volte ao seu estado inicial, sem dor (T1).

A verificação do tempo que o recém-nascido necessita para se recuperar após o estímulo doloroso é relevante e imperiosa, já que, a partir disto, é possível gerenciar, de forma mais objetiva, as estratégias não farmacológicas e/ou farmacológicas para alívio da dor neonatal após os mais diversos procedimentos utilizados na UTI neonatal que sabidamente causam desconforto. Protocolos podem ser montados com segurança e conhecimento de causa, evitando as diversas sequelas futuras que podem ocorrer em bebês expostos à dor durante a internação neonatal, como alterações emocionais, comportamentais, de aprendizagem e comprometimento do crescimento.(66 Maxwell LG, Malavolta CP, Fraga MV. Assessment of pain in the neonate. Clin Perinatol. 2013;40(3):457-69.,77 Vinall J, Miller SP, Chau V, Brummelte S, Synnes AR, Grunau RE. Neonatal pain in relation to postnatal growth in infants born very preterm. Pain. 2012;153(7):1374-81.,1616 Moore GP, Lemyre B, Barrowman N, Daboval T. Neurodevelopmental outcomes at 4 to 8 years of children born at 22 to 25 weeks' gestational age: a meta-analysis. JAMA Pediatr. 2013;167(10):967-74.) Dentro deste contexto, o presente estudo confirma os achados da literatura, que citam a aspiração de vias aéreas como estímulo causador de dor.(1212 Valitalo PA, van Dijk M, Krekels EH, Gibbins S, Simons SH, Tibboel D, et al. Pain and distress caused by endotracheal suctioning in neonates is better quantified by behavioural than physiological items: a comparison based on item response theory modelling. Pain. 2016;157(8):1611-7.,1313 Hartley KA, Miller CS, Gephart SM. Facilitated tucking to reduce pain in neonates: evidence for best practice. Adv Neonatal Care. 2015;15(3):201-8.) Foram encontrados escores máximos nas três escalas com os três avaliadores para ocorrência de dor, o que sugere que tal técnica seja criteriosamente indicada, evitando-se o uso rotineiro sem avaliação responsável e técnica.

No que se refere às escalas para medição da dor, no presente estudo, optou-se por trabalhar com três escalas que a quantificam de formas distintas, já que não há padrão-ouro para estas medições. A NFCS é uma escala que avalia somente as expressões faciais, ou seja, unidimensional. Ela exclui de sua pontuação qualquer fator fisiológico.(44 Grunau RVE. Early pain in preterm infants. A model of long-term effects. Clin Perinatol. 2002;29(3):373-94, vii-viii.,66 Maxwell LG, Malavolta CP, Fraga MV. Assessment of pain in the neonate. Clin Perinatol. 2013;40(3):457-69.,1717 Relland LM, Gehred A, Maitre NL. Behavioral and physiological signs for pain assessment in preterm and term neonates during a nociception-specific response: a systematic review. Pediatr Neurol. 2019;90:13-23.) Já a NIPS é uma escala multidimensional, que inclui, além das expressões faciais, três itens fisiológicos (choro, padrão respiratório e estado de consciência).(44 Grunau RVE. Early pain in preterm infants. A model of long-term effects. Clin Perinatol. 2002;29(3):373-94, vii-viii.,66 Maxwell LG, Malavolta CP, Fraga MV. Assessment of pain in the neonate. Clin Perinatol. 2013;40(3):457-69.,1717 Relland LM, Gehred A, Maitre NL. Behavioral and physiological signs for pain assessment in preterm and term neonates during a nociception-specific response: a systematic review. Pediatr Neurol. 2019;90:13-23.) A PIPP é uma escala multidimensional mais abrangente, porque, além de parâmetros fisiológicos e comportamentais, leva em consideração a idade gestacional no momento do nascimento.(1818 Ballantyne M, Stevens B, McAllister M, Dionne K, Jack A. Validation of the premature infant pain profile in the clinical setting. Clin J Pain. 1999;15(4):297-303.,1919 Beltramini A, Milojevic K, Pateron D. Pain assessment in newborns, infants, and children. Pediatr Ann. 2017;46(10):e387-95.) Segundo a American Academy of Pediatrics (AAP),(2020 Committee on Fetus and Newborn and Section on Anesthesiology and Pain Medicine. Prevention and Management of Pain in the Neonate: An Update. Pediatrics. 2016;137(2):e20154271.) somente cinco escalas passaram por rigorosos testes psicométricos, dentre elas a NFCS e a PIPP, justificando, dessa forma, a escolha dessas escalas. Já na escolha da NIPS, foram utilizados critérios regionais, uma vez que vimos, com a outra porção deste trabalho (mapeamento do conhecimento dos fisioterapeutas do Rio de Janeiro - http://objdig.ufrj.br/50/teses/m/CCS_M_871761.pdf), que essa era a escala mais utilizada na assistência no município.

A escala PIPP é bastante recomendada em diversos trabalhos na literatura,(2121 Stevens B, Johnston C, Petryshen P, Taddio A. Premature infant pain profile: development and initial validation. Clin J Pain. 1996;12(1):13-22.) porém, durante a utilização nesta pesquisa, concorda-se que essa escala é, de fato, bem abrangente, porém não é de fácil aplicação para a prática clínica.(1212 Valitalo PA, van Dijk M, Krekels EH, Gibbins S, Simons SH, Tibboel D, et al. Pain and distress caused by endotracheal suctioning in neonates is better quantified by behavioural than physiological items: a comparison based on item response theory modelling. Pain. 2016;157(8):1611-7.,2121 Stevens B, Johnston C, Petryshen P, Taddio A. Premature infant pain profile: development and initial validation. Clin J Pain. 1996;12(1):13-22.) Isso se deve ao fato de sua pontuação ser fracionada em porcentagem de tempo, sendo seu escore mais demorado para ser calculado, podendo causar dificuldades no uso diário à beira do leito. Entretanto, para fins acadêmicos, a escala PIPP é funcional e completa. Já com a NFCS e a NIPS, observou-se maior funcionalidade, no que se refere ao uso habitual na UTI neonatal.(44 Grunau RVE. Early pain in preterm infants. A model of long-term effects. Clin Perinatol. 2002;29(3):373-94, vii-viii.,66 Maxwell LG, Malavolta CP, Fraga MV. Assessment of pain in the neonate. Clin Perinatol. 2013;40(3):457-69.,2121 Stevens B, Johnston C, Petryshen P, Taddio A. Premature infant pain profile: development and initial validation. Clin J Pain. 1996;12(1):13-22.) Sua pontuação mais simples torna mais ágil a medição, porém não menos eficaz. Além disso, ambas mostraram percentuais de dor ou não dor bastante similares, o que nos leva a supor que a baixa concordância encontrada entre as três escalas possa ter ocorrido em função da PIPP, que mostrou valores mais discrepantes. Outra possível explicação para a baixa concordância é que, embora o percentual de respostas dolorosas pareça similar entre as escalas e os avaliadores (Tabela 1; Figura 1), a concordância apresentou-se baixa (Tabelas 2 e 3). Isto pode ser explicado pelas características do teste Light’s Kappa que, em presença de muitos valores iguais em uma mesma variável, considera a hipótese de que possam estar havendo falsos-positivos ou falsos-negativos, o que reduz o valor final.

Ao continuar observando a baixa concordância entre as escalas e entre os avaliadores, pôde-se entender, com maior clareza, a dificuldade de propor uma escala que se configure como padrão-ouro para esse tipo de análise. A causa desta baixa concordância entre examinadores pode estar relacionada também à pouca familiaridade dos profissionais com esses instrumentos e, portanto, à ausência do olhar para a percepção dolorosa em recém-nascidos. Deve-se, então, estender esse assunto a todos os profissionais que atuam diretamente com o manejo do recém-nascido na beira do leito, para entender a realidade da assistência neonatal em relação à dor e treinar sistematicamente o olhar para o tema e a aplicação das escalas. Há, na literatura, escassez de trabalhos que tratem do tema, com maioria ligada à enfermagem e que também trazem ausência de sistematização do manejo da dor e sugerem a necessidade da implementação de aulas e cursos para as equipes.(2222 Marcondes C, Costa AM, Chagas EK, Coelho JB. Conhecimento da equipe de enfermagem sobre a dor no recém-nascido prematuro. Rev Enferm UFPE online. 2017;11(9):3354-9.

23 Aymar CL, Lima LS, Santos CM, Moreno EA, Coutinho SB. Pain assessment and management in the NICU: analysis of an educational intervention for health professionals. J Pediatr (Rio J). 2014;90(3):308-15.

24 De Clifford-Faugère G, Aita M, Le May S. Nurses' practices regarding procedural pain management of preterm infants. Appl Nurs Res. 2019;45:52-4.
-2525 Collados-Gómez L, Camacho-Vicente V, González-Villalba M, Sanz-Prades G, Bellón-Vaquerizo B. Neonatal nurses' perceptions of pain management. Enferm Intensiva. 2018;29(1):41-7.)

CONCLUSÃO

Foram necessários pelo menos 3 minutos para que o recém-nascido se recuperasse do estímulo doloroso e retornasse à situação inicial, antes da aspiração de vias aéreas. Além disso, a concordância entre as escalas e os examinadores foi fraca, reafirmando-se a ausência de padrão-ouro para a avaliação da dor em neonatos e a dificuldade de sistematizar este tipo de análise.

Além disso, é interessante incluir um tempo mínimo de 3 minutos nas estratégias não farmacológicas de combate à dor neonatal, além de propor a inclusão de marcadores biológicos ligados ao estresse, que possam confirmar e estabelecer correlações com as escalas visuais, na busca pelo padrão-ouro.

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Editado por

Editor responsável: Werther Brunow de Carvalho

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2019
  • Aceito
    29 Set 2019
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