Ao Editor
A cateterização arterial é um procedimento comum nas unidades de terapia intensiva, cujas principais indicações são monitorização contínua da pressão arterial e coleta frequente de amostra de sangue. A obtenção de uma linha arterial também é fundamental na utilização de monitorização hemodinâmica minimamente invasiva.
A artéria radial é frequentemente a primeira escolha na colocação do cateter arterial, principalmente por sua localização superficial. O método convencional para a localização da artéria radial é a palpação do pulso, levando em conta os referenciais anatômicos. Entretanto, a posição da artéria varia em 30% dos pacientes.(11 Brzezinski M, Luisetti T, London MJ. Radial artery cannulation: a comprehensive review of recent anatomic and physiologic investigations. Anesth Analg. 2009;109(6):1763-81.) Além disso, alguns fatores tornam difícil, ou mesmo impossível, a palpação da artéria: hipotensão severa, obesidade mórbida, arterial scarring, edema e aterosclerose.(22 Miller AG, Cappiello JL, Gentile MA, Almond AM, Thalman JJ, MacIntyre NR. Analysis of radial artery catheter placement by respiratory therapists using ultrasound guidance. Respir Care. 2014;59(12):1813-6.) O uso da ultrassonografia na cateterização arterial facilita a localização da artéria e a canulação do cateter, aumentando a taxa de sucesso na primeira tentativa de punção, reduzindo o tempo para o sucesso da canulação e, por conseguinte, diminuindo a ocorrência de complicações.(33 Shiloh AL, Savel RH, Paulin LM, Eisen LA. Ultrasound-guided catheterization of the radial artery: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Chest. 2011;139(3):524-9.,44 Shiloh AL, Eisen LA. Ultrasound-guided arterial catheterization: a narrative review. Intensive Care Med. 2010;36(2):214-21.)
É relatada uma alta incidência de comprometimento do fluxo sanguíneo, detectada por meio da ultrassonografia, após a colocação de cateter na artéria radial,(55 Mendoza KC. Radial artery catheterism for invasive monitoring: Preventing complications, a challenge in anesthesia. Rev Colomb Anestesiol. 2012;40(4):262-5.) o que significa que este procedimento está sujeito a complicações isquêmicas. Embora o teste de Allen seja um método consagrado na avaliação da circulação colateral, alguns estudos mostraram que não é um teste adequado para predizer complicações na colocação de linha arterial radial.(66 Slogoff S, Keats AS, Arlund C. On the safety of radial artery cannulation. Anesthesiology. 1983;59(1):42-7.,77 Barone JE, Madlinger RV. Should an Allen test be performed before radial artery cannulation? J Trauma. 2006;61(2):468-70.)A avaliação ultrassonográfica do diâmetro da artéria radial, visando ao dimensionamento adequado do cateter, é uma forma de reduzir o risco de oclusão arterial relacionada à canulação radial. Uma outra medida que pode ser adotada para minimizar o risco de complicação isquêmica é a punção distal da artéria radial por meio da tabaqueira anatômica.
A tabaqueira anatômica é uma cavidade triangular na região dorsal da mão, delimitada pelo tendão extensor longo do polegar medialmente, e pelos tendões extensor curto e abdutor longo do polegar lateralmente, com assoalho formado pelos ossos escafoide e trapézio. As artérias digitais que suprem os dedos surgem do arco palmar superficial. O ramo palmar da artéria radial, que contribui para o arco palmar superficial, surge da artéria radial no lado palmar do punho antes de entrar na tabaqueira anatômica. O cateterismo da artéria radial dorsal tem a vantagem de canular mais distalmente do que com a abordagem convencional, além da origem do ramo palmar, reduzindo o risco de isquemia digital.(88 Choi S, Park JM, Nam SH, Kim EJ. Cannulation of the dorsal radial artery: an underused, yet useful, technique. Korean J Anesthesiol. 2014;67(Suppl):S11-2.)Outro benefício é o conforto do paciente, especialmente naqueles com problemas ortopédicos, que impedem a supinação do braço − posição necessária na técnica convencional.(99 Davies RE, Gilchrist IC. Back hand approach to radial access: The snuff box approach. Cardiovasc Revasc Med. 2018;19(3 Pt B):324-6.)
Conforme essa técnica de punção distal, a mão é posicionada de modo que a região da tabaqueira anatômica fique voltada para cima. A artéria é tipicamente palpada na intersecção do polegar com o primeiro dedo sobre as estruturas ósseas da tabaqueira. Uma vez preparado o pulso, o acesso é obtido, seguindo as mesmas recomendações de antissepsia e assepsia da inserção convencional. A artéria radial é menor na localização dorsal e pode ser menos adequada para alguns pacientes.(99 Davies RE, Gilchrist IC. Back hand approach to radial access: The snuff box approach. Cardiovasc Revasc Med. 2018;19(3 Pt B):324-6.) A ultrassonografia é uma ajuda fundamental na avaliação da adequação do tamanho e da localização vascular.
Como um exemplo da aplicação dessa técnica, relatamos o caso de uma canulação da artéria radial dorsal direita em paciente que tivera isquemia digital na mão contralateral relacionada à linha arterial. Trata-se de homem de 73 anos, portador de hipertensão arterial sistêmica e neoplasia de próstata, transferido de outra unidade hospitalar, após internação prolongada devido, inicialmente, a uma meningite pneumocócica. O paciente foi admitido traqueostomizado, dependente da ventilação mecânica e em hemodiálise. Foram coletadas culturas e trocados os dispositivos invasivos. No segundo dia de internação, foi diagnosticado choque séptico. Teve crescimento em duas amostras de hemoculturas de Klebsiella pneumoniae sensível somente a amicacina. Devido à nova instabilidade hemodinâmica, foi decidido puncionar um cateter arterial para monitorização invasiva da pressão arterial.
O paciente foi avaliado quanto à presença de pulso passível de punção e foi realizada também avaliação ultrassonográfica para verificação de perviedade e medição do diâmetro do vaso (Figura 1). Foi utilizado um aparelho de ultrassom portátil Sonosite modelo M-Turbo (SonoSite Inc, Bothell, WA) equipado com transdutor linear 13-6MHz (HFL38x). No leito, com a cabeceira elevada a 30º, o paciente teve o braço direito posicionado com a tabaqueira anatômica voltada para cima (Figura 2). Após infiltração de 3mL de lidocaína sem vasoconstritor na fossa radial, puncionou-se a artéria radial com angulação de 30º, implantando-se gentilmente o cateter utilizando-se a técnica de Seldinger (Figura 3). Para este propósito, foi usado um cateter arterial Seldinger 20 Ga x 8cm (Arrow International Inc, Cleveland, OH). A punção foi guiada por ultrassonografia por meio da técnica dinâmica com um só operador, com êxito na primeira tentativa. O cateter foi fixado e o curativo, realizado. O tempo estimado do procedimento foi de 15 minutos. O cateter permaneceu 8 dias, sem ocorrência de isquemia digital e nem de outra complicação relacionada diretamente à cateterização arterial, sendo retirado após resolução do choque.
Avaliação ultrassonográfica da artéria radial. (A) Visão transversal da artéria radial com Doppler colorido. (B) Medição do diâmetro da artéria radial dorsal.
O braço do paciente é posicionado de modo que a tabaqueira anatômica fique voltada para cima.
Cateter arterial 20G inserido na artéria radial direita por punção distal (imagem obtida ao término do procedimento).
O acesso radial dorsal é uma intervenção fácil e segura. No cenário de terapia intensiva, no qual a linha arterial permanece por vários dias, essa técnica de punção distal pode ser uma promissora medida para minimizar o risco de complicação isquêmica relacionado ao procedimento. Essa técnica tem sido muito utilizada para angiografia coronariana, mas não havia ainda descrição na literatura em pacientes críticos.
REFERÊNCIAS
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1Brzezinski M, Luisetti T, London MJ. Radial artery cannulation: a comprehensive review of recent anatomic and physiologic investigations. Anesth Analg. 2009;109(6):1763-81.
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2Miller AG, Cappiello JL, Gentile MA, Almond AM, Thalman JJ, MacIntyre NR. Analysis of radial artery catheter placement by respiratory therapists using ultrasound guidance. Respir Care. 2014;59(12):1813-6.
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3Shiloh AL, Savel RH, Paulin LM, Eisen LA. Ultrasound-guided catheterization of the radial artery: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Chest. 2011;139(3):524-9.
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4Shiloh AL, Eisen LA. Ultrasound-guided arterial catheterization: a narrative review. Intensive Care Med. 2010;36(2):214-21.
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5Mendoza KC. Radial artery catheterism for invasive monitoring: Preventing complications, a challenge in anesthesia. Rev Colomb Anestesiol. 2012;40(4):262-5.
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6Slogoff S, Keats AS, Arlund C. On the safety of radial artery cannulation. Anesthesiology. 1983;59(1):42-7.
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7Barone JE, Madlinger RV. Should an Allen test be performed before radial artery cannulation? J Trauma. 2006;61(2):468-70.
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8Choi S, Park JM, Nam SH, Kim EJ. Cannulation of the dorsal radial artery: an underused, yet useful, technique. Korean J Anesthesiol. 2014;67(Suppl):S11-2.
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9Davies RE, Gilchrist IC. Back hand approach to radial access: The snuff box approach. Cardiovasc Revasc Med. 2018;19(3 Pt B):324-6.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Maio 2020 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2020
Histórico
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Recebido
03 Fev 2019 -
Aceito
23 Jun 2019