Acessibilidade / Reportar erro

Abscesso cerebral e infecção odontogênica

Ao Editor,

Infecções odontogênicas geralmente limitam-se dentro do alvéolo dentário ou do periodonto. Porém, quando não tratadas, podem disseminar-se pelos espaços fasciais levando a infecções mais graves como trombose do seio cavernoso, obstrução das vias aéreas, mediastinite, endocardite e abscesso cerebral.(11 Ogle OE. Odontogenic infections. Dent Clin North Am. 2017;61(2):235-52.) Este fato é justificado devido à proximidade das raízes superiores com o seio maxilar, podendo espalhar a infecção para o seio etmioidal, cavidade orbital e para o cérebro.(22 Mylonas AI, Tzerbos FH, Mihalaki M, Rologis D, Boutsikakis I. Cerebral abscess of odontogenic origin. J Craniomaxillofac Surg. 2007;35(1):63-7.) O abcesso cerebral é uma infecção grave e potencialmente fatal. Sua etiologia é variada, podendo surgir devido à disseminação bacteriana de uma lesão primária em um local distante ou uma invasão contígua direta de um sítio adjacente à infecção.(()(33 Moazzam AA, Rajagopal SM, Sedghizadeh PP, Zad G, Habibian M. Intracranial bacterial infections of oral origin. J Clin Neurosci. 2015;22(5):800-6.) É necessário um diagnóstico preciso e precoce, além de intervenção cirúrgica e altas doses de antibióticos. O diagnóstico tardio pode levar a um prognóstico desfavorável.(()(44 Park SY, Suh DW, Park CM, Oh MS, Lee DK. Brain abscess due to odontogenic infection: a case report. J Korean Assoc Oral Maxillofac Surg. 2014;40(3):147-51.) Nosso objetivo é apresentar um caso de um abscesso cerebral oriundo de uma infecção odontogênica.

Homem de 60 anos, com histórico de acidente vascular encefálico hemorrágico, com sequelas e tetraparesias; acamado; com insuficiência renal crônica; não dialítico; traqueostomizado; colostomizado; gastrostomizado; e histórico de internação prévia por sepse de foco urinário. Deu entrada no hospital com bradicardia sendo observada também hidrocefalia, após tomografia computadorizada (Figuras 1A e 1B). Os exames laboratoriais apresentavam hemoglobina de 11,2g/dL, 271.000 plaquetas por mm33 Moazzam AA, Rajagopal SM, Sedghizadeh PP, Zad G, Habibian M. Intracranial bacterial infections of oral origin. J Clin Neurosci. 2015;22(5):800-6., 62,7 neutrófilos por mm3, linfocitose (22,6 por mm3), razão normalizada internacional (RNI) de 0,97 e proteína C-reativa (PCR) de 66,3mg/dL.

Figura 1
Aspectos clínico e de exame de imagem do paciente com o quadro infeccioso. (A) Imagem da tomografia computadorizada evidenciando lesão cerebral préexistente. (B) massa regular encapsulada e região hiperdensa preenchendo uma porção do espaço do seio maxilar do lado direito. (C) Aspecto clínico inicial observando mau estado de conservação e focos de infecção. (D) Elementos dentários após a exodontia.

Concomitante, foi solicitada avaliação odontológica, na qual se observou a presença de diversas próteses fixas na arcada superior, com mau estado de conservação e de higiene (Figura 1C e 1D). Na região do dente 23, estava presente uma área eritematosa, com tumefação e fístula. Após tomografia computadorizada de crânio, constatou-se massa regular encapsulada e região hiperdensa, preenchendo porção do espaço do seio maxilar do lado direito. Realizou-se discussão multiprofissional em conjunto com especialistas em neurocirurgia, chegando à conclusão de que a infecção odontogênica em comunicação com o seio maxilar pode ter levado à sinusite e, em seguida, à hidrocefalia e ao abscesso cerebral. Foi realizado procedimento de derivação ventrículo-peritoneal pela equipe médica em centro cirúrgico sob anestesia geral. Posteriormente, em leito de unidade de terapia intensiva (UTI), foram feitas as exodontias de nove elementos dentários da arcada superior, que apresentavam focos de infecção. Durante o procedimento, foram utilizados propofol e morfina, resultando o procedimento em diminuição dos valores laboratoriais, sobretudo os atribuídos a um quadro infeccioso.

Em casos como este, o diagnóstico precoce sempre é imprescindível para o sucesso no tratamento do abscesso cerebral, mas, associado a isto, não há como não frisar a remoção urgente do foco primário de infecção. A presença do cirurgião-dentista no âmbito hospitalar em UTI foi capaz de auxiliar no diagnóstico e na remoção do foco de infecção dentária, em conjunto com as demais áreas inseridas no ambiente de terapia intensiva.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Ogle OE. Odontogenic infections. Dent Clin North Am. 2017;61(2):235-52.
  • 2
    Mylonas AI, Tzerbos FH, Mihalaki M, Rologis D, Boutsikakis I. Cerebral abscess of odontogenic origin. J Craniomaxillofac Surg. 2007;35(1):63-7.
  • 3
    Moazzam AA, Rajagopal SM, Sedghizadeh PP, Zad G, Habibian M. Intracranial bacterial infections of oral origin. J Clin Neurosci. 2015;22(5):800-6.
  • 4
    Park SY, Suh DW, Park CM, Oh MS, Lee DK. Brain abscess due to odontogenic infection: a case report. J Korean Assoc Oral Maxillofac Surg. 2014;40(3):147-51.

Editado por

Editor responsável: Thiago Costa Lisboa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2019
  • Aceito
    05 Ago 2019
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br