Acessibilidade / Reportar erro

O processo de tomada de decisão médica em tempos de pandemia por coronavírus

RESUMO

A pandemia causada pelo novo coronavírus tem provocado mudanças significativas no processo de tomada de decisão médica diante do paciente grave. Repentinamente, aumentaram as admissões em unidades de tratamento intensivo, porém, muitos desses casos não apresentam quadros relacionados à infecção viral, mas à exacerbação de doenças preexistentes. Nesse contexto, precisamos evitar que o processo decisório intuitivo e a insegurança nos levem a exaurir a disponibilidade de leitos críticos, antes do momento em que eles sejam realmente necessários, mesmo reconhecendo a importância do método decisório rápido em situações emergências. Uma das melhores formas de atingir esse propósito talvez seja por meio da prática da metacognição e da estruturação de formas de feedback regulares aos profissionais envolvidos em processos decisórios inerentemente rápidos.

Descritores:
Tomada de decisão clínica; Metacognição; Retroalimentação; Pandemias; Infecções por coronavírus; Coronavirus; Betacoronavirus; Doenças catastróficas; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

The disease pandemic caused by the novel coronavirus has triggered significant changes in the medical decision-making process relating to critically ill patients. Admissions to intensive care units have suddenly increased, but many of these patients do not present with clinical manifestations related to the viral infection but rather exacerbation of preexisting diseases. In this context, we must prevent intuitive decision-making and insecurity from leading us to exhaust the available critical-care beds before they are truly necessary, while still recognizing the importance of rapid decision-making in emergency situations. One of the best ways to achieve this goal may be by practicing metacognition and establishing ways for regular feedback to be provided to professionals engaged in inherently rapid decision-making processes.

Keywords:
Clinical decision-making; Metacognition; Feedback; Pandemics; Coronavirus infectious; Coronavirus; Betacoronavirus; Catastrophic illness; Intensive care units

INTRODUÇÃO

A pandemia causada pelo novo coronavírus tem provocado mudanças significativas no processo de tomada de decisão médica diante do paciente grave. Repentinamente, aumentaram as admissões em unidades de terapia intensiva (UTI) de pacientes com suspeita de infecção causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), os quais podem se enquadrar em dois fenótipos que exigem condutas e níveis de vigilância distintos: pacientes com exacerbações de suas doenças de base e pacientes com formas graves de pneumonia viral (insuficiência respiratória, por exemplo). Interessantemente, estes dois grupos de pacientes podem estar sendo manejados de forma similar, negligenciando suas necessidades específicas - fato que pode contribuir para o risco aumentado de tratamentos ineficazes, iatrogenias, inequidades de acesso a cuidados intensivos e alocação de recursos. Porém o que ocorreu com o processo de tomada de decisão médica? Não é razoável acreditar em uma súbita redução do conhecimento declarativo, uma vez que os sinais e os sintomas das principais indicações de tratamento intensivo não mudaram. Entretanto, a organização do conhecimento técnico, de forma a gerar diagnósticos e condutas apropriadas - conhecimento procedural -, parece, sim, estar sob risco de prejuízo, considerando as múltiplas e rápidas pressões geradas pela pandemia que vivemos. Esse complexo comportamento pode ser explicado por vieses cognitivos relacionados à pandemia do novo coronavírus. O viés cognitivo (ou tendência cognitiva) se caracteriza por um padrão de distorção de julgamento, que ocorre em situações particulares, levando à distorção perceptual, ao julgamento pouco acurado, à interpretação ilógica ou ao que é amplamente chamado de “irracionalidade”.(11 Haselton MG, Nettle D, Andrews PW. The evolution of cognitive bias. In: Buss DM, Editor. The handbook of evolutionary psychology. Hoboken NJ, US: John Wiley & Sons; 2005 Inc. p. 724-46.)

Em essência, o processo diagnóstico tem o objetivo de determinar o que é a doença do paciente a partir de um conjunto de sintomas e sinais.(22 Phua DH, Tan NC. Cognitive aspect of diagnostic errors. Ann Acad Med Singapore. 2013;42(1):33-41.

3 Royce CS, Hayes MM, Schwartzstein RM. Teaching critical thinking: a case for instruction in cognitive biases to reduce diagnostic errors and improve patient safety. Acad Med. 2019;94(2):187-94.
-44 Norman GR, Monteiro SD, Sherbino J, Ilgen JS, Schmidt HG, Mamede S. The Causes of errors in clinical reasoning: cognitive biases, knowledge deficits, and dual process thinking. Acad Med. 2017;92(1):23-30.) Médicos mais experientes usam um processamento cognitivo intuitivo e automático. É o famoso “olho clínico”. Basicamente, esse sistema recorre ao uso da “heurística” (atalhos mentais), na qual se avalia em que medida os sintomas do paciente estão em conformidade com os padrões e protótipos das doenças que o profissional já tem armazenado em sua memória. Claro, essa forma de processo exige uma ampla experiência em casos clínicos e vivência prévia em múltiplas doenças.(22 Phua DH, Tan NC. Cognitive aspect of diagnostic errors. Ann Acad Med Singapore. 2013;42(1):33-41.,33 Royce CS, Hayes MM, Schwartzstein RM. Teaching critical thinking: a case for instruction in cognitive biases to reduce diagnostic errors and improve patient safety. Acad Med. 2019;94(2):187-94.) Já os profissionais mais jovens usam principalmente uma forma de processamento de informação mais reflexiva, analítica, racional e que envolve a aplicação do método hipotético-dedutivo para cada caso. A partir de observações de um caso em particular, o médico gera hipóteses sobre os possíveis diagnósticos alternativos, que podem se encaixar com os sintomas e, a partir daí, por meio de ensaios, testes e análises, descarta hipóteses menos prováveis, até chegar a um direcionamento diagnóstico correto.(22 Phua DH, Tan NC. Cognitive aspect of diagnostic errors. Ann Acad Med Singapore. 2013;42(1):33-41.,44 Norman GR, Monteiro SD, Sherbino J, Ilgen JS, Schmidt HG, Mamede S. The Causes of errors in clinical reasoning: cognitive biases, knowledge deficits, and dual process thinking. Acad Med. 2017;92(1):23-30.) Trata-se de um procedimento altamente sistemático, que consome muitos recursos cognitivos, além de ser mais demorado que o processo anterior.(22 Phua DH, Tan NC. Cognitive aspect of diagnostic errors. Ann Acad Med Singapore. 2013;42(1):33-41.,33 Royce CS, Hayes MM, Schwartzstein RM. Teaching critical thinking: a case for instruction in cognitive biases to reduce diagnostic errors and improve patient safety. Acad Med. 2019;94(2):187-94.) Aparentemente, os médicos comumente utilizam ambos os sistemas combinados, o que torna o processo global mais confiável e seguro na tomada de decisão sobre o diagnóstico.

O processo rápido e intuitivo não é necessariamente irracional, embora seja basicamente não consciente.(55 Isenman L. Understanding unconscious intelligence and intuition: "blink" and beyond. Perspect Biol Med. 2013;56(1):148-66.) Apesar de não analítico conscientemente, pode utilizar um amplo processamento de informações prévias e dispõe como resultado um sentimento sobre a melhor decisão a ser tomada, muitas vezes por meio de sintomas ou sinais autonômicos - os marcadores somáticos de Damásio.(66 Almada LF. Processos implícitos não-conscientes na tomada de decisão: a hipótese dos marcadores somáticos. Cienc Cogn. 2012;17(1):105-19.) O processo rápido é fundamental em situações com muitas variáveis envolvidas e premência de tempo e recursos. Isso ocorre porque o cérebro humano apresenta dificuldade para analisar conscientemente situações com diversas variáveis envolvidas.(77 Gigerenzer G, Brighton H. Homo heuriticus: why biased minds make better inferences. Top Cogn Sci. 2009;1(1):107-43.) No processo de tomada de decisão, tanto o processo rápido quanto o mais lento são fundamentais.(88 Sloman SA. Two systems of reasoning. In: Gilovich T, Griffin D, Kahneman D, Editors. Heuristics and biases: The psychology of intuitive judgment. Cambridge, U.K.: Cambridge University Press; 2002. p. 379-96.) Nas situações emergenciais, prevalece a intuição. O risco de errar não se deve à utilização do modo rápido nas situações em que esse processo é necessário. O risco está em utilizá-lo em situações em que o método analítico se impõe, ou quando não se realiza a metacognição, caracterizada pela avaliação analítica da decisão tomada inicialmente, dos seus passos e possíveis vieses.(99 Qiu L, Su J, Ni Y, Bai Y, Zhang X, Li X, et al. The neural system of metacognition accompanying decision-making in the prefrontal cortex. PLoS Biol. 2018;16(4):e2004037.)

No contexto atual, muitos pacientes chegam às emergências e aos postos de saúde com sintomas respiratórios bombardeados pelos constantes avisos midiáticos e sanitários relacionados à pandemia relacionada ao novo coronavírus. No entanto, muitos desses casos não apresentam quadros relacionados à infecção viral, mas sim à exacerbação de doenças preexistentes (asma brônquica, doença pulmonar obstrutiva crônica - DPOC, insuficiência cardíaca congestiva, entre outras). Os sinais e os sintomas de síndrome gripal ou de síndrome respiratória aguda grave podem estar sobrepostos, no que diz respeito ao quadro respiratório, o que traduz um óbvio fator confundidor. No entanto, esses pacientes passaram a ser encaminhados diretamente à UTI, e isso se deve a inúmeros fatores. Primeiramente, existe uma redução do tempo durante o qual as equipes de saúde ficam próximas desses pacientes, devido ao aceitável receio de contaminação por parte dos trabalhadores de saúde. Essas equipes, muitas vezes, não recebem das instituições de saúde os Equipamentos de Proteção Individual adequados para o atendimento dos pacientes - até indisponíveis em contexto de pandemia. Em segundo lugar, registra-se o subuso de broncodilatadores inalatórios por meio de nebulização, pelo seu risco inerente de produção de aerossóis e possibilidade de contaminação do ambiente,(1010 Wax RS, Christian MD. Practical recommendations for critical care and anesthesiology teams caring for novel coronavirus (2019-nCoV) patients. Can J Anaesth. 2020;67(5):568-76.) o que leva ao aumento do risco de piora ventilatória de pacientes com exacerbação, como os portadores de asma brônquica ou de DPOC. Em terceiro lugar, há subutilização de corticoterapia, devido ao aumento da mortalidade dos casos com pneumonia pelo novo coronavírus que fizeram uso desse fármaco nos estudos iniciais,(1111 Centers for Disease Control and Prevention - CDC. Interim Clinical Guidance for Management of Patients with Confirmed Coronavirus Disease (COVID-19) [Internet]. [updated February 12, 2020, cited 2020 Mar 24].Available from: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/clinical-guidance-management-patients.html
https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-nco...
,1212 World Health Organization (WHO). Novel Coronavirus (2019-nCoV) technical guidance: Patient management [Internet]. Genève: WHO; c2020. [cited 2020 Mar 19]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/technical-guidance/patient-management
https://www.who.int/emergencies/diseases...
) apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) recomendarem seu uso em pacientes com exacerbação da DPOC, mesmo quando acometidos por pneumonia pelo novo coronavírus.(1111 Centers for Disease Control and Prevention - CDC. Interim Clinical Guidance for Management of Patients with Confirmed Coronavirus Disease (COVID-19) [Internet]. [updated February 12, 2020, cited 2020 Mar 24].Available from: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/clinical-guidance-management-patients.html
https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-nco...
,1212 World Health Organization (WHO). Novel Coronavirus (2019-nCoV) technical guidance: Patient management [Internet]. Genève: WHO; c2020. [cited 2020 Mar 19]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/technical-guidance/patient-management
https://www.who.int/emergencies/diseases...
) Em quarto lugar, a superindicação de exames de tomografia computadorizada (TC) pulmonar visando ao diagnóstico da pneumonia pelo novo coronavírus pode confundir mais ainda o raciocínio médico.(1313 Ai T, Yang Z, Hou H, Zhan C, Chen C, Lv W, et al. Correlation of Chest CT and RT-PCR Testing in Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) in China: a report of 1014 cases. Radiology. 2020 Feb 26:200642. [Epub ahead of print].,1414 Li Y, Xia L. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19): Role of Chest CT in Diagnosis and Management. AJR Am J Roentgenol. 2020 Mar 4:1-7. [Epub ahead of print].) Achados tomográficos não parecem ser diagnósticos do novo coronavírus, pois são semelhantes aos de quaisquer outras doenças virais.(1313 Ai T, Yang Z, Hou H, Zhan C, Chen C, Lv W, et al. Correlation of Chest CT and RT-PCR Testing in Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) in China: a report of 1014 cases. Radiology. 2020 Feb 26:200642. [Epub ahead of print].) A TC de tórax apresenta excelente sensibilidade (~97%), porém péssima especificidade (~25%) diagnóstica, e, neste momento, talvez estejamos em busca de um pouco menos de sensibilidade para esta doença, em prol de um aumento de sensibilidade diagnóstica para outras doenças comuns, cuja frequência e importância podemos estar minimizando temporariamente. E, finalmente, a triagem realizada na porta de entrada dos hospitais por uma especialidade, a Medicina de Emergência (infelizmente reconhecida tardiamente no Brasil, em 2015), é ineficiente. Já foi descrito que o conhecimento insuficiente por parte do médico leva a um desempenho ruim à beira do leito,(1515 Norman GR, Eva KW. Diagnostic error and clinical reasoning. Med Educ. 2010;44(1):94-100.,1616 Norcini JJ, Lipner RS, Kimball HR. Certifying examination performance and patient outcomes following acute myocardial infarction. Med Educ. 2002;36(9):853-9.) o que é exacerbado pela alta demanda de pacientes, pela fadiga e pela privação do sono.(1717 Croskerry P. Clinical cognition and diagnostic error: applications of a dual process model of reasoning. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2009;14 Suppl 1:27-35.,1818 Patel VL, Cohen T. New perspectives on error in critical care. Curr Opin Crit Care. 2008;14(4):456-9.) Junto a tudo isso, pela primeira vez, as portas das UTIs, ainda tranquilas com relação à superlotação, estão abertas para qualquer paciente que receba o selo “coronavírus ou COVID”, contrabalançando as emergências costumeiramente (e agora mais) superlotadas.

Há de se acrescentar a incerteza aos fatores citados. Habitualmente, os médicos já apresentam dificuldade em lidar e admitir a incerteza inerente a todo diagnóstico ou tratamento realizados.(1919 Clark TK, Yi Y, Galvan-Garza RC, Bermúdez Rey MC, Merfeld DM. When uncertain, does human self-motion decision-making fully utilize complete information? J Neurophysiol. 2018;119(4):1485-96.) Em uma pandemia por um novo patógeno com cenário clínico-epidemiológico em constante mutação, em que populações com maior faixa etária e maior número de comorbidades são afetadas, a incerteza se impõe.(2020 Han PK, Zikmund-Fisher BJ, Duarte CW, Knaus M, Black A, Scherer AM, et al. Communication of Scientific Uncertainty about a Novel Pandemic Health Threat: Ambiguity Aversion and Its Mechanisms. J Health Commun. 2018;23(5):435-44.) Neste contexto, é importante diferenciar risco de incerteza. Riscos são conhecidos e podem ser quantificados em um processo decisório reflexivo, ou mesmo intuídos em um processo decisório heurístico. Na incerteza, nem todas as consequências de uma decisão são conhecidas.(2121 Volz KG, Gigerenzer G. Cognitive processes in decisions under risk are not the same as in decisions under uncertainty. Front Neurosci. 2012;6:105.)

Vieses cognitivos influenciadores do processo de tomada de decisão na pandemia de COVID-19

Diversos são os vieses cognitivos capazes de influenciar no julgamento clínico das equipes médicas assistenciais durante a época de pandemia. As mais importantes são listadas na sequência.

Heurística

É quando a probabilidade de um diagnóstico é influenciada pela facilidade de recordar possíveis diagnósticos.(2222 Mamede S, van Gog T, van den Berge K, Rikers RM, van Saase JL, van Guldener C, et al. Effect of availability bias and reflective reasoning on diagnostic accuracy among internal medicine residents. JAMA. 2010;304(11):1198-203.) Nos jornais, nas redes sociais, nas conversas profissionais e em todas as formas de comunicação, a lembrança do novo coronavírus é contínua, incessante, massacrante e inesgotável.

Ancoragem

Ocorre quando o médico ancora seu diagnóstico nas informações iniciais e muito cedo no processo de diagnóstico.(22 Phua DH, Tan NC. Cognitive aspect of diagnostic errors. Ann Acad Med Singapore. 2013;42(1):33-41.) A facilidade de acesso ao leito da UTI e a precariedade das condições de atendimento das emergências poderiam facilitar a definição precoce de um diagnóstico presuntivo de pneumonia pelo novo coronavírus.

Subajuste

É a falha em revisar seus diagnósticos com base em informações subsequentes.(2323 Gallagher EJ. Thinking about thinking. Ann Emerg Med. 2003;41(1):121-2.) Esse viés também está relacionado ao fechamento prematuro do diagnóstico, quando o clínico conclui o caso antes que todas as informações sejam obtidas. O viés de subajuste se associa frequentemente ao de ancoragem.

Falácia do jogador

Surge quando os médicos não percebem que os casos são inerentemente independentes (a menos que haja um surto).(2424 Croskerry P. Achieving quality in clinical decision making: cognitive strategies and detection of bias. Acad Emerg Med. 2002;9(11):1184-204.) O nome deriva do fato de o jogador, após observar uma longa série consecutiva de “pares” em um sorteio, fundamenta que o próximo sorteio produza um “ímpar”, não apreciando que cada sorteio é, na verdade, um jogo independente um do outro. Essa falácia surge porque as pessoas tendem a pensar que uma sequência de moedas jogadas deve ser representativa de uma sequência aleatória, e a sequência aleatória típica não é consecutiva.

Diagnósticos prévios

Os médicos também são afetados por diagnósticos anteriores ou hipóteses previamente realizadas nos pacientes.(2424 Croskerry P. Achieving quality in clinical decision making: cognitive strategies and detection of bias. Acad Emerg Med. 2002;9(11):1184-204.) Assim, uma opinião inicial de um leigo ou do próprio paciente, ou o diagnóstico sugerido ou realizado por outros médicos estabelece-se por uma série de intermediários. Em um contexto de pandemia, todo paciente capaz de cruzar a emergência sem a necessidade de uma avaliação já apresenta o diagnóstico de doença viral e, aparentemente, facilita o trabalho de todos no setor.

Ausência de feedback

A disponibilidade de feedback aos profissionais envolvidos em decisões frequentemente intuitivas e que não conseguem realizar a metacognição de seu processo decisório é fundamental. Frequentemente, esse é o caso de médicos em pronto-atendimento ou emergencistas. Infelizmente, a ausência de feedback é um viés comum, o que compromete as próprias decisões heurísticas futuras, pois o cérebro processa subconscientemente a ausência de feedback como feedback positivo.(2525 Stiegler MP, Ruskin KJ. Decision-making and safety in anesthesiology. Curr Opin Anaesthesiol. 2012;25(6):724-9.)

CONCLUSÕES

Vivemos um momento único em nossa história. Algo que jamais imaginávamos viver. Esperamos ter aprendido com os erros e acertos dos países que enfrentaram o novo coronavírus antes de nós. Devemos evitar que o processo decisório intuitivo e a insegurança nos levem a exaurir a disponibilidade de leitos críticos, antes do momento em que eles sejam realmente necessários, mesmo reconhecendo a importância do método decisório rápido em situações emergências. Porém, necessitamos manter nosso raciocínio clínico objetivo diante dos pacientes, seguindo a vasta literatura que nos cerca e mantendo a serenidade que nossa profissão exige. Talvez a melhor forma de atingir esse propósito seja a prática da metacognição e a estruturação de uma forma de fornecer feedback regular aos profissionais envolvidos em processos decisórios inerentemente rápidos.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Haselton MG, Nettle D, Andrews PW. The evolution of cognitive bias. In: Buss DM, Editor. The handbook of evolutionary psychology. Hoboken NJ, US: John Wiley & Sons; 2005 Inc. p. 724-46.
  • 2
    Phua DH, Tan NC. Cognitive aspect of diagnostic errors. Ann Acad Med Singapore. 2013;42(1):33-41.
  • 3
    Royce CS, Hayes MM, Schwartzstein RM. Teaching critical thinking: a case for instruction in cognitive biases to reduce diagnostic errors and improve patient safety. Acad Med. 2019;94(2):187-94.
  • 4
    Norman GR, Monteiro SD, Sherbino J, Ilgen JS, Schmidt HG, Mamede S. The Causes of errors in clinical reasoning: cognitive biases, knowledge deficits, and dual process thinking. Acad Med. 2017;92(1):23-30.
  • 5
    Isenman L. Understanding unconscious intelligence and intuition: "blink" and beyond. Perspect Biol Med. 2013;56(1):148-66.
  • 6
    Almada LF. Processos implícitos não-conscientes na tomada de decisão: a hipótese dos marcadores somáticos. Cienc Cogn. 2012;17(1):105-19.
  • 7
    Gigerenzer G, Brighton H. Homo heuriticus: why biased minds make better inferences. Top Cogn Sci. 2009;1(1):107-43.
  • 8
    Sloman SA. Two systems of reasoning. In: Gilovich T, Griffin D, Kahneman D, Editors. Heuristics and biases: The psychology of intuitive judgment. Cambridge, U.K.: Cambridge University Press; 2002. p. 379-96.
  • 9
    Qiu L, Su J, Ni Y, Bai Y, Zhang X, Li X, et al. The neural system of metacognition accompanying decision-making in the prefrontal cortex. PLoS Biol. 2018;16(4):e2004037.
  • 10
    Wax RS, Christian MD. Practical recommendations for critical care and anesthesiology teams caring for novel coronavirus (2019-nCoV) patients. Can J Anaesth. 2020;67(5):568-76.
  • 11
    Centers for Disease Control and Prevention - CDC. Interim Clinical Guidance for Management of Patients with Confirmed Coronavirus Disease (COVID-19) [Internet]. [updated February 12, 2020, cited 2020 Mar 24].Available from: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/clinical-guidance-management-patients.html
    » https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/clinical-guidance-management-patients.html
  • 12
    World Health Organization (WHO). Novel Coronavirus (2019-nCoV) technical guidance: Patient management [Internet]. Genève: WHO; c2020. [cited 2020 Mar 19]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/technical-guidance/patient-management
    » https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/technical-guidance/patient-management
  • 13
    Ai T, Yang Z, Hou H, Zhan C, Chen C, Lv W, et al. Correlation of Chest CT and RT-PCR Testing in Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) in China: a report of 1014 cases. Radiology. 2020 Feb 26:200642. [Epub ahead of print].
  • 14
    Li Y, Xia L. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19): Role of Chest CT in Diagnosis and Management. AJR Am J Roentgenol. 2020 Mar 4:1-7. [Epub ahead of print].
  • 15
    Norman GR, Eva KW. Diagnostic error and clinical reasoning. Med Educ. 2010;44(1):94-100.
  • 16
    Norcini JJ, Lipner RS, Kimball HR. Certifying examination performance and patient outcomes following acute myocardial infarction. Med Educ. 2002;36(9):853-9.
  • 17
    Croskerry P. Clinical cognition and diagnostic error: applications of a dual process model of reasoning. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2009;14 Suppl 1:27-35.
  • 18
    Patel VL, Cohen T. New perspectives on error in critical care. Curr Opin Crit Care. 2008;14(4):456-9.
  • 19
    Clark TK, Yi Y, Galvan-Garza RC, Bermúdez Rey MC, Merfeld DM. When uncertain, does human self-motion decision-making fully utilize complete information? J Neurophysiol. 2018;119(4):1485-96.
  • 20
    Han PK, Zikmund-Fisher BJ, Duarte CW, Knaus M, Black A, Scherer AM, et al. Communication of Scientific Uncertainty about a Novel Pandemic Health Threat: Ambiguity Aversion and Its Mechanisms. J Health Commun. 2018;23(5):435-44.
  • 21
    Volz KG, Gigerenzer G. Cognitive processes in decisions under risk are not the same as in decisions under uncertainty. Front Neurosci. 2012;6:105.
  • 22
    Mamede S, van Gog T, van den Berge K, Rikers RM, van Saase JL, van Guldener C, et al. Effect of availability bias and reflective reasoning on diagnostic accuracy among internal medicine residents. JAMA. 2010;304(11):1198-203.
  • 23
    Gallagher EJ. Thinking about thinking. Ann Emerg Med. 2003;41(1):121-2.
  • 24
    Croskerry P. Achieving quality in clinical decision making: cognitive strategies and detection of bias. Acad Emerg Med. 2002;9(11):1184-204.
  • 25
    Stiegler MP, Ruskin KJ. Decision-making and safety in anesthesiology. Curr Opin Anaesthesiol. 2012;25(6):724-9.

Editado por

Editor responsável: Felipe Dal-Pizzol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2020
  • Aceito
    23 Abr 2020
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br