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Síndrome do desconforto respiratório agudo associada à COVID-19 tratada com DEXametasona (CoDEX): delineamento e justificativa de um estudo randomizado

RESUMO

Objetivo:

A infecção causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) disseminou-se por todo o mundo e foi categorizada como pandemia. As manifestações mais comuns da infecção pelo SARS-CoV-2 (doença pelo coronavírus 2019 - COVID-19) se referem a uma pneumonia viral com graus variáveis de comprometimento respiratório e até 40% dos pacientes hospitalizados, que podem desenvolver uma síndrome do desconforto respiratório agudo. Diferentes ensaios clínicos avaliaram o papel dos corticosteroides na síndrome do desconforto respiratório agudo não relacionada com COVID-19, obtendo resultados conflitantes. Delineamos o presente estudo para avaliar a eficácia da administração endovenosa precoce de dexametasona no número de dias vivo e sem ventilação mecânica nos 28 dias após a randomização, em pacientes adultos com quadro moderado ou grave de síndrome do desconforto respiratório agudo causada por COVID-19 provável ou confirmada.

Métodos:

Este é um ensaio pragmático, prospectivo, randomizado, estratificado, multicêntrico, aberto e controlado que incluirá 350 pacientes com quadro inicial (menos de 48 horas antes da randomização) de síndrome do desconforto respiratório agudo moderada ou grave, definida segundo os critérios de Berlim, causada por COVID-19. Os pacientes elegíveis serão alocados de forma aleatória para tratamento padrão mais dexametasona (Grupo Intervenção) ou tratamento padrão sem dexametasona (Grupo Controle). Os pacientes no Grupo Intervenção receberão dexametasona 20mg por via endovenosa uma vez ao dia, por 5 dias, e, a seguir, dexametasona por via endovenosa 10mg ao dia por mais 5 dias, ou até receber alta da unidade de terapia intensiva, o que ocorrer antes. O desfecho primário será o número de dias livres de ventilação mecânica nos 28 dias após a randomização, definido como o número de dias vivo e livres de ventilação mecânica invasiva. Os desfechos secundários serão a taxa de mortalidade por todas as causas no dia 28, a condição clínica no dia 15 avaliada com utilização de uma escala ordinal de seis níveis, a duração da ventilação mecânica desde a randomização até o dia 28, a avaliação com o Sequential Organ Failure Assessment Score após 48 horas, 72 horas e 7 dias, e o número de dias fora da unidade de terapia intensiva nos 28 dias após a randomização.

Descritores:
Coronavírus; Síndrome do desconforto respiratório do adulto; Corticosteroides; COVID-19; Cuidados críticos; Dexametasona

Abstract

Objective:

The infection caused by the severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) spreads worldwide and is considered a pandemic. The most common manifestation of SARS-CoV-2 infection (coronavirus disease 2019 - COVID-19) is viral pneumonia with varying degrees of respiratory compromise and up to 40% of hospitalized patients might develop acute respiratory distress syndrome. Several clinical trials evaluated the role of corticosteroids in non-COVID-19 acute respiratory distress syndrome with conflicting results. We designed a trial to evaluate the effectiveness of early intravenous dexamethasone administration on the number of days alive and free of mechanical ventilation within 28 days after randomization in adult patients with moderate or severe acute respiratory distress syndrome due to confirmed or probable COVID-19.

Methods:

This is a pragmatic, prospective, randomized, stratified, multicenter, open-label, controlled trial including 350 patients with early-onset (less than 48 hours before randomization) moderate or severe acute respiratory distress syndrome, defined by the Berlin criteria, due to COVID-19. Eligible patients will be randomly allocated to either standard treatment plus dexamethasone (Intervention Group) or standard treatment without dexamethasone (Control Group). Patients in the intervention group will receive dexamethasone 20mg intravenous once daily for 5 days, followed by dexamethasone 10mg IV once daily for additional 5 days or until intensive care unit discharge, whichever occurs first. The primary outcome is ventilator-free days within 28 days after randomization, defined as days alive and free from invasive mechanical ventilation. Secondary outcomes are all-cause mortality rates at day 28, evaluation of the clinical status at day 15 assessed with a 6-level ordinal scale, mechanical ventilation duration from randomization to day 28, Sequential Organ Failure Assessment Score evaluation at 48 hours, 72 hours and 7 days and intensive care unit -free days within 28.

Keywords:
Coronavirus; Respiratory distress syndrome, adult; Adrenal cortex hormones; COVID-19; Critical care; Dexamethasone

INTRODUÇÃO

No início de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) categorizou como pandemia o surto de um novo coronavírus.(11 World Health Organization. WHO Director-General's opening remarks at the media briefing on COVID-19 - 11 March 2020. WHO; 2020 [cited 2020 Mar 25]. Available from: https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---11-march-2020
https://www.who.int/dg/speeches/detail/w...
) Esse coronavírus, mais tarde denominado coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), desencadeou um surto de pneumonia viral grave (doença pelo coronavírus 2019 - COVID-19) em meados de dezembro na província de Wuhan, na China.(22 Zhu N, Zhang D, Wang W, Li X, Yang B, Song J, Zhao X, Huang B, Shi W, Lu R, Niu P, Zhan F, Ma X, Wang D, Xu W, Wu G, Gao GF, Tan W; China Novel Coronavirus Investigating and Research Team. A novel coronavirus from patients with pneumonia in China, 2019. N Engl J Med. 2020;382(8):727-33.) A doença se disseminou por todo o mundo e, após 3 meses, países em todos os continentes, exceto a Antártida, tinham registros de casos.(33 World Health Organization. Coronavirus disease 2019 (COVID-19). Situation Report - 61. WHO; 2020. [cited 2020 Mar 25]. Available from: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200321-sitrep-61-covid-19.pdf?sfvrsn=6aa18912_
https://www.who.int/docs/default-source/...
) Considerando-se todos os tipo de COVID-19, as estimativas sugerem que 5% desenvolverão insuficiência respiratória,(44 Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and important lessons from the coronavirus disease 2019 (COVID-19) outbreak in China: summary of a report of 72314 cases from the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA. 2020 Feb 24. Online ahead of print.) enquanto, entre os pacientes hospitalizados, até 40% poderão desenvolver a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA),(55 Wu C, Chen X, Cai Y, Xia J, Zhou X, Xu S, et al. Risk Factors associated with acute respiratory distress syndrome and death in patients with coronavirus disease 2019 pneumonia in Wuhan, China. JAMA Intern Med. 2020 Mar 13:e200994. On line ahead of print.) que é uma importante causa de morte nessa população.(44 Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and important lessons from the coronavirus disease 2019 (COVID-19) outbreak in China: summary of a report of 72314 cases from the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA. 2020 Feb 24. Online ahead of print.)

Devido aos seus efeitos anti-inflamatórios,(66 Rhen T, Cidlowski JA. Antiinflammatory action of glucocorticoids--new mechanisms for old drugs. N Engl J Med. 2005;353(16):1711-23.) os corticosteroides podem ser um tratamento apropriado para esses pacientes e têm sido testados em diferentes cenários de SDRA.(77 Steinberg KP, Hudson LD, Goodman RB, Hough CL, Lanken PN, Hyzy R, Thompson BT, Ancukiewicz M; National Heart, Lung, and Blood Institute Acute Respiratory Distress Syndrome (ARDS) Clinical Trials Network. Efficacy and safety of corticosteroids for persistent acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2006;354(16):1671-84.,88 Tongyoo S, Permpikul C, Mongkolpun W, Vattanavanit V, Udompanturak S, Kocak M, et al. Hydrocortisone treatment in early sepsis-associated acute respiratory distress syndrome: results of a randomized controlled trial. Crit Care. 2016;20(1):329.) Um ensaio recente demonstrou que o uso precoce de dexametasona é seguro e reduz a duração da ventilação mecânica (VM) em pacientes com SDRA sem COVID-19.(99 Villar J, Ferrando C, Martínez D, Ambrós A, Muñoz T, Soler JA, Aguilar G, Alba F, González-Higueras E, Conesa LA, Martín-Rodríguez C, Díaz-Domínguez FJ, Serna-Grande P, Rivas R, Ferreres J, Belda J, Capilla L, Tallet A, Añón JM, Fernández RL, González-Martín JM; dexamethasone in ARDS network. Dexamethasone treatment for the acute respiratory distress syndrome: a multicentre, randomised controlled trial. Lancet Respir Med. 2020;8(3):267-76.) Contudo, os dados sugerem que a utilização de corticosteroides pode aumentar a carga viral nos pacientes com infecção por SARS-CoV-1(1010 Lee N, Allen Chan KC, Hui DS, Ng EK, Wu A, Chiu RW, et al. Effects of early corticosteroid treatment on plasma SARS-associated Coronavirus RNA concentrations in adult patients. J Clin Virol. 2004;31(4):304-9.) e infecção pelo vírus da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS),(1111 Arabi YM, Mandourah Y, Al-Hameed F, Sindi AA, Almekhlafi GA, Hussein MA, Jose J, Pinto R, Al-Omari A, Kharaba A, Almotairi A, Al Khatib K, Alraddadi B, Shalhoub S, Abdulmomen A, Qushmaq I, Mady A, Solaiman O, Al-Aithan AM, Al-Raddadi R, Ragab A, Balkhy HH, Al Harthy A, Deeb AM, Al Mutairi H, Al-Dawood A, Merson L, Hayden FG, Fowler RA; Saudi Critical Care Trial Group. Corticosteroid therapy for critically ill patients with middle east respiratory syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2018;197(6):757-67.) enquanto uma metanálise demonstrou que corticosteroides se associam a maiores índices de mortalidade na pneumonia por influenza.(1212 Ni YN, Chen G, Sun J, Liang BM, Liang ZA. The effect of corticosteroids on mortality of patients with influenza pneumonia: a systematic review and meta-analysis. Crit Care. 2019;23(1):99.) O uso precoce nos casos menos graves e o uso tardio durante a evolução da SDRA podem ser responsáveis pelos efeitos deletérios nessas populações. As diretrizes atuais recomendam não utilizar corticosteroides em pacientes com COVID-19 fora de protocolos de pesquisa clínica.(1313 Bhimraj A, Morgan RL, Shumaker AH, Lavergne V, Baden L, Cheng VC, et al. Infectious Diseases Society of America Guidelines on the Treatment and Management of Patients with COVID-19. Clin Infect Dis. 2020 Apr 27; ciaa478. Online ahead of print.,1414 The Australian and New Zealand Intensive Care Society (ANZICS). COVID-19 Guidelines. Version 1. [cited 2020 May 10]. Available from: https://www.anzics.com.au/wp-content/uploads/2020/03/ANZICSCOVID-19-Guidelines-Version-1.pdf
https://www.anzics.com.au/wp-content/upl...
)

Mais ainda, as evidências sugerem que pacientes com COVID-19 grave podem ter uma condição hiperinflamatória conhecida como tempestade de citocinas. O perfil de citocinas nesses pacientes se parece com o observado na linfo-histiocitose hemofagocítica secundária (sHLH),(1515 Mehta P, McAuley DF, Brown M, Sanchez E, Tattersall RS, Manson JJ; HLH Across Speciality Collaboration, UK. COVID-19: consider cytokine storm syndromes and immunosuppression. Lancet. 2020;395(10229):1033-4.) com níveis elevados de interleucina (IL) 2, IL-6 e fator de necrose tumoral alfa. Os corticosteroides são um dos principais tratamentos para a sHLH.(1616 Ramos-Casals M, Brito-Zerón P, López-Guillermo A, Khamashta MA, Bosch X. Adult haemophagocytic syndrome. Lancet. 2014;383(9927):1503-16.)

Assim, propomos um ensaio clínico pragmático, randomizado, aberto e controlado para comparar o tratamento padrão com o tratamento padrão mais administração precoce de dexametasona por 10 dias em pacientes com SDRA moderada ou grave causada por COVID-19. Para este relato, utilizamos as recomendações das diretrizes SPIRIT para ensaios intervencionais,(1717 Chan AW, Tetzlaff JM, Altman DG, Laupacis A, Gøtzsche PC, Krleža-Jerić K, et al. SPIRIT 2013 statement: defining standard protocol items for clinical trials. Ann Intern Med. 2013;158(3):200-7.) apresentadas no apêndice 1 do material suplementar. Os membros do comitê diretivo são apresentados no apêndice 2 do material suplementar. Este manuscrito se refere à quinta versão do protocolo.

MÉTODOS

Síndrome do desconforto respiratório agudo associada à COVID-19 tratada com DEXametasona: CoDEX é um ensaio clínico pragmático, prospectivo, randomizado, controlado, estratificado, multicêntrico, aberto, de superioridade, que incluirá 350 pacientes com quadro de SDRA moderada ou grave causada por COVID-19 confirmada ou provável, em 51 unidades de terapia intensiva (UTIs) do Brasil.

Nossa hipótese é a de que a administração precoce de dexametasona aumenta o número de dias vivo e livres de VM em pacientes adultos com SDRA moderada ou grave devido ao SARS-CoV-2. O ensaio está registrado no sítio ClinicalTrials.gov (NCT04327401).

Nosso objetivo primário é avaliar a eficácia da administração intravenosa (IV) precoce de dexametasona no número de dias vivo e livres de VM nos 28 dias após a randomização em pacientes adultos com SDRA moderada ou grave devido à COVID-19 confirmada ou provável. Define-se o número de dias livres de VM (DLV) como ausência de necessidade de VM invasiva por pelo menos 48 horas (extubação bem-sucedida).(1818 Béduneau G, Pham T, Schortgen F, Piquilloud L, Zogheib E, Jonas M, Grelon F, Runge I, Nicolas Terzi, Grangé S, Barberet G, Guitard PG, Frat JP, Constan A, Chretien JM, Mancebo J, Mercat A, Richard JM, Brochard L; WIND (Weaning according to a New Definition) Study Group and the REVA (Réseau Européen de Recherche en Ventilation Artificielle) Network. Epidemiology of Weaning Outcome according to a New Definition. The WIND Study. Am J Respir Crit Care Med. 2017;195(6):772-83.) Se o paciente for reintubado dentro das 48 horas após a extubação, será considerado como DLV zero; se for reintubado após 48 horas, o período de 48 horas será contado como DLV. Pacientes que receberam alta hospitalar vivos antes de 28 dias serão considerados vivos e livres de VM no dia 28. Os não sobreviventes no 28º dia serão considerados como DLV igual a zero.

Os objetivos secundários são avaliar os efeitos do tratamento com dexametasona mais o tratamento padrão em comparação com o tratamento padrão isoladamente nos seguintes parâmetros: taxa de mortalidade por todas as causas aos 28 dias após a randomização; condição clínica dos pacientes aos 15 dias após a randomização, com utilização da escala de 6 pontos para melhora clínica da OMS (Tabela 1); número de dias sob VM desde a randomização até o dia 28; número de dias fora da UTI nos 28 dias; modificação no Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) 48 horas, 72 horas e 7 dias após a randomização.

Tabela 1
Escala ordinal de 6 pontos

Cronograma e duração do estudo

A duração planejada do estudo é de 5 meses, sendo 3 meses para recrutamento, 1 mês para seguimento e 1 mês para análise dos dados e redação do manuscrito. O primeiro paciente foi incluído em 17 de abril. O relatório final e a publicação estão previstos para o segundo semestre de 2020.

Critérios para elegibilidade

Incluiremos no estudo pacientes críticos com SDRA devido à COVID-19 confirmada ou provável, admitidos à UTI. Define-se COVID-19 provável como presença de sintomas contemplados nos critérios para inclusão, viagem para, ou residência em uma cidade com relato de transmissão comunitária, ou contato com um caso confirmado nos últimos 14 dias antes do início dos sintomas(1919 Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo de Manejo Cli´nico para o Novo Coronavi´rus (2019-nCoV). Brasília: Ministério da Saúde; 2020. [citado 2020 Mar 28]. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/11/protocolo-manejo-coronavirus.pdf
https://portalarquivos2.saude.gov.br/ima...
) e imagens de exames radiológicos compatíveis com COVID-19 na ocasião da inclusão.

Após a inclusão de 182 pacientes, o Comitê Diretivo sugeriu modificações específicas tanto nos critérios para inclusão quanto nos para exclusão. O momento do diagnóstico de SDRA para inclusão foi modificado de 24 horas para 48 horas. A justificativa para essa modificação foi o fato de que a maior parte dos centros recebe na UTI pacientes intubados já com o diagnóstico de SDRA e mais de 24 horas de VM, o que reduziu a janela temporal para o recrutamento. Além disso, considerando-se o uso difundido de corticosteroides antes da admissão à UTI no Brasil, permitimos a inclusão de pacientes que receberam previamente 1 dia de tratamento com corticosteroides durante a permanência no hospital, o que antes não era permitido. Os critérios de exclusão foram redefinidos pelo acréscimo de três novos critérios: uso de fármacos imunossupressores, quimioterapia citotóxica nos últimos 21 dias e neutropenia em razão de doenças malignas hematológicas ou sólidas, com invasão da medula óssea.

Cada paciente deve preencher todos os critérios de inclusão a seguir, para que possa ser elegível para inscrição: idade ≥ 18 anos, infecção provável ou confirmada por SARS-CoV-2, intubado e sob VM, SDRA moderada ou grave segundo os critérios de Berlim(2020 ARDS Definition Task Force; Ranieri VM, Rubenfeld GD, Thompson BT, Ferguson ND, Caldwell E, Fan E, et al. Acute respiratory distress syndrome: the Berlin Definition. JAMA. 2012;307(23):2526-33.) (Tabela 2) e início da SDRA moderada ou grave há menos de 48 horas antes da randomização.

Tabela 2
Critérios de Berlim(2020 ARDS Definition Task Force; Ranieri VM, Rubenfeld GD, Thompson BT, Ferguson ND, Caldwell E, Fan E, et al. Acute respiratory distress syndrome: the Berlin Definition. JAMA. 2012;307(23):2526-33.) para diagnóstico de síndrome do desconforto respiratório agudo

Os critérios para exclusão são: gravidez ou lactação ativa, histórico conhecido de alergia à dexametasona, uso diário de corticosteroides nos últimos 15 dias, indicação de utilização de corticosteroides para outras condições clínicas (por exemplo, choque séptico refratário), pacientes que utilizaram corticosteroides durante a permanência no hospital por um período igual ou maior que 2 dias, uso de fármacos imunossupressores, quimioterapia citotóxica nos últimos 21 dias, neutropenia por doenças malignas hematológicas ou sólidas com invasão da medula óssea, paciente com previsão de óbito nas próximas 24 horas e recusa do consentimento para tomar parte no estudo.

Protocolo do estudo

Randomização e ocultação de códigos

Os pacientes são elegíveis para inscrição se todos os critérios de inclusão forem cumpridos e nenhum dos critérios de exclusão for constatado. Os pacientes estão sendo randomizados em uma razão 1:1 para um dos dois grupos (Figura 1): tratamento padrão mais dexametasona (Grupo Intervenção) e tratamento padrão sem dexametasona (Grupo Controle). A lista de randomização é gerada por um estatístico independente em blocos aleatórios de dois e quatro, de forma a preservar a ocultação dos códigos de alocação, e é estratificada por centro. A randomização é realizada por uma central com base na rede de internet, disponível 24 horas por dia. O grupo de tratamento só é revelado para o investigador após todas as informações relativas à inscrição do paciente terem sido registradas no sistema online. Os pacientes são triados para inclusão pelo investigador principal e pela equipe do estudo em cada centro de estudo.

Figura 1
Fluxograma do estudo.

SDRA - síndrome do desconforto respiratório agudo; UTI - unidade de terapia intensiva; SOFA - Sequential Organ Failure Assessment; VM - ventilação mecânica.


Ocultação de códigos

Este é um estudo aberto, no qual os investigadores, cuidadores e pacientes não são cegos quanto à intervenção. Todas as análises estatísticas serão realizadas de forma cega com relação ao grupo alocado.

Intervenção do estudo e estratégia terapêutica

Cada uma das UTIs a incluir pacientes no estudo é encorajada a seguir as diretrizes de melhore práticas e seu protocolo institucional para o cuidado de pacientes críticos com COVID-19. Os exames laboratoriais, o controle hemodinâmico, a estratégia ventilatória, o uso de antibióticos e a profilaxia de tromboembolismo venoso e úlcera de estresse, juntamente de outras intervenções próprias da UTI, ficarão a critério da equipe da unidade, tanto para o Grupo Intervenção quanto para o Grupo Controle.

Após a randomização, os pacientes no Grupo Intervenção recebem dexametasona 20mg por via endovenosa uma vez ao dia por 5 dias, seguida por dexametasona 10mg IV uma vez ao dia por mais 5 dias ou até a alta da UTI, o que ocorrer antes. Os pacientes no Grupo Controle não recebem dexametasona.

Embora não controlemos a estratégia ventilatória em ambos os grupos, os médicos são encorajados a aderir à seguinte estratégia ventilatória: volume corrente (Vt) de 4 - 6mL/kg de peso corpóreo predito, pressão platô < 30cmH2O, pressão de drive < 15cmH2O, frequência respiratória para manter um pH arterial >7,2 e fração inspirada de oxigênio (FiO2) e pressão positiva expiratória final (PEEP) para manter a saturação de oxigênio (SpO2) ≥ 88% ou pressão parcial de oxigênio (PaO2) ≥ 55mmHg. Fármacos para sedação e uso de outras estratégias para controle da SDRA, como o uso de agentes bloqueadores neuromusculares, posição prona, óxido nítrico e oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO), ficam a critério do médico e são diariamente registrados na ficha eletrônica de registro de casos do estudo (eCRF). Cada um dos centros é encorajado a seguir as diretrizes institucionais para liberação da ventilação mecânica. O cronograma do estudo é apresentado na figura 2.

Figura 2
Cronograma do estudo.

D - dia; UTI - unidade de terapia intensiva; VM - ventilação mecânica.


Procedimento para o diagnóstico de COVID-19

Devido à possibilidade de testes falso-negativos, especialmente nos primeiros dias de sintomas,(2121 Ai T, Yang Z, Hou H, Zhan C, Chen C, Lv W, et al. Correlation of chest CT and RT-PCR testing in coronavirus disease 2019 (COVID-19) in China: a report of 1014 cases. Radiology. 2020 Feb 26:200642. Online ahead o print.) em associação com diferentes sensibilidades que dependem do local da coleta, os pacientes com testes laboratoriais negativos incluídos neste estudo são avaliados por um comitê cego, formado por dois médicos intensivistas do grupo de pesquisa e com experiência no tratamento de pacientes com COVID-19 (Comitê de Adjudicação). Esse comitê leva em conta o momento do teste, os sintomas clínicos e a análise radiográfica do tórax (tomografia computadorizada dos pulmões ou radiografia do tórax) para definir se o paciente tem COVID-19 com exames laboratoriais negativos (COVID-19 provável) ou se provavelmente o paciente não tem COVID-19. Pacientes com teste positivo de reação de cadeia de polimerase (PCR) para SARS-CoV-2 são considerados como confirmados de COVID-19.

A análise principal se baseará no princípio de intenção de tratar, com análise adicional de sensibilidade com relação à condição de COVID-19 confirmada versus não confirmada.

Eventos adversos

Os eventos adversos mais comuns do uso de corticosteroides são a hiperglicemia e um possível aumento nas taxas de infecção. Os dados sobre o controle glicêmico são colhidos diariamente até o dia 14, e os dados referentes ao desenvolvimento de novas infecções são colhidos diariamente até o dia 28. Para quaisquer outros eventos adversos, existe um formulário específico na eCRF, e os dados são enviados em tempo real para o centro coordenador.

Tratamento dos desvios do protocolo

A adesão ao protocolo e o uso de corticosteroides em ambos os grupos são avaliados diariamente. O uso de corticosteroides no Grupo Controle não é proibido, já que pacientes críticos podem ter outras indicações para o uso de corticosteroides durante a permanência na UTI. Entretanto, qualquer uso de corticosteroides para tratamento da SDRA ou de hipoxemia refratária no Grupo Controle será considerado um desvio do protocolo. Modificações na posologia da dexametasona ou interrupção precoce no Grupo Intervenção também serão consideradas desvio do protocolo.

Se, durante o estudo, for considerado que o paciente não tem COVID-19, o que é definido por exames laboratoriais negativos juntamente da avaliação negativa por parte do Comitê de Adjudicação, o fármaco do estudo será cessado, e os dados a respeito desse paciente serão colhidos até o dia 28 e serão incluídos na análise final. Entretanto, considerando o contexto epidemiológico e os critérios de inclusão, espera-se que apenas uma minoria dos pacientes se encontre nesse grupo.

Todos os centros receberão uma sessão inicial de treinamento antes de dar início ao recrutamento, com a finalidade de garantir a coerência dos procedimentos do estudo e da coleta de dados.

Coleta e gestão dos dados

Os dados do paciente, sem identificação, serão colhidos por meio de uma ferramenta eletrônica online de coleta de dados (REDCap).(2222 Harris PA, Taylor R, Minor BL, Elliott V, Fernandez M, O'Neil L, McLeod L, Delacqua G, Delacqua F, Kirby J, Duda SN, REDCap Consortium. The REDCap consortium: Building an international community of software platform partners. J Biomed Inform. 2019;95:103208.,2323 Harris PA, Taylor R, Thielke R, Payne J, Gonzalez N, Conde JG. Research electronic data capture (REDCap)--a metadata-driven methodology and workflow process for providing translational research informatics support. J Biomed Inform. 2009;42(2):377-81.) São colhidos para todos os pacientes os dados demográficos e basais, estatura, Simplified Acute Physiology Score (SAPS) 3, utilização de corticosteroides antes da randomização e HScore para diagnóstico de sHLH (Tabela 3). O SOFA é colhido nos dias 1, 2, 3 e 7. Os dados referentes a trocas gasosa, mecânica pulmonar, hemodinâmica, laboratoriais, uso de agentes bloqueadores neuromusculares, posição prona e uso de ECMO são colhidos antes da randomização e até o dia 14.

Tabela 3
HScore para diagnóstico de linfo-histiocitose hemofagocítica secundária

O uso de VM ou qualquer outro suporte ventilatório/oxigênio (cânula nasal de alto fluxo, ventilação não invasiva e uso suplementar de oxigênio) e os dados sobre a escala ordinal de 6 pontos (Tabela 1) são colhidos diariamente até o dia 28, ou até a alta hospitalar, o que ocorrer antes. A condição vital na saída da UTI e do hospital, e qualquer outro dado clínico relevante, como infecções nosocomiais, uso de insulina para controle glicêmico, uso de antibióticos e outros tratamentos para COVID-19 (hidroxicloroquina, cloroquina e azitromicina), são também colhidos.

Os dados sobre VM são colhidos em formulários específicos com dados referentes à data e ao horário do início e do término do tratamento.

Todos os dados são colhidos por meio da eCRF, e o Comitê Gestor do Estudo realizará periodicamente avaliações da qualidade. O fechamento da base de dados será realizado após ter se obtido o desfecho no dia 28 para todos os pacientes. Antes da publicação dos principais resultados, só será concedido acesso à base de dados aos membros do comitê diretivo e estatísticos. Planejamos compartilhar os dados com outros ensaios clínicos em andamento relativos ao mesmo assunto, para fins de metanálise de pacientes individuais. Pretendemos incluir o conjunto de dados do estudo em uma base pública de dados dentro de 3 meses após o fechamento da base de dados.

Análise estatística

Cálculo do tamanho da amostra

Há uma falta de dados confiáveis relacionados a pacientes com SDRA devido à COVID-19 que permitam um cálculo preciso do tamanho da amostra. Assim, para calcular o tamanho da amostra, utilizamos dados de um ensaio randomizado e controlado em pacientes com SDRA não relacionada com COVID-19,(2424 Writing Group for the Alveolar Recruitment for Acute Respiratory Distress Syndrome Trial (ART) Investigators; Cavalcanti AB, Suzumura EA, Laranjeira LN, Paisani DM, Damiani LP, Guimarães HP, et al. Effect of lung recruitment and titrated positive end-expiratory pressure (PEEP) vs low PEEP on mortality in patients with acute respiratory distress syndrome: a randomized clinical trial. JAMA. 2017;318(14):1335-45.) que consiste em um ensaio multicêntrico bem delineado representativo dos desfechos de SDRA no Brasil. Assumimos uma média de DLV aos 28 dias de 8 dias ± 9 dias (desvio padrão) no Grupo Controle. Com um erro tipo I bicaudal de 0,05 e um poder estatístico de 80%, para identificar uma diferença de três DLV mecânica entre os grupos, seria necessária uma amostra com 290 pacientes. Entretanto, no final de maio de 2020, antes da realização da primeira análise parcial, após discussão do protocolo com o Comitê de Monitoramento de Dados (CMD), o Comitê Diretivo decidiu aumentar o tamanho da amostra com base na seguinte justificativa: considerando-se a incerteza com relação à distribuição normal dos DLV, com base na eficiência assimptótica relativa de Pitman,(2525 Lehmann EL. Nonparametrics: statistical methods based on ranks. Holden-Day; 1975.) o tamanho da amostra deveria ser aumentado em 15% para preservar o poder do estudo associado com aumento de 4% em consideração a possíveis perdas de seguimento e retiradas de consentimento. Assim, é necessário um tamanho final da amostra de 350 pacientes.

Também, em razão da ausência de dados a respeito do número de DLV para pacientes com COVID-19, o tamanho da amostra será atualizado com utilização do desvio padrão combinado para DLV mecânica da primeira análise parcial, a menos que, na ocasião da primeira análise parcial, todos os pacientes já tenham sido recrutados.

A diferença clinicamente importante mínima de 3 dias para DLV foi escolhida com base em outros ensaios(2626 Rice TW, Wheeler AP, Thompson BT, deBoisblanc BP, Steingrub J, Rock P; NIH NHLBI Acute Respiratory Distress Syndrome Network of Investigators. Enteral omega-3 fatty acid, gamma-linolenic acid, and antioxidant supplementation in acute lung injury. JAMA. 2011;306(14):1574-81.,2727 Hodgson CL, Cooper DJ, Arabi Y, King V, Bersten A, Bihari S, et al. Maximal Recruitment Open Lung Ventilation in Acute Respiratory Distress Syndrome (PHARLAP). A Phase II, Multicenter Randomized Controlled Clinical Trial. Am J Respir Crit Care Med. 2019;200(11):1363-72.) juntamente do que é percebido como uma melhora significante das complicações e custos hospitalares, além da disponibilidade da UTI, especialmente em países com limitados recursos.

Análises parciais e de segurança

Estão planejadas duas análises parciais para avaliar segurança e eficácia, após 96 pacientes e 234 pacientes com seguimento completo até o desfecho primário. Com base na análise parcial, o CMD decidirá se há prova além de qualquer dúvida razoável de que a intervenção é eficaz ou não segura para essa população.

A regra de cessação por motivos de segurança será valor de p < 0,01 e, para eficácia, valor de p < 0,001 (limite de Haybittle-Peto). O limite de Haybittle-Peto é uma regra conservadora para cessação quando da análise parcial, que tem impacto mínimo no aumento do erro tipo I em ensaios com dois grupos de tratamento.(2828 Blenkinsop A, Parmar MK, Choodari-Oskooei B. Assessing the impact of efficacy stopping rules on the error rates under the multi-arm multi-stage framework. Clin Trials. 2019;16(2):132-41.) As análises parciais serão realizadas por um CMD externo e independente.

Métodos estatísticos

As análises principais seguirão o princípio de intenção de tratar. Para o desfecho primário, será construído um modelo linear generalizado com distribuição binomial ou distribuição beta inflada zero/um, com centro como efeito randomizado e ajustado para idade, uso de corticosteroides antes da randomização e proporção PaO2/FiO2. O tamanho do efeito será estimado como a diferença média, o intervalo de confiança de 95% respectivo e teste da hipótese. Os dados faltantes a respeito do desfecho primário serão tratados com utilização de técnicas de imputação múltipla.

Para os detalhes referentes a desfechos secundários e outras análises, favor consultar o Plano de Análise Estatística (PAE) no apêndice 3 do material suplementar.

O nível de significância para todas as análises será de 0,05. Não serão feitos ajustes para múltiplos testes. Todas as análises serão conduzidas com o programa estatístico R(2929 R Foundation for Statistical Computing. R: A language and environment for statistical computing [program]. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing; 2019.) (R Core Team, Viena, Áustria, 2020).

Análises de subgrupos e sensibilidade

Planejamos realizar uma análise de subgrupos para o desfecho primário, inclusive parâmetros de interação no modelo principal para idade (< 60 e ≥ 60), proporção PaO2/FiO2 (≤ 100 e > 100), SAPS3 (< 50 e ≥ 50), duração dos sintomas quando da randomização em dias (≤ 7 e > 7), duração da SDRA moderada/grave antes da randomização em horas (≤ 24 horas e > 24 horas até 48 hours), posição quando da randomização (prona ou supina), HScore(3030 Fardet L, Galicier L, Lambotte O, Marzac C, Aumont C, Chahwan D, et al. Development and validation of the HScore, a score for the diagnosis of reactive hemophagocytic syndrome. Arthritis Rheumatol. 2014;66(9):2613-20.) (≥ 169 e < 169), uso de corticosteroides antes da randomização e uso de vasopressores quando da randomização.

Realizaremos as seguintes análises pré-especificadas de sensibilidade: pacientes com COVID-19 laboratorialmente confirmada, pacientes com COVID-19 laboratorialmente confirmada e COVID-19 provável, análise pelo protocolo (pacientes que receberam o tratamento proposto no Grupo Intervenção e pacientes que não receberam corticosteroides no Grupo Controle) e análise segundo o tratamento (considerando pacientes que receberam qualquer dose de corticosteroides no Grupo Controle).

Acréscimos futuros

Planejamos colher amostras de sangue para estudos transcriptômicos após a randomização e após 10 dias, relativos às modificações induzidas pelo tratamento com dexametasona, com base nas modificações da expressão gênica de leucócitos, e seguir os pacientes por um período de 12 meses, para realizar futuras análises dos desfechos clínicos e da qualidade de vida.

Organização do estudo

O Comitê Diretivo é constituído pelos investigadores do estudo, pertencentes à Coalização COVID-19 Brasil III, e será responsável pelo desenvolvimento do protocolo do estudo, pela redação dos manuscritos e pela submissão do estudo para publicação. Todos os demais comitês do estudo responderão ao Comitê Diretivo.

O Comitê de Gestão do Estudo (CGE) é formado por membros da Coalização COVID-19 Brasil III e é responsável por:

  1. Condução do estudo: criar a eCRF; organizar o manual do investigador e o manual de operações e gerenciar e controlar a qualidade dos dados.

  2. Gestão do centro de pesquisa: selecionar e pesquisar os centros de pesquisa, assistir os centros em questões regulatórias, monitorar as taxas de recrutamento, monitorar o seguimento dos pacientes e enviar os materiais do estudo para os centros de pesquisa.

  3. Análise estatística e relatório: concluir as análises estatísticas e ajudar na redação do manuscrito final.

O Comitê de Adjudicação é responsável pela avaliação dos casos com exames laboratoriais negativos para COVID-19. Com base na epidemiologia, achados clínicos e de imagens radiológicas, o comitê classificará os pacientes como casos de COVID-19 prováveis ou negativos.

O CMD é composto por um estatístico externo e por especialistas em medicina intensiva independentes dos investigadores do estudo (para mais informações, vide o material complementar - Apêndice 4). O CMD será responsável pela análise parcial e fornecerá orientações para o Comitê Diretivo com relação à continuidade e à segurança do estudo após as análises parciais, com base na evidência de diferenças significantes entre os Grupos Intervenção e Controle, com relação à DLV e à mortalidade no dia 28, ou eventos adversos.

Considerações éticas e disseminação

Este ensaio foi delineado segundo as diretrizes de boas práticas clínicas e segue os princípios da Declaração de Helsinque, tendo sido aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Todas as emendas ao protocolo devem ser aprovadas pela Conep antes de sua implantação.

Considerando-se o número crescente de casos de COVID-19 no Brasil, a maior parte dos hospitais adaptou suas políticas de restrição total para as visitas à UTI, com a finalidade de conter a disseminação viral. Igualmente, esperamos que, virtualmente, nenhum dos pacientes será capaz de conceder seu consentimento, em razão de suas condições clínicas. Assim, a Conep permitiu que se utilizem diferentes abordagens para obtenção da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte do representante legal dos pacientes, como consentimento por e-mail, ou por meio de outro formato digital, por voz ou por vídeo. Os pacientes serão incluídos no estudo após os investigadores do estudo terem obtido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os pacientes e seus representantes legais podem sair do estudo a qualquer momento, por qualquer razão. Será assegurado aos familiares próximos dos pacientes que tal saída não terá qualquer impacto nos cuidados ao paciente. Antes da saída dos pacientes do estudo, será pedido a estes ou a seus representantes legais se permitem continuar a colher dados, apesar de não receberem as intervenções do estudo. Os pacientes que retirarem o consentimento para o estudo não serão substituídos por outros participantes.

O estudo será submetido para publicação após sua conclusão, independentemente de seus achados. A elaboração do manuscrito será uma responsabilidade inalienável do Comitê Diretivo. O artigo principal terá como autores os participantes do Comitê Diretivo, mais os investigadores principais dos dez centros com maior número de participantes inscritos que possam contribuir intelectualmente para a redação do manuscrito.

DISCUSSÃO

Este é o primeiro estudo randomizado e controlado a avaliar a eficácia da administração precoce de dexametasona na SDRA moderada ou grave causada pelo SARS-CoV-2. Têm-se utilizado corticosteroides no tratamento da SDRA há quase 50 anos.(3131 McConn R, Del Guercio LR. Respiratory function of blood in the acutely ill patient and the effect of steroids. Ann Surg. 1971;174(3):436-50.) Contudo, ainda há controvérsia com relação à eficácia desse tratamento. A literatura sugere potencial benefício da administração precoce nos casos mais graves, com possível influência no desfecho, dependendo da causa da SDRA (pneumonia bacteriana versus viral, SDRA primária versus secundária). Também, a maior parte dos artigos publicados tem sua origem em pequenos estudos retrospectivos, em populações heterogêneas.

O efeito adverso mais comum do uso de corticosteroides é a hiperglicemia, porém, como mostrou ensaio recente,(99 Villar J, Ferrando C, Martínez D, Ambrós A, Muñoz T, Soler JA, Aguilar G, Alba F, González-Higueras E, Conesa LA, Martín-Rodríguez C, Díaz-Domínguez FJ, Serna-Grande P, Rivas R, Ferreres J, Belda J, Capilla L, Tallet A, Añón JM, Fernández RL, González-Martín JM; dexamethasone in ARDS network. Dexamethasone treatment for the acute respiratory distress syndrome: a multicentre, randomised controlled trial. Lancet Respir Med. 2020;8(3):267-76.) os pacientes que receberam dexametasona tiveram frequência similar de hiperglicemia (76% em comparação a 70% no grupo controle). Também, o estudo não demonstrou diferenças entre os grupos com relação a novas infecções na UTI.

Nosso estudo tem pontos fortes significativos em comparação à literatura publicada. A população do estudo será homogênea, compreendendo apenas pacientes críticos com SDRA moderada ou grave. Oferecemos um protocolo de intervenção preciso e reprodutível e incluiremos pacientes na fase precoce de SDRA. A fase inicial da SDRA provavelmente coincide com uma fase tardia no processo patológico, o que pode reduzir o risco de aumento da replicação viral induzido pelo fármaco do estudo, como sugerido por autores prévios para o vírus da MERS(1111 Arabi YM, Mandourah Y, Al-Hameed F, Sindi AA, Almekhlafi GA, Hussein MA, Jose J, Pinto R, Al-Omari A, Kharaba A, Almotairi A, Al Khatib K, Alraddadi B, Shalhoub S, Abdulmomen A, Qushmaq I, Mady A, Solaiman O, Al-Aithan AM, Al-Raddadi R, Ragab A, Balkhy HH, Al Harthy A, Deeb AM, Al Mutairi H, Al-Dawood A, Merson L, Hayden FG, Fowler RA; Saudi Critical Care Trial Group. Corticosteroid therapy for critically ill patients with middle east respiratory syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2018;197(6):757-67.) e a infecção pelo SARS-CoV-1.(1010 Lee N, Allen Chan KC, Hui DS, Ng EK, Wu A, Chiu RW, et al. Effects of early corticosteroid treatment on plasma SARS-associated Coronavirus RNA concentrations in adult patients. J Clin Virol. 2004;31(4):304-9.)

Reconhecemos que nosso estudo tem algumas limitações. Trata-se de ensaio aberto, o que pode interferir no uso de outros tratamentos imunomodulatórios, como uso de plasma de convalescentes, tocilizumabe ou hidroxicloroquina, especialmente no Grupo Controle. Entretanto, escolhemos um desfecho primário com definições claras, o que reduz a influência da natureza aberta do estudo na avaliação do desfecho.

Se confirmarmos nossa hipótese, de benefício com uso da dexametasona na SDRA causada por infecção pelo SARS-CoV-2, as consequências para a saúde pública serão enormes, especialmente quando se considera a pandemia de COVID-19. Levando em conta o impacto sem precedentes para a saúde global e a falta de leitos de UTI na maioria dos países durante a pandemia, um aumento no número de dias vivo sem uso de VM pode ajudar a diminuir o ônus para os sistemas de saúde em todo o mundo e representar melhora considerável no tratamento da SDRA.

  • Ética e disseminação: Este ensaio foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Um comitê independente de monitoramento de dados realizará análises parciais e avaliará a ocorrência de eventos adversos durante todo o estudo. Os resultados serão submetidos para publicação após a conclusão das fases de inscrição e seguimento.
  • Fonte de financiamento: O presente estudo é financiado pelo Hospital Sírio-Libanês. A empresa farmacêutica Aché forneceu os medicamentos para os pacientes do estudo, porém não terá qualquer participação ou interferência em seu delineamento, nas inscrições, nas análises, na redação do manuscrito ou na publicação.
  • Identificação no ClinicalTrials.gov: NCT04327401.

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Editado por

Editor responsável: Felipe Dal-Pizzol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2020
  • Aceito
    18 Jun 2020
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