Acessibilidade / Reportar erro

Características clínicas e preditores de ventilação mecânica em pacientes com COVID-19 hospitalizados no sul do país

RESUMO

Objetivo:

Descrever as características clínicas e os preditores de ventilação mecânica em pacientes adultos internados com COVID-19.

Métodos:

Conduziu-se um estudo de coorte retrospectiva com inclusão de pacientes hospitalizados entre 17 de março e 3 de maio de 2020, que tiveram o diagnóstico de infecção pelo SARS-CoV-2. As características clínicas e demográficas foram extraídas de registros em prontuário eletrônico.

Resultados:

Incluíram-se no estudo 88 pacientes consecutivos. A mediana da idade dos pacientes foi de 63 anos (IQR: 49 - 71); 59 (67%) pacientes eram do sexo masculino, 65 (86%) tinham educação universitária e 67 (76%) tinham, no mínimo, uma comorbidade. Dentre eles, 29 (33%) pacientes foram admitidos à unidade de terapia intensiva, 18 (20%) necessitaram de ventilação mecânica e nove (10,2%) morreram durante a hospitalização. O tempo mediano de permanência na unidade de terapia intensiva e o tempo mediano de ventilação mecânica foram, respectivamente, de 23 e 29,5 dias. Idade acima ou igual a 65 anos foi fator de risco independente para ventilação mecânica (RC: 8,4; IC95% de 1,3 - 55,6; valor de p = 0,02).

Conclusão:

Nossos achados descrevem a primeira onda de pacientes brasileiros hospitalizados por COVID-19. Em nossa população, idade foi o maior preditor de insuficiência respiratória e necessidade de ventilação mecânica.

Descritores:
COVID-19; Infecções por coronavírus; SARS-CoV-2; Estudos de coorte; Fatores de risco; Respiração artificial; Pandemia

Abstract

Objective:

This study aims to describe the clinical characteristics and predictors of mechanical ventilation of adult inpatients with COVID-19 in a single center.

Methods:

A retrospective cohort study was performed and included adult inpatients hospitalized from March 17th to May 3rd, 2020, who were diagnosed with SARS-CoV-2 infection. Clinical and demographic characteristics were extracted from electronic medical records.

Results:

Overall, 88 consecutive patients were included in this study. The median age of the patients was 63 years (IQR 49 - 71); 59 (67%) were male, 65 (86%) had a college degree and 67 (76%) had at least one comorbidity. Twenty-nine (33%) patients were admitted to the intensive care unit, 18 (20%) patients needed mechanical ventilation, and 9 (10.2%) died during hospitalization. The median length of stay in the intensive care unit and the median duration of mechanical ventilation was 23 and 29.5 days, respectively. An age ≥ 65 years was an independent risk factor for mechanical ventilation (OR 8.4 95%CI 1.3 - 55.6 p = 0.02).

Conclusion:

Our findings describe the first wave of Brazilian patients hospitalized for COVID-19. Age was the strongest predictor of respiratory insufficiency and the need for mechanical ventilation in our population.

Keywords:
COVID-19; Coronavirus infections; SARS-CoV-2; Cohort studies; Risk factors; Respiration, artificial; Pandemics

INTRODUÇÃO

Desde o primeiro relato em Wuhan, na China, em dezembro de 2019, o surto de uma nova cepa de coronavírus, denominada coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), espalhou-se de forma global. A doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19) leva a uma síndrome de desconforto respiratório agudo (SDRA) em cerca de 5% dos pacientes diagnosticados. Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou este surto como pandemia e, até 20 de setembro de 2020, já tinham sido diagnosticados 30.675.657 casos em todo o mundo, com relato de 954.417 óbitos.(11 Cucinotta D, Vanelli M. WHO Declares COVID-19 a Pandemic. Acta Biomed. 2020;91(1):157-60.,22 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease 2019 (COVID-19). Genève: WHO; 2020 [cited 2020 Sept 20]. Available from: https://covid19.who.int/?gclid=EAIaIQobChMIy9zihKj46wIVwYORCh12lgn7EAAYASABEgJeqvD_BwE
https://covid19.who.int/?gclid=EAIaIQobC...
)

O impacto da pandemia na América Latina foi mais tarde, de forma que os dados disponíveis em relação às características e a evolução clínica da doença nesse continente são limitados. O primeiro caso diagnosticado de COVID-19 no Brasil ocorreu em 26 de fevereiro de 2020 na cidade de São Paulo (SP). No estado do Rio Grande do Sul, o primeiro paciente com COVID-19 foi identificado em 10 de março, em Porto Alegre. Como a infecção pelo SARS-CoV-2 foi introduzida no Brasil por indivíduos que viajaram ao exterior, a maior parte dos pacientes diagnosticados nas primeiras semanas da pandemia no Brasil foi de pessoas com condição socioeconômica elevada, admitidos a hospitais privados. Em 20 de setembro de 2020, o Brasil relatou um total de 4.528.240 casos confirmados de COVID-19 e 136.532 óbitos relacionados, o que levou a uma taxa de fatalidade de 3%. No mesmo dia, o estado do Rio Grande do Sul relatou 174.140 casos confirmados de COVID-19 e 4.371 óbitos relacionados, levando a uma taxa de letalidade no estado de 2,5%.(33 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coronavírus Brasil: Painel Coronavírus [Internet]. [cited 2020 Sept 20]. Available from: https://covid.saude.gov.br/.
https://covid.saude.gov.br/...
,44 Brasil. Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul. Coronavírus. COVID-19: Painel Coronavírus RS [Internet]. [cited 2020 Sept 20]. Available from: http://ti.saude.rs.gov.br/covid19/
http://ti.saude.rs.gov.br/covid19/...
)

A pandemia de COVID-19 tem sido associada com uma maior prevalência de complicações em pacientes mais idosos, geralmente consistindo em SDRA, porém também em casos de arritmias, lesão cardíaca aguda e choque. Foi também relatada uma maior prevalência dessas complicações em pacientes com comorbidades, como hipertensão arterial sistêmica, coronariopatia, diabetes mellitus, obesidade, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e asma.(55 CDC COVID-19 Response Team. Preliminary Estimates of the Prevalence of Selected Underlying Health Conditions Among Patients with Coronavirus Disease 2019 - United States, February 12-March 28, 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69(13):382-6.

6 Zhou F, Yu T, Du R, Fan G, Liu Y, Liu Z, et al. Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study. Lancet. 2020;395(10229):1054-62.

7 Onder G, Rezza G, Brusaferro S. Case-Fatality Rate and Characteristics of Patients Dying in Relation to COVID-19 in Italy. JAMA. 2020;323(18):1775-6.

8 McMichael TM, Currie DW, Clark S, Pogosjans S, Kay M, Schwartz NG, Lewis J, Baer A, Kawakami V, Lukoff MD, Ferro J, Brostrom-Smith C, Rea TD, Sayre MR, Riedo FX, Russell D, Hiatt B, Montgomery P, Rao AK, Chow EJ, Tobolowsky F, Hughes MJ, Bardossy AC, Oakley LP, Jacobs JR, Stone ND, Reddy SC, Jernigan JA, Honein MA, Clark TA, Duchin JS; Public Health-Seattle and King County, EvergreenHealth, and CDC COVID-19 Investigation Team. Epidemiology of Covid-19 in a Long-Term Care Facility in King County, Washington. N Engl J Med. 2020;382(21):2005-11.
-99 Chen T, Wu D, Chen H, Yan W, Yang D, Chen G, et al. Clinical characteristics of 113 deceased patients with coronavirus disease 2019: retrospective study. BMJ. 2020;368:m1091.) A enzima conversora de angiotensina 2, ligada à membrana, funciona como receptor para o SAR-CoV-2, o que, em parte, explica alguns desses fatores de risco.(1010 Zhang H, Penninger JM, Li Y, Zhong N, Slutsky AS. Angiotensin-converting enzyme 2 (ACE2) as a SARS-CoV-2 receptor: molecular mechanisms and potential therapeutic target. Intensive Care Med. 2020;46(4):586-90.) Contudo, a epidemiologia, o curso clínico, a patogênese e os fatores de risco relacionados a complicações da COVID-19 ainda não foram completamente compreendidos.

É importante que se obtenha um melhor entendimento da pandemia em todo o mundo, para que se possam estabelecer medidas preventivas e terapêuticas. O objetivo deste estudo foi descrever as características clínicas e os fatores de risco para necessidade de ventilação mecânica (VM) em um hospital privado na Região Sul do país, que foi um dos primeiros a tratar pacientes com COVID-19.

MÉTODOS

Realizamos um estudo de coorte retrospectiva com base na revisão dos prontuários médicos eletrônicos de pacientes hospitalizados entre 17 de março de 2020 e 3 de maio de 2020 no Hospital Moinhos de Vento, um hospital privado localizado em Porto Alegre.

Incluíram-se no estudo todos os pacientes adultos com infecção confirmada por SARS-CoV-2. O diagnóstico foi confirmado por meio de transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR), colhida por meio de swab nasofaríngeo ou orofaríngeo.

A necessidade de VM foi o desfecho primário. A admissão à unidade de terapia intensiva (UTI), o tempo de permanência, a duração da VM e o óbito foram os desfechos secundários analisados em nosso estudo. A partir dos prontuários eletrônicos dos pacientes, obtivemos dados epidemiológicos, demográficos, clínicos, terapêuticos e do desfecho, assim como dados laboratoriais e radiológicos na ocasião da admissão. Como parte da rotina da instituição, durante a pandemia, foi implantado um seguimento que consistiu em uma ligação telefônica para todos os pacientes hospitalizados por COVID-19 dentro de 28 dias (± 3 dias) após a alta. Durante esse contato, avaliou-se a necessidade de nova admissão hospitalar e/ou óbito. Incluíram-se os dados obtidos retrospectivamente dos pacientes admitidos durante o período do estudo. Os resultados de tomografia computadorizada (TC) de tórax foram classificados pelo radiologista responsável como típicos de COVID-19 (opacidades em vidro fosco periféricas bilaterais ou multifocais, com ou sem consolidação ou sinais intralobulares visíveis; sinal do halo reverso ou outros achados de pneumonia em organização), indeterminados, atípicos (se houvesse anomalias, porém sem um padrão típico) ou normais. As TCs de tórax foram avaliadas como fator de risco para nosso desfecho principal, comparando anormalidades em < 50% com ≥ 50% do parênquima pulmonar.

Com relação à análise estatística, as variáveis contínuas e categóricas foram apresentadas como medianas, intervalos interquartis (IQR) e n (%), respectivamente. Utilizou-se o teste de Shapiro-Wilk para normalidade, e considerou-se um alfa de menos de 0,05 como estatisticamente significante. Para análise bivariada, utilizou-se o teste do qui-quadrado de Pearson para variáveis categóricas. Estimou-se a razão de propensão (razão de chance) por meio de regressão logística multivariada. Os modelos foram construídos em sequência hierárquica, com base na revisão da literatura, começando com idade e sexo (modelo 1), acrescentando obesidade e comorbidades (modelo 2) e, no último nível, acrescentando os resultados da TC, proteína C-reativa, linfócitos e dímero-D (modelo 3). Realizou-se uma análise de sensibilidade com três níveis distintos de corte para dímero-D (500ng/mL, 1.500ng/mL e 3.000ng/mL). As análises estatísticas foram conduzidas com utilização do programa Statistical Analysis System (SAS, SAS Institute Inc., Cary, N.C.) versão 9.4.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Moinhos de Vento (protocolo 30749720.4.1001.5330). Foi dispensada a necessidade de se obter um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em razão do delineamento retrospectivo do estudo. Assegurou-se a confidencialidade com relação à identidade dos pacientes.

RESULTADOS

Entre 17 de março de 2020 e 3 de maio de 2020, 88 (60,27%) pacientes foram hospitalizados no Hospital Moinhos de Vento, 29 (32,9%) foram admitidos à UTI e 18 (20,5%) necessitaram de VM invasiva. Nove pacientes (10,2%) morreram durante sua primeira hospitalização. Durante o seguimento, no qual se entrou em contato com os sobreviventes, sete foram hospitalizados dentro de 28 dias após a alta, sendo que um desses pacientes morreu em razão de sepse de origem abdominal.

A maioria dos pacientes (65,9%) relatou três ou mais sintomas, três quartos relataram febre e 71,6% relataram tosse. Cerca de 20% dos pacientes teve saturação de oxigênio inferior a 93% na primeira avaliação no pronto-socorro. A tabela 1 apresenta as características dos pacientes segundo a necessidade de VM. A maioria deles era do sexo masculino (67,1%) e com menos de 65 anos de idade (56,8%). A mediana de idade foi de 63 anos, variando entre 30 e 92 anos (IQR 49 - 71). Quanto às comorbidades, 25,8% eram obesos, e cerca de metade dos pacientes referiu duas ou mais comorbidades. Valores anormais de dímero-D (≥ 500ng/mL) e/ou proteína C-reativa (> 5 mg/L) ocorreram em 43 (53,75%) e 39 (45,35%) pacientes, respectivamente. Tiveram TC anormal 79 pacientes (91,86%). Os parâmetros de VM estão resumidos na tabela 2.

Tabela 1
Características demográficas, socioeconômicas e clínicas
Tabela 2
Parâmetros de ventilação mecânica, exames laboratoriais e radiológicos na admissão

O tempo mediano de permanência foi de 9 dias (5 - 48,5 dias), a duração mediana da permanência na UTI foi de 23 dias (4 - 38 dias) e a duração mediana da VM foi de 29,5 dias (18 - 45 dias). A duração mediana da VM entre os pacientes que morreram e os que sobreviveram foi de 36 (24 - 49) e 20 (18 - 37) dias, respectivamente. Durante a primeira hospitalização, 89,9% e 96,6% dos pacientes receberam, respectivamente, hidroxicloroquina e azitromicina.

Na análise bivariada, idade ≥ 65 anos, presença de comorbidades, dímero-D ≥ 500ng/mL, proteína C-reativa > 5mg/L, linfócitos < 900 células/mm3 e TC do tórax com anormalidades em mais de 50% do parênquima pulmonar se associaram com maior propensão a necessitar de VM. Após ajuste multivariável, apenas idade ≥ 65 anos se associou com o desfecho razão de chance de 8,4 (intervalo de confiança de 95% - IC95% 1,3 - 55,6), como apresentado na tabela 3. Foi realizada uma análise de sensibilidade considerando diferentes níveis de corte para dímero-D. Níveis ≥ 1,500ng/mL se associaram com necessidade de VM na análise bivariada, mas não na análise ajustada (p < 0,01 e 0,38, respectivamente), enquanto níveis ≥ 3.000ng/mL não se associaram com este desfecho em qualquer das análises (p = 0,09 e 0,67, respectivamente).

Tabela 3
Regressão logística para fatores preditores de ventilação mecânica e análises ajustadas

DISCUSSÃO

Ao que é do conhecimento dos autores, este é um dos primeiros relatos a descrever dados clínicos e demográficos e avaliar os fatores de risco para complicações de COVID-19 no Brasil e na América Latina. Identificamos que idade mais avançada foi um importante fator de risco para necessidade de VM.

A maioria de nossos pacientes era do sexo masculino (67%), semelhantemente ao relatado por estudos prévios.(1111 Backer JA, Klinkenberg D, Wallinga J. Incubation period of 2019 novel coronavirus (2019-nCoV) infections among travellers from Wuhan, China, 20-28 January 2020. Euro Surveill. 2020;25(5):2000062.,1212 Chen J, Qi T, Liu L, Ling Y, Qian Z, Li T, et al. Clinical progression of patients with COVID-19 in Shanghai, China. J Infect. 2020;80(5):e1-e6.) Em sua maioria, eram pacientes caucasianos, com elevado nível educacional, o que não reflete os dados sociodemográficos do Brasil. Com relação à idade dos pacientes, a mediana foi de 63 anos, semelhante a de estudos prévios.(1111 Backer JA, Klinkenberg D, Wallinga J. Incubation period of 2019 novel coronavirus (2019-nCoV) infections among travellers from Wuhan, China, 20-28 January 2020. Euro Surveill. 2020;25(5):2000062.

12 Chen J, Qi T, Liu L, Ling Y, Qian Z, Li T, et al. Clinical progression of patients with COVID-19 in Shanghai, China. J Infect. 2020;80(5):e1-e6.

13 Li Q, Guan X, Wu P, Wang X, Zhou L, Tong Y, et al. Early Transmission Dynamics in Wuhan, China, of Novel Coronavirus-Infected Pneumonia. N Engl J Med. 2020;382(13):1199-207.
-1414 Chen N, Zhou M, Dong X, Qu J, Gong F, Han Y, et al. Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. Lancet. 2020;395(10223):507-13.) Durante 2019, 96,9% dos nossos pacientes admitidos eram caucasianos, o que pode estar relacionado a fatores demográficos, econômicos e socioculturais. Há alguns dados disponíveis sobre COVID-19 e origem étnica, sendo que alguns estudos sugerem que indivíduos não brancos teriam um maior risco de óbito.(55 CDC COVID-19 Response Team. Preliminary Estimates of the Prevalence of Selected Underlying Health Conditions Among Patients with Coronavirus Disease 2019 - United States, February 12-March 28, 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69(13):382-6.,77 Onder G, Rezza G, Brusaferro S. Case-Fatality Rate and Characteristics of Patients Dying in Relation to COVID-19 in Italy. JAMA. 2020;323(18):1775-6.,1515 Grasselli G, Pesenti A, Cecconi M. Critical Care Utilization for the COVID-19 Outbreak in Lombardy, Italy: Early Experience and Forecast During an Emergency Response. JAMA. 2020;323(16):1545-6.

16 Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and important lessons from the coronavirus disease 2019 (COVID-19) outbreak in China: Summary of a report of 72?314 cases from the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA. 2020;323(13):1239-42.
-1717 Williamson EJ, Walker AJ, Bhaskaran K, Bacon S, Bates C, Morton CE, et al. Factors associated with COVID-19-related death using OpenSAFELY. Nature. 2020;584(7821):430-6.)

Desde o início da pandemia de COVID-19, idade mais avançada teve associação consistente com maior risco de complicações. A presença de comorbidades, especialmente hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, coronariopatia, DPOC, doenças malignas, e obesidade, associou-se com prognóstico pior e óbito. Contudo, muitos estudos originais e revisões sistemáticas até aqui com dados incompletos em relação aos desfechos e às comorbidades não tiveram ajustes para fatores de confusão. Semelhantemente aos nossos achados, em um estudo que revisou 191 pacientes durante o início da pandemia na China, idade mais avançada, mas não comorbidades, associou-se com maior risco de morte após ajuste quanto a fatores de confusão.(66 Zhou F, Yu T, Du R, Fan G, Liu Y, Liu Z, et al. Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study. Lancet. 2020;395(10229):1054-62.) Em uma revisão sistemática que avaliou o impacto do diabetes mellitus como fator de risco para complicações de COVID-19, identificaram-se idade e hipertensão arterial sistêmica como importantes fatores de confusão.(1818 Huang I, Lim MA, Pranata R. Diabetes mellitus is associated with increased mortality and severity of disease in COVID-19 pneumonia - A systematic review, meta-analysis, and meta-regression. Diabetes Metab Syndr. 2020;14(4):395-403.) Entretanto, estudo chinês posterior, que incluiu 1.590 pacientes, mostrou que hipertensão arterial sistêmica (hazards ratio - HR 1,5; IC95% 1,0 - 2,3), diabetes mellitus (HR 1,5; IC95% 1,0 - 2,4), DPOC (HR 2,6; IC95% 1,44 - 5,0) e doença oncológica (HR 3,5; IC95% 1,6 - 7,6) tiveram associação independente com admissão à UTI, VM e óbito.(1919 Guan WJ, Liang WH, Zhao Y, Liang HR, Chen ZS, Li YM, Liu XQ, Chen RC, Tang CL, Wang T, Ou CQ, Li L, Chen PY, Sang L, Wang W, Li JF, Li CC, Ou LM, Cheng B, Xiong S, Ni ZY, Xiang J, Hu Y, Liu L, Shan H, Lei CL, Peng YX, Wei L, Liu Y, Hu YH, Peng P, Wang JM, Liu JY, Chen Z, Li G, Zheng ZJ, Qiu SQ, Luo J, Ye CJ, Zhu SY, Cheng LL, Ye F, Li SY, Zheng JP, Zhang NF, Zhong NS, He JX; China Medical Treatment Expert Group for COVID-19. Comorbidity and its impact on 1590 patients with COVID-19 in China: a nationwide analysis. Eur Respir J. 2020;55(5):2000547.) Esses resultados podem sugerir que as comorbidades têm impacto no prognóstico, porém menos do que a idade mais avançada. Nossos achados de que a idade acima de 65 anos foi o único preditor para necessidade de VM se alinham com esse raciocínio, e pode ser necessária uma amostra maior, para avaliar o impacto das comorbidades.

A letalidade durante a primeira hospitalização em nossa amostra foi de 10,2%. As taxas gerais de letalidade relatadas foram de aproximadamente 2% a 3%, porém chegaram a 21% entre pacientes hospitalizados.(1616 Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and important lessons from the coronavirus disease 2019 (COVID-19) outbreak in China: Summary of a report of 72?314 cases from the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA. 2020;323(13):1239-42.,2020 Richardson S, Hirsch JS, Narasimhan M, Crawford JM, McGinn T, Davidson KW; the Northwell COVID-19 Research Consortium, et al. Presenting characteristics, comorbidities, and outcomes among 5700 patients hospitalized with COVID-19 in the New York City Area. JAMA. 2020;323(20):2052-9.) Uma amostra de 88 pacientes em um único centro no início da pandemia pode limitar a validade externa dos nossos achados. Mais ainda, muitos fatores, como a pirâmide etária local e mesmo a vacinação com BCG, podem ter afetado esse resultado.(2121 Gursel M, Gursel I. Is global BCG vaccination-induced trained immunity relevant to the progression of SARS-CoV-2 pandemic? Allergy. 2020;75(7):1815-9.,2222 O'Neill LA, Netea MG. BCG-induced trained immunity: can it offer protection against COVID-19? Nat Rev Immunol. 2020;20(6):335-7.)

A duração mediana da VM de 29,5 dias reforça a longa duração da COVID-19 grave relatada por estudos prévios.(2323 Wang D, Hu B, Hu C, Zhu F, Liu X, Zhang J, et al. Clinical characteristics of 138 hospitalized patients with 2019 novel coronavirus-infected pneumonia in Wuhan, China. JAMA. 2020;323(11):1061-9.) Entretanto, até onde sabemos, nenhum estudo prévio relatou duração da VM tão longa quanto a de nosso relato, sugerindo que as características e a qualidade dos cuidados em nosso hospital contribuíram para esse achado. O curso prolongado da COVID-19 justifica as preocupações com um colapso do sistema de saúde em cenários epidemiológicos de crescimento rápido no número de novos casos, assim como os esforços globais para manter o distanciamento social.(2424 Fauci AS, Lane HC, Redfield RR. Covid-19 - navigating the uncharted. N Engl J Med. 2020;382(13):1268-9.)

Quanto aos achados na TC do tórax, mais de 91,86% dos pacientes hospitalizados apresentaram anormalidades, como opacidades periféricas em vidro fosco. Em um dos primeiros estudos de Wuhan que incluiu 90 pacientes, obtiveram-se achados similares em 72% dos pacientes, enquanto derrame pleural e pericárdico foram achados incomuns, como no presente estudo.(2525 Xu X, Yu C, Qu J, Zhang L, Jiang S, Huang D, et al. Imaging and clinical features of patients with 2019 novel coronavirus SARS-CoV-2. Eur J Nucl Med Mol Imaging. 2020;47(5):1275-80.) Opacidades em vidro fosco também foram demonstradas em 77% dos pacientes de uma coorte de Song et al., assim como consolidação e espessamento septal interlobular, respectivamente, em 59% e 75% desses pacientes.(2626 Song F, Shi N, Shan F, Zhang Z, Shen J, Lu H, et al. Emerging 2019 Novel Coronavirus (2019-nCoV pneumonia. Radiology. 2020;295(1):210-7.)

Este estudo tem diversas limitações. Primeiramente, o tamanho da amostra pode ter diminuído o poder do ajuste da análise dos fatores de risco para necessidade de VM, particularmente para fatores de risco menos fortemente associados com complicações do que a idade mais avançada. Contudo, independentemente da análise estatística, a descrição das características clínicas e demográficas de uma das primeiras coortes latino-americanas contribui para o conhecimento a respeito da pandemia. Mais ainda, a análise ajustada permitiu esclarecer que alguns potenciais fatores de risco identificados na análise bivariada não tiveram associação com o prognóstico. Em segundo lugar, o número de óbitos, principal desfecho em muitos trabalhos, limita a análise desse desfecho. Entretanto, a necessidade de VM é um dos melhores marcadores de doença crítica, particularmente SDRA, e suas indicações clínicas são menos sujeitas a viés. Em terceiro lugar, em razão do delineamento retrospectivo, algumas variáveis como exames laboratoriais podem não ter sido colhidas de forma sistemática ou podem estar disponíveis em momentos diferentes da evolução da doença. Apesar disso, a maior de nossos preditores não está sujeita a esse viés. Em quarto lugar, é improvável que uma pequena série de casos de um único hospital privado sem fins lucrativos reflita o sistema de saúde de um país de tamanho continental.

CONCLUSÃO

Este estudo fornece dados originais e precoces da pandemia de COVID-19 no Brasil, oferecendo dados clínicos elucidativos, como as características dos pacientes e os fatores de risco para complicações relacionadas à COVID-19 em pacientes de nosso país. Em termos de preditores de severidade, idade mais avançada foi a única variável independentemente associada com necessidade de ventilação mecânica. São necessários mais estudos com amostras maiores para melhor compreender a COVID-19 e os fatores de risco para complicações num país em desenvolvimento como o Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Cucinotta D, Vanelli M. WHO Declares COVID-19 a Pandemic. Acta Biomed. 2020;91(1):157-60.
  • 2
    World Health Organization (WHO). Coronavirus disease 2019 (COVID-19). Genève: WHO; 2020 [cited 2020 Sept 20]. Available from: https://covid19.who.int/?gclid=EAIaIQobChMIy9zihKj46wIVwYORCh12lgn7EAAYASABEgJeqvD_BwE
    » https://covid19.who.int/?gclid=EAIaIQobChMIy9zihKj46wIVwYORCh12lgn7EAAYASABEgJeqvD_BwE
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coronavírus Brasil: Painel Coronavírus [Internet]. [cited 2020 Sept 20]. Available from: https://covid.saude.gov.br/
    » https://covid.saude.gov.br/
  • 4
    Brasil. Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul. Coronavírus. COVID-19: Painel Coronavírus RS [Internet]. [cited 2020 Sept 20]. Available from: http://ti.saude.rs.gov.br/covid19/
    » http://ti.saude.rs.gov.br/covid19/
  • 5
    CDC COVID-19 Response Team. Preliminary Estimates of the Prevalence of Selected Underlying Health Conditions Among Patients with Coronavirus Disease 2019 - United States, February 12-March 28, 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69(13):382-6.
  • 6
    Zhou F, Yu T, Du R, Fan G, Liu Y, Liu Z, et al. Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study. Lancet. 2020;395(10229):1054-62.
  • 7
    Onder G, Rezza G, Brusaferro S. Case-Fatality Rate and Characteristics of Patients Dying in Relation to COVID-19 in Italy. JAMA. 2020;323(18):1775-6.
  • 8
    McMichael TM, Currie DW, Clark S, Pogosjans S, Kay M, Schwartz NG, Lewis J, Baer A, Kawakami V, Lukoff MD, Ferro J, Brostrom-Smith C, Rea TD, Sayre MR, Riedo FX, Russell D, Hiatt B, Montgomery P, Rao AK, Chow EJ, Tobolowsky F, Hughes MJ, Bardossy AC, Oakley LP, Jacobs JR, Stone ND, Reddy SC, Jernigan JA, Honein MA, Clark TA, Duchin JS; Public Health-Seattle and King County, EvergreenHealth, and CDC COVID-19 Investigation Team. Epidemiology of Covid-19 in a Long-Term Care Facility in King County, Washington. N Engl J Med. 2020;382(21):2005-11.
  • 9
    Chen T, Wu D, Chen H, Yan W, Yang D, Chen G, et al. Clinical characteristics of 113 deceased patients with coronavirus disease 2019: retrospective study. BMJ. 2020;368:m1091.
  • 10
    Zhang H, Penninger JM, Li Y, Zhong N, Slutsky AS. Angiotensin-converting enzyme 2 (ACE2) as a SARS-CoV-2 receptor: molecular mechanisms and potential therapeutic target. Intensive Care Med. 2020;46(4):586-90.
  • 11
    Backer JA, Klinkenberg D, Wallinga J. Incubation period of 2019 novel coronavirus (2019-nCoV) infections among travellers from Wuhan, China, 20-28 January 2020. Euro Surveill. 2020;25(5):2000062.
  • 12
    Chen J, Qi T, Liu L, Ling Y, Qian Z, Li T, et al. Clinical progression of patients with COVID-19 in Shanghai, China. J Infect. 2020;80(5):e1-e6.
  • 13
    Li Q, Guan X, Wu P, Wang X, Zhou L, Tong Y, et al. Early Transmission Dynamics in Wuhan, China, of Novel Coronavirus-Infected Pneumonia. N Engl J Med. 2020;382(13):1199-207.
  • 14
    Chen N, Zhou M, Dong X, Qu J, Gong F, Han Y, et al. Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. Lancet. 2020;395(10223):507-13.
  • 15
    Grasselli G, Pesenti A, Cecconi M. Critical Care Utilization for the COVID-19 Outbreak in Lombardy, Italy: Early Experience and Forecast During an Emergency Response. JAMA. 2020;323(16):1545-6.
  • 16
    Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and important lessons from the coronavirus disease 2019 (COVID-19) outbreak in China: Summary of a report of 72?314 cases from the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA. 2020;323(13):1239-42.
  • 17
    Williamson EJ, Walker AJ, Bhaskaran K, Bacon S, Bates C, Morton CE, et al. Factors associated with COVID-19-related death using OpenSAFELY. Nature. 2020;584(7821):430-6.
  • 18
    Huang I, Lim MA, Pranata R. Diabetes mellitus is associated with increased mortality and severity of disease in COVID-19 pneumonia - A systematic review, meta-analysis, and meta-regression. Diabetes Metab Syndr. 2020;14(4):395-403.
  • 19
    Guan WJ, Liang WH, Zhao Y, Liang HR, Chen ZS, Li YM, Liu XQ, Chen RC, Tang CL, Wang T, Ou CQ, Li L, Chen PY, Sang L, Wang W, Li JF, Li CC, Ou LM, Cheng B, Xiong S, Ni ZY, Xiang J, Hu Y, Liu L, Shan H, Lei CL, Peng YX, Wei L, Liu Y, Hu YH, Peng P, Wang JM, Liu JY, Chen Z, Li G, Zheng ZJ, Qiu SQ, Luo J, Ye CJ, Zhu SY, Cheng LL, Ye F, Li SY, Zheng JP, Zhang NF, Zhong NS, He JX; China Medical Treatment Expert Group for COVID-19. Comorbidity and its impact on 1590 patients with COVID-19 in China: a nationwide analysis. Eur Respir J. 2020;55(5):2000547.
  • 20
    Richardson S, Hirsch JS, Narasimhan M, Crawford JM, McGinn T, Davidson KW; the Northwell COVID-19 Research Consortium, et al. Presenting characteristics, comorbidities, and outcomes among 5700 patients hospitalized with COVID-19 in the New York City Area. JAMA. 2020;323(20):2052-9.
  • 21
    Gursel M, Gursel I. Is global BCG vaccination-induced trained immunity relevant to the progression of SARS-CoV-2 pandemic? Allergy. 2020;75(7):1815-9.
  • 22
    O'Neill LA, Netea MG. BCG-induced trained immunity: can it offer protection against COVID-19? Nat Rev Immunol. 2020;20(6):335-7.
  • 23
    Wang D, Hu B, Hu C, Zhu F, Liu X, Zhang J, et al. Clinical characteristics of 138 hospitalized patients with 2019 novel coronavirus-infected pneumonia in Wuhan, China. JAMA. 2020;323(11):1061-9.
  • 24
    Fauci AS, Lane HC, Redfield RR. Covid-19 - navigating the uncharted. N Engl J Med. 2020;382(13):1268-9.
  • 25
    Xu X, Yu C, Qu J, Zhang L, Jiang S, Huang D, et al. Imaging and clinical features of patients with 2019 novel coronavirus SARS-CoV-2. Eur J Nucl Med Mol Imaging. 2020;47(5):1275-80.
  • 26
    Song F, Shi N, Shan F, Zhang Z, Shen J, Lu H, et al. Emerging 2019 Novel Coronavirus (2019-nCoV pneumonia. Radiology. 2020;295(1):210-7.

Editado por

Editor responsável: Alexandre Biasi Cavalcanti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2020
  • Aceito
    10 Out 2020
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br