Eficácia e segurança da milrinona no tratamento do vasoespasmo cerebral após hemorragia subaracnóidea: uma revisão sistemática

RESUMO

Objetivo:

Revisar sistematicamente a evidência atual da eficácia de milrinona no tratamento do vasoespasmo cerebral após hemorragia subaracnóidea.

Métodos:

Triaram-se as bases de dados Pubmed®, Cochrane e Embase quanto a artigos publicados entre abril de 2001 e fevereiro de 2019. Dois revisores independentes realizaram uma triagem metodológica da qualidade e a extração dos dados dos estudos.

Resultados:

Encontraram-se 22 estudos considerados relevantes, sendo que apenas um deles era um ensaio randomizado controlado. Os estudos demonstraram acentuada heterogeneidade e debilidade de seus critérios metodológicos. A maioria dos pacientes apresentava vasoespasmo moderado a grave. O principal método para diagnóstico do vasoespasmo foi a angiografia. Em três estudos, realizou-se administração de milrinona por via intra-arterial; em nove estudos, a administração foi endovenosa, e, em seis estudos, utilizaram-se ambas as vias de administração. A via intratecal foi utilizada em dois estudos, em um estudo, a administração foi realizada via cisterna e, em um estudo, a via de administração foi a endovascular. Os efeitos colaterais de milrinona foram descritos em seis estudos. Vinte e um estudos indicaram a resolução do vasoespasmo.

Conclusão:

A evidência atual indica que o uso de milrinona teve um papel no tratamento do vasoespasmo após hemorragia subaracnóidea aneurismática. Contudo, só foi realizado um ensaio randomizado controlado, com baixo nível de qualidade. Nossos achados indicam a necessidade de futuros estudos randomizados controlados com desfechos centrados no paciente, com o fim de proporcionar recomendações definitivas.

Descritores:
Milrinona; Hemorragia subaracnóidea; Vasoespasmo intracraniano

ABSTRACT

Objective:

To systematically review the current evidence on the efficacy of milrinone in the treatment of cerebral vasospasm after subarachnoid hemorrhage.

Methods:

The Pubmed^®, Cochrane and Embase databases were screened for articles published from April 2001 to February 2019. Two independent reviewers performed the methodological quality screening and data extraction of the studies.

Results:

Twenty-two studies were found to be relevant, and only one of these was a randomized control trial. Studies showed marked heterogeneity and weaknesses in key methodological criteria. Most patients presented with moderate to severe vasospasm. Angiography was the main method of diagnosing vasospasm. Intra-arterial administration of milrinone was performed in three studies, intravenous administration was performed in nine studies, and both routes of administration in six studies; the intrathecal route was used in two studies, the cisternal route in one study and endovascular administration in one study. The side effects of milrinone were described in six studies. Twenty-one studies indicated resolution of vasospasm.

Conclusion:

The current evidence indicates that milrinone may have a role in treatment of vasospasm after aneurysmal subarachnoid hemorrhage. However, only one randomized control trial was performed, with a low quality level. Our findings indicate the need for future randomized control trials with patient-centered outcomes to provide definitive recommendations.

Keywords:
Milrinone; Subarachnoid hemorrhage; Vasospasm, intracranial

INTRODUÇÃO

A hemorragia subaracnóidea aneurismática (HSAa) apresenta elevadas taxas de mortalidade e morbidade, a despeito de técnicas cirúrgicas modernas, novas modalidades de exames de imagem e melhores processos no cuidado desses pacientes.⁽¹⁾ A HSAa se associa com condições sistêmicas, como choque cardiogênico, comprometimentos da motilidade intestinal e edema pulmonar.^(2-4) Hidrocefalia, edema, hipertensão intracraniana e isquemia cerebral retardada (ICR) são comuns como resultado do vasoespasmo e constituem complicações sérias após uma hemorragia subaracnóidea.^(5,6) A taxa de mortalidade é próxima a 50%, e apenas 14% dos pacientes sobrevivem sem alguma sequela.^(1,5)

O vasoespasmo é a complicação mais importante, levando a aumento da mortalidade e morbidade após o evento inicial em pacientes com HSAa,⁽⁷⁾ e permanece como o principal fator associado à ICR.^(5,7,8) Essa condição geralmente se inicia entre o quarto e o décimo-segundo dias e surge em cerca de 70% dos pacientes que sobrevivem ao primeiro dia após uma HSAa.^(9,10)

O vasoespasmo cerebral se associa com mecanismos complexos, como ruptura da barreira hematoencefálica, microtrombose, despolarização cortical disseminada e perda da autorregulação cerebral.^(11,12) Entretanto, as vias fisiopatológicas exatas ainda são obscuras, de forma que é difícil definir o melhor tratamento para essa condição.⁽¹³⁾

Desenvolveram-se muitos estudos para estabelecer uma terapia segura e eficaz para o vasoespasmo.^(9,12,14) Além do monitoramento neurológico contínuo, o uso de nimodipino, em associação com euvolemia e hipertensão, persiste como tratamento padrão para prevenção da ICR.⁽¹²⁾ Embora o mecanismo exato de nimodipino não seja conhecido, esse fármaco melhora os desfechos neurológicos e contribui para a redução das taxas de mortalidade.⁽¹⁵⁾

Desde 2001, o uso de milrinona vem sendo relatado para o tratamento de vasoespasmo.⁽¹⁶⁾ A milrinona é um fármaco inibidor da fosfodiesterase, um vasodilatador não catecolamina e não glicosídeo, com efeito inotrópico positivo.⁽¹⁷⁾ O papel da milrinona no tratamento do vasoespasmo foi descrito em estudos retrospectivos e muitos relatos de caso. Contudo, ainda não se conhecem a segurança e a eficácia dessa terapia.

Neste estudo, revisamos de forma sistemática a literatura para avaliar a eficácia e a segurança da administração da milrinona para o tratamento do vasoespasmo cerebral após hemorragia subaracnóidea.

MÉTODOS

Conduzimos uma pesquisa eletrônica nas bases de dados Pubmed®, Cochrane e Excerpta Medica dataBASE (Embase) sem restrições quanto ao ano de publicação. Essa busca foi realizada em agosto de 2019 e incluiu estudos publicados entre abril de 2001 e fevereiro de 2019. A estratégia de busca utilizada foi: ("Vasospasm" [MeSH term] OR "Intracranial Vasospasm" OR "Intracranial Vasospasms" OR "Intracranial Vascular Spasm" OR "Intracranial Vascular Spasms" OR "Intracranial Angiospasm" OR "Intracranial Angiospasms" OR "Cerebral Vasospasm" OR "Cerebral Vasospasms" OR "Cerebrovascular Spasm" OR "Cerebrovascular Spasms" OR "Cerebral Angiospasm" OR "Cerebral Angiospasms" OR "Cerebral Artery Spasm" OR "Cerebral Artery Spasms") AND ("Subarachnoid Hemorrhage" [MeSH term] OR "Subarachnoid Hemorrhages" OR "Aneurysmal Subarachnoid Hemorrhage" OR "Aneurysmal Subarachnoid Hemorrhages" OR "Spontaneous Subarachnoid Hemorrhage" OR "Spontaneous Subarachnoid Hemorrhages" OR "Perinatal Subarachnoid Hemorrhage" OR "Perinatal Subarachnoid Hemorrhages" OR "Intracranial Subarachnoid Hemorrhage" OR "Intracranial Subarachnoid Hemorrhages") AND ("Milrinone" [MeSH term] OR "Win-47203" OR "Win 47203" OR "Win47203" OR "Primacor" OR "Corotrope" OR "Corotrop" OR "Lactate").

Os estudos foram incluídos se publicados em inglês, com seres humanos, incluindo pacientes afetados por hemorragia subaracnóidea (traumática ou aneurismática), pacientes tratados com milrinona (por administração arterial, venosa, cisternal ou intratecal) e sem restrições quanto a idade, sexo, severidade do vasoespasmo e ano de publicação. Excluíram-se os estudos realizados em animais e de revisão.

A extração dos dados foi realizada com utilização do sistema State of the Art through Systematic Review (StArt).⁽¹⁸⁾ Todos os artigos foram revisados por dois autores independentes, e os conflitos foram resolvidos por consenso entre os autores. Utilizamos a listagem Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta- Analyses (PRISMA) para melhorar o relato desta revisão sistemática.⁽¹⁹⁾ A qualidade da evidência foi avaliada pelo sistema Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation (GRADE).⁽²⁰⁾ A confiança geral foi classificada como Níveis de Evidência alto, moderado ou baixo^(20,21) (^{Apêndice 1}).

Extraímos os seguintes dados: ano de publicação, número de centros, delineamento do estudo, sexo do paciente, idade, escala Fisher, escala de Hunt & Hess, grau do vasoespasmo, causa do vasoespasmo, localização do aneurisma, número de pacientes, vias de administração (venosa ou arterial), dose, efeitos adversos, ferramenta diagnóstica, ferramenta de triagem e eficácia.

Considerando a heterogeneidade dos estudos, não foi possível realizar uma metanálise, e se conduziu uma revisão sistemática descritiva.

RESULTADOS

Seleção dos estudos

Os detalhes referentes aos processos de busca e seleção podem ser encontrados na figura 1. Obtivemos 77 artigos, e 55 foram excluídos por diversas razões, permanecendo 22 artigos disponíveis para a revisão sistemática.

Figura 1
Diagrama dos processos de busca e seleção do estudo.

Dentre os 22 estudos elegíveis para a revisão,^{(1,5,14,16,22-39)} seis representavam estudos observacionais, retrospectivos, não controlados,^{(1,5,16,22-29,36-38)} um artigo se referia a um estudo observacional retrospectivo controlado,⁽³¹⁾ e apenas um dos estudos era um ensaio randomizado controlado (RCT).⁽³⁹⁾ Todos os estudos foram realizados em centro único.

Características dos estudos

As características dos estudos estão listadas na tabela 1. O tamanho das amostras variou de 1 a 142 pacientes. Foram avaliados em todos os estudos 641 pacientes, 387 (60,3%) dos quais eram do sexo feminino, com média de idade de 52,4 (23 - 82). Envolveram pacientes com HSAa 19 estudos,^{(1,5,14,16,23,24,25,27-37,39)} um estudo envolveu um paciente com hemorragia subaracnóidea pré-truncal,⁽²²⁾ um estudo avaliou pacientes com hemorragia subaracnóidea traumática,⁽²⁶⁾ e um estudo não descreveu a etiologia da hemorragia subaracnóidea.⁽³⁸⁾ A localização do aneurisma variou entre todos os estudos (Tabela 1). Na maioria dos estudos, utilizaram-se as escalas de Fisher e de Hunt & Hess para avaliar os pacientes. O grau da hemorragia subaracnóidea, segundo a escala de Fisher foi descrito em 19 estudos,^{(1,5,14,16,22-29,31,33,34,36-39)} e 18 desses estudos^{(1,5,14,16,23-29,31,33,34,36-39)} incluíram pacientes com hemorragia subaracnóidea moderada a grave (Fisher 3 - 4).

Tabela 1
Características das publicações identificadas examinando a eficácia e a segurança de milrinona no vasoespasmo cerebral após hemorragia subaracnóidea

Estudo	Delineamento	n	Idade média (DP )	Sexo feminino n (%)	Fisher	Hunt & Hess	Etiologia	Localização do aneurisma	Via	Posologia	Método de triagem	Método de confirmação	Principais resultados
Romero et al.(1)	Observacional, não controlado, prospectivo	8	50 ± 10	1 (12,5)	3 - 4	NA	Aneurisma	Pcom: 3 Acom: 2 ACM: 2 ACI: 1	IA	Infusão 0,25mg/minuto, máximo 15mg	DTC	Angiografia	Todos os pacientes tiveram resposta angiográfica significante (>20% de diminuição na estenose) após milrinona
Fraticelli et al.(5)	Observacional, não controlado, prospectivo	22	45 ± 11	15 (68,1)	2 - 4	NA	Aneurisma	Pcom: ACM: 5 AB: 2 Acom: 7 ACA: 2 ACI: 1 Não disponível: 1	IA/IV	Infusão 8mg IA e 0,5-1,5mcg/kg/minuto IV	DTC	Angiografia	Administração intra-arterial de milrinona resultou em aumento de 37% - 53% de aumento no diâmetro arterial
Shankar et al.(14)	Observacional, não controlado, retrospectivo	14	52,7 (31 - 68)	11 (78,5)	3 - 4	1 - 5	Aneurisma	Acom: 6 ACM: 3 ACI: 2 Pcom: 3	IA	Máximo 1,13mg/kg/dia	DTC	Angiografia	2/3 dos pacientes tratados tiveram desfecho neurológico favorável
Arakawa et al.(16)	Observacional, não controlado, prospectivo	7	60,6 ± 10,9	4 (57,1)	2 - 3	NA	Aneurisma	Acom: 5 ACI/Pcom/ ACM: 1 ACI: 1	IA/IV	Infusão 4 - 15mg IA e 0,5 - 0,75mg/kg/minuto IV	Angiografia ou DTC	Angiografia e TC	O diâmetro médio da ACM aumentou de 1,29 ± 0,48mm para 1,83 ± 0,46mm no segmento M1 e de 0,83 ± 0,24mm para 1,49 ± 0,25mm no segmento M2
Alturki et al.(22)	Observacional, não controlado, prospectivo	1	42	1(100)	2	2	Pré-truncal	Não aneurisma	IV	Bolo de 5 mg e infusão de 0,5mcg/kg/minuto Após 4 dias: infusão 0,25mcg/kg/minuto por 24 horas	Angiografia	Angiografia	O paciente recebeu alta em condições estáveis sem défice neurológico
Anand et al.(23)	Observacional, não controlado, prospectivo	1	45	1 (100)	3	NA	Aneurisma	Acom	IA/IV	3 sessões de 10mg IA seguidas de 1mcg/kg/minuto IV	Angiografia	Angiografia	O paciente teve recuperação completa sem défices neurológicos
Zeiler et al.(24)	Observacional, não controlado, prospectivo	1	66	1 (100)	4	4	Aneurisma	ACAE	IV	Infusão de 5mg seguida por 0,75mcg/kg/minuto	Angiografia	Angiografia	Dentro de minutos após a infusão, o paciente teve resolução dos défices neurológicos
Wu et al.(25)	Observacional, não controlado, prospectivo	1	40	1 (100)	4	3	Aneurisma	ACS e Pcom	IV	0,75mcg/kg/minuto	Angiografia	TC	Paciente desenvolveu cardiomiopatia e arritmia
Lasry et al.(26)	Observacional, não controlado, prospectivo	2	64	1 (50)	3	2 - 3	Traumático	NA	IV	Bolo de 0,1mg/kg e infusão de 0,75mcg/kg/minuto	NA	Angiografia e TC	Melhora dos défices neurológicos em ambos os pacientes tratados
Genonceaux et al.(27)	Observacional, não controlado, prospectivo	1	46	1 (100)	3	3	Aneurisma	Pcom	IA/IV	Infusão 10mg IA e 0,5mcg/kg/minuto IV	DTC	DTC	Melhora da consciência após administração de milrinona
Lannes et al.(28)	Observacional, não controlado, prospectivo	88	53,4 (34 - 78)	69 (78,4)	1 - 4	1 - 5	Aneurisma	ACA: 10 Acom: 32 AB: 3 ACI: 2 ACM: 14 Pcom: 22 Outras artérias: 5	IV	Bolo 0,1 - 0,2mg/kg Infusão 0,75 - 1,25mcg/kg/minuto	Angiografia ou DTC	Angiografia ou DTC	48,9% dos pacientes puderam voltar a suas atividades prévias e 75% tiveram desfecho bom. Não se observaram efeitos colaterais significantes nem complicações clínicas associadas com o protocolo
Sherif et al.(29)	Observacional, não controlado, prospectivo	16	NA	NA	2 - 4	1 - 4	Aneurisma	ACA: 6 ACI: 6 ACM: 2 AB: 1 ACPI: 1	EV	4 - 8mg	DTC	DTC	Ocorreram melhora angiográfica dos diâmetros dos vasos em 87,5% dos pacientes e melhora dos défices neurológicos em 68,5% dos pacientes
Hejčl et al.(30)	Observacional, não controlado, retrospectivo	34	51 (23 - 73)	27 (79,4)	NA	NA	Aneurisma	ACA:14 ACM: 13 ACI: 6 AB: 1	IV	Infusão contínua 8mg com 0,5 - 1,5mcg/kg/minuto por no máximo 2 semanas	DTC	Angiografia	Os resultados angiográficos mostraram diminuição do vasoespasmo em 92% dos pacientes
Koyanagi et al.(31)	Observacional, controlado, retrospectivo	142	62 (51 - 72)	104 (73,2)	4	5	Aneurisma	ACA: 55 ACI: 39 ACM: 38 CP: 10	IT	0,87mg	Angiografia	Angiografia	Ocorreram menos eventos de ICR (4% versus 14%) nos pacientes tratados com milrinona por via intratecal em comparação com os tratados sem essa intervenção
Schmidt et al.(32)	Observacional, não controlado, retrospectivo	73	52 (33 - 82)	50 (68,4)	NA	NA	Aneurisma	NA	IA	NA	DTC	Angiografia	Em 91% dos casos ocorreu melhora do vasoespasmo. A mortalidade em 30 dias foi de 11%
Duman et al.(33)	Observacional, não controlado, retrospectivo	25	59,3 ± 9,8	18 (72)	1 - 4	NA	Aneurisma	ACM: 32% ACI: 24% ACA: 40% ACPI: 4%	IA/IV	Máximo 10 - 16mg de milrinona	Angiografia	Angiografia	No vasoespasmo refratário, altas doses de milrinona levaram à melhora do vasoespasmo
Arakawa et al.(34)	Observacional, não controlado, retrospectivo	12	64,9 ± 13,8	7 (58,3)	3 - 4	NA	Aneurisma	AB: 2 Acom: 4 ACM: 2 AV: 1 ACI: 1 ACI/Pcom: 1 AB/ACS: 1	C	Infusão 3,6mg/mL 30mL/hora por 2 semanas	NA	Angiografia	Vasoespasmo angiográfico resolvido em 9 dos 11 pacientes que receberam administração de milrinona
Sadamasa et al.(35)	Observacional, não controlado, retrospectivo	425	NA	NA	NA	NA	Aneurisma	CA: 492 PC: 78	IT	0,87mg	NA	NA	Observou-se retardo do défice neurológico isquêmico em 16,0% dos pacientes; ICR observada em 7,1%, e a mortalidade global foi de 7,2% após tratamento com milrinona
Santos-Teles et al.(36)	Observacional, não controlado, prospectivo	1	63	1 (100)	4	5	Aneurisma	NA	IV	Infusão 0,75mcg/kg/minuto IV	DTC	DTC	O DTC realizado após administração de milrinona mostrou redução no fluxo sanguíneo cerebral compatível com ausência de vasoespasmo
Crespy et al.(37)	Observacional, não controlado, prospectivo	101	50,5 (42 - 59)	33 (32,6)	3 - 4	NA	Aneurisma	Acom: 38 ACM: 28 Pcom: 14 ACI: 9 Other: 12	IV/IA	Infusão 8mg IA seguida de 1mcg/kg/minuto IV ou apenas 1mcg/kg/minuto IV	DTC	Angiografia ou TC	A taxa de reversão foi de 71% no protocolo de IA + IV versus 64% no protocolo IV
Katyal et al.(38)	Observacional, não controlado, prospectivo	1	31	0 (0)	4	NA	Não aneurisma nem trauma	NA	IV	Bolo de 0,1mg/kg IV e 0,5 - 0,75mcg/kg/minuto IV	DTC	DTC	DTC realizado 6,5 horas após DTC inicial mostrou redução das velocidades médias do fluxo em todos os territórios vasculares, e o débito cardíaco permaneceu inalterado
Soliman et al.(39)	Intervencional, randomizado, prospectivo, controlado	90	50,86 ± 9,3	41 (45,5)	2 - 3	NA	Aneurisma	ACM: 25 ACA: 11 Acom: 32 Pcom: 22	IV	Infusão 0,5mcg/kg/minuto IV	DTC	Angiografia ou TC	A velocidade média do fluxo sanguíneo cerebral diminuiu nos pacientes do grupo tratado com magnésio e aumentou no grupo de pacientes tratados com milrinona. Em comparação com milrinona, o magnésio diminuiu a incidência de vasoespasmo cerebral

• DP - desvio padrão; NA - não disponível; Pcom - artéria comunicante posterior; Acom - artéria comunicante anterior; ACM - artéria cerebral média; ACI - artéria carótida interna; IA - intra-arterial; DTC - Dopple transcraniano; AB - artéria basilar; ACA - artéria cerebral anterior; IV - intravenoso; TC - tomografia computadorizada; M1 - parte horizontal; M2 - parte insular; ACAE - artéria coroidal anterior esquerda; ACS - artéria cerebelar superior; ACPI - artéria cerebelar posteroinferior; EV - endovascular; C - cisternal; AV - artéria vertebral; CP - circulação posterior; IT - intratecal; ICR - isquemia cerebral retardada; CA - circulação anterior.

O único RCT incluído nesta revisão relatou uma comparação entre magnésio e milrinona para tratamento do vasoespasmo,⁽³⁹⁾ sem um grupo placebo. Este estudo incluiu 90 pacientes, dos quais 45 receberam magnésio e 45 receberam milrinona. Os resultados demonstraram que o uso de magnésio diminuiu a incidência de vasoespasmo em comparação ao grupo tratado com milrinona.⁽³⁹⁾ Mais ainda, neste estudo, não se observou qualquer diminuição nas velocidades médias de fluxo no grupo tratado com milrinona (a velocidade média do fluxo sanguíneo cerebral antes do tratamento foi 88,36 ± 13,75, e a velocidade média do fluxo sanguíneo cerebral após o tratamento foi 114,71 ± 25,15).⁽³⁹⁾

Administração de milrinona

Três estudos, que incluíram 95 pacientes, utilizaram a via intra-arterial para administração de milrinona,^(1,14,32) e nove outros estudos, que incluíram 174 pacientes, foram conduzidos com utilização de administração endovenosa.^{(22,25-28,30,36,38,39)} Em seis outros estudos, a administração de milrinona foi feita pelas duas vias.^{(5,16,23,24,33,37)} Dois estudos utilizaram a via intratecal,^(31,35) um aplicou milrinona via cisterna,⁽³⁴⁾ e o último estudo não mencionou a via de administração.⁽²⁹⁾ Um estudo⁽³⁷⁾ comparou a combinação da infusão intra-arterial de milrinona seguida por administração endovenosa versus infusão endovenosa contínua de milrinona. A taxa de reversão do vasoespasmo cerebral foi de 71% (59% - 83%) no protocolo com injeção intra-arterial mais via endovenosa e 64% (58% - 71%) no protocolo por via endovenosa. Esse resultado indica que a infusão contínua de milrinona foi tão eficiente quanto a intra-arterial mais endovenosa para o tratamento do vasoespasmo cerebral. A dosagem de milrinona variou entre os estudos. Contudo, a posologia inicial variou entre 0,5mcg/kg/minuto e 0,75mcg/kg/minuto na maioria (54%) dos estudos (Tabela 1).

Diagnóstico do vasoespasmo

A ferramenta de triagem do vasoespasmo diferiu da ferramenta para diagnóstico em muitos estudos. Os pacientes foram triados por meio de Doppler transcraniano (DTC) seriado em 11 dos estudos,^{(1,5,14,27,29,30,32,36-39)} por angiografia em cinco,^{(20,23,24,33,35)} por angiografia ou DTC em dois^(16,28) e por angiografia por tomografia computadorizada (TC) em um.⁽²⁵⁾ O diagnóstico foi realizado por diferentes métodos. Onze estudos utilizaram apenas angiografia,^{(1,5,14,22-25,30-33)} dois usaram angiografia e TC,^(16,26) três usaram angiografia ou DTC^(28,37,39) e quatro outros utilizaram DTC isoladamente para diagnóstico de vasoespasmo.^{(27,29,36,38)}

Resolução do vasoespasmo

Vinte e um estudos demonstraram resolução do vasoespasmo após administração de milrinona, independentemente de posologia, localização do aneurisma, grau do vasoespasmo, via de administração ou métodos de diagnóstico, conforme demonstra a tabela 1.^{(1,5,14,18,22-35)} Por outro lado, o RCT que comparou magnésio com milrinona indicou que o uso de magnésio foi mais eficaz do que milrinona para resolução do vasoespasmo, considerando o escore na escala de coma de Glasgow e a velocidade média do fluxo cerebral.⁽³⁹⁾

Em 17 estudos, é importante salientar que a resolução do vasoespasmo foi definida por melhora angiográfica no diâmetro das artérias após o tratamento,^{(1,5,14,16,22-25,27,30-35,37,39)} redução do fluxo sanguíneo cerebral por DTC em quatro estudos^{(26,29,36,38)} e por ambos os métodos em um estudo.⁽²⁸⁾ Semelhantemente, foram estabelecidos desfechos favoráveis considerando o desfecho clínico e défices neurológicos em oito estudos.^{(22-25,27,32,36,38)} Entretanto, o escore modificado de Rankin foi utilizado em cinco estudos,^{(14,28,29,35,37)} a escala de coma de Glasgow em três estudos,^(26,30,39) o escore modificado de Rankin e o índice Barthel foram utilizados em dois estudos,^(1,33) e o grau segundo a World Federation of Neurosurgical Societies (WFNS) foi utilizado em quatro estudos.^(5,16,31,34)

Efeitos colaterais

Apenas seis estudos^{(14,25,30,34,37,39)} relataram efeitos colaterais de milrinona. Em um estudo, a administração endovenosa de milrinona se associou com cardiomiopatia e arritmias em pacientes sem cardiomiopatia prévia.⁽²⁵⁾ O outro estudo avaliou 12 pacientes e demonstrou que a administração de milrinona através da cisterna em hemorragia subaracnóidea de baixo grau melhorou a condição desses pacientes, mas se associou com pneumocéfalo, meningite bacteriana e infecção cerebral.⁽³⁴⁾ O terceiro estudo descreveu hipotensão como efeito colateral de milrinona.⁽¹⁴⁾ O quarto estudo, que foi uma análise retrospectiva de 34 pacientes de HSAa com milrinona por via endovenosa, descreveu hipotensão, deterioração da condição clínica e hemiparesia temporária como efeitos colaterais.⁽³⁰⁾ Crespy et al. descreveram hipocalemia, arritmia, aumento da dose de norepinefrina e instabilidade hemodinâmica independentemente da via de administração de milrinona (endovenosa ou intra-arterial).⁽³⁷⁾ Finalmente, em seu ensaio randomizado e controlado, Soliman e Zohry relataram um aumento da incidência de hipotensão e necessidade de utilizar dopamina e norepinefrina no grupo de pacientes com milrinona em comparação com os tratados com sulfato de magnésio após HSAa.⁽³⁹⁾

DISCUSSÃO

Nesta revisão sistemática que avaliou o uso de milrinona na HSAa, os estudos incluídos sugeriram um potencial papel da milrinona no tratamento do vasoespasmo após hemorragia subaracnóidea. Contudo, a baixa qualidade dos estudos e sua substancial heterogeneidade impedem qualquer conclusão mais definitiva.

Cerca de 30% dos pacientes com vasoespasmo desenvolvem ICR. A ICR é uma complicação grave que depende de diagnóstico clínico e, como tal, é muito difícil de detectar em HSAa de baixo grau.^(36,40-42) A ICR se associa fortemente com vasoespasmo, embora outras causas possam estar envolvidas.^(36,43)

Terapias utilizadas por muitos anos para tratamento do vasoespasmo foram agora comprovadas ineficazes e potencialmente danosas.^{(40,41,44-48)} A terapia "triplo H" foi amplamente sustentada com base em sua justificativa fisiopatológica, que busca aumentar o fluxo sanguíneo cerebral por meio da indução de hipertensão, hipervolemia e hemodiluição.^(40,45) Estudos mais recentes demonstraram o dano provocado por esse tratamento, como menor suprimento de oxigênio por causa da hemodiluição, edema pulmonar, isquemia miocárdica, hiponatremia, hemorragia cerebral e edema cerebral.^(40,45) Além disso, uso de estatinas e magnésio não demonstraram qualquer potencial para eliminação do vasoespasmo.⁽⁴⁹⁾ Embora a hipomagnesemia seja comum na admissão, o uso de magnésio não se mostrou superior ao placebo para melhora dos desfechos desfavoráveis após hemorragia subaracnóidea.⁽⁵⁰⁾ O nimodipino vem sendo atualmente o fármaco mais aceito para prevenção da ICR. Esse fármaco não age diretamente para redução do espasmo propriamente dito, mas aumenta os desfechos favoráveis e diminui a mortalidade.^(12,15)

Nossos resultados indicam que a milrinona pode ter um papel como potencial alternativa no tratamento do vasoespasmo, porém há uma falta de evidência para comprovar sua eficácia e sua segurança. Em comparação com tratamentos prévios, a milrinona pode representar uma opção que exerce pouco impacto na volemia, embora outros efeitos adversos tenham sido descritos nos estudos avaliados nesta revisão sistemática. Contudo, mesmo nos estudos que relataram efeitos adversos, o uso de milrinona se associou com resolução do vasoespasmo.

Apenas um estudo deixou de relatar melhora do vasoespasmo em pacientes tratados com milrinona.⁽³⁹⁾ Esse estudo foi um ensaio randomizado controlado que comparou milrinona com magnésico como terapia para vasoespasmo. Os resultados demonstraram que o uso de magnésio foi mais eficaz para resolução do vasoespasmo do que o uso de milrinona. Entretanto, um estudo previamente publicado, randomizado, duplo-cego, controlado com placebo, multicêntrico, fase III, com desfechos centrados no paciente, concluiu que o uso de magnésio não foi superior ao do placebo para melhorar os desfechos neurológicos após HSAa.⁽⁵⁰⁾ Como marcadores substitutos, como as velocidades do fluxo sanguíneo cerebral, podem não se traduzir prontamente em desfechos centrados no paciente, como mortalidade e desfechos funcionais, o RCT referido⁽³⁹⁾ não responde a questão se a milrinona é superior ao placebo ou ao atual tratamento clínico para HSAa.

Uma revisão sistemática sobre esse assunto foi publicada em 2016.⁽⁵¹⁾ Contudo, o vasoespasmo continua a apresentar altas taxas de mortalidade, e novos estudos têm sido publicados nesses 3 últimos anos, inclusive o primeiro RCT relatado.^{(22,25,30,31,33,36-39)} Assim, essa nova revisão sistemática atualizada pode ajudar a informar a prática clínica. Embora essa revisão prévia tenha contemplado critérios diferentes dos nossos para inclusão de estudos, incluindo resumos de conferências e teses, seus resultados não discordam dos nossos. Mais ainda, essa revisão relatou o uso de milrinona na ICR e, em contraste, este estudo se focalizou na ocorrência de vasoespasmo.⁽⁵¹⁾

A revisão sistemática é significante para a literatura sobre HSAa. Embora o vasoespasmo seja um evento neurológico comum e represente alta morbidade após HSAa, no presente momento não está disponível qualquer tratamento com eficácia comprovada,^{(40,41,45,47,48)} e não há evidência satisfatória que possa ajudar na tomada de decisão.^{(40,41,45,47,48)} A quantidade e a qualidade dos estudos demonstradas nesta revisão também elucidam a necessidade de um maior foco e recursos para pesquisas adicionais a respeito do uso de milrinona como terapia para o vasoespasmo. Reconhecemos que um estudo como esse pode ser de realização difícil, como ilustrado pelo fato de que o único estudo intervencional randomizado registrado em clinicaltrials.gov foi encerrado em razão da falta de recrutamento (NCT02712788).

Limitações

Esta revisão tem algumas limitações. A mais importante delas se refere à heterogeneidade e à qualidade dos estudos. Quase todos os estudos, exceto um RCT, foram relatos de casos ou séries de casos. Na literatura, há apenas um ensaio randomizado controlado que não comparou milrinona ao atual padrão de tratamento e não relatou desfechos centrados no paciente. É importante salientar que a via de administração do fármaco variou entre os estudos, e os potenciais efeitos colaterais de cada uma delas não foram descritos. Em razão da heterogeneidade dos estudos, não foi possível conduzir uma metanálise entre os estudos incluídos. Por exemplo, a posologia de milrinona, a via de administração do fármaco e os métodos diagnósticos para identificação de vasoespasmo variaram entre os estudos, limitando assim a interpretação dos dados. Embora também tenham sido incluídos estudos com ICR, foram descritos a evidência com relação ao prognóstico e os efeitos colaterais do uso de milrinona no tratamento do vasoespasmo.

CONCLUSÃO

Embora a maior parte dos estudos analisados sugira que milrinona pode ter um papel na terapia do vasoespasmo cerebral, a baixa qualidade e a grande heterogeneidade, em termos de pacientes, posologia e vias de administração, impedem a obtenção de conclusões fortes. Nossos achados podem estimular a realização de futuros ensaios randomizados controlados com desfechos centrados no paciente, para fornecer recomendações mais claras para a prática clínica.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem sinceramente ao Hospital São Rafael pelo suporte a este trabalho.

Apêndice 1

Avaliação global da confiança

Estudo	Nível de evidência	Estudo	Nível de evidência
Romero et al.(1)	Baixa	Sherif et al.(29)	Baixa
Fraticelli et al.(5)	Moderada	Hejčl et al.(30)	Moderada
Shankar et al.(14)	Moderada	Koyanagi et al.(31)	Moderada
Arakawa et al.(16)	Baixa	Schmidt et al.(32)	Moderada
Alturki et al.(22)	Baixa	Duman et al.(33)	Moderada
Anand et al.(23)	Baixa	Arakawa et al.(34)	Moderada
Zeiler et al.(24)	Baixa	Sadamasa et al.(35)	Moderada
Wu et al.(25)	Baixa	Santos-Teles et al.(36)	Baixa
Lasry et al.(26)	Baixa	Crespy et al.(37)	Moderada
Genonceaux et al.(27)	Baixa	Katyal et al.(38)	Baixa
Lannes et al.(28)	Baixa	Soliman et al.(39)	Alta

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Editado por

Editor responsável: Leandro Utino Taniguchi

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Jan 2021
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2020

Histórico

• Recebido
  05 Out 2019
• Aceito
  17 Mar 2020