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Modificações no manejo e desfechos clínicos de pacientes críticos sem COVID-19 durante a pandemia

RESUMO

Objetivo:

Analisar se as modificações na atenção médica em razão da aplicação dos protocolos para COVID-19 afetaram os desfechos clínicos de pacientes sem a doença durante a pandemia.

Métodos:

Este foi um estudo observacional de coorte retrospectiva conduzido em uma unidade de terapia intensiva clínica e cirúrgica com 38 leitos, localizada em hospital privado de alta complexidade na cidade de Buenos Aires, Argentina, e envolveu os pacientes com insuficiência respiratória admitidos à unidade de terapia intensiva no período compreendido entre março e abril de 2020 em comparação com o mesmo período no ano de 2019. Compararam-se as intervenções e os desfechos dos pacientes sem COVID-19 tratados durante a pandemia em 2020 e os pacientes admitidos em 2019. As principais variáveis avaliadas foram os cuidados respiratórios na unidade de terapia intensiva, o número de exames de tomografia computadorizada do tórax e lavados broncoalveolares, complicações na unidade de terapia intensiva e condições quando da alta hospitalar.

Resultados:

Observou-se, em 2020, uma redução significante do uso de cânula nasal de alto fluxo: 14 (42%), em 2019, em comparação com 1 (3%), em 2020. Além disso, em 2020, observou-se aumento significante no número de pacientes sob ventilação mecânica admitidos à unidade de terapia intensiva a partir do pronto-socorro, de 23 (69%) em comparação com 11 (31%) em 2019. Contudo, o número de pacientes com ventilação mecânica 5 dias após a admissão foi semelhante em ambos os anos: 24 (69%), em 2019, e 26 (79%) em 2020.

Conclusão:

Os protocolos para unidades de terapia intensiva com base em recomendações internacionais para a pandemia de COVID-19 modificaram o manejo de pacientes sem COVID-19. Observamos redução do uso da cânula nasal de alto fluxo e aumento no número de intubações traqueais no pronto-socorro. Entretanto, não se identificaram alterações na percentagem de pacientes intubados na unidade de terapia intensiva, número de dias sob ventilação mecânica ou número de dias na unidade de terapia intensiva.

Descritores:
Cuidados críticos; COVID-19; SARS-CoV-2; Ventilação não invasiva; Insuficiência respiratória; Infecções por coronavírus; Pandemias

Abstract

Objective:

To analyze whether changes in medical care due to the application of COVID-19 protocols affected clinical outcomes in patients without COVID-19 during the pandemic.

Methods:

This was a retrospective, observational cohort study carried out in a thirty-eight-bed surgical and medical intensive care unit of a high complexity private hospital. Patients with respiratory failure admitted to the intensive care unit during March and April 2020 and the same months in 2019 were selected. We compared interventions and outcomes of patients without COVID-19 during the pandemic with patients admitted in 2019. The main variables analyzed were intensive care unit respiratory management, number of chest tomography scans and bronchoalveolar lavages, intensive care unit complications, and status at hospital discharge.

Results:

In 2020, a significant reduction in the use of a high-flow nasal cannula was observed: 14 (42%) in 2019 compared to 1 (3%) in 2020. Additionally, in 2020, a significant increase was observed in the number of patients under mechanical ventilation admitted to the intensive care unit from the emergency department, 23 (69%) compared to 11 (31%) in 2019. Nevertheless, the number of patients with mechanical ventilation after 5 days of admission was similar in both years: 24 (69%) in 2019 and 26 (79%) in 2020.

Conclusion:

Intensive care unit protocols based on international recommendations for the COVID-19 pandemic have produced a change in non-COVID-19 patient management. We observed a reduction in the use of a high-flow nasal cannula and an increased number of tracheal intubations in the emergency department. However, no changes in the percentage of intubated patients in the intensive care unit, the number of mechanical ventilation days or the length of stay in intensive care unit.

Keywords:
Critical care; COVID-19; SARS-CoV-2; Noninvasive ventilation; Respiratory insufficiency; Coronavirus infections; Pandemics

INTRODUÇÃO

A doença por coronavírus 2019 (COVID-19), provocada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), rapidamente evoluiu para uma pandemia.(11 Goh KJ, Wong J, Tien JC, Ng SY, Wen SD, Phua GC, et al. Preparing your intensive care unit for the COVID-19 pandemic: practical considerations and strategies. Crit Care. 2020;24(1):215.) O número de reprodução viral (R0) desse microrganismo é consideravelmente mais elevado do que o de outros vírus respiratórios, como o da influenza. Embora a maior parte dos pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 não necessite de hospitalização, estima-se que 5% deles demandem admissão à unidade de terapia intensiva (UTI), e 2,3% venham a requerer a utilização de ventilação mecânica (VM).

Os fatores mencionados tornam a COVID-19 uma doença séria e certamente mais contagiosa do que a influenza. Seu surgimento representa uma significante ameaça aos sistemas de saúde.(22 Guan WJ, Ni ZY, Hu Y, Liang WH, Ou CQ, He JX, et al. Clinical characteristics of Coronavirus Disease 2019 in China. N Engl J Med. 2020;382(18):1708-20.),(33 Armocida B, Formenti B, Ussai S, Palestra F, Missoni E. The Italian health system and the COVID-19 challenge. Lancet Public Health. 2020;5(5):e253.) Nesse contexto, as UTIs são simultaneamente desafiadas em termos de recursos limitados, controle da infecção, proteção dos profissionais de saúde e adaptação para um cenário de rápida progressão da pandemia.(11 Goh KJ, Wong J, Tien JC, Ng SY, Wen SD, Phua GC, et al. Preparing your intensive care unit for the COVID-19 pandemic: practical considerations and strategies. Crit Care. 2020;24(1):215.)

O primeiro caso na Argentina foi confirmado em 3 de março de 2020, 64 dias após o relato do primeiro caso no mundo. Desde então, o número de casos tem crescido consistentemente, e os controles epidemiológicos têm sido progressivamente intensificados. Em 19 de março, 16 dias após o primeiro caso relatado, o governo argentino anunciou um decreto emergencial que estabelecia uma quarentena compulsória em nível nacional.(44 Gemelli NA. Management of COVID-19 outbreak in Argentina: the beginning. Disaster Med Public Health Prep. 2020;1-3.)

O Hospital Italiano de Buenos Aires se localiza na capital da Argentina, e o primeiro paciente com COVID-19 foi admitido em 12 de março de 2020. Aplicou-se um protocolo de UTI com base em recomendações internacionais para a pandemia de COVID-19,(55 Alhazzani W, Møller MH, Arabi YM, Loeb M, Gong MN, Fan E, et al. Surviving Sepsis Campaign: Guidelines on the Management of Critically Ill Adults with Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Crit Care Med. 2020;48(6):e440-e469.) que incluía as seguintes medidas: designar áreas da UTI geograficamente isoladas, restringir visitas de familiares e evitar procedimentos diagnósticos e terapêuticos com possibilidade de provocar aerossolização, como fibrobroncoscopia, ventilação não invasiva (VNI) e cânula nasal de alto fluxo (CNAF).(66 Cheung JC, Ho LT, Cheng JV, Cham EY, Lam KN. Staff safety during emergency airway management for COVID-19 in Hong Kong. Lancet Respir Med. 2020;8(4):e19.

7 Schünemann HJ, Khabsa J, Solo K, Khamis AM, Brignardello-Petersen R, El-Harakeh A, et al. Ventilation techniques and risk for transmission of coronavirus disease, including COVID-19: a living systematic review of multiple streams of evidence. Ann Intern Med. 2020;173(3):204-16.
-88 Ferioli M, Cisternino C, Leo V, Pisani L, Palange P, Nava S. Protecting healthcare workers from SARS-CoV-2 infection: practical indications. Eur Respir Rev. 2020;29(155):200068.) O protocolo foi aplicado a todos os pacientes admitidos à UTI com insuficiência respiratória até que o resultado do exame de transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR - reverse transcriptase-polymerase chain reaction) confirmasse ou excluísse COVID-19. Contudo, no período entre março e abril de 2020, o tempo até a confirmação de COVID-19 pelo RT-PCR tinha demora de 24 horas, já que a realização do exame era centralizada em um único local designado pelo governo nacional. Assim, a situação de pandemia levou a uma modificação no padrão de cuidado dos pacientes da UTI, independentemente da presença ou não de infecção por SARS-CoV-2.

O manejo de todos os pacientes na UTI, inclusive os sem COVID-19, foi modificado em razão dos protocolos para a pandemia de COVID-19. Assim, o objetivo deste estudo foi comparar o manejo e os desfechos dos pacientes sem COVID-19 com insuficiência respiratória hospitalizados durante a pandemia de COVID-19 com pacientes similares hospitalizados segundo os protocolos antes da pandemia, em 2019. Além disto, este estudo objetivou avaliar a percepção dos profissionais de saúde sobre o impacto deste novo conjunto de medidas no cuidado e no prognóstico dos pacientes.

MÉTODOS

Conduzimos um estudo de coorte retrospectiva em centro único na UTI mista com 38 leitos pertencente a um hospital universitário de alta complexidade localizado na cidade de Buenos Aires. Estudaram-se os registros de todos os pacientes com mais de 18 anos de idade admitidos à UTI em razão de insuficiência respiratória durante os meses de março de abril de 2019 e dos pacientes admitidos nos mesmos meses do ano de 2020 com exame de RT-PCR negativo para SARS-CoV-2. Nos casos em que um paciente teve duas admissões durante o mesmo período de estudo, considerou-se apenas a primeira admissão à UTI. Os pacientes que tinham ordens preestabelecidas de não intubar foram excluídos. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Italiano de Buenos Aires.

A equipe multidisciplinar da UTI do Hospital Italiano é composta por médicos intensivistas, residentes, enfermeiros, terapeutas respiratórios, nutricionistas, fisioterapeutas e farmacêuticos clínicos. Não ocorreram alterações na equipe durante os dois períodos em estudo. A proporção entre médicos e pacientes era de 1:8 e a de enfermeiros para pacientes de 1:3. Eram realizadas rondas de visita clínica pela equipe médica pelo menos uma vez ao dia, e os terapeutas respiratórios eram responsáveis pelo manejo de todos os pacientes sob VM.

Incluíram-se no estudo os seguintes relatos detalhados: número de identificação do paciente, idade, sexo, comorbidades, causa da insuficiência respiratória, Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) e Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) na admissão à UTI, manejo respiratório na UTI (VNI, CNAF, máscara facial nonrebreather ou intubação orotraqueal), número de exames de tomografia computadorizada (TC) do tórax, lavagens broncoalveolares (LBAs) e modificações da antibioticoterapia em razão de resultados da LBA, complicações na UTI (delirium conforme medido pela escala Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit -CAM-ICU -,(99 Ely EW, Inouye SK, Bernard GR, Gordon S, Francis J, May L, et al. Delirium in mechanically ventilated patients: validity and reliability of the confusion assessment method for the intensive care unit (CAM-ICU). JAMA. 2001;286(21):2703-10.) diagnóstico de pneumonia associada à VM pelos critérios da National Healthcare Safety Network(1010 Magill SS, Klompas M, Balk R, Burns SM, Deutschman CS, Diekema D, et al. Developing a new, national approach to surveillance for ventilator-associated events. Crit Care Med. 2013;41(11):2467-75.) e úlceras por pressão) e condições por ocasião da alta hospitalar.

Questionário

Administrou-se um questionário para explorar as opiniões da equipe de médicos e terapeutas respiratórios. As questões tratavam da percepção da equipe a respeito do manejo dos pacientes com insuficiência respiratória na UTI sem COVID-19 desde a aplicação dos protocolos para COVID-19. O levantamento solicitava a opinião da equipe médica com relação às modificações relativas à utilização de VNI ou CNAF, à indicação para LBA e a exames de TC.

Análise estatística

Os dados com distribuição normal são apresentados como médias mais ou menos os desvios-padrão, e as comparações entre ambos os grupos foram conduzidas com um teste t de duas amostras. Os dados sem distribuição normal são apresentados como medianas e faixas interquartis, e as comparações entre os grupos foram conduzidas com utilização do teste U de Mann-Whitney.

As variáveis categóricas foram resumidas como frequências e percentagens, e as comparações foram realizadas com o teste do qui-quadrado ou com o teste exato de Fisher. Não se fez qualquer imputação para os dados faltantes. Todas as análises foram realizadas com utilização do programa RStudio desenvolvido pela R-Tools Technology Inc.

RESULTADOS

Durante ambos os períodos do estudo, 68 pacientes foram admitidos à UTI com insuficiência respiratória, 35 entre março e abril de 2019 e 33 durante os mesmos meses de 2020. A idade mediana foi de 68 anos (faixa interquartis - IQR 58 - 79 anos) em 2019 e da 70 anos (IQR 62 - 79 anos) em 2020. Os grupos foram pareados por idade, índice de massa corporal, APACHE II e SOFA, causa da insuficiência respiratória e número de comorbidades. Embora 23 pacientes (66%) fossem do sexo masculino em 2019, no grupo de 2020 apenas 13 pacientes (39%) eram do sexo masculino. A única diferença significante entre os dois conjuntos de dados se refere ao percentual de usuários de tabaco, que foi mais elevado em 2020 (18%) em relação a 2019 (3%). Todas as características dos pacientes são retratadas na tabela 1.

Tabela 1
Dados demográficos e características clínicas na avaliação basal

Modificações no manejo ventilatório e procedimentos diagnósticos

Em comparação a 2019, observaram-se, em 2020, redução significante do uso de CNAF como suporte ventilatório quando da admissão à UTI e redução não significante no uso de VNI.

Além disso, observou-se, em 2020, aumento significante do número de pacientes com necessidade de VM na admissão à UTI. Contudo, o número de pacientes com necessidade de VM 5 dias após a admissão à UTI foi similar entre ambos os anos (Tabela 2). A proporção de pacientes intubados em relação ao número de horas na UTI é apresentada em gráfico na figura 1. Não se encontraram diferenças significantes com relação ao número de dias de VM e casos com necessidade de traqueostomia.

Tabela 2
Desfechos clínicos de pacientes hospitalizados com insuficiência respiratória em março e abril de 2019 e de 2020
Figura 1
Curva de Kaplan-Meier do tempo até a intubação.

Proporção de pacientes intubados em relação às horas após a admissão à unidade de terapia intensiva em pacientes com insuficiência respiratória em março e abril de 2019 e 2020. Apenas um paciente tratado em 2019 foi intubado após 5 dias na unidade de terapia intensiva.

UTI - unidade de terapia intensiva.


Observou-se, em 2020, diminuição significante do número de exames de TC do tórax e LBAs. Dentre as 16 LBAs realizadas em 2019, apenas cinco modificaram o tratamento antibiótico, enquanto uma das três LBAs conduzidas em 2020 modificou a terapia antimicrobiana (Tabela 2).

Complicações na unidade de terapia intensiva e desfechos clínicos

A prevalência de delirium foi maior em 2020 (63%) do que em 2019 (47%), sem diferenças significantes (p = 0,22). Não se observaram diferenças na incidência de pneumonia associada com VM ou no relato de úlceras por pressão. As taxas de mortalidade e alta foram similares em ambos os anos. Esses resultados são resumidos na tabela 2).

Questionário

O questionário foi enviado a 14 membros da equipe médica da UTI e a seis terapeutas respiratórios. Todos os 20 profissionais de saúde preencheram o questionário.

Dentre os profissionais de saúde da UTI, 90% consideraram que ocorreu redução no uso de VNI ou CNAF nos pacientes de 2020 sem COVID-19 em comparação com esses procedimentos em 2019. A maioria desses profissionais consultados afirmou crer que a dita redução levou a um maior número de pacientes sob suporte com VM na UTI (Tabela 3).

Tabela 3
Percepções dos profissionais de saúde sobre o que mudou

Além disto, 80% da equipe de profissionais percebeu redução no número de LBAs em 2020, sendo que 30% consideraram que essa diminuição teve impacto negativo no descalonamento da antibioticoterapia. Finalmente, 50% dos participantes responderam que o número de TCs de tórax realizadas foi mais baixo no grupo de pacientes admitidos em 2020 do que entre os admitidos em 2019. Contudo, a maioria deles afirmou que, em sua opinião profissional, essa redução não teve qualquer efeito na evolução clínica dos pacientes (Tabela 3)).

DISCUSSÃO

O protocolo da unidade de terapia intensiva para a pandemia de COVID-19, que se baseou em recomendações internacionais, implicou em importante modificação no manejo dos pacientes com e sem COVID-19.

Evitou-se o uso de VNI ou CNAF para proteger os profissionais de saúde, assim como prevenir a infecção de outros pacientes. O aumento no número de pacientes ventilados quando da admissão à UTI que foi observado neste estudo pode estar relacionado a este fato.(66 Cheung JC, Ho LT, Cheng JV, Cham EY, Lam KN. Staff safety during emergency airway management for COVID-19 in Hong Kong. Lancet Respir Med. 2020;8(4):e19.

7 Schünemann HJ, Khabsa J, Solo K, Khamis AM, Brignardello-Petersen R, El-Harakeh A, et al. Ventilation techniques and risk for transmission of coronavirus disease, including COVID-19: a living systematic review of multiple streams of evidence. Ann Intern Med. 2020;173(3):204-16.
-88 Ferioli M, Cisternino C, Leo V, Pisani L, Palange P, Nava S. Protecting healthcare workers from SARS-CoV-2 infection: practical indications. Eur Respir Rev. 2020;29(155):200068.) Contudo, não se observaram alterações na percentagem de pacientes intubados 5 dias após a admissão à UTI, dias de VM, dias na UTI ou dias de hospitalização. Com base nas respostas ao questionário, 90% dos profissionais de saúde perceberam essa redução no uso de dispositivos ventilatórios não invasivos, e 80% deles consideraram que essa redução no uso de VNI ou CNAF levou a um aumento do percentual de pacientes ventilados.

Embora a VNI tenha sido associada com menor risco de intubação traqueal,(1111 Ferreyro BL, Angriman F, Munshi L, Del Sorbo L, Ferguson ND, Rochwerg B, et al. Association of noninvasive oxygenation strategies with all-cause mortality in adults with acute hypoxemic respiratory failure: a systematic review and meta-analysis. JAMA. 2020;324(1):57-67.) baixo número de pacientes na população do estudo tinha quadro de exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ou insuficiência cardíaca congestiva, patologias que mais se beneficiam da terapia com VNI.(1212 Chawla R, Dixit SB, Zirpe KG, Chaudhry D, Khilnani GC, Mehta Y, et al. ISCCM Guidelines for the Use of Non-invasive Ventilation in Acute Respiratory Failure in Adult ICUs. Indian J Crit Care Med. 2020;24(Suppl 1):S61-S81.) O baixo número de pacientes com essas patologias e a redução não significante do uso de VNI no grupo de 2020 poderiam explicar por que o número final de pacientes ventilados permaneceu inalterado.

Em segundo lugar, observou-se redução na realização de LBAs em pacientes sem COVID-19 hospitalizados em 2020. Essa redução foi uma consequência da recomendação para evitar LBA em pacientes com suspeita de COVID-19.(1313 Wahidi MM, Lamb C, Murgu S, Musani A, Shojaee S, Sachdeva A, et al. American Association for Bronchology and Interventional Pulmonology (AABIP) Statement on the Use of Bronchoscopy and Respiratory Specimen Collection in Patients with Suspected or Confirmed COVID-19 Infection. J Bronchology Interv Pulmonol. 2020;27(4):e52-e54.) Cinco das 16 LBAs realizadas em 2019 afetaram a evolução dos pacientes, já que o tratamento antibiótico foi modificado, enquanto uma de três LBAs realizadas em 2020 levou à modificação da antibioticoterapia. Esses resultados relativos ao impacto das LBAs são coerentes com os achados da metanálise conduzida por Kamel et al.(1414 Kamel T, Helms J, Janssen-Langenstein R, Kouatchet A, Guillon A, Bourenne J, Contou D, Guervilly C, Coudroy R, Hoppe MA, Lascarrou JB, Quenot JP, Colin G, Meng P, Roustan J, Cracco C, Nay MA, Boulain T; Clinical Research in Intensive Care Sepsis Group (CRICS-TRIGGERSEP). Benefit-to-risk balance of bronchoalveolar lavage in the critically ill. A prospective, multicenter cohort study. Intensive Care Med. 2020;46(3):463-74.) Após analisar os resultados do questionário, 80% dos profissionais perceberam essa redução, porém apenas 30% consideraram que isso teve algum impacto na evolução dos pacientes.

Em terceiro lugar, não se encontraram diferenças significantes com relação à incidência de delirium ou de pneumonia associada à VM. Essas observações são compatíveis com as percepções dos profissionais de saúde. Entretanto, observou-se, no grupo de 2020, tendência a surgimento de delirium (63% dos pacientes) em comparação aos pacientes de 2019 (47% dos pacientes). A falta de significância estatística pode ser explicada pelo baixo número de pacientes. O aumento na incidência de delirium pode ser relacionado a níveis mais baixos de adesão às diretrizes PADIS e ao conjunto de condutas A-F(1515 Devlin JW, Skrobik Y, Gélinas C, Needham DM, Slooter AJ, Pandharipande PP, et al. Executive Summary: Clinical Practice Guidelines for the Prevention and Management of Pain, Agitation/Sedation, Delirium, Immobility, and Sleep Disruption in Adult Patients in the ICU. Crit Care Med. 2018;46(9):1532-48.) em 2020 e à aplicação da política de restrição às visitas de familiares.

Além disso, embora 55% dos profissionais de saúde suspeitem de um aumento na incidência de úlceras por pressão, não se observou qualquer aumento na incidência dessas lesões na comparação entre os pacientes admitidos à UTI em 2019 e os admitidos em 2020. Essa percepção equivocada dos profissionais de saúde nesse assunto pode estar relacionada ao fato de que observaram uma diminuição na mobilização dos pacientes.

O presente estudo tem algumas limitações. Primeiramente, o baixo número de pacientes analisados não nos permite conclusões relativas a complicações na UTI, como delirium ou úlceras por pressão. Notavelmente, observamos tendência ao aumento de delirium e úlceras por pressão entre os pacientes de 2020 em comparação aos de 2019; entretanto, esses resultados não foram estatisticamente significantes, embora a análise tivesse baixo poder para detectar tais diferença. Além disso, na distribuição de 2020, ocorreu inclusão de mais mulheres, enquanto em 2019 existiam mais homens.

CONCLUSÃO

Em pacientes sem COVID-19 admitidos à unidade de terapia intensiva durante 2020, a aplicação dos protocolos relativos à pandemia reduziu o uso de cânula nasal de alto fluxo e o número de lavagens broncoalveolares e exames de tomografia computadorizada do tórax, enquanto houve aumento no número de intubações orotraqueais e de admissões à unidade de terapia intensiva. Entretanto, a percentagem de pacientes intubados e os números de dias sob ventilação mecânica, dias de permanência na unidade de terapia intensiva ou de dias de hospitalização não foram alterados.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2020
  • Aceito
    19 Dez 2020
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