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Prescrição de medicamentos off-label e sem licença para prematuros de unidade de terapia intensiva neonatal

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o uso de medicamentos off-label e sem licença em recém-nascidos prematuros hospitalizados em unidade de terapia intensiva neonatal.

Métodos:

Estudo de coorte não concorrente, incluindo prematuros admitidos em três unidades de terapia intensiva neonatais, nos anos de 2016 e 2017, acompanhados durante o período neonatal. O uso de medicamentos e o número foram registrados para todo o período e classificados segundo a Anatomical Therapeutic Chemical. Foram realizadas análises descritivas e bivariadas dos dados para avaliar associações entre o número de medicamentos utilizados (total, off-label e sem licença) e as variáveis explicativas de interesse.

Resultados:

Os 400 neonatos prematuros utilizaram 16.143 medicamentos, com 86 especialidades diferentes; 51,9% desses itens foram classificados como off-label e 23,5% como sem licença. Os mais prescritos foram gentamicina e ampicilina (17,5% e 15,5% dos off-label, respectivamente) e cafeína (75,5% dos não licenciados). O estudo demonstrou associações significativas do uso de medicamentos off-label com a menor idade gestacional, baixo peso ao nascer, menor escore de Apgar no quinto minuto, manobra de reanimação avançada em sala de parto e óbito. Com os medicamentos não licenciados, foram verificadas associações com a menor idade gestacional, baixo peso ao nascer e escore de Apgar no quinto minuto menor que 7.

Conclusão:

Os neonatos internados em unidades de terapia intensiva neonatais são muito expostos ao uso de medicamentos off-label e sem licença. Tornam-se necessários mais investimentos em estudos para alcançar maior segurança e qualidade da terapêutica medicamentosa empregada em neonatologia.

Descritores:
Recém-nascido prematuro; Recém-nascido; Unidades de terapia intensiva neonatal; Prescrição de medicamentos; Uso off-label

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the use of off-label and unlicensed medications in preterm infants hospitalized in a neonatal intensive care unit.

Methods:

This nonconcurrent cohort study included preterm infants admitted to 3 neonatal intensive care units in 2016 and 2017 who were followed up during the neonatal period. The type and number of medications used were recorded for the entire period and classified based on the Anatomical Therapeutic Chemical. Descriptive and bivariate data analyses were performed to assess associations between the number of drugs used (total, off-label and unlicensed) and the explanatory variables of interest.

Results:

Four hundred preterm infants received 16,143 prescriptions for 86 different pharmaceuticals; 51.9% of these medications were classified as off-label and 23.5% as unlicensed. The most prescribed drugs were gentamicin and ampicillin (17.5% and 15.5% among off-label, respectively) and caffeine (75.5% among unlicensed). The results indicated significant associations between the use of off-label drugs and lower gestational age, low birth weight, lower 5-minute Apgar score, advanced resuscitation maneuver in the delivery room and death. The prescription of unlicensed drugs was associated with lower gestational age, low birth weight and 5-minute Apgar score below 7.

Conclusion:

Neonates admitted to neonatal intensive care units are highly exposed to off-label and unlicensed medications. Further studies are needed to achieve greater safety and quality of drug therapy used in neonatology.

Keywords:
Infant, preterm; Infant, newborn; Intensive care units, neonatal; Drug prescription; Off-label use

INTRODUÇÃO

A utilização dos medicamentos é indispensável na assistência à saúde, pois eles possuem efeito curativo, profilático ou paliativo, mas podem oferecer riscos à saúde do paciente. Ao serem prescritos, devem-se considerar a qualidade, o custo-efetividade e a segurança. Assim, estudos do tipo ensaios clínicos são necessários para uma prescrição segura, principalmente nos grupos de pacientes grávidas, idosos e crianças.(11 Duarte ML, Batista LM, Albuquerque PM. Notificações de farmacovigilância em um hospital oncológico sentinela da Paraíba. Rev Bras Farm Hosp Serv Saude. 2014;5(1):7-11.,22 Magalhães J, Rodrigues AT, Roque F, Figueiras A, Falcão A, Herdeiro MT. Use of off-label and unlicenced drugs in hospitalised paediatric patients: a systematic review. Eur J Clin Pharmacol. 2014;71(1):1-13.)

Pacientes pediátricos, em especial os neonatos prematuros, constituem um grupo vulnerável, principalmente quando necessitam de cuidados intensivos, por requererem maior uso de tratamentos farmacológicos. O metabolismo dos medicamentos, a diferença na sensibilidade dos órgãos-alvo e a função renal são imaturos nesses pacientes. Desse modo, o tempo de meia-vida do medicamento tende a ser mais prolongado, e pode ocorrer seu acúmulo no organismo.(33 Bartelink IH, Rademaker CM, Schobben AF, van den Anker JN. Guidelines on paediatric dosing on the basis of developmental physiology and pharmacokinetic considerations. Clin Pharmacokinet. 2006;45(11):1077-97.,44 Schirm E, Tobi H, de Jong-van den Berg LT. Risk factors for unlicensed and off-label drug use in children outside the hospital. Pediatrics. 2003;111(2):291-5.)

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é o órgão responsável pela autorização de registros dos medicamentos em território nacional, com base em dados e informações de agências reguladoras de reconhecimento nacional. Porém, não há hoje uma regulamentação específica para medicamentos destinados à população pediátrica. A pediatria enfrenta barreiras para realização de ensaios clínicos nessa população devido a dilemas éticos.(33 Bartelink IH, Rademaker CM, Schobben AF, van den Anker JN. Guidelines on paediatric dosing on the basis of developmental physiology and pharmacokinetic considerations. Clin Pharmacokinet. 2006;45(11):1077-97.)

Na assistência aos recém-nascidos, a escassez de estudos com medicamentos é tão importante que muitos especialistas chegam a considerar essa especialidade como quase “experimental”, pois de 40% a 80% dos medicamentos utilizados em unidades de terapia intensiva (UTI) neonatais são off-label ou não licenciados.(55 Cuzzolin L, Agostino R. Off-label and unlicensed drug treatments in neonatal intensive care units: an Italian multicentre study. Eur J Clin Pharmacol. 2016;72(1):117-23.,66 Dessì A, Salemi C, Fanos V, Cuzzolin L. Drug treatments in a neonatal setting: focus on the off-label use in the first month of life. Pharm World Sci. 2010;32(2):120-4.)

O medicamento off-label é aquele cuja utilização se dá de forma diferente da que é descrita em seu rótulo ou bula, quando se fala em indicação, via de administração, posologia e faixa etária.(77 McIntyre J, Conroy S, Avery A, Corns H, Choonara I. Unlicensed and off label prescribing of drugs in general practice. Arch Dis Child. 2000;83(6):498-501.) Ele tem aprovação do órgão regulador para sua utilização no país.(88 Frattarelli DA, Galinkin JL, Green TP, Johnson TD, Neville KA, Paul IM, Van Den Anker JN; American Academy of Pediatrics Committee on Drugs. Off-label use of drugs in children. Pediatrics. 2014;133(3):563-7.)

Os medicamentos sem licença possuem dois conceitos: são medicamentos não aprovados para uso, por não possuírem dosagem específica e serem contraindicados para a população específica; e são modificados, como, exemplo, a preparação e utilização de formulações extemporâneas, concebidas a partir de formulações farmacêuticas existentes por meio da trituração de comprimidos, diluição de líquidos orais ou abertura de cápsulas.(88 Frattarelli DA, Galinkin JL, Green TP, Johnson TD, Neville KA, Paul IM, Van Den Anker JN; American Academy of Pediatrics Committee on Drugs. Off-label use of drugs in children. Pediatrics. 2014;133(3):563-7.,99 Santos L. Medicamentos potencialmente perigosos, não aprovados e de uso off label em prescrições pediátricas de um hospital universitário [dissertação]. Porto Alegre: Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2009.)

A prescrição desses produtos traz um importante ponto de discussão legal e clínica, visto que estudos os associam ao aumento do risco de exposição a excipientes nocivos ou potencialmente nocivos, tanto em adultos quanto na população pediátrica.(1010 Horen B, Montastruc JL, Lapeyre-Mestre M. Adverse drug reactions and off-label drug use in paediatric outpatients. Br J Clin Pharmacol. 2002;54(6):665-70.,1111 Eguale T, Buckeridge DL, Verma A, Winslade NE, Benedetti A, Hanley JA, et al. Association of off-label drug use and adverse drug events in an adult population. JAMA Intern Med. 2016;176(1):55-63.)

Considerando os riscos dessa prática, este estudo objetiva avaliar o uso de medicamentos off-label e sem licença em recém-nascidos prematuros hospitalizados em UTI neonatais.

MÉTODOS

Trata-se de estudo de coorte não concorrente, de base hospitalar, que faz parte de uma pesquisa mais ampla intitulada “Coorte Nascer Prematuro - Sobrevida e morbidade em prematuros de unidades de terapia intensiva neonatais do município de Vitória da Conquista - BA: um estudo de coorte não concorrente”.

O estudo foi realizado em Vitória da Conquista (BA). Foram incluídos prematuros admitidos em três UTI neonatais de três hospitais, sendo dois públicos e um privado. Cada UTI neonatal oferecia dez leitos e tinha equipe multidisciplinar capacitada, destinada para o cuidado dos recém-nascidos de alto risco. As unidades hospitalares estudadas serviam de campo de estágio para o Programa de Residência Médica na Especialidade de Pediatria e Neonatologia e possuíam protocolos das práticas clínicas semelhantes.

Foram incluídos no estudo todos os prematuros internados nas UTI neonatais de três hospitais do município de Vitória da Conquista, no período de 1° de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2017. A população foi acompanhada desde o dia da admissão durante o período neonatal, respeitando a censura de 27 dias (interrupção do seguimento). Os dados foram coletados por meio da análise dos prontuários dos prematuros armazenados no Serviço de Arquivo Médico e Estatística (SAME) dos hospitais.

O critério de exclusão foi possuir anomalia congênita maior (alterações anatômicas graves; para este estudo, foram excluídas as seguintes: cardiopatias congênitas complexas, atresias do trato gastrintestinal, defeitos da parede abdominal, hidrocefalia, encefalocele e hérnia diafragmática).

A amostra foi obtida por conveniência (n = 400). Entretanto, o menor tamanho amostral necessário para representar a população de prematuros da região foi estimado em 384, considerando os seguintes parâmetros: tamanho da população infinito (dado que não é possível estimar o total de prematuros que necessitariam de assistência intensiva neonatal, visto que a região atendia a um grande número de municípios), frequência esperada de 50% (considerando os múltiplos desfechos avaliados), precisão de 5% e intervalo de confiança de 95%.

O instrumento utilizado para a realização das coletas foi um questionário adaptado do inquérito nacional sobre parto e nascimento Nascer no Brasil.(1212 Escola Nacional de Saude Pública (ENSP), Fiocruz. Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre parto e nascimento. Instrumento para coleta de dados no prontuário. [citado 2019 Out 30]; 21p. Disponível em: https://nascernobrasil.ensp.fiocruz.br/?us_portfolio=nascer-no-brasil
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) Pesquisadores voluntários da área de saúde, sob supervisão de neonatologistas, foram responsáveis pelas coletas dos dados, sendo utilizado questionário digital por meio de tablets com o software KoBo Toolbox, versão 1.4.8. Foi realizado um estudo piloto em maio de 2018, utilizando prontuários de prematuros internados em período anterior ao da pesquisa. O campo principal ocorreu no período de junho de 2018 a maio de 2019.

As variáveis dependentes deste estudo foram uso (categorizados como sim ou não) e número de medicamentos relativos ao período de internamento na UTI neonatal. Cada especialidade farmacêutica foi registrada pelo nome genérico, forma farmacêutica e via de administração. A classificação farmacológica foi realizada conforme a classificação Anatomical Therapeutic Chemical (ATC), preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).(1313 World Health Organization (WHO). Born too soon: the global action report on preterm birth. Geneva: World Health Organization; 2012. [cited 2019 Oct 30]. Available from: https://www.who.int/pmnch/media/news/2012/201204_borntoosoon-report.pdf
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) Para o presente trabalho, utilizaram-se as classificações dos medicamentos relativas aos níveis 1 (anatômico) e 2 (terapêutico). Para descrever os produtos mais utilizados, utilizou-se também o nível 5 (químico).

Os medicamentos também foram classificados em off-label e sem licença para a população de acordo com critérios americanos, conforme Costa,(1414 Costa HT. Utilização de medicamentos off-label e não licenciados em terapia intensiva neonatal [dissertação]. Natal: Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2017.) e por meio da base de dados internacional Drug Dex-Micromedex® (https://www.micromedexsolutions.com/home/dispatch).(1515 IBM Corporation. IBM Micromedex. [cited 2019 Out 20]. Available from: https://www.micromedexsolutions.com/home/dispatch
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) Considerou-se como medicamento off-label aquele cuja idade, indicação ou via de administração divergisse do que foi autorizado pelo órgão sanitário, neste caso o Food and Drug Adminstration (FDA). Por sua vez, foram classificados como não licenciados os medicamentos sem registro, os contraindicados em neonatologia (aqueles que, devido a qualquer condição de saúde, têm seu uso limitado ou não utilizado) e as preparações magistrais (aquelas manipuladas em farmácia), a partir da prescrição médica, ou modificados no hospital pela enfermagem, como preparo de suspensão a partir da pulverização de comprimidos. As unidades de análise foram o indivíduo e os medicamentos.

Foram utilizadas como variáveis independentes: idade gestacional (moderado ou tardio, muito prematuro ou prematuro extremo), peso ao nascer (≥ 2.500g, ≥ 1.500g e < 2.500g, ≥ 1.000g e < 1.500g ou < 1.000g), escore de Apgar no quinto minuto (≥ 7 ou < 7), realização de reanimação na sala de parto (não realizou, ventilação com pressão positiva ou reanimação avançada - ventilação com pressão positiva mais massagem cardíaca e/ou drogas) e óbito (sim ou não).

Foram realizadas análises descritivas dos dados por meio de distribuição de frequência simples. A prevalência do uso de medicamentos (total, off-label e sem licença) foi calculada a partir do número de prematuros que tiveram registro de uso de pelo menos um medicamento no período de internamento na UTI neonatal, dividido pelo total de prematuros.

Foi realizada análise bivariada para avaliar associações entre o número de medicamentos utilizados (total, off-label e sem licença) e as variáveis explicativas de interesse. Para tanto, as variáveis contínuas foram descritas segundo cada variável explicativa por meio da mediana e dos valores máximo e mínimo. As diferenças segundo as variáveis selecionadas foram realizadas por métodos não paramétricos: testes de Mann-Whitney-Wilcoxon para variáveis com duas categorias e Kruskal-Wallis para aquelas com mais de duas categorias, sendo considerado o nível de significância menor do que 5%. Para todas as variáveis, o número de medicamentos utilizados foi descrito segundo cada categorização (total, off-label e sem licença) por meio de gráficos do tipo boxplot. O programa Stata, versão 15.0 (Stata Corporation, College Station, USA) foi utilizado para a análise dos dados.

Todas as fases desta pesquisa foram realizadas em concordância com as questões éticas e legais, conforme resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. A pesquisa intitulada “Sobrevida e morbidade em prematuros de Unidades de Terapia Intensiva Neonatais do município de Vitória da Conquista - BA: um estudo de coorte não concorrente” foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA; CAAE:79450717.4.0000.5556), no dia 5 de fevereiro de 2018.

RESULTADOS

No período estudado, foram admitidos nas unidades 592 prematuros, sendo 37 excluídos por apresentarem malformação congênita maior, além de 155 prontuários que não foram localizados ou não estavam completos, permanecendo uma amostra de 400 prematuros.

Do total, a idade gestacional variou de 230/7 a 366/7 semanas, com 59,3% de prematuros moderados ou tardios, 29,2% muito prematuros e 11,5% extremos. Mais da metade da população apresentou peso maior ou igual a 1.500g (67,0%), teve escore de Apgar de 7 ou mais no quinto minuto (86,0%) e não necessitou de reanimação na sala de parto (54,3%); 16,0% evoluíram para óbito durante o internamento (Tabela 1).

Tabela 1
Características da população estudada

A prevalência de uso de medicamentos pela população foi de 89,8% (intervalo de confiança de 95% - IC95% 86,3 - 92,4%). Considerando o uso de pelo menos um produto off-label, a prevalência foi de 79,0% (IC95% 74,7 - 82,7%). Os medicamentos sem licença foram utilizados por 55,5% (IC95% 50,5 - 60,3%) dos prematuros.

O número de medicamentos prescritos por paciente variou de zero a 217, com mediana de 30. Entre os off-label, o número variou de zero a 161, com mediana de 13, e, entre os sem licença, variou de zero a 56, com mediana de quatro.

Ao todo, os prematuros deste estudo utilizaram 16.143 medicamentos, distribuídos em 86 especialidades farmacêuticas. Destes, 8.372 (51,9%) itens foram classificados como off-label e 3.790 (23,5%) como sem licença. As especialidades farmacêuticas mais utilizadas eram anti-infecciosos de uso sistêmico (36,9%), que atuavam sobre sistema nervoso (27,6%) e sobre o aparelho digestivo e metabolismo (24,5%). Dentre os off-label, predominaram aqueles anti-infecciosos de uso sistêmico (63,8%), principalmente os do subgrupo terapêutico antibacterianos de uso sistêmico (56,0%). A maioria dos produtos sem licença atuava no sistema nervoso (91,5%), principalmente do subgrupo dos psicoanaléticos (75,4%) (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição das especialidades farmacêuticas utilizadas pelos neonatos prematuros, em grupos e subgrupos, segundo a classificação anatômica e terapêutica (níveis 1 e 2 da Anatomical Therapeutic Chemical)

Considerando o quinto nível da classificação ATC, os medicamentos off-label mais prescritos foram gentamicina (17,5%), seguida da ampicilina (15,5%) e amicacina (8,9%). Entre os sem licença, foram mais prescritos: cafeína (75,5%), fenobarbital (15,6%) e sulfato ferroso (5,6%) (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição dos medicamentos off-label e sem licença mais prescritos em ordem decrescente de uso

A análise bivariada revelou associações estatisticamente significativas entre o número de medicamentos utilizados (total, off-label e sem licença) e as variáveis explicativas de interesse. Os grupos de muito prematuros e extremos, de menor peso ao nascer, com escore de Apgar no quinto minuto menor que 7, que fizeram uso de manobras avançadas de reanimação na sala de parto e que evoluíram para o óbito utilizaram maior mediana de produtos, considerando tanto o total de medicamentos, quanto os off-label. Os medicamentos sem licença foram mais utilizados pelos muito prematuros, com peso ao nascer entre 1.000g e menor que 1.500g e com escore de Apgar no quinto minuto menor que 7 (Tabela 4 e Figura 1).

Figura 1
Boxplot das relações das variáveis explicativas de interesse com o número de medicamentos utilizados (total, off-label e sem licença) por idade gestacional (A); peso ao nascer (B); Apgar no quinto minuto (C); manobras de reanimação em sala de parto (D) e óbito (E). VPP - ventilação com pressão positiva.

Tabela 4
Relação das variáveis explicativas de interesse com o número de medicamentos utilizados (total, off-label e sem licença)

DISCUSSÃO

Este estudo demonstrou alta prevalência de uso de medicamentos off-label e sem licença entre prematuros internados em UTI neonatais no interior da Bahia. A utilização de um maior número desses produtos esteve associada à maior vulnerabilidade desses indivíduos, que tinham menores idade gestacional e peso ao nascer, além de escore de Apgar menor que 7. O maior número de medicamentos off-label também apresentou associação com manobras avançadas de reanimação na sala de parto e evolução para o óbito.

As prevalências de uso de medicamentos off-label (79,0%) e sem licença (55,5%) encontradas foram superiores às relatadas em trabalhos nacionais e internacionais. Estudo de coorte publicado na Espanha, em 2019, realizado com recém-nascidos admitidos em UTIs neonatais verificou que 57,1% dos pacientes receberam ao menos um fármaco off-label, enquanto 32,1% receberam ao menos um medicamento sem licença.(1616 Sucasas Alonso A, Avila-Alvarez A, Combarro Eiriz M, Martínez Roca C, Yáñez Gómez P, Codias López A, et al. [Use of off-label drugs in neonatal intensive care]. An Pediatr (Barc). 2019;91(4):237-43. Spanish.) Já em estudo italiano de 2010, realizado com recém-nascidos em UTIs neonatais, dos 88 tratamentos ofertados, 54,0% eram de medicamentos off-label ou sem licença.(55 Cuzzolin L, Agostino R. Off-label and unlicensed drug treatments in neonatal intensive care units: an Italian multicentre study. Eur J Clin Pharmacol. 2016;72(1):117-23.) Em outro estudo da República Eslováquia com recém-nascidos, do total de 962 itens prescritos, 43% foram classificados como off-label e 4,8% como sem licença em 2015.(1717 Schweigertova J, Durisova A, Dolnikova D, Ondriasova E, Balazova M, Slezakova V, et al. Off label and unlicensed use of medicinal products in the neonatal setting in the Slovak Republic. Pediatr Int. 2016;58(2):126-31.)

Numa coorte nacional com duração de 1 ano em UTI neonatal com 220 recém-nascidos, 49,3% das prescrições foram off-label e 24,6% foram sem licença.(1818 Costa HT, Costa TX, Martins RR, Oliveira AG. Use of off-label and unlicensed medicines in neonatal intensive care. PLoS One. 2018;13(9):e0204427.) Gonçalves et al.,(1919 Gonçalves AC, Reis AM, Marçal AC, Bouzada MC. Use of unlicensed and off-label drugs in neonates in a Brazilian university hospital. Braz J Pharm Sci. 2017;53(3):e00252.) ao estudarem recém-nascidos admitidos em UTI neonatal de hospital universitário no Brasil, revelaram que 95,5% dos recém-nascidos utilizaram, no mínimo, um medicamento off-label, e 30,6% receberam pelo menos um medicamento sem licença. Cabe ressaltar que a maioria dos estudos disponíveis sobre essa temática engloba neonatos de todas as idades gestacionais internados em UTI neonatal, o que difere da metodologia empregada nessa coorte, na qual se optou por pesquisar apenas os prematuros.

A literatura demonstra que o uso de medicamentos sem licença ou off-label é muito comum na pediatria, com alta prevalência em UTI neonatal, sobretudo do off-label.(55 Cuzzolin L, Agostino R. Off-label and unlicensed drug treatments in neonatal intensive care units: an Italian multicentre study. Eur J Clin Pharmacol. 2016;72(1):117-23.,1919 Gonçalves AC, Reis AM, Marçal AC, Bouzada MC. Use of unlicensed and off-label drugs in neonates in a Brazilian university hospital. Braz J Pharm Sci. 2017;53(3):e00252.,2020 Aamir M, Khan JA, Shakeel F, Asim SM. Unlicensed and off-label use of drugs in pediatric surgical units at tertiary care hospitals of Pakistan. Int J Clin Pharm. 2017;39(4):860-6.) Alguns desses medicamentos têm uso bem estabelecido em protocolos, ensaios clínicos e metanálises, mas ainda não possuem ensaios clínicos controlados que atendam aos critérios estabelecidos pela FDA.(2121 Carvalho CG, Ribeiro MR, Bonilha MM, Fernandes M Jr, Procianoy RS, Silveira RC. Use of off-label and unlicensed drugs in the neonatal intensive care unit and its association with severity scores. J Pediatr (Rio J). 2012;88(6):465-70.) A gravidade dos neonatos e a necessidade de cuidados intensivos podem explicar a prescrição desses medicamentos, visto que esses indivíduos costumam utilizar um grande número de produtos por dia.(2222 Kalikstad B, Skjerdal Å, Hansen TWR. Compatibility of drug infusions in the NICU. Arch Dis Child. 2010;95(9):745-8.)

Neste estudo, as especialidades farmacêuticas classificadas como off-label mais utilizadas pelos prematuros foram os anti-infecciosos de uso sistêmico (63,8%), especialmente a gentamicina e a ampicilina, o que corrobora os achados de outras pesquisas.(55 Cuzzolin L, Agostino R. Off-label and unlicensed drug treatments in neonatal intensive care units: an Italian multicentre study. Eur J Clin Pharmacol. 2016;72(1):117-23.,1717 Schweigertova J, Durisova A, Dolnikova D, Ondriasova E, Balazova M, Slezakova V, et al. Off label and unlicensed use of medicinal products in the neonatal setting in the Slovak Republic. Pediatr Int. 2016;58(2):126-31.

18 Costa HT, Costa TX, Martins RR, Oliveira AG. Use of off-label and unlicensed medicines in neonatal intensive care. PLoS One. 2018;13(9):e0204427.
-1919 Gonçalves AC, Reis AM, Marçal AC, Bouzada MC. Use of unlicensed and off-label drugs in neonates in a Brazilian university hospital. Braz J Pharm Sci. 2017;53(3):e00252.,2121 Carvalho CG, Ribeiro MR, Bonilha MM, Fernandes M Jr, Procianoy RS, Silveira RC. Use of off-label and unlicensed drugs in the neonatal intensive care unit and its association with severity scores. J Pediatr (Rio J). 2012;88(6):465-70.,2323 Arocas Casañ V, Cabezuelo Escribano B, Garrido-Corro B, De la Cruz Murie P, Blázquez Álvarez MJ, De la Rubia Nieto MA. Off-label and unlicensed drug use in a Spanish neonatal intensive care unit. Farm Hosp. 2017;41(3):371-81.,2424 Mazhar F, Akram S, Haider N, Hadi MA, Sultana J. Off-label and unlicensed drug use in hospitalized newborns in a Saudi tertiary care hospital: a cohort study. Int J Clin Pharm. 2018;40(3):700-3.) A gentamicina, apesar de ser aprovada para uso em recém-nascidos, de acordo com as especificações do produto, deve ser administrada com intervalos de 8 horas.(2525 American Academy of Pediatrics. Summaries of Infectious Diseases. In: Pickering LK, Baker CJ, Kimberlin DW, Long SS, American Academy of Pediatrics. Red Book: 2012. Report of the Committee on Infectious Diseases. Elk Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics; 2012.) Entretanto, nos protocolos locais, que são baseados em referências pediátricas específicas,(2626 Taketomo CK, Hodding JH, Kraus DM. Pediatric & neonatal dosage handbook with international trade names index. São Paulo: Lexi-Comp; 2014.) esse produto é administrado de acordo com peso de nascimento, podendo ser utilizado a cada 24, 36 ou 48 horas. A ampicilina, por sua vez, tem uso aprovado somente a partir de 1 ano de idade, mas há protocolos clínicos pediátricos que recomendam seu uso em neonatos, tanto para fins profiláticos quanto terapêuticos.(2626 Taketomo CK, Hodding JH, Kraus DM. Pediatric & neonatal dosage handbook with international trade names index. São Paulo: Lexi-Comp; 2014.) Pesquisa realizada na Arábia Saudita, em 2018, identificou que o antimicrobiano off-label mais frequentemente utilizado foi a combinação de piperacilina e tazobactam.(2424 Mazhar F, Akram S, Haider N, Hadi MA, Sultana J. Off-label and unlicensed drug use in hospitalized newborns in a Saudi tertiary care hospital: a cohort study. Int J Clin Pharm. 2018;40(3):700-3.) Enquanto em outro estudo, realizado na Itália, os medicamentos off-label mais utilizados foram gentamicina, cefixime, ceftriaxona, piperacilina e amoxicilina.(66 Dessì A, Salemi C, Fanos V, Cuzzolin L. Drug treatments in a neonatal setting: focus on the off-label use in the first month of life. Pharm World Sci. 2010;32(2):120-4.)

A heterogeneidade do uso dos subgrupos de antibacterianos utilizados nas UTIs neonatais dos diferentes países reflete a não existência de um consenso baseado em ensaios clínicos para o tratamento e profilaxia das infecções neonatais mais prevalentes, como a sepse. Assim, essa seleção depende da experiência clínica e da política de prescrição de cada hospital.(2323 Arocas Casañ V, Cabezuelo Escribano B, Garrido-Corro B, De la Cruz Murie P, Blázquez Álvarez MJ, De la Rubia Nieto MA. Off-label and unlicensed drug use in a Spanish neonatal intensive care unit. Farm Hosp. 2017;41(3):371-81.)

Fluconazol, fentanila, domperidona e ranitidina foram medicamentos off-label amplamente utilizados nesta pesquisa, conforme verificado também em outros estudos.(1616 Sucasas Alonso A, Avila-Alvarez A, Combarro Eiriz M, Martínez Roca C, Yáñez Gómez P, Codias López A, et al. [Use of off-label drugs in neonatal intensive care]. An Pediatr (Barc). 2019;91(4):237-43. Spanish.,1717 Schweigertova J, Durisova A, Dolnikova D, Ondriasova E, Balazova M, Slezakova V, et al. Off label and unlicensed use of medicinal products in the neonatal setting in the Slovak Republic. Pediatr Int. 2016;58(2):126-31.,2121 Carvalho CG, Ribeiro MR, Bonilha MM, Fernandes M Jr, Procianoy RS, Silveira RC. Use of off-label and unlicensed drugs in the neonatal intensive care unit and its association with severity scores. J Pediatr (Rio J). 2012;88(6):465-70.,2323 Arocas Casañ V, Cabezuelo Escribano B, Garrido-Corro B, De la Cruz Murie P, Blázquez Álvarez MJ, De la Rubia Nieto MA. Off-label and unlicensed drug use in a Spanish neonatal intensive care unit. Farm Hosp. 2017;41(3):371-81.,2727 de Souza AS Jr, dos Santos DB, Rey LC, Medeiros MG, Vieira MG, Coelho HL. Off-label use and harmful potential of drugs in a NICU in Brazil: a descriptive study. BMC Pediatr. 2016;16(1):13.) O fluconazol foi aprovado pela European Medicines Agency (EMA) para recém-nascidos a termo. Esse medicamento também é utilizado como rotina para profilaxia antifúngica para prematuros, com eficácia controversa na prevenção da candidíase disseminada. Entretanto, as sociedades científicas têm apoiado sua utilização para prematuros abaixo de 1.000g admitidos em UTIs neonatais com elevada prevalência de infecções fúngicas.(2828 Kaguelidou F, Pandolfini C, Manzoni P, Choonara I, Bonati M, Jacqz-Aigrain E. European survey on the use of prophylactic fluconazole in neonatal intensive care units. Eur J Pediatr. 2012;171(3):439-45.)

A fentanila está entre os opioides mais prescritos em UTI neonatal, pois sabe-se que a dor é um fator que contribui para o aumento de morbidade e mortalidade em neonatos. Porém, segundo o Institute for Safe Medication Practices (ISMP), essa especialidade farmacêutica pertence ao grupo de alerta máximo, pois, se administrada incorretamente, a fentanila pode acarretar graves riscos à saúde.(2929 Instituto for Safe Medication Practices (ISMP). List of High-Alert Medications in Acute Care Settings. [cited 2020 Mar 16]. Available from: https://www.ismp.org/sites/default/files/attachments/2018-08/highAlert2018-Acute-Final.pdf
https://www.ismp.org/sites/default/files...
)

A ranitidina é utilizada para tratamento da doença do refluxo gastroesofágico, porém sua segurança e eficácia não estão bem estabelecidas para os recém-nascidos, e seu uso está associado com maior tempo de hospitalização, enterocolite necrotizante e óbito.(3030 Terrin G, Passariello A, De Curtis M, Manguso F, Salvia G, Lega L, et al. Ranitidine is associated with infections, necrotizing enterocolitis, and fatal outcome in newborns. Pediatrics. 2012;129(1):e40-5.,3131 Santana RN, Santos VS, Ribeiro-Júnior RF, Freire MS, Menezes MA, Cipolotti R, et al. Use of ranitidine is associated with infections in newborns hospitalized in a neonatal intensive care unit: a cohort study. BMC Infect Dis. 2017;17(1):375.)

A cafeína é um medicamento amplamente utilizado nos prematuros internados em UTIs neonatais, constituindo terapêutica de escolha para a apneia da prematuridade. Ela reduz a necessidade de ventilação mecânica, a displasia broncopulmonar e melhora os resultados no neurodesenvolvimento. Neste estudo, a cafeína se apresentou como o medicamento sem licença mais frequente, o que corrobora outras pesquisas.(1616 Sucasas Alonso A, Avila-Alvarez A, Combarro Eiriz M, Martínez Roca C, Yáñez Gómez P, Codias López A, et al. [Use of off-label drugs in neonatal intensive care]. An Pediatr (Barc). 2019;91(4):237-43. Spanish.,1717 Schweigertova J, Durisova A, Dolnikova D, Ondriasova E, Balazova M, Slezakova V, et al. Off label and unlicensed use of medicinal products in the neonatal setting in the Slovak Republic. Pediatr Int. 2016;58(2):126-31.,2121 Carvalho CG, Ribeiro MR, Bonilha MM, Fernandes M Jr, Procianoy RS, Silveira RC. Use of off-label and unlicensed drugs in the neonatal intensive care unit and its association with severity scores. J Pediatr (Rio J). 2012;88(6):465-70.,2323 Arocas Casañ V, Cabezuelo Escribano B, Garrido-Corro B, De la Cruz Murie P, Blázquez Álvarez MJ, De la Rubia Nieto MA. Off-label and unlicensed drug use in a Spanish neonatal intensive care unit. Farm Hosp. 2017;41(3):371-81.) Ela foi utilizada em formulações manipuladas pelas unidades pesquisadas, pois os hospitais não dispunham do produto licenciado disponível no mercado, possivelmente por seu maior custo.

A dipirona, também encontrada entre os medicamentos sem licença utilizados pelos prematuros, é um analgésico não aprovado pela FDA devido ao risco de induzir à anemia aplásica e à agranulocitose(2121 Carvalho CG, Ribeiro MR, Bonilha MM, Fernandes M Jr, Procianoy RS, Silveira RC. Use of off-label and unlicensed drugs in the neonatal intensive care unit and its association with severity scores. J Pediatr (Rio J). 2012;88(6):465-70.) e por não existirem estudos farmacológicos e clínicos a respeito de seu uso em neonatos.(3232 Guinsburg R. Avaliação e tratamento da dor no recém-nascido. J Pediatr (Rio J). 1999;75(3):149-60.) O paracetamol é o único analgésico seguro para os neonatos, porém está disponível apenas para uso oral, o que dificulta sua utilização em pacientes com contraindicações para o uso dessa via, além do início de ação ser lento e com pouca efetividade em processos dolorosos intensos.(3232 Guinsburg R. Avaliação e tratamento da dor no recém-nascido. J Pediatr (Rio J). 1999;75(3):149-60.)

A associação entre o maior uso de medicamentos off-label e a menor idade gestacional e peso de nascimento está em consonância com outros estudos internacionais e nacionais. Sucasas Alonso et al.(1616 Sucasas Alonso A, Avila-Alvarez A, Combarro Eiriz M, Martínez Roca C, Yáñez Gómez P, Codias López A, et al. [Use of off-label drugs in neonatal intensive care]. An Pediatr (Barc). 2019;91(4):237-43. Spanish.) verificaram que o uso desses produtos ocorreu pela totalidade dos prematuros com idade gestacional < 32 semanas. Resultado semelhante foi encontrado por Costa et al.,(1818 Costa HT, Costa TX, Martins RR, Oliveira AG. Use of off-label and unlicensed medicines in neonatal intensive care. PLoS One. 2018;13(9):e0204427.) para quem 100% dos prematuros com extremo baixo peso foram expostos a pelo menos um medicamento off-label e 75,5% dos neonatos nessa classificação utilizaram medicamento sem licença.(1818 Costa HT, Costa TX, Martins RR, Oliveira AG. Use of off-label and unlicensed medicines in neonatal intensive care. PLoS One. 2018;13(9):e0204427.) No Brasil, as frequências da utilização de pelo menos um medicamento off-label para prematuros com idades gestacionais inferiores a 28 semanas e 32 semanas foram de 100% e 92,9%, respectivamente.(1919 Gonçalves AC, Reis AM, Marçal AC, Bouzada MC. Use of unlicensed and off-label drugs in neonates in a Brazilian university hospital. Braz J Pharm Sci. 2017;53(3):e00252.) Outros estudos não encontraram os mesmos resultados.(55 Cuzzolin L, Agostino R. Off-label and unlicensed drug treatments in neonatal intensive care units: an Italian multicentre study. Eur J Clin Pharmacol. 2016;72(1):117-23.,2424 Mazhar F, Akram S, Haider N, Hadi MA, Sultana J. Off-label and unlicensed drug use in hospitalized newborns in a Saudi tertiary care hospital: a cohort study. Int J Clin Pharm. 2018;40(3):700-3.)

Na Finlândia, pesquisa realizada em um hospital pediátrico também encontrou que as chances de uso de medicamentos off-label aumentaram significativamente com o menor peso ao nascer do neonato, além de um maior peso ao nascer diminuir o uso desses medicamentos.(3333 Laine N, Kaukonen AM, Hoppu K, Airaksinen M, Saxen H. Off-label use of antimicrobials in neonates in a tertiary children's hospital. Eur J Clin Pharmacol. 2017;73(5):609-14.)

Blumer e Reed(3434 Blumer J, Reed M. Principles of neonatal pharmacology. In: Yaffe SJ, Aranda JV, editores. Neonatal and pediatric pharmacology: therapeutic principles in practice. 3rd ed. Philadelphia, PA: Lippincott Williams and Wilkins; 2004. p 146-58.) discutem que a imaturidade fisiológica dos prematuros afeta a absorção e a distribuição dos fármacos devido à composição dos compartimentos corporais e aos fatores hemodinâmicos e metabólicos. Além disso, a polifarmácia predispõe à maior incompatibilidade farmacêutica ou à interação entre os produtos e, consequentemente, traz maiores riscos de intoxicação ou efeitos adversos dos fármacos.

Estudo de coorte canadense realizado com prematuros com idade gestacional menor que 31 semanas demonstrou associação de melhores escores de Apgar no quinto minuto com a utilização precoce (com menos de 3 dias de vida) de cafeína em seus esquemas terapêuticos, medicamento considerado como sem licença.(3535 Lodha A, Seshia M, McMillan DD, Barrington K, Yang J, Lee SK, Shah PS; Canadian Neonatal Network. Association of early caffeine administration and neonatal outcomes in very preterm neonates. JAMA Pediatr. 2015;169(1):33-8.) Nesta pesquisa, foi verificado que os menores escores de Apgar no quinto minuto associaram-se com maior utilização de medicamentos off-label e sem licença, fato que provavelmente relaciona-se com neonatos portadores de sofrimento fetal ou asfixia neonatal e que consequentemente tiveram maior necessidade de utilização de fármacos.

Nesta coorte, os prematuros que necessitaram de reanimação na sala de parto, por meio do uso isolado de ventilação com pressão positiva ou associado com massagem cardíaca e/ou drogas, demandaram utilização mais ampla de medicamentos de modo geral, incluindo os off-label e sem licença, durante o internamento nas UTIs neonatais. Esse fato, provavelmente, relaciona-se com maior instabilidade clínica e vulnerabilidade desses prematuros. Também foi demonstrada associação positiva entre o uso de medicamentos off-label e o óbito, resultado observado por Carvalho et al.,(2121 Carvalho CG, Ribeiro MR, Bonilha MM, Fernandes M Jr, Procianoy RS, Silveira RC. Use of off-label and unlicensed drugs in the neonatal intensive care unit and its association with severity scores. J Pediatr (Rio J). 2012;88(6):465-70.) que identificaram associação do uso de prescrições off-label e sem licença com medianas elevadas do escore de gravidade Neonatal Therapeutic Intervention Scoring System (NTISS), ou seja, os pacientes com maior gravidade.

Dentre as limitações deste estudo, destaca-se o possível viés de informação devido à coleta em prontuários, caracterizado pela dificuldade na obtenção dos dados que relacionam as características maternas, a gestação e o momento do parto nas coletas nos prontuários. Assim, priorizaram-se as investigações das condições de saúde dos prematuros e a atenção neonatal recebida, dados mais sólidos e fidedignos obtidos nos prontuários.

No período do estudo, as unidades avaliadas não realizavam cálculos de nenhum escore de gravidade, tal como o NTISS. Apesar da possibilidade de sua estimativa de forma retrospectiva, algumas informações necessárias não foram obtidas nos prontuários, o que dificulta a realização de comparações entre as características populacionais de distintas unidades de cuidados intensivos e no próprio serviço ao longo do tempo.

CONCLUSÃO

O estudo vigente é inédito na região e descreve as características dos prematuros internados em unidades de terapia intensiva neonatais expostos ao uso de medicamentos. A prevalência de neonatos expostos a medicamentos off-label ou sem licença durante a internação hospitalar foi elevada e associou-se com os prematuros mais imaturos, com pesos menores, escores de Apgar no quinto minuto mais baixos, que receberam reanimação neonatal e evoluíram para o óbito. Os antibióticos e a cafeína foram, respectivamente, os medicamentos off-label e sem licença mais utilizados. A elevada exposição de neonatos a medicamentos off-label ou sem licença nas unidades neonatais é preocupante. Portanto, tornam-se necessários mais investimentos em estudos para alcançar maior segurança e qualidade da terapêutica medicamentosa empregada em neonatologia.

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Editado por

Editor responsável: José Roberto Fioretto

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2020
  • Aceito
    01 Ago 2020
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