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Uso do SAPS 3 no escore NUTrition RIsk in the Critically ill modificado tem precisão preditiva comparável ao uso do APACHE II como marcador de gravidade

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3) como substituto do Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) como marcador de gravidade na versão modificada do escore NUTrition RIsk in the Critically ill (mNUTRIC; sem interleucina 6), com base em uma análise de sua capacidade discriminativa para predição de mortalidade hospitalar.

Métodos:

Este estudo de coorte retrospectiva avaliou 1.516 pacientes adultos internados em uma unidade de terapia intensiva de um hospital geral privado entre abril de 2017 e janeiro de 2018. A avaliação de desempenho incluiu as análises Kappa de Fleiss e correlação de Pearson. A capacidade discriminativa para estimar a mortalidade hospitalar foi avaliada com a curva Característica de Operação do Receptor.

Resultados:

A amostra foi dividida aleatoriamente em dois terços para o desenvolvimento do modelo (n = 1.025; idade 72 [57 - 83]; 52,4% masculino) e um terço para avaliação do desempenho (n = 490; idade 72 [57 - 83]; 50,8 % masculino). A concordância com o mNUTRIC foi Kappa de 0,563 (p < 0,001), e a correlação entre os instrumentos foi correlação de Pearson de 0,804 (p < 0,001). A ferramenta mostrou bom desempenho para prever a mortalidade hospitalar (área sob a curva de 0,825 [0,787 - 0,863] p < 0,001).

Conclusão:

A substituição do APACHE II pelo SAPS 3 como marcador de gravidade no escore mNUTRIC mostrou bom desempenho para predizer a mortalidade hospitalar. Esses dados fornecem a primeira evidência sobre a validade da substituição do APACHE II pelo SAPS 3 no mNUTRIC como marcador de gravidade. São necessários estudos multicêntricos e análises adicionais dos parâmetros de adequação nutricional.

Descritores:
Avaliação nutricional; Cuidados críticos; APACHE; Escore fisiológico agudo simplificado; Mortalidade; Índice de gravidade de doença

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the substitution of Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) by Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3) as a severity marker in the modified version of the NUTrition RIsk in the Critically ill score (mNUTRIC); without interleukin 6) based on an analysis of its discriminative ability for in-hospital mortality prediction.

Methods:

This retrospective cohort study evaluated 1,516 adult patients admitted to an intensive care unit of a private general hospital from April 2017 to January 2018. Performance evaluation included Fleiss’ Kappa and Pearson correlation analysis. The discriminative ability for estimating in-hospital mortality was assessed with the Receiver Operating Characteristic curve.

Results:

The sample was randomly divided into two-thirds for model development (n = 1,025; age 72 [57 - 83]; 52.4% male) and one-third for performance evaluation (n = 490; age 72 [57 - 83]; 50.8% male). The agreement with mNUTRIC was Kappa of 0.563 (p < 0.001), and the correlation between the instruments was Pearson correlation of 0.804 (p < 0.001). The tool showed good performance in predicting in-hospital mortality (area under the curve 0.825 [0.787 - 0.863] p < 0.001).

Conclusion:

The substitution of APACHE II by SAPS 3 as a severity marker in the mNUTRIC score showed good performance in predicting in-hospital mortality. These data provide the first evidence regarding the validity of the substitution of APACHE II by SAPS 3 in the mNUTRIC as a marker of severity. Multicentric studies and additional analyses of nutritional adequacy parameters are required.

Keywords:
Nutritional assessment; Critical care; APACHE; Simplified acute physiology score; Mortality; Severity of illness index

INTRODUçãO

O sistema de pontuação NUTrition RIsk in the Critically ill (NUTRIC) é a única ferramenta de triagem nutricional desenvolvida especificamente para pacientes críticos.(11 Heyland DK, Dhaliwal R, Jiang X, Day AG. Identifying critically ill patients who benefit the most from nutrition therapy: the development and initial validation of a novel risk assessment tool. Crit Care. 2011;15(6): R268.) O sistema foi proposto por Heyland et al. para avaliar o risco de eventos adversos (mortalidade e dias sob ventilação mecânica - VM) que sejam potencialmente modificáveis pela intervenção nutricional adequada.(11 Heyland DK, Dhaliwal R, Jiang X, Day AG. Identifying critically ill patients who benefit the most from nutrition therapy: the development and initial validation of a novel risk assessment tool. Crit Care. 2011;15(6): R268.) A ferramenta se baseia em um modelo conceitual, que lida com linhas atuais de pensamento em relação à desnutrição em pacientes adultos e inclui gravidade da doença, subnutrição crônica e inflamação, salientando sua influência no estado nutricional e no prognóstico de um paciente quando da admissão à unidade de terapia intensiva (UTI).(11 Heyland DK, Dhaliwal R, Jiang X, Day AG. Identifying critically ill patients who benefit the most from nutrition therapy: the development and initial validation of a novel risk assessment tool. Crit Care. 2011;15(6): R268.) O instrumento foi modificado e validado sem interleucina 6, incluída na primeira versão, porém removida em razão de dificuldades para sua obtenção na maioria dos centros. Quando se retirou a interleucina 6, Rahman et al. não observaram qualquer modificação clínica ou estatisticamente significante em seus dados, recomendando a retirada desse marcador sem prejuízo ao escore.(22 Rahman A, Hasan RM, Agarwala R, Martin C, Day AG, Heyland DK. Identifying critically-ill patients who will benefit most from nutritional therapy: further validation of the “modified NUTRIC” nutritional risk assessment tool. Clin Nutr. 2016;35(1):158-62.) O sistema NUTRIC de pontuação é recomendado por diretrizes nacionais e internacionais(33 Castro MG, Ribeiro PC, Souza IA, Cunha HF, Silva MH, Rocha EE, et al. Diretrizes Brasileira de Terapia Nutricional no Paciente Grave. BRASPEN J. 2018;33 (Supl 1): 2-36.,44 McClave SA, Taylor BE, Martindale RG, Warren MM, Johnson DR, Braunschweig C, McCarthy MS, Davanos E, Rice TW, Cresci GA, Gervasio JM, Sacks GS, Roberts PR, Compher C; Society of Critical Care Medicine; American Society for Parenteral and Enteral Nutrition. Guidelines for the provision and assessment of nutrition support therapy in the adult critically Ill patient: Society of Critical Care Medicine (SCCM) and American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (A.S.P.E.N.). JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2016;40(2):159-211.) e identificou que cerca de metade dos pacientes admitidos à UTI tem alto risco nutricional.(55 Mendes R, Policarpo S, Fortuna P, Alves M, Virella D, Heyland DK; Portuguese NUTRIC Study Group. Nutritional risk assessment and cultural validation of the modified NUTRIC score in critically ill patients--A multicenter prospective cohort study. J Crit Care. 2017;37:45-9.)

O sistema NUTRIC utiliza como marcador de gravidade e prognóstico o escore Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE) II. Entretanto, há uma nova geração amplamente disponível de escores prognósticos, que podem ser aplicados mais cedo e com maior facilidade, como o Simplified Acute Physiology Score (SAPS) 3.(66 Sedlon P, Kamenik L, Skvaril J, Maly M, Taborsky M, Zavoral M. Comparison of the accuracy and correctness of mortality estimates for intensive care unit patients in internal clinics of the Czech Republic using APACHE II, APACHE IV, SAPS 3 and MPMoIII models. Med Glas (Zenica). 2016;13(2):82-9.

7 Metnitz PG, Moreno RP, Almeida E, Jordan B, Peter B, Campos RA, Iapichino G, Edbrooke D, Capuzzo M, Le Gall JR; SAPS 3 Investigators. SAPS 3--From evaluation of the patient to evaluation of the intensive care unit. Part 1: Objectives, methods and cohort description. Intensive Care Med. 2005;31(10):1336-44.
-88 Silva Junior JM, Malbouisson LM, Nuevo HL, Barbosa LG, Marubyashi LY, Teixeira IC, et al. Applicability of the Simplified Acute Physiology Score (SAPS 3) in Brazilian hospitals. Rev Bras Anestesiol. 2010;60(1):20-31.) O sistema SAPS 3 foi desenvolvido em uma coorte global e consiste em 20 variáveis divididas entre dados demográficos, parâmetros fisiológicos e razões para admissão à UTI. O total do SAPS 3 pode variar de 16 a 217 pontos.(88 Silva Junior JM, Malbouisson LM, Nuevo HL, Barbosa LG, Marubyashi LY, Teixeira IC, et al. Applicability of the Simplified Acute Physiology Score (SAPS 3) in Brazilian hospitals. Rev Bras Anestesiol. 2010;60(1):20-31.) Tem a vantagem de calcular a probabilidade de óbito dentro da primeira hora após admissão à UTI e poder ser calibrado segundo a região do mundo. Em razão de suas características, esse escore foi incorporado a diversos protocolos de pesquisa no ambiente da UTI.

Com o aumento da adesão ao SAPS 3, em lugar do APACHE II, como escore de gravidade nas UTIs, o uso do escore NUTRIC em sua versão modificada (mNUTRIC) como ferramenta de triagem nutricional em condições clínicas vem encontrando dificuldades.(88 Silva Junior JM, Malbouisson LM, Nuevo HL, Barbosa LG, Marubyashi LY, Teixeira IC, et al. Applicability of the Simplified Acute Physiology Score (SAPS 3) in Brazilian hospitals. Rev Bras Anestesiol. 2010;60(1):20-31.,99 Mbongo CL, Monedero P, Guillen-Grima F, Yepes MJ, Vives M, Echarri G. Performance of SAPS3, compared with APACHE II and SOFA, to predict hospital mortality in a general ICU in Southern Europe. Eur J Anaesthesiol. 2009;26(11):940-5.) A indisponibilidade de dados do APACHE II e o tempo necessário para calcular esse escore antes de realizar a avaliação com o mNUTRIC tornam longo o tempo necessário para sua aplicação, um aspecto indesejável para ferramentas de triagem nutricional. O SAPS 3 é um sistema prognóstico que prediz mortalidade, como o APACHE II. Nossa hipótese foi que, para utilização com o mNUTRIC, o uso do SAPS 3 como marcador de gravidade em lugar do APACHE II resultaria em precisão preditiva de mortalidade comparável. Nosso objetivo foi contribuir para fornecer a primeira evidência da validade da substituição do APACHE II pelo SAPS 3 como marcador de gravidade para o escore mNUTRIC.

MÉTODOS

Este estudo de coorte retrospectiva incluiu os pacientes admitidos no período entre abril de 2017 e janeiro de 2018 a uma UTI de um hospital geral privado no Brasil, que nela permaneceram por mais de 24 horas. Os pacientes foram submetidos à avaliação do risco nutricional quando da admissão à UTI, com utilização do escore mNUTRIC nas primeiras 24 a 48 horas.

O estudo foi realizado em conformidade com a Declaração de Helsinki e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local (protocolo 18-0271). Os autores assinaram um acordo para preservação do anonimato de pacientes e da equipe, no que diz respeito ao uso desses dados. Considerando-se as características do estudo, foi dispensada a necessidade de obter assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Coleta de dados

Colheram-se as seguintes variáveis epidemiológicas e clínicas: idade, sexo, índice de massa corporal (IMC), Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), APACHE II, SAPS 3, uso de VM, local de origem (antes da admissão) e razão para admissão à UTI, tempo de permanência na UTI e no hospital e mortalidade na UTI e no hospital.

Realizou-se avaliação do risco nutricional com o escore mNUTRIC, cujo escore final consiste na soma das pontuações atribuídas aos componentes a seguir: idade, APACHE II, SOFA, número de comorbidades e tempo de permanência no hospital antes da admissão à UTI. A classificação se baseou no sistema proposto para a versão modificada: escore baixo entre zero e quatro pontos (baixo risco) e escore alto ≥ 5 a 9 pontos (alto risco).(22 Rahman A, Hasan RM, Agarwala R, Martin C, Day AG, Heyland DK. Identifying critically-ill patients who will benefit most from nutritional therapy: further validation of the “modified NUTRIC” nutritional risk assessment tool. Clin Nutr. 2016;35(1):158-62.)

Substituição do APACHE II pelo SAPS 3 no mNUTRIC

As faixas do sistema do SAPS 3 foram definidas utilizando pontos de corte do APACHE II a partir de um modelo de regressão linear e comparação com a curva Característica de Operação do Receptor (ROC - Receiver Operating Characteristic) para mortalidade hospitalar. O escore atribuído às faixas dos componentes do SAPS 3 foram mantidos segundo o instrumento original (zero a três pontos). Os pacientes foram classificados como alto risco nutricional quando o escore era ≥ 5 a 9 pontos. Para validação desse modelo, utilizou-se como desfecho a mortalidade hospitalar por todas as causas.

Análise estatística

O tamanho da amostra foi calculado com base no estudo de Silva Junior et al.,(88 Silva Junior JM, Malbouisson LM, Nuevo HL, Barbosa LG, Marubyashi LY, Teixeira IC, et al. Applicability of the Simplified Acute Physiology Score (SAPS 3) in Brazilian hospitals. Rev Bras Anestesiol. 2010;60(1):20-31.) que avaliou se o SAPS 3 era aplicável às UTIs brasileiras e identificou sensibilidade de 75,8% para discriminação entre sobreviventes e não sobreviventes. Considerando-se sensibilidade de 0,7 com precisão de 0,1 e prevalência de mortalidade de 0,55 (obtida a partir dos dados da instituição), o número mínimo de pacientes deveria ser 148.

As variáveis quantitativas foram resumidas como medianas e faixa interquartis. As variáveis qualitativas foram expressas como frequências absolutas e relativas. Utilizou-se o teste de Shapiro-Wilk para avaliar a normalidade das variáveis. Utilizou-se a regressão de Poisson para avaliar o relacionamento entre os escores de gravidade e a mortalidade hospitalar, com ajustes para número de comorbidades, idade, sexo, local de admissão, uso de VM e IMC. As correlações entre os instrumentos foram analisadas com o coeficiente de correlação de Pearson.

A concordância entre os instrumentos a respeito da classificação do risco nutricional foi avaliada com utilização do Kappa de Fleiss (k). Este índice varia de zero a um e considera < 0,2 como baixa concordância, 0,2 a 0,4 como concordância razoável, 0,4 a 0,6 como concordância moderada, 0,6 a 0,8 como concordância substancial e > 0,8 como concordância quase perfeita.

A capacidade do modelo composto com o SAPS 3 para predizer a mortalidade hospitalar foi avaliada com utilização da área sob a curva (ASC) ROC e intervalos de confiança de 95% (IC95%). O nível de significância foi estabelecido como 5%. A validade preditiva do modelo proposto em comparação com o escore mNUTRIC foi avaliada com utilização de regressão de Poisson com variância robusta para mortalidade hospitalar, ajustando para idade e sexo. Para análise dos dados, utilizou-se o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0.

RESULTADOS

No período entre abril de 2017 e janeiro de 2018 foram considerados elegíveis 1.516 pacientes. A amostra foi dividida aleatoriamente em dois terços para desenvolvimento do modelo (n = 1.025) e um terço para avaliação do desempenho do modelo (n = 490). As características dos pacientes são descritas na tabela 1.

Após ajuste, observou-se uma correlação entre APACHE II e SAPS 3 para aumento do valor e mortalidade hospitalar (risco relativo - RR de 1,11 [1,07 - 1,14]; p < 0,001 - ASC com IC95% 0,779 (0,751 - 0,806); RR de 1,01 (1,00 - 1,01) e p < 0,001; ASC com IC95% 0,819 (0,795 - 0,843), respectivamente).

A tabela 2 mostra o mNUTRIC composto de SAPS 3. Para o desenvolvimento, os dados relativos ao desempenho do novo instrumento, em comparação com o escore mNUTRIC na amostra do estudo (n = 1.025), foram como segue: correlação entre os escores de r = 0,839 (p < 0,001); concordância na classificação do risco nutricional entre os instrumentos de k = 0,543 (p < 0,001); a capacidade de predizer mortalidade hospitalar da ASC resultou em área de 0,869 (IC95% 0,844 - 0,894) (Figura 1). Os dados sobre a capacidade discriminativa do escore mNUTRIC de predizer a mortalidade em 28 dias são descritos na tabela 2.

Figura 1
Curva Característica de Operação do Receptor para predizer a mortalidade hospitalar no desenvolvimento e avaliação do desempenho do escore NUTrition RIsk in the Critically ill modificado com o escore Simplified Acute Physiology Score 3.

ROC - Característica de Operação do Receptor; mNUTRIC - NUTrition RIsk in the Critically ill modificado; SAPS 3 - Simplified Acute Physiology Score 3; ASC - área sob a curva; IC95% - intervalo de confiança de 95%.


Tabela 1
Características dos pacientes mNUTRIC - NUTrition RIsk in the Critically ill modificado; SAPS 3 - Simplified Acute Physiology Score 3; APACHE II - Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II; SOFA - Sequential Organ Failure Assessment; UTI - unidade de terapia intensiva; ASC - área sob a curva. *Adotou-se intervalo de confiança de 95% para o kappa de concordância e a correlação de Pearson.
Tabela 2
Proposta para o escore NUTrition RIsk in the Critically ill modificado com o Simplified Acute Physiology Score 3

O desempenho do modelo proposto foi avaliado com utilização de um terço da amostra (n = 490). A concordância entre os instrumentos (mNUTRIC composto pelo SAPS 3 versus escore mNUTRIC) foi de 0,563 (p < 0,001); a correlação foi de 0,804 (p < 0,001); e a capacidade discriminativa do modelo proposto para predizer a mortalidade hospitalar foi ASC de 0,825 (IC95% 0,787 - 0,863) (Figura 1).

Os pacientes classificados como alto risco nutricional pelo modelo proposto demonstraram proporção de incidência (IR - incidence ratio) de mortalidade hospitalar de 1,263 (IC95% 1,178 - 1,353; p < 0,001) na análise com ajuste para idade e sexo. Semelhantemente, a validade preditiva do escore mNUTRIC mostrou IR maior para mortalidade hospitalar em pacientes com alto risco nutricional (IR de 1,321; IC95% 1,231 - 1,417; p < 0,001).

DISCUSSÃO

Neste estudo, nossa hipótese foi de que a substituição do APACHE II pelo SAPS 3 para o mNUTRIC resultaria em uma precisão comparável para predizer a mortalidade hospitalar por todas as causas. Nossos dados mostram bom desempenho com relação à capacidade de predizer a mortalidade hospitalar com ajuste para idade e sexo, assim como capacidade discriminativa para mortalidade hospitalar. Esses resultados estão fortemente relacionados como os resultados tanto do estudo original NUTRIC (ASC de 0,783)(11 Heyland DK, Dhaliwal R, Jiang X, Day AG. Identifying critically ill patients who benefit the most from nutrition therapy: the development and initial validation of a novel risk assessment tool. Crit Care. 2011;15(6): R268.) quanto de sua versão modificada (ASC de 0,768) para mortalidade.(22 Rahman A, Hasan RM, Agarwala R, Martin C, Day AG, Heyland DK. Identifying critically-ill patients who will benefit most from nutritional therapy: further validation of the “modified NUTRIC” nutritional risk assessment tool. Clin Nutr. 2016;35(1):158-62.)

O sistema de pontuação NUTRIC é a primeira ferramenta específica para triagem nutricional na UTI e pode ser facilmente aplicado em pacientes críticos desde que outras variáveis, como o APACHE II e o SOFA, estejam disponíveis quando os pacientes são admitidos à UTI.(1010 Kozeniecki M, Pitts H, Patel JJ. Barriers and solutions to delivery of intensive care unit nutrition therapy. Nutr Clin Pract. 2018;33(1):8-15.) Esse sistema foi criado para triagem nutricional, porém se comprovou como preditor eficaz da mortalidade em pacientes com risco nutricional.(1111 de Vries MC, Koekkoek WK, Opdam MH, van Blokland D, van Zanten AR. Nutritional assessment of critically ill patients: validation of the modified NUTRIC score. Eur J Clin Nutr. 2018;72(3):428-35.,1212 Becker T, Zanchim MC, Mognon A, Junior LRC, Cibulski TP, Correa JA, et al. Risco nutricional de pacientes críticos utilizando o NUTRIC Score. BRASPEN J. 2018;33(1):26-31.) Atualmente, têm-se utilizado escores mais apropriados para as condições na UTI, como o SAPS 3.(1313 Moreno RP, Metnitz PG, Almeida E, Jordan B, Bauer P, Campos RA, Iapichino G, Edbrooke D, Capuzzo M, Le Gall JR; SAPS 3 Investigators. SAPS 3--From evaluation of the patient to evaluation of the intensive care unit. Part 2: Development of a prognostic model for hospital mortality at ICU admission. Intensive Care Med. 2005;31(10):1345-55.,1414 Ledoux D, Canivet JL, Preiser JC, Lefrancq J, Damas P. SAPS 3 admission score: an external validation in a general intensive care population. Intensive Care Med. 2008;34(10):1873-7.) Assim, saber que o SAPS 3 poderia substituir APACHE II no sistema NUTRIC, sem comprometer o desempenho, proporcionaria uma opção rápida para triagem nesse grupo de pacientes. Até o que se sabe, este foi o primeiro estudo a avaliar a validade da substituição do APACHE II pelo SAPS 3 como marcador de gravidade para cálculo do mNUTRIC.

O modelo foi desenvolvido com utilização de modelagem estatística e amostragem robustas. Contudo, este estudo tem diversas limitações. No estudo original de Heyland,(11 Heyland DK, Dhaliwal R, Jiang X, Day AG. Identifying critically ill patients who benefit the most from nutrition therapy: the development and initial validation of a novel risk assessment tool. Crit Care. 2011;15(6): R268.) a idade mediana dos pacientes foi de 63,5 anos, enquanto neste a mediana de idade dos pacientes foi de 72 anos. O APACHE II foi de 21, enquanto nesta amostra foi de 15. Igualmente, o SOFA no estudo de Heyland foi de 7 e, aqui, 2, indicando que, apesar de mais velhos, os pacientes deste estudo tinham doença menos grave. Embora os escores de gravidade fossem mais baixos nesta amostra, o tempo médio de permanência na UTI foi de 4 dias, o que caracteriza um risco nutricional e demanda o início de terapia nutricional.(1515 Singer P, Blaser AR, Berger MM, Alhazzani W, Calder PC, Casaer MP, et al. ESPEN guideline on clinical nutrition in the intensive care unit. Clin Nutr. 2019;38(1):48-79.) Este estudo foi conduzido de forma retrospectiva e em um único centro, apesar de que o escore NUTRIC foi obtido prospectivamente quando da admissão à UTI; assim, ainda é necessário aplicá-lo em outros pacientes de UTI com doença mais grave e realizar avaliação prospectiva de seu desempenho. Sem dúvida, são necessários novos estudos para avaliação do modelo proposto. Acredita-se que outra limitação importante deste estudo foi a ausência de uma análise dos dados de adequação nutricional. A indisponibilidade dos dados nutricionais impediu a avaliação do modelo proposto e sua resposta em termos de suporte nutricional. Essa é uma limitação relevante, pois o escore NUTRIC foi delineado para avaliar quais pacientes devem obter melhor benefício da terapia nutricional; assim, esta análise é crucial para realizar uma avaliação do modelo. Contudo, crê-se que este estudo contribuiu para fornecer evidência inicial sobre a possibilidade de, para fins de cálculo do escore mNUTRIC, substituir do APACHE II pelo SAPS 3 como marcador da gravidade, sem comprometer seu desempenho para predizer a mortalidade.

CONCLUSÃO

Estes dados sugerem que a substituição do APACHE II pelo SAPS 3 como marcador de gravidade para cálculo do escore mNUTRIC demonstrou bom desempenho para predizer a mortalidade hospitalar. Tais resultados proporcionam a primeira evidência da validade da substituição do APACHE II pelo SAPS 3 como marcador de gravidade no escore mNUTRIC. São necessários ensaios multicêntricos e análises adicionais dos parâmetros relacionados à adequação nutricional.

REFERÊNCIAS

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Editado por

Editor responsável: Pedro Póvoa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2020
  • Aceito
    29 Dez 2020
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