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O balanço hídrico pós-extubação se associa com falha da extubação: um estudo de coorte

RESUMO

Objetivo:

Avaliar se há associação entre o balanço hídrico nas 48 horas após a extubação e a falha da extubação.

Métodos:

Este é um estudo de coorte prospectiva que incluiu os pacientes admitidos à unidade de terapia intensiva de um hospital terciário no sul do Brasil entre março e dezembro de 2019. Incluíram-se os pacientes que necessitaram de ventilação mecânica por pelo menos 24 horas e foram extubados durante o período do estudo. O desfecho primário foi falha da extubação, considerada como necessidade de reintubar dentro das primeiras 72 horas após a extubação. O desfecho secundário foi um desfecho combinado de falha da extubação ou necessidade de ventilação não invasiva terapêutica.

Resultados:

Foram incluídos 101 pacientes. Observou-se falha da extubação em 29 (28,7%) deles. Na análise univariada, pacientes com balanço hídrico negativo acima de 1L no período de 48 horas após a extubação tiveram menor taxa de falha da extubação (12,0%), em comparação a pacientes com balanço hídrico negativo nas 48 horas após a extubação menor que 1L (34,2%; p = 0,033). A duração da ventilação mecânica e o balanço hídrico negativo nas 48 horas após a extubação inferior a 1L se associaram com falha da extubação na análise multivariada quando corrigido pelo Simplified Acute Physiology Score 3. Quando avaliou-se o desfecho combinado, apenas o balanço hídrico nas 48 horas pós-extubação inferior a 1L manteve associação, quando corrigido pelo Simplified Acute Physiology Score 3 e duração da ventilação mecânica.

Conclusão:

O balanço hídrico nas 48 horas após a extubação se associa com falha da extubação. São necessários mais estudos para avaliar se evitar um balanço hídrico positivo nesse período poderia melhorar os desfechos do desmame.

Descritores:
Equilíbrio hidroeletrolítico; Respiração artificial; Desmame; Extubação; Ventilação não invasiva

ABSTRACT

Objective:

To assess whether there is an association between 48-hour postextubation fluid balance and extubation failure.

Methods:

This was a prospective cohort study that included patients admitted to the intensive care unit of a tertiary hospital in southern Brazil from March 2019 to December 2019. Patients who required mechanical ventilation for at least 24 hours and who were extubated during the study period were included. The primary outcome was extubation failure, considered as the need for reintubation in the first 72 hours after extubation. The secondary outcome was a combined outcome with extubation failure or the need for therapeutic noninvasive ventilation.

Results:

A total of 101 patients were included. Extubation failure was observed in 29 (28.7%) patients. In univariate analysis, patients with a negative 48-hour postextubation fluid balance higher than one liter had a lower rate of extubation failure (12.0%) than patients with a negative 48-hour postextubation fluid balance lower than 1L (34.2%; p = 0.033). Mechanical ventilation duration and negative 48-hour postextubation fluid balance lower than one liter were associated with extubation failure when corrected for Simplified Acute Physiology Score 3 in multivariate analysis. When we evaluated the combined outcome, only negative 48-hour postextubation lower than 1L maintained an association when corrected for for Simplified Acute Physiology Score 3 and mechanical ventilation duration.

Conclusion:

The 48-hour postextubation fluid balance is associated with extubation failure. Further studies are necessary to assess whether avoiding positive fluid balance in this period might improve weaning outcomes.

Keywords:
Water-electrolyte balance; Respiration, artificial; Weaning; Airway extubation; Noninvasive ventilation

INTRODUÇÃO

A falha do desmame da ventilação mecânica (VM), definida como falha no teste de respiração espontânea (TRE) ou necessidade de reintubação traqueal dentro de 48 - 72 horas após a extubação, associa-se com desfechos piores em pacientes críticos.(11 Thille AW, Richard JC, Brochard L. The decision to extubate in the intensive care unit. Am J Respir Crit Care Med. 2013;187(12):1294-302.) Especificamente, a taxa da falha da extubação varia de 10% a 20%,(22 Frutos-Vivar F, Ferguson ND, Esteban A, Epstein SK, Arabi Y, Apezteguía C, et al. Risk factors for extubation failure in patients following a successful spontaneous breathing trial. Chest. 2006;130(6):1664-71.

3 Ghosh S, Chawla A, Mishra K, Jhalani R, Salhotra R, Singh A. Cumulative fluid balance and outcome of extubation: a prospective observational study from a general intensive care unit. Indian J Crit Care Med. 2018;22(11):767-72.
-44 Boniatti VM, Boniatti MM, Andrade CF, Zigiotto CC, Kaminski P, Gomes SP, et al. The modified integrative weaning index as a predictor of extubation failure. Respir Care. 2014;59(7):1042-7.) sendo importante determinar quais fatores podem estar associados a esse problema. Dentre as causas conhecidas, o edema pulmonar induzido pelo desmame é uma das mais comuns.(55 Lamia B, Maizel J, Ochagavia A, Chemla D, Osman D, Richard C, et al. Echocardiographic diagnosis of pulmonary artery occlusion pressure elevation during weaning from mechanical ventilation. Crit Care Med. 2009;37(5):1696-701.

6 Zapata L, Vera P, Roglan A, Gich I, Ordonez-Llanos J, Betbesé AJ. B-type natriuretic peptides for prediction and diagnosis of weaning failure from cardiac origin. Intensive Care Med. 2011;37(3):477-85.

7 Anguel N, Monnet X, Osman D, Castelain V, Richard C, Teboul JL. Increase in plasma protein concentration for diagnosing weaning-induced pulmonary oedema. Intensive Care Med. 2008;34(7):1231-8.

8 Caille V, Amiel JB, Charron C, Belliard G, Vieillard-Baron A, Vignon P. Echocardiography: a help in the weaning process. Crit Care. 2010;14(3):R120.
-99 Ferré A, Guillot M, Lichtenstein D, Mezière G, Richard C, Teboul JL, et al. Lung ultrasound allows the diagnosis of weaning-induced pulmonary oedema. Intensive Care Med. 2019;45(5):601-8.) A transição da pressão intratorácica positiva para negativa, que ocorre durante o desmame da VM, pode levar à disfunção cardíaca pelo aumento da pré-carga e da pós-carga para os ventrículos direito e esquerdo, especialmente em pacientes com sobrecarga de fluidos.(1010 Teboul JL. Weaning-induced cardiac dysfunction: where are we today? Intensive Care Med. 2014;40(8):1069-79.) Mesmo pacientes com função cardíaca normal podem desenvolver transudação alveolar após a extubação, em razão de modificações locais nas pressões transpulmonar e capilar.(1111 Maggiore SM, Battilana M, Serano L, Petrini F. Ventilatory support after extubation in critically ill patients. Lancet Respir Med. 2018;6(12):948-62.

12 Liu J, Shen F, Teboul JL, Anguel N, Beurton A, Bezaz N, et al. Cardiac dysfunction induced by weaning from mechanical ventilation: incidence, risk factors, and effects of fluid removal. Crit Care. 2016;20(1):369.
-1313 Dres M, Teboul JL, Anguel N, Guerin L, Richard C, Monnet X. Passive leg raising performed before a spontaneous breathing trial predicts weaning-induced cardiac dysfunction. Intensive Care Med. 2015;41(3):487-94.)

Diversos estudos demonstraram associação entre o balanço hídrico (BH) pré-extubação e a falha da extubação.(22 Frutos-Vivar F, Ferguson ND, Esteban A, Epstein SK, Arabi Y, Apezteguía C, et al. Risk factors for extubation failure in patients following a successful spontaneous breathing trial. Chest. 2006;130(6):1664-71.,33 Ghosh S, Chawla A, Mishra K, Jhalani R, Salhotra R, Singh A. Cumulative fluid balance and outcome of extubation: a prospective observational study from a general intensive care unit. Indian J Crit Care Med. 2018;22(11):767-72.,1414 Upadya A, Tilluckdharry L, Muralidharan V, Amoateng-Adjepong Y, Manthous CA. Fluid balance and weaning outcomes. Intensive Care Med. 2005;31(12):1643-7.,1515 Epstein CD, Peerless JR. Weaning readiness and fluid balance in older critically ill surgical patients. Am J Crit Care. 2006;15(1):54-64.) O primeiro ensaio randomizado a avaliar a gestão dos fluidos durante o desmame foi relatado por Mekontso Dessap et al.(1616 Mekontso Dessap A, Roche-Campo F, Kouatchet A, Tomicic V, Beduneau G, Sonneville R, et al. Natriuretic peptide-driven fluid management during ventilator weaning: a randomized controlled trial. Am J Respir Crit Care Med. 2012;186(12):1256-63.) A estratégia de gerenciamento dos fluidos orientada pelas concentrações plasmáticas do peptídeo natriurético cerebral (BNP), com BH significantemente mais negativo, diminuiu a duração do desmame sem aumentar as consequências adversas na hemodinâmica ou função renal. Recentemente, Liu et al. descreveram os efeitos da remoção de fluidos na incidência de edema pulmonar induzido pelo desmame.(1212 Liu J, Shen F, Teboul JL, Anguel N, Beurton A, Bezaz N, et al. Cardiac dysfunction induced by weaning from mechanical ventilation: incidence, risk factors, and effects of fluid removal. Crit Care. 2016;20(1):369.) Nesse cenário, nossa hipótese é a de que o BH nas 48 horas pós-extubação, uma variável pouco explorada, pode também ser fator de risco para falha. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar se há associação entre o BH nas 48 horas pós-extubação e falha da extubação.

MÉTODOS

Este foi um estudo de coorte prospectiva que incluiu os pacientes admitidos à unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital São Lucas (HSL) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em Porto Alegre (RS), entre março e dezembro de 2019. O HSL é terciário e registrava 560 leitos e cerca de 26 mil hospitalizações ao ano no momento da pesquisa. A UTI tinha 59 leitos clínico-cirúrgicos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HSL. Foi assinado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos pacientes ou por seus familiares.

Incluíram-se os pacientes que necessitaram da utilização de VM por pelo menos 24 horas e foram extubados durante o período do estudo. Excluíram-se os pacientes com falha prévia da extubação, cujos BH pós-extubação não foram registrados. As variáveis colhidas foram idade; sexo; razão para início da VM; Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3); tempo sob VM; uso de ventilação não invasiva (VNI) após a extubação; BH nas 48 e nas 24 horas antes da extubação e nas 48 horas após a extubação; tempo de permanência na UTI e no hospital e mortalidade hospitalar. Os pacientes foram seguidos até a alta hospitalar.

Consideraram-se os pacientes prontos para o desmame da VM com base nos critérios a seguir: melhora da condição de base que levou à falência respiratória, estabilidade hemodinâmica (pressão arterial média de 65mmHg sem ou com doses mínimas de fármacos vasoativos), nível adequado de consciência sem infusão contínua de fármacos para sedação, fração inspirada de oxigênio (FiO2) inferior a 50% e pressão positiva expiratória final (PEEP) igual a ou menor que 8cmH2O. O TRE foi realizado com um tubo T ou por ventilação com pressão de suporte (VPS) com 8cmH2O, ambos com duração de 30 minutos. A decisão de voltar à VM ou realizar a extubação do paciente se baseou em sinais de intolerância ao TRE, como taquipneia, taquicardia, instabilidade hemodinâmica, esforço respiratório e alteração do estado de consciência. Após a extubação, a decisão de reintubar se baseou em um dos critérios a seguir: diminuição da saturação de oxigênio (SpO2) para menos de 88% apesar do aumento da FiO2; diminuição do pH ou aumento da pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2); fadiga de músculos respiratórios; instabilidade hemodinâmica; secreção copiosa sem que o paciente tivesse capacidade de remoção adequada e diminuição dos níveis de consciência. O uso de VNI após a extubação foi registrado. Definiu-se uso profilático de VNI se VNI iniciada imediatamente após a extubação, mantida por 4 horas e, após esse período, utilizada profilaticamente. O uso de VNI foi definido como terapêutico quando utilizada para tratar disfunção respiratória dentro das 72 horas após a extubação. O uso terapêutico de VNI se baseou principalmente em taquipneia, diminuição da SpO2 ou esforço respiratório.

Definiu-se BH como a entrada total de fluidos menos o débito total de fluidos, sem considerar perdas insensíveis. Definiu-se desmame simples como extubação no primeiro TRE. O desfecho primário foi falha da extubação, considerado como necessidade de reintubar dentro das primeiras 72 horas após a extubação. O desfecho secundário foi um desfecho combinado de falha após a extubação ou necessidade de utilizar VNI terapêutica.

A amostra foi calculada considerando-se taxa de falha da extubação de 15% e diferença média de 1.500mL no BH nas 48 horas pós-extubação entre os pacientes com e sem falha da extubação, com nível de significância de 5% e poder estatístico de 80%. O tamanho calculado para a amostra foi de 231 pacientes.

A análise estatística dos dados colhidos foi realizada por estatística descritiva, com cálculo da média mais ou menos o desvio-padrão ou mediana e faixa interquartis, frequência e percentagem. As análises estatísticas foram realizadas utilizando o teste do qui-quadrado para avaliar a associação entre as variáveis categóricas e o teste t ou teste de Mann-Whitney para avaliar a associação entre as variáveis contínuas e desfechos. Todos os participantes foram divididos em categorias segundo o BH nas 48 horas após a extubação com utilização de faixas arbitrárias de 1.000mL, como descrito por Frutos-Vivar et al.(22 Frutos-Vivar F, Ferguson ND, Esteban A, Epstein SK, Arabi Y, Apezteguía C, et al. Risk factors for extubation failure in patients following a successful spontaneous breathing trial. Chest. 2006;130(6):1664-71.) Subsequentemente, o BH pós-extubação foi dicotomizado em inferior a 1.000mL e superior a 1.000mL, com utilização do índice de Youden (calculado como a sensibilidade mais a especificidade menos um). Finalmente, foi realizada uma regressão logística. As variáveis com plausibilidade biológica foram escolhidas para o modelo de regressão logística (SAPS 3, duração da VM, e BH nas 48 horas pós-extubação). Como análises de sensibilidade, foram montados modelos com a variável BH nas 48 horas pós-extubação como variável ordinal e contínua. Considerou-se valor de p < 0,05 como estatisticamente significante. As análises estatísticas foram realizadas com utilização do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0.

RESULTADOS

Durante o período do estudo, 112 pacientes foram extubados após pelo menos 24 horas de VM. Onze pacientes foram excluídos por não terem registro do BH nas 48 horas após a extubação. Assim, foram incluídos na análise final 101 pacientes. Devido ao lento recrutamento, o estudo necessitou ser encerrado prematuramente. As características demográficas e clínicas são descritas na tabela 1. Apenas quatro (3,9%) pacientes tiveram insuficiência cardíaca congestiva como causa para VM.

Tabela 1
Variáveis demográficas, clínicas e desfecho

Observou-se falha da extubação em 29 (28,7%) pacientes. Os pacientes com falha da extubação eram mais jovens e tiveram permanência na UTI mais longa, maior necessidade de traqueostomia e maior mortalidade hospitalar. Foi utilizada VNI terapêutica em 25 (24,7%) pacientes, sendo mais comum naqueles com falha da extubação.

Com a utilização de faixas arbitrárias de 1.000mL, a prevalência de falha da extubação foi mais alta entre os pacientes com BH positivo (Figura 1). Pacientes com BH nas 48 horas pós-extubação negativo acima de 1L tiveram menor incidência de falha da extubação (12,0% versus 34,2%; p = 0,033) e do desfecho combinado (20,0% versus 48,7%; p = 0,012). A duração da VM e o BH nas 48 horas pós-extubação se associaram com falha da extubação na análise multivariada após correção para o SAPS 3 (Tabela 2 e Tabelas 1S - 4S no Material suplementar). Quando se avaliou o desfecho combinado, apenas o BH nas 48 horas após a extubação manteve associação após correção para SAPS 3 e duração da VM.

Figura 1
Prevalência de falha da extubação por categoria de balanço hídrico.

Os participantes foram divididos em categorias utilizando faixas arbitrárias de 1.000mL.


Tabela 2
Variáveis demográficas, clínicas e desfecho

DISCUSSÃO

Foi encontrada associação entre o BH nas 48 horas após a extubação e falha da extubação. Este é o primeiro estudo a demonstrar uma associação entre esse desfecho e o BH após a extubação, em vez do BH nas horas que antecederam a extubação, uma variável tradicionalmente investigada.

Há forte plausabilidade biológica de que o BH seja associado com falha do desmame ou da extubação. Um BH positivo pode levar a extravasamento capilar, com aumento da água extravascular pulmonar, contribuindo para a disfunção respiratória após a extubação.(1717 D'Orio V, Mendes P, Carlier P, Fatemi M, Marcelle R. Lung fluid dynamics and supply dependency of oxygen uptake during experimental endotoxic shock and volume resuscitation. Crit Care Med. 1991;19(7):955-62.) Além disso, a disfunção cardiovascular vem sendo cada vez mais reconhecida como causa importante da falha do desmame, mesmo em pacientes sem cardiopatia previamente reconhecida.(1818 Teboul JL, Monnet X, Richard C. Weaning failure of cardiac origin: recent advances. Crit Care. 2010;14(2):211.) A incidência de disfunção cardíaca induzida pelo desmame como causa de falha desse processo varia entre 20% e 87%.(55 Lamia B, Maizel J, Ochagavia A, Chemla D, Osman D, Richard C, et al. Echocardiographic diagnosis of pulmonary artery occlusion pressure elevation during weaning from mechanical ventilation. Crit Care Med. 2009;37(5):1696-701.

6 Zapata L, Vera P, Roglan A, Gich I, Ordonez-Llanos J, Betbesé AJ. B-type natriuretic peptides for prediction and diagnosis of weaning failure from cardiac origin. Intensive Care Med. 2011;37(3):477-85.

7 Anguel N, Monnet X, Osman D, Castelain V, Richard C, Teboul JL. Increase in plasma protein concentration for diagnosing weaning-induced pulmonary oedema. Intensive Care Med. 2008;34(7):1231-8.

8 Caille V, Amiel JB, Charron C, Belliard G, Vieillard-Baron A, Vignon P. Echocardiography: a help in the weaning process. Crit Care. 2010;14(3):R120.
-99 Ferré A, Guillot M, Lichtenstein D, Mezière G, Richard C, Teboul JL, et al. Lung ultrasound allows the diagnosis of weaning-induced pulmonary oedema. Intensive Care Med. 2019;45(5):601-8.) Quando o paciente retoma a respiração espontânea, restaura os valores negativos das pressões intratorácicas, incrementando assim o retorno venoso, o volume sanguíneo central e a pós-carga ventricular esquerda.(1919 Pinsky MR. The hemodynamic consequences of mechanical ventilation: an evolving story. Intensive Care Med. 1997;23(5):493-503.) Nesse cenário, uma sobrecarga de volume pode contribuir para descompensar a função cardiorrespiratória. Neste estudo, verificou-se associação do BH com falha da extubação, mesmo em população com baixa prevalência de doença pulmonar obstrutiva crônica ou insuficiência cardíaca congestiva, e com predominância de desmame simples. A hipótese é a de que a hipervolemia pode contribuir para falha da extubação, independentemente da causa primária. Pacientes que têm sobrecarga volêmica são mais propensos a ter falha da extubação do que os euvolêmicos, mesmo quando não houve identificação de insuficiência cardíaca como causa primária. Essa hipótese precisa ser confirmada por mais estudos.

Diversos estudos prévios encontraram associação entre o BH pré-extubação, tanto o acumulado quanto nas 24 horas, e a falha da extubação.(33 Ghosh S, Chawla A, Mishra K, Jhalani R, Salhotra R, Singh A. Cumulative fluid balance and outcome of extubation: a prospective observational study from a general intensive care unit. Indian J Crit Care Med. 2018;22(11):767-72.,1414 Upadya A, Tilluckdharry L, Muralidharan V, Amoateng-Adjepong Y, Manthous CA. Fluid balance and weaning outcomes. Intensive Care Med. 2005;31(12):1643-7.,1515 Epstein CD, Peerless JR. Weaning readiness and fluid balance in older critically ill surgical patients. Am J Crit Care. 2006;15(1):54-64.,2020 Maezawa S, Kudo D, Miyagawa N, Yamanouchi S, Kushimoto S. Association of body weight change and fluid balance with extubation failure in intensive care unit patients: a single-center observational study. J Intensive Care Med. 2021;36(2):175-81.) Não se verificou essa associação com BH pré-extubação, semelhantemente a estudos prévios que avaliaram o desfecho de falha do desmame.(2121 Antonio AC, Teixeira C, Castro PS, Savi A, Oliveira RP, Gazzana MB, et al. 48-hour fluid balance does not predict a successful spontaneous breathing trial. Respir Care. 2015;60(8):1091-6.) Uma possível explicação é que o BH pré-extubação já é rotineiramente avaliado, o que pode interferir na decisão de extubar o paciente.

Com o uso frequente de VNI terapêutica após a extubação,(2222 Subirà C, Hernández G, Vázquez A, Rodríguez-García R, González-Castro A, García C, et al. Effect of pressure support vs T-piece ventilation strategies during spontaneous breathing trials on successful extubation among patients receiving mechanical ventilation: a randomized clinical trial. JAMA. 2019;321(22):2175-82.) o desfecho combinado (reintubação ou uso terapêutico de VNI) é possivelmente mais sensível para identificação de pacientes com disfunção respiratória significante após a extubação. O BH após a extubação manteve sua associação com o desfecho combinado.

Com relação à intervenção com fluidos durante o desmame, Mekontso Dessap et al. identificaram que o uso de fluidos pré-extubação guiados pelos valores do BNP resultaram em tempos mais curtos de VM.(1616 Mekontso Dessap A, Roche-Campo F, Kouatchet A, Tomicic V, Beduneau G, Sonneville R, et al. Natriuretic peptide-driven fluid management during ventilator weaning: a randomized controlled trial. Am J Respir Crit Care Med. 2012;186(12):1256-63.) Outros autores sugeriram a utilização de ensaios randomizados para avaliar o papel da terapia diurética na prevenção da falha da extubação.(22 Frutos-Vivar F, Ferguson ND, Esteban A, Epstein SK, Arabi Y, Apezteguía C, et al. Risk factors for extubation failure in patients following a successful spontaneous breathing trial. Chest. 2006;130(6):1664-71.,33 Ghosh S, Chawla A, Mishra K, Jhalani R, Salhotra R, Singh A. Cumulative fluid balance and outcome of extubation: a prospective observational study from a general intensive care unit. Indian J Crit Care Med. 2018;22(11):767-72.) Nossos dados sugerem que essa investigação deveria ser ampliada a pelo menos 48 horas após a extubação.

Pacientes mais jovens tiveram incidência mais alta de falha da extubação, o que é o oposto do que se verificou previamente na literatura.(2323 Deab SA, Bellani G. Extubation failure after successful spontaneous breathing trial: prediction is still a challenge! Respir Care. 2014;59(2):301-2.) Entretanto, quando se acrescentou o uso terapêutico de VNI, a idade não mostrou associação com o desfecho combinado. Pacientes mais idosos utilizaram mais VNI, e isso pode ter modificado o desfecho de falha da extubação em 72 horas. Outro ponto a ser destacado é que a presente taxa de reintubação foi mais alta do que a de estudos prévios.

Este estudo tem algumas limitações. Primeiramente, trata-se de um estudo observacional, e não é possível demonstrar um relacionamento causal entre o BH e a falha da extubação. Em segundo lugar, não se atingiu o tamanho estimado da amostra, o que pode comprometer o poder do estudo para a conclusão apresentada. Em terceiro lugar, o número de pacientes foi pequeno, além de se tratar de estudo em um único centro, o que torna difícil a generalização dos resultados. Em quarto lugar, não se coletaram dados hemodinâmicos nem avaliações ecocardiográficas para correlacionar o BH positivo com disfunção ventricular. Finalmente, não foi determinada a causa da reintubação.

CONCLUSÃO

O balanço hídrico nas 48 horas após a extubação se associa com falha da extubação. São necessários mais estudos para avaliar se evitar um balanço hídrico positivo nesse período poderia melhorar os desfechos do desmame.

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Editado por

Editor responsável: Bruno Adler Maccagnan Pinheiro Besen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2020
  • Aceito
    02 Fev 2021
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