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Uso de um método não invasivo no monitoramento da pressão intracraniana em unidade de terapia intensiva para melhorar a neuroproteção em pacientes no pós-operatório de cirurgia cardíaca após circulação extracorpórea

RESUMO

Desde a instituição da circulação extracorpórea, há cinco décadas, a lesão cerebral decorrente desse procedimento durante cirurgias cardiovasculares tem sido uma complicação frequente. Não existe uma causa única de lesão cerebral pelo uso de circulação extracorpórea, porém se sabe que acomete cerca de 70% dos pacientes submetidos a esse procedimento. A avaliação da pressão intracraniana é um dos métodos que podem orientar os cuidados com os pacientes submetidos a procedimentos associados com distúrbios neurológicos. Este artigo descreve dois casos de pacientes submetidos à cirurgia cardiovascular com circulação extracorpórea, para os quais os procedimentos de neuroproteção na fase pós-operatória foram guiados pelos achados relacionados ao formato das ondas de pressão intracraniana, obtidos por meio de um método não invasivo de monitoramento.

Descritores:
Procedimentos cirúrgicos cardiovasculares; Lesões encefálicas; Pressão intracraniana; Circulação extracorpórea; Neuroproteção; Cuidados críticos

ABSTRACT

Brain injury caused by extracorporeal circulation during cardiovascular surgical procedures has been a recurring complication since the implementation of extracorporeal circulation five decades ago. There is no unique cause of brain injury due to the use of extracorporeal circulation, but it is known that brain injury affects about 70% of patients who undergo this procedure. Intracranial pressure assessment is one method that can guide the management of patients undergoing procedures associated with neurological disturbances. This study describes two cases of patients who underwent cardiovascular surgery with extracorporeal circulation in whom clinical protocols for neuroprotection in the postoperative phase were guided by intracranial pressure waveform findings obtained with a novel noninvasive intracranial pressure monitoring method.

Keywords:
Cardiovascular surgical procedures; Brain injuries; Intracranial pressure; Extracorporeal circulation; Neuroprotection; Critical care

INTRODUÇÃO

A circulação extracorpórea (CEC) vem sendo utilizada em procedimentos cardíacos há cinco décadas, e, a despeito de contínuos esforços para melhoria da técnica, seu uso pode causar complicações pós-operatórias com graus que variam entre leve a grave, podendo evoluir até a óbito.(11 Soares GM, Ferreira DC, Gonçalves MP, Alves TG, David FL, Henriques KM, et al. Prevalência das principais complicações pós-operatórias em cirurgias cardíacas. Rev Bras Cardiol. 2011;24(3):139-46.)

Complicações neurológicas pós-operatórias (temporárias ou de longa duração) podem ser encontradas em aproximadamente 70% dos pacientes. Tais complicações neurológicas variam desde comprometimento cognitivo até morte cerebral, incluindo acidente vascular cerebral isquêmico relacionado com elevadas taxas de mortalidade (33% morrem no primeiro ano e 53% dentro de 5 anos).(22 Barbosa NF, Cardinelli DM, Ercole FF. Determinants of neurological complications with the use of extracorporeal circulation (ECC). Arq Bras Cardiol. 2010;95(6):e151-7.

3 Ribeiro JC. Avaliação da hemodinâmica encefálica em pacientes de alto risco submetidos a cirurgia cardíaca: papel do balão de contrapulsasão intra-aórtico [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2016.
-44 Martin JF, Melo RO, Sousa LP. Postoperative cognitive dysfunction after cardiac surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(2):245-55.)

Com relação a fatores pré-operatórios, sugere-se que a idade pode desempenhar um papel no desenvolvimento de lesões cerebrais, razão pela qual indivíduos mais idosos apesentam risco mais elevado. Contudo, os mecanismos ligados ao desenvolvimento da lesão cerebral ainda não foram completamente esclarecidos. Além disso, outros fatores podem estar relacionados com doenças prévias associadas ao comprometimento da autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral (por exemplo, diabetes), assim como hipertensão arterial sistêmica e insuficiência renal. Tais condições podem provocar maior extração de oxigênio durante a CEC, levando à hipóxia cerebral e resultando em dano neurológico permanente.(44 Martin JF, Melo RO, Sousa LP. Postoperative cognitive dysfunction after cardiac surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(2):245-55.)

Sugere-se que fatores pós-operatórios estariam relacionados com a hipóxia e a temperatura de reaquecimento após utilização de CEC; entretanto, os achados da literatura são inconclusivos.(44 Martin JF, Melo RO, Sousa LP. Postoperative cognitive dysfunction after cardiac surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(2):245-55.)

A avaliação da pressão intracraniana (PIC) é um dos métodos que podem guiar o manejo de pacientes submetidos a procedimentos relacionados a transtornos neurológicos. Contudo, o caráter invasivo dos métodos-padrão para monitoramento da PIC, com necessidade de implantação de sensores diretamente em contato com o tecido cerebral, assim como sua associação com riscos para o paciente (como infecções, lesões do tecido cerebral e hemorragia), contribui para o cenário no qual a PIC não é amplamente considerada como parâmetro cerebral, a não ser em condições críticas, como no traumatismo craniencefálico.(55 Carney N, Totten AM, O’Reilly C, Ullman JS, Hawryluk GW, Bell MJ, et al. Guidelines for the Management of Severe Traumatic Brain Injury, Fourth Edition. Neurosurgery. 2017;80(1):6-15.)

Têm sido descritos diferentes métodos para avaliação não invasiva da PIC, que variam em termos da forma como podem proporcionar valores absolutos precisos de PIC (em mmHg), das características do formato de onda do pulso de PIC e da capacidade para monitoramento contínuo.(66 Cabella B, Vilela GH, Mascarenhas S, Czosnyka M, Smielewski P, Dias C, et al. Validation of a new noninvasive intracranial pressure monitoring method by direct comparison with an invasive technique. Acta Neurochir Suppl. 2016;122:93-6.) Nesse cenário, as características específicas da PIC podem ser avaliadas por um método não invasivo, independentemente de sua capacidade para fornecer valores absolutos, como o formato de onda da PIC.

Este é um relato de casos de dois pacientes submetidos à cirurgia cardiovascular com CEC, para os quais se aplicaram protocolos de neuroproteção na fase pós-operatória guiados pelos achados relacionados ao formato da onda de PIC obtido com um novo dispositivo não invasivo para monitoramento dessa pressão.

Por serem esses pacientes parte da amostra de um estudo maior de monitoramento não invasivo da PIC no ambiente da unidade de terapia intensiva (UTI) registrado pelo comitê local de ética em pesquisa sob o número 89534718.0.0000.5483/2018, ambos os pacientes forneceram o seu consentimento livre e esclarecido, tanto para o estudo maior quanto para esta publicação. Em ambos os casos, a cirurgia cardíaca foi realizada de forma eletiva.

Avaliação não invasiva da pressão intracraniana

O novo método não invasivo para monitoramento da PIC (Brain4care®, Brasil) consiste em um medidor de tensão (strain gauge) fixado em um dispositivo mecânico que toca a superfície do couro cabeludo entre a região frontoparietal lateral e a sutura sagital (Figura 1). O dispositivo consegue detectar ligeiras modificações nas dimensões cranianas resultantes das alterações na PIC, sem a necessidade de procedimentos cirúrgicos. As movimentações cranianas são micrométricas, e o sensor contém ferramentas eletrônicas e software capazes de captar e tratar esses sinais para fornecer o formato de onda da PIC (Figura 2).

Figura 1
(A) Desenho esquemático de todos os componentes do sistema não invasivo: (1) suporte da barra sensora; (2) sensor de pressão (strain gauge); (3) barra de suporte (barra sensora); e (4) pino. (B) Foto do sensor não invasivo.
Figura 2
Sensor não invasivo para monitoramento da pressão intracraniana. Fases de aquisição do sinal, detalhes dos componentes do sensor, modo de fixação na cabeça e comunicação com o monitor multiparamétrico.

Em seu atual estágio de desenvolvimento, esse método não consegue fornecer valores absolutos diretos de PIC; entretanto, pode-se obter um formato completo da onda de PIC com todos seus picos característicos. Além disso, o método permite monitoramento contínuo. O formato de onda da PIC se apresenta com três picos característicos: P1 (onda de percussão, resultante da transmissão da pressão arterial no plexo coroide para os ventrículos), P2 (pressão corrente, relacionada à complacência craniana) e P3 (onda dicrótica, relacionada com o fechamento diastólico da válvula aórtica).(77 Fan JY, Kirkness C, Vicini P, Burr R, Mitchell P. Intracranial pressure waveform morphology and intracranial adaptive capacity. Am J Crit Care. 2008;17(6):545-54.) Sob condições normais de PIC, as amplitudes desses picos são obtidos como P1 > P2 > P3. Contudo, em condições de diminuição da complacência craniana e aumento da PIC, a morfologia da onda se altera gradualmente, e certos indicadores, como a proporção P2/P1, eventualmente aumentam, denotando quadro de hipertensão intracraniana (proporção P2/P1 > 0,8).(66 Cabella B, Vilela GH, Mascarenhas S, Czosnyka M, Smielewski P, Dias C, et al. Validation of a new noninvasive intracranial pressure monitoring method by direct comparison with an invasive technique. Acta Neurochir Suppl. 2016;122:93-6.

7 Fan JY, Kirkness C, Vicini P, Burr R, Mitchell P. Intracranial pressure waveform morphology and intracranial adaptive capacity. Am J Crit Care. 2008;17(6):545-54.
-88 Dias C, Maia I, Cerejo A, Varsos G, Smielewski P, Paiva JA, et al. Pressures, flow, and brain oxygenation during plateau waves of intracranial pressure. Neurocrit Care. 2014;21(1):124-32.)

Esse método foi validado de duas formas: pela comparação direta com métodos invasivos em experimentação em animais,(66 Cabella B, Vilela GH, Mascarenhas S, Czosnyka M, Smielewski P, Dias C, et al. Validation of a new noninvasive intracranial pressure monitoring method by direct comparison with an invasive technique. Acta Neurochir Suppl. 2016;122:93-6.) na qual se obteve um valor de correlação de 0,8, e pela comparação direta em pacientes críticos com necessidade de monitoramento invasivo da PIC,(99 Frigieri G, Andrade RA, Dias C, Spavieri DL Jr, Brunelli R, Cardim DA, et al. Analysis of a non-invasive intracranial pressure monitoring method in patients with traumatic brain injury. Acta Neurochir Suppl. 2018;126:107-10.) mostrando maior similaridade entre os formatos de onda de PIC obtidos com os métodos não invasivo e invasivo do que a obtida com base na pressão arterial periférica. O sensor para monitoramento não invasivo da PIC foi instalado na região frontotemporal da cabeça do paciente, sem necessidade de tricotomia. O sinal foi colhido por, no mínimo, 5 minutos e, no máximo, 30 minutos, sendo o paciente mantido em posição supina com a cabeceira do leito elevada em 30°. A cabeça do paciente foi também posicionada de forma a assegurar alinhamento craniocervical, proporcionando drenagem venosa adequada pelas veias jugulares. O sinal não invasivo da PIC foi enviado para o sistema de análise automatizada do Brain4care®, com devolução de um relatório em formato PDF com os resultados da proporção P2/P1.

RELATO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino com 40 anos de idade, diagnóstico de síndrome de Marfan há 9 anos e história pregressa de correção de dissecção aórtica. O paciente foi admitido ao hospital com endocardite aórtica e submetido à troca do tubo valvado e reimplantação de artéria coronária.

Durante o procedimento cirúrgico, o paciente foi mantido em CEC por 182 minutos. O clampeamento aórtico foi mantido por 9 minutos após 112 minutos do início da cirurgia. Esse procedimento foi associado com acentuadas diminuições do fluxo sanguíneo cerebral e hipoxemia cerebral.(11 Soares GM, Ferreira DC, Gonçalves MP, Alves TG, David FL, Henriques KM, et al. Prevalência das principais complicações pós-operatórias em cirurgias cardíacas. Rev Bras Cardiol. 2011;24(3):139-46.)

Após o término do procedimento, o paciente foi transferido para a UTI e mantido sob sedação e ventilação mecânica, sendo necessária introdução de drogas vasoativas. No mesmo dia, o paciente apresentou episódio único de crise tônico-clônica e midríase bilateral. Após o término da crise, as pupilas permaneceram isocóricas com presença de fasciculações nos pés. Foi solicitado monitoramento não invasivo da PIC, para acompanhamento da efetividade das medidas de neuroproteção. No protocolo da instituição para cuidados de pacientes com suspeita de hipertensão intracraniana, todos os pacientes são acompanhados com pressão arterial invasiva e monitoramento invasivo ou não invasivo da PIC, com os seguintes alvos: PIC menor que 20mmHg, pressão de perfusão cerebral entre 60 e 70mmHg, sódio acima de 140mEq/L, pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2) entre 35 e 40mmHg, temperatura inferior a 37°C, glicose entre 140 e 180mg/dL.

O paciente foi monitorado quatro vezes, com início imediatamente após a crise convulsiva e três sessões subsequentes de monitoramento uma vez ao dia, em conformidade com o protocolo da instituição.

Achados e conduta clínica

Imediatamente após a crise, identificaram-se indicações de alteração da complacência craniana, com o formato médio de ondas cerebrais mostrando P2 > P1 (proporção P2/P1 = 1,29; Figura 3A). A tomografia computadorizada (TC) cerebral (Figura 4) mostrou edema cerebral difuso e medida da bainha do nervo óptico com diâmetro anormal de 5,34mm. O eletroencefalograma (EEG) revelou inicialmente desorganização difusa. As avaliações com Doppler transcraniano das artérias cerebrais médias (ACMs) mostraram velocidades médias anormais de fluxo sanguíneo (98cm/s e 78cm/s, respectivamente, para os hemisférios cerebrais direito e esquerdo), sem indicações de microembolia ou sinais claros de hipertensão intracraniana, porém com variação da velocidade média do fluxo nas ACMs que poderia estar relacionada com um comprometimento da autorregulação cerebral (Figura 5A). Para superar as potenciais implicações danosas de uma autorregulação disfuncional da pressão de perfusão cerebral, foi mantido alvo de pressão arterial sistólica de 100mmHg.

Como conduta clínica, aumentou-se o esquema de sedação e prevenção de isquemia cerebral secundária, com utilização de drogas vasoativas para manter a pressão arterial sistólica acima de 140mmHg.

O segundo monitoramento, realizado 24 horas após o primeiro, revelou indicações de manutenção de complacência craniana alterada, com P2 > P1, e melhora marginal na proporção P2/P1 (P2/P1 = 1,21; Figura 3B). A avaliação com Doppler transcraniano das artérias cerebrais revelou velocidades médias anormais do fluxo sanguíneo cerebral (Figura 5B).

Figura 3
Monitoramento do formato da onda de pressão intracraniana: (A) monitoramento após a cirurgia (dia 0); (B) monitoramento após 24 horas; (C) monitoramento após 48 horas; (D) monitoramento após 72 horas.
Figura 4
Tomografia computadorizada cerebral: (A) exame de tomografia computadorizada no primeiro dia; (B) exame de tomografia computadorizada no dia 4, mostrando melhora dos edemas pontuais; (C) medida da bainha do nervo óptico, com diâmetro anormal de 5,34mm.
Figura 5
Doppler transcraniano. (A) Aumento da resistência vascular cerebral e do índice de pulsabilidade com ondas de pico. (B) Manobra na veia jugular provocando aumento no índice resistivo. (C e D) Melhora das ondas de fluxo após o tratamento.

Optou-se por manter o esquema de sedação e drogas vasoativas para neuroproteção. Os alvos para pressão arterial foram estabelecidos em conformidade com os resultados do Doppler transcraniano (Figura 5C).

O terceiro monitoramento, realizado 24 horas após, mostrou melhora da complacência craniana, com proporção P2/P1 inferior a 1,0 (P2/P1 = 0,95; Figura 3C), ainda acima do limite para alteração da complacência craniana (P2/P1 > 0,8).

A conduta clínica consistiu em manutenção da sedação e drogas vasoativas, sendo solicitado novo monitoramento não invasivo da PIC após 48 horas.

O quarto monitoramento, 48 horas após, mostrou que o paciente teve boa resposta às medidas de neuroproteção, sem qualquer sinal de edema cerebral na tomografia realizada no mesmo dia. O formato de onda da PIC não invasiva tinha aparência quase normalizada (P2/P1 = 0,88; Figura 3D), e o Doppler transcraniano mostrou velocidades normais médias de fluxo sanguíneo cerebral. Optado por desmame da ventilação e da sedação.

O paciente foi extubado no quinto dia após a cirurgia, sem sequelas neurológicas.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, com 50 anos de idade e histórico de correção de aneurisma de aorta há dois anos. O paciente foi admitido ao hospital para correção de uma dissecção da aorta. Durante o procedimento foi submetido a CEC por 82 minutos e clampeamento aórtico por seis minutos após 48 minutos do início da cirurgia.

Após o término do procedimento o paciente foi transferido para a UTI e mantido sob sedação e ventilação mecânica, além de controle com drogas vasoativas segundo o protocolo da instituição previamente descrito.

Foi solicitado monitoramento não invasivo da PIC para avaliar a efetividade das medidas de neuroproteção utilizadas. O paciente foi monitorado três vezes: imediatamente após a cirurgia, além de 24 horas e 48 horas após a cirurgia.

Achados e conduta clínica

O primeiro monitoramento, imediatamente após a cirurgia, indicou alteração da complacência craniana, com formato médio da onda mostrando P2 > P1 (P2/P1 = 1,09; Figura 6A). A tomografia craniana revelou edema cerebral difuso, e o exame ocular inicial mostrou miose como progressão para pupilas isocóricas durante toda a permanência na UTI; o EEG não mostrou qualquer atividade epiléptica. Para esse paciente não foi realizado Doppler transcraniano.

Optado por manter níveis de sedação (midazolam associado como fentanil), segundo o protocolo da instituição para hipertensão intracraniana e solicitação de novo monitoramento não invasivo da PIC após 24 horas.

O segundo monitoramento, realizado 24 horas após o primeiro, indicou persistência de alteração da complacência craniana, com P2 > P1 mostrando piora da proporção P2/P1 (P1/P2 = 1,52; Figura 6B).

Optado por introdudiz dexmedetomidina em substituição à midazolam associada com fentanila e solicitação de novo monitoramento não invasivo da PIC 24 horas depois.

O terceiro monitoramento, realizado 24 horas após o segundo, mostrou complacência craniana dentro da faixa normal (P2/P1 = 0,75; Figura 6C).

Iniciou-se processo de desmame da ventilação mecânica, assim como da sedação.

O paciente foi extubado no terceiro dia após a cirurgia e não apresentou sequelas neurológicas.

DISCUSSÃO

Este estudo exploratório traz uma nova tecnologia para o controle de pacientes na UTI, relacionada a diferentes aspectos do pós-operatório de cirurgia cardíaca. Esses pacientes foram cuidados com o uso de métodos não invasivos, como monitoramento não invasivo da PIC, Doppler transcraniano e medida da bainha do nervo óptico. A potencial redução do fluxo sanguíneo cerebral, provocada pela CEC durante a cirurgia cardíaca, pode levar à lesão cerebral secundária,(11 Soares GM, Ferreira DC, Gonçalves MP, Alves TG, David FL, Henriques KM, et al. Prevalência das principais complicações pós-operatórias em cirurgias cardíacas. Rev Bras Cardiol. 2011;24(3):139-46.) e essas alternativas não invasivas podem proporcionar uma identificação precoce de alterações intracranianas danosas, permitindo o uso de medidas de neuroproteção durante o pós-operatório na UTI.

A profundidade da sedação foi avaliada com a Richmond Agitation Sedation Scale (RASS).(1010 Sessler CN, Gosnell MS, Grap MJ, Brophy GM, O’Neal PV, Keane KA, et al. The Richmond Agitation-Sedation Scale: validity and reliability in adult intensive care unit patients.Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(10):1338-44.) Os pacientes dos dois casos foram sedados para manter uma profundidade de sedação em nível de RASS-4 a-5, para evitar dissincronia com a ventilação mecânica.

No caso 2, a piora da proporção P2/P1 após 24 horas foi provavelmente resultado do processo de desenvolvimento de edema cerebral.

Figura 6
Monitoramento do formato da onda de pressão intracraniana, com melhora no pulso da pressão intracraniana: (A) monitoramento após a cirurgia (dia 0); B) monitoramento após 24 horas; (C) monitoramento após 48 horas. Os resultados mostraram melhora da morfologia do pulso de pressão intracraniana no dia 2.

O uso de dexmedetomidina foi avaliado e publicado por Schomer et al. em 2019,(1111 Schomer KJ, Sebat CM, Adams JY, Duby JJ, Shahlaie K, Louie EL. Dexmedetomidine for refractory intracranial hypertension. J Intensive Care Med. 2019;34(1):62-6.) mostrando segurança e eficácia desse fármaco, considerado um agente útil no tratamento da hipertensão refratária. Esse fármaco pode reduzir o uso de bolos hiperosmolares, diminuindo assim o risco de desarranjos do volume intravascular, de lesão renal aguda e rebote de hipertensão intracraniana. Para pacientes cardíacos, sugere-se que o uso de dexmedetomidina pode também promover controle adequado da frequência cardíaca.

CONCLUSÃO

Acredita-se que os procedimentos cirúrgicos aqui relatados se associam com hipóxia cerebral intermitente, que pode eventualmente levar a edema cerebral com aumento do volume intracraniano e à consequente desorganização da complacência cerebral e hipertensão intracraniana, decorrentes da lesão cerebral induzida por hipóxia isquêmica. Em razão da administração de anticoagulantes durante a cirurgia cardíaca, os pacientes apresentados neste estudo não cumpriam os critérios para monitorização invasiva da pressão intracraniana com cateter. O método não invasivo para monitoramento da pressão intracraniana identificou alterações morfológicas nas ondas de pressão intracraniana após a cirurgia e durante o cuidado dos pacientes na unidade de terapia intensiva. Nestes dois casos relatados, o método não invasivo ajudou na tomada de decisão relacionada aos protocolos de neuroproteção.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Soares GM, Ferreira DC, Gonçalves MP, Alves TG, David FL, Henriques KM, et al. Prevalência das principais complicações pós-operatórias em cirurgias cardíacas. Rev Bras Cardiol. 2011;24(3):139-46.
  • 2
    Barbosa NF, Cardinelli DM, Ercole FF. Determinants of neurological complications with the use of extracorporeal circulation (ECC). Arq Bras Cardiol. 2010;95(6):e151-7.
  • 3
    Ribeiro JC. Avaliação da hemodinâmica encefálica em pacientes de alto risco submetidos a cirurgia cardíaca: papel do balão de contrapulsasão intra-aórtico [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2016.
  • 4
    Martin JF, Melo RO, Sousa LP. Postoperative cognitive dysfunction after cardiac surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(2):245-55.
  • 5
    Carney N, Totten AM, O’Reilly C, Ullman JS, Hawryluk GW, Bell MJ, et al. Guidelines for the Management of Severe Traumatic Brain Injury, Fourth Edition. Neurosurgery. 2017;80(1):6-15.
  • 6
    Cabella B, Vilela GH, Mascarenhas S, Czosnyka M, Smielewski P, Dias C, et al. Validation of a new noninvasive intracranial pressure monitoring method by direct comparison with an invasive technique. Acta Neurochir Suppl. 2016;122:93-6.
  • 7
    Fan JY, Kirkness C, Vicini P, Burr R, Mitchell P. Intracranial pressure waveform morphology and intracranial adaptive capacity. Am J Crit Care. 2008;17(6):545-54.
  • 8
    Dias C, Maia I, Cerejo A, Varsos G, Smielewski P, Paiva JA, et al. Pressures, flow, and brain oxygenation during plateau waves of intracranial pressure. Neurocrit Care. 2014;21(1):124-32.
  • 9
    Frigieri G, Andrade RA, Dias C, Spavieri DL Jr, Brunelli R, Cardim DA, et al. Analysis of a non-invasive intracranial pressure monitoring method in patients with traumatic brain injury. Acta Neurochir Suppl. 2018;126:107-10.
  • 10
    Sessler CN, Gosnell MS, Grap MJ, Brophy GM, O’Neal PV, Keane KA, et al. The Richmond Agitation-Sedation Scale: validity and reliability in adult intensive care unit patients.Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(10):1338-44.
  • 11
    Schomer KJ, Sebat CM, Adams JY, Duby JJ, Shahlaie K, Louie EL. Dexmedetomidine for refractory intracranial hypertension. J Intensive Care Med. 2019;34(1):62-6.

Editado por

Editor responsável: Felipe Dal-Pizzol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2019
  • Aceito
    09 Mar 2021
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