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Valor prognóstico da hiperlactatemia em pacientes admitidos com infecção em unidades de terapia intensiva: estudo multicêntrico

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a influência das características dos pacientes na hiperlactatemia em uma população admitida com infecção em unidades de terapia intensiva, bem como a influência da gravidade da hiperlactatemia na mortalidade hospitalar.

Metódos:

Foi realizada uma análise post hoc da hiperlactatemia no INFAUCI, um estudo nacional prospectivo, observacional e multicêntrico, que incluiu 14 unidades de terapia intensiva portuguesas. Foram selecionados pacientes admitidos com infecção em unidades de terapia intensiva com dosagem de lactato nas primeiras 12 horas de admissão. A sepse foi identificada de acordo com a definição Sepsis-2 aceita no momento da coleta de dados. A gravidade da hiperlactatemia foi classificada como leve (2 - 3,9mmol/L), moderada (4,0 - 9,9mmol/L) ou grave (> 10mmol/L).

Resultados:

De 1.640 pacientes admitidos com infecção, a hiperlactatemia ocorreu em 934 (57%) e foi classificada como leve, moderada e grave em 57,0%, 34,4% e 8,7% dos pacientes, respectivamente. A presença de hiperlactatemia e um maior grau de hiperlactatemia se associaram a um maior Simplified Acute Physiology Score II, a maior Índice de Comorbidade de Charlson e à presença de choque séptico. Em relação à curva Receiver Operating Characteristic do lactato para mortalidade hospitalar, foi encontrada área sob a curva de 0,64 (IC95% 0,61 - 0,72), que aumentou para 0,71 (IC95% 0,68 - 0,74) quando se combinou o Sequential Organ Failure Assessment. A mortalidade intra-hospitalar com outras covariáveis ajustadas pelo Simplified Acute Physiology Score II se associou à hiperlactatemia moderada e grave, com razão de chances de 1,95 (IC95% 1,4 - 2,7; p < 0,001) e 4,54 (IC95% 2,4 - 8,5; p < 0,001), respectivamente.

Conclusão:

Os níveis de lactato sanguíneo correlacionam-se independentemente com a mortalidade intra-hospitalar para graus moderados e graves de hiperlactatemia.

Descritores:
Hiperlactatemia; Infecções; Lactato; Mortalidade hospitalar; Prognóstico; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the influence of patient characteristics on hyperlactatemia in an infected population admitted to intensive care units and the influence of hyperlactatemia severity on hospital mortality.

Methods:

A post hoc analysis of hyperlactatemia in the INFAUCI study, a national prospective, observational, multicenter study, was conducted in 14 Portuguese intensive care units. Infected patients admitted to intensive care units with a lactate measurement in the first 12 hours of admission were selected. Sepsis was identified according to the Sepsis-2 definition accepted at the time of data collection. The severity of hyperlactatemia was classified as mild (2 - 3.9mmol/L), moderate (4.0 - 9.9mmol/L) or severe (> 10mmol/L).

Results:

In a total of 1,640 patients infected on admission, hyperlactatemia occurred in 934 patients (57%), classified as mild, moderate and severe in 57.0%, 34.4% and 8.7% of patients, respectively. The presence of hyperlactatemia and a higher degree of hyperlactatemia were both associated with a higher Simplified Acute Physiology Score II, a higher Charlson Comorbidity Index and the presence of septic shock. The lactate Receiver Operating Characteristic curve for hospital mortality had an area under the curve of 0.64 (95%CI 0.61 - 0.72), which increased to 0.71 (95%CI 0.68 - 0.74) when combined with Sequential Organ Failure Assessment score. In-hospital mortality with other covariates adjusted by Simplified Acute Physiology Score II was associated with moderate and severe hyperlactatemia, with odds ratio of 1.95 (95%CI 1.4 - 2.7; p < 0.001) and 4.54 (95%CI 2.4 - 8.5; p < 0.001), respectively.

Conclusion:

Blood lactate levels correlate independently with in-hospital mortality for moderate and severe degrees of hyperlactatemia.

Keywords:
Hyperlactatemia; Infections; Lactate; Hospital mortality; Prognosis; Intensive care units

INTRODUÇÃO

Desde a primeira descrição, a hiperlactatemia tem sido relacionada à morbimortalidade.(11 Bakker J, Nijsten MW, Jansen TC. Clinical use of lactate monitoring in critically ill patients. Ann Intensive Care. 2013;3(1):12.) O aumento da produção de lactato na apresentação inicial da sepse tem relação frequente com a oferta inadequada de oxigênio e glicólise anaeróbica (hiperlactatemia tipo A).(22 Bakker J. Lactate is THE target for early resuscitation in sepsis. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(2):124-7.) No entanto, existem outras causas não motivadas pela hipoperfusão, como efeitos de drogas, cetoacidose diabética, insuficiência hepática, malignidade e deficiência de tiamina (hiperlactatemia tipo B).(33 Kruse O, Grunnet N, Barfod C. Blood lactate as a predictor for in-hospital mortality in patients admitted acutely to hospital: a systematic review. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2011;19:74.) No choque séptico, além da hipoperfusão, a produção aeróbica de lactato por estimulação adrenérgica e a depuração hepática de lactato comprometida também são fatores que podem contribuir para a hiperlactatemia.(44 Garcia-Alvarez M, Marik P, Bellomo R. Sepsis-associated hyperlactatemia. Crit Care. 2014;18(5):503.)

Estudos anteriores investigaram o impacto da hiperlactatemia na mortalidade na admissão de pacientes na unidade de terapia intensiva (UTI) e relataram taxas de prevalência cumulativa entre 10% e 91%.(55 Godinjak A, Jusufovic S, Rama A, Iglica A, Zvizdic F, Kukuljac A, et al. Hyperlactatemia and the importance of repeated lactate measurements in critically ill patients. Med Arch. 2017;71(6):404-7.) Na admissão na UTI, uma maior concentração de lactato dentro da faixa de valores de referência considerada normal (hiperlactatemia relativa) se mostrou um preditor independente de mortalidade hospitalar em pacientes críticos.(66 Nichol AD, Egi M, Pettila V, Bellomo R, French C, Hart G, et al. Relative hyperlactatemia and hospital mortality in critically ill patients: a retrospective multi-centre study. Crit Care. 2010;14(1):R25.,77 Rishu AH, Khan R, Al-Dorzi HM, Tamim HM, Al-Qahtani S, Al-Ghamdi G, et al. Even mild hyperlactatemia is associated with increased mortality in critically ill patients. Crit Care. 2013;17(5):R197.) Níveis de lactato entre 2,0 - 3,9mmol/L em pacientes com suspeita de infecção foram associados a uma mortalidade significativa, mesmo na ausência de hipotensão.(88 Puskarich MA, Illich BM, Jones AE. Prognosis of emergency department patients with suspected infection and intermediate lactate levels: a systematic review. J Crit Care. 2014;29(3):334-9.) Haas et al.(99 Haas SA, Lange T, Saugel B, Petzoldt M, Fuhrmann V, Metschke M, et al. Severe hyperlactatemia, lactate clearance and mortality in unselected critically ill patients. Intensive Care Med. 2016;42(2):202-10.) verificaram que o grau de hiperlactatemia teve relação direta com a gravidade do choque e a taxa de mortalidade, que chegou a 80% em pacientes com níveis de lactato > 10mmol/L.

Embora a hiperlactatemia na admissão na UTI tenha se mostrado um bom marcador prognóstico, as alterações dinâmicas na concentração de lactato também demonstraram ter valor preditivo independente.(1010 Nichol A, Bailey M, Egi M, Pettila V, French C, Stachowski E, et al. Dynamic lactate indices as predictors of outcome in critically ill patients. Crit Care. 2011;15(5):R242.) De fato, o nível e a depuração do lactato foram ambos alvos úteis em pacientes com suspeita de infecção(1111 Lokhandwala S, Andersen LW, Nair S, Patel P, Cocchi MN, Donnino MW. Absolute lactate value vs relative reduction as a predictor of mortality in severe sepsis and septic shock. J Crit Care. 2017;37:179-84.) ou choque séptico pela definição Sepsis-3(1212 Ryoo SM, Lee J, Lee YS, Lee JH, Lim KS, Huh JW, et al. Lactate level versus lactate clearance for predicting mortality in patients with septic shock defined by Sepsis-3. Crit Care Med. 2018;46(6):e489-95.) no serviço de emergência. Além disso, em estudo recente, o nível de lactato em 6 horas foi mais preciso do que a depuração de lactato em 6 horas na previsão de mortalidade em 30 dias.(1313 Lee SG, Song J, Park DW, Moon S, Cho HJ, Kim JY, et al. Prognostic value of lactate levels and lactate clearance in sepsis and septic shock with initial hyperlactatemia: a retrospective cohort study according to the Sepsis-3 definitions. Medicine (Baltimore). 2021;100(7):e24835.)

Muitos fatores confundem o uso clínico do nível de lactato. Na prática clínica, os mais comuns são uso de catecolaminas em pacientes com choque séptico, aumentos induzidos por alcalose no metabolismo da glicose, hemofiltração contínua tamponada com lactato, disfunção hepática e produção de lactato pulmonar.(1414 Hernandez G, Bellomo R, Bakker J. The ten pitfalls of lactate clearance in sepsis. Intensive Care Med. 2019;45(1):82-5.) A literatura médica tem dados limitados sobre como as características do paciente e da doença podem afetar os valores de lactato sanguíneo e se esses fatores podem determinar os desfechos.

Os objetivos deste estudo foram avaliar a influência das características dos pacientes na presença de hiperlactatemia em uma população admitida com infecção na UTI, determinar diferenças nos desfechos e investigar a associação entre gravidade da hiperlactatemia e mortalidade.

MÉTODOS

Protocolo do estudo

Realizamos uma análise post hoc do Infection on Admission to the ICU (INFAUCI), que foi um estudo de coorte prospectivo, observacional e multicêntrico realizado em 14 UTIs portuguesas com dados coletados entre 1 de maio de 2009 e 31 de dezembro de 2010.(1515 Gonçalves-Pereira J, Pereira JM, Ribeiro O, Baptista JP, Froes F, Paiva JA. Impact of infection on admission and of the process of care on mortality of patients admitted to the Intensive Care Unit: the INFAUCI study. Clin Microbiol Infect. 2014;20(12):1308-15.) O protocolo do estudo foi descrito anteriormente.(1515 Gonçalves-Pereira J, Pereira JM, Ribeiro O, Baptista JP, Froes F, Paiva JA. Impact of infection on admission and of the process of care on mortality of patients admitted to the Intensive Care Unit: the INFAUCI study. Clin Microbiol Infect. 2014;20(12):1308-15.) Em resumo, todos os pacientes adultos (idade ≥ 18 anos) unidades participantes foram incluídos e acompanhados até o óbito ou 6 meses após a admissão na UTI. A Comissão de Ética e Investigação do Centro Hospitalar São João aprovou o desenho do estudo. Houve dispensa do consentimento informado devido à natureza observacional do estudo. Para os propósitos deste estudo, analisamos os níveis de lactato no sangue arterial de pacientes admitidos com infecção na UTI. Foi registrado o maior valor de lactato nas primeiras 12 horas de admissão. Os critérios de infecção e sepse foram identificados no momento da admissão na UTI, de acordo com as definições comumente utilizadas e aceitas no momento da coleta de dados, isto é, a definição Sepsis-2.(1616 Levy MM, Fink MP, Marshall JC, Abraham E, Angus D, Cook D, Cohen J, Opal SM, Vincent JL, Ramsay G; SCCM/ESICM/ACCP/ATS/SIS. 2001 SCCM/ESICM/ACCP/ATS/SIS International Sepsis Definitions Conference. Crit Care Med. 2003;31(4):1250-6.) Segundo esse consenso, o choque séptico é definido como um estado de insuficiência circulatória aguda caracterizado por hipotensão arterial persistente não explicada por outras causas. Foram coletados dados sobre as características demográficas e clínicas dos pacientes, como sexo, idade, Simplified Acute Physiology Score II (SAPS II), Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), Índice de Comorbidade de Charlson,(1717 Charlson ME, Pompei P, Ales KL, MacKenzie CR. A new method of classifying prognostic comorbidity in longitudinal studies: development and validation. J Chronic Dis. 1987;40(5):373-83.) comorbidades, estado funcional, origem e diagnóstico na admissão, tempo de internação na UTI e tempo de internação hospitalar. O desfecho primário foi mortalidade intra-hospitalar. A dosagem de lactato no sangue arterial ocorreu por meio de um aparelho de gasometria.

Análise estatística

As variáveis contínuas SAPS II, SOFA, Índice de Comorbidade de Charlson, tempo de internação na UTI e tempo de internação hospitalar foram dicotomizadas em torno dos valores médios/medianos encontrados para todas as populações.(1515 Gonçalves-Pereira J, Pereira JM, Ribeiro O, Baptista JP, Froes F, Paiva JA. Impact of infection on admission and of the process of care on mortality of patients admitted to the Intensive Care Unit: the INFAUCI study. Clin Microbiol Infect. 2014;20(12):1308-15.) A idade foi categorizada em dois grupos: menos de 65 anos e 65 anos ou mais. Um valor de corte de 2mmol/L foi usado para definir hiperlactatemia. A hiperlactatemia foi categorizada em três grupos de acordo com a gravidade: leve (2,0 - 3,9mmol/L), moderada (4,0 - 9,9mmol/L) e grave (> 10,0mmol/L).

As variáveis categóricas foram descritas como frequências absolutas e relativas, e as variáveis contínuas foram expressas como mediana (percentil - P25 - P75) ou média ± desviopadrão, conforme a distribuição dos dados. As comparações entre os grupos foram realizadas com testes t para amostras independentes, testes U de Mann-Whitney ou testes de Kruskal-Wallis para variáveis contínuas e testes de qui-quadrado para variáveis categóricas, conforme apropriado. Aplicouse a regressão logística, e as características demográficas e clínicas dos pacientes foram incluídas na análise univariada, considerando as categorias previamente estabelecidas: idade (< 65, ≥ 65); SAPS II (< 45, ≥ 45); SOFA na admissão (< 7, ≥ 7); Índice de Comorbidade de Charlson (< 4, ≥ 4); comorbidades (não/sim); origem da infecção (pneumonia, admissão (médico, cirurgia eletiva, cirurgia de emergência e trauma); choque séptico (não/sim); bacteremia (não, primária e secundária) e hiperlactatemia (< 2; 2 - 3,9; 4 - 9,9; ≥ 10). Todas as variáveis com p < 0,05 na análise univariada foram incluídas na modelagem final de regressão multivariada (método enter). As associações entre as características dos pacientes e o desfecho primário foram avaliadas por razão de chances (RC) com intervalo de confiança de 95% (IC95%) estimados pelos modelos multivariados desenvolvidos, e a qualidade do ajuste foi avaliada pelo teste de Hosmer-Lemeshow. Dois modelos foram ajustados para outras covariáveis por SAPS II ou por SOFA. Idade, doença hepática crônica, doença respiratória crônica e câncer não foram incluídos na análise multivariada quanto à colinearidade com o Índice de Comorbidade de Charlson.

A área sob a curva (ASC) Receiver Operating Characteristic (ROC) foi usada para avaliar a capacidade do lactato sanguíneo de prever a mortalidade intra-hospitalar, e as curvas ROC foram comparadas através de IC95% para a ASC. Todos os valores de p relatados foram bilaterais, e o nível de significância foi estabelecido em 5%. Os dados foram analisados estatisticamente por meio do software IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)®, versão 24.0 (IBM Corp., Armonk, Nova Iorque, Estados Unidos).

RESULTADOS

Características da população

Foram incluídos no estudo INFAUCI 3.766 pacientes admitidos consecutivamente. A dosagem de lactato sanguíneo foi realizada na admissão em 3.259 pacientes, e 1.640 pacientes foram incluídos no grupo admitido com infecção na UTI (Figura 1).

Figura 1
Seleção de pacientes.

UTI - unidade de terapia intensiva.


A mediana do nível de lactato sanguíneo foi de 2,15mmol/L e aumentou significativamente com idade, SAPS II, SOFA na admissão e Índice de Comorbidade de Charlson (Tabela 1S - Material suplementar). Em relação às comorbidades dos pacientes, foram observados níveis de lactato sanguíneo significativamente maiores em pacientes com doença hepática crônica, imunossupressão e câncer. Choque séptico e bacteremia estavam presentes em 49% e 20% dos pacientes, respectivamente, e ambos se associaram a níveis mais elevados de lactato sanguíneo (p < 0,001). Um tempo de internação na UTI mais longo se associou a níveis significativamente mais baixos de lactato. Os não sobreviventes apresentaram níveis mais elevados de lactato sanguíneo do que os sobreviventes. Os não sobreviventes de UTI e hospital apresentaram valores medianos (P25 - P75) de 3,4 (1,9 - 7,0) mmol/L e 3,0 (1,7 - 3,0) mmol/L, respectivamente, em comparação com 2,0 (1,2 - 3,1) e 1,9 (1,2 - 3,0) mmol/L em sobreviventes de UTI e hospital (p < 0,001).

Na nossa coorte, 934 pacientes (57%) apresentaram hiperlactatemia na admissão. As características dos pacientes foram avaliadas na análise univariada para associação com hiperlactatemia (Tabela 1), e as variáveis significativas foram incluídas na análise de regressão logística multivariada ajustada por SOFA ou SAPS II. SAPS II ≥ 45, SOFA ≥ 7, Índice de Comorbidade de Charlson ≥ 4, infecções de origem intra-abdominal e choque séptico permaneceram significativamente associados à hiperlactatemia. Desses, a presença de choque séptico foi o fator mais fortemente relacionado à hiperlactatemia, com RCs (IC95%) de 2,63 (1,99 - 3,45) e 2,72 (2,15 - 3,45), quando ajustado para SOFA e SAPS II, respectivamente.

Tabela 1
Análise de regressão logística univariada e multivariada das características dos pacientes para hiperlactatemia (nível de lactato sanguíneo ≥ 2mmol/L; n = 934)

Gravidade da hiperlactatemia

Os pacientes apresentaram hiperlactatemia leve, moderada e grave em 57%, 34% e 9% dos casos, respectivamente (Tabela 2). Graus mais elevados de hiperlactatemia apresentaram maiores valores de SAPS II (p < 0,001), SOFA (p < 0,001) e Índice de Comorbidade de Charlson (p = 0,001), maior incidência de doença hepática crônica como comorbidade (p = 0,018), choque séptico (p < 0,001) e bacteremia (p < 0,001) (Tabela 2). Por outro lado, o grau de hiperlactatemia teve associação inversa significativa com doença respiratória crônica (p = 0,007). A taxa de mortalidade hospitalar apresentou aumento significativo conforme a gravidade da hiperlactatemia, com valores de 36%, 55% e 79% para hiperlactatemia leve, moderada e grave (p < 0,001), respectivamente. O tempo de internação na UTI e no hospital diminuiu com o aumento da hiperlactatemia (p < 0,001). A Figura 1S (Material suplementar) mostra que esse efeito foi mais evidente nos não sobreviventes. A diferença no tempo de internação na UTI e no hospital entre sobreviventes e não sobreviventes foi estatisticamente significativa em todas as três categorias de hiperlactatemia.

Tabela 2
Distribuição das características dos pacientes de acordo com a categoria de lactato sanguíneo na admissão

Efeito da gravidade da hiperlactatemia na mortalidade

Quanto à curva ROC para mortalidade hospitalar, observouse ASC de 0,64 (IC95% 0,61 - 0,67) para valores de lactato sanguíneo em comparação com 0,75 (IC95% 0,72 - 0,77) para SAPS II e 0,69 (IC95% 0,67 - 0,72) para SOFA (Figura 2S - Material suplementar). Em relação à mortalidade hospitalar, para um valor de corte de 2mmol/L para os níveis de lactato, a especificidade foi de 51% e a sensibilidade foi de 69%, enquanto para um valor de corte de 4mmol/L, a especificidade foi de 84% e a sensibilidade foi de 38%. Comparando os valores de IC95% para as respectivas ASCs, conclui-se que a combinação do lactato com o SOFA não melhorou significativamente o desempenho de cada variável isolada, aumentando a ASC para 0,71 (IC95% 0,68 - 0,74) para mortalidade hospitalar.

Na regressão logística multivariada, a mortalidade intrahospitalar correlacionou-se com hiperlactatemia moderada e grave, mas não com hiperlactatemia leve, com RCs ajustadas de 2,07 (IC95% 1,47 - 2,92; p < 0,001) e 4,66 (IC95% 2,42 - 8,98; p < 0,001) para mortalidade hospitalar modelada com SOFA em hiperlactatemia moderada e grave, respectivamente (Tabela 3). Valores semelhantes foram obtidos quando a análise multivariada foi modelada com SAPS II, com RCs de 1,95 (IC95% 1,4 - 2,7; p < 0,001) e 4,54 (IC95% 2,4 - 8,5; p < 0,001) para hiperlactatemia moderada e grave, respectivamente.

Tabela 3
Análise de regressão logística univariada e multivariada das características dos pacientes para mortalidade hospitalar

DISCUSSÃO

Neste grande estudo nacional multicêntrico, foram coletados dados clínicos e epidemiológicos de 14 UTIs portuguesas para fornecer dados confiáveis e robustos que representam um retrato do país. Foram avaliados fatores que influenciam a hiperlactatemia na admissão de pacientes com infecção na UTI e seu valor prognóstico. Em alguns dos estudos anteriores que utilizaram valor único de lactato na admissão na UTI, foi selecionado o valor da primeira dosagem na admissão,(1818 Filho RR, Rocha LL, Corrêa TD, Pessoa CM, Colombo G, Assuncao MS. Blood lactate levels cutoff and mortality prediction in sepsis-time for a reappraisal? A retrospective cohort study. Shock. 2016;46(5):480-5.

19 Soliman HM, Vincent JL. Prognostic value of admission serum lactate concentrations in intensive care unit patients. Acta Clin Belg. 2010;65(3):176-81.
-2020 Varis E, Pettilä V, Poukkanen M, Jakob SM, Karlsson S, Perner A, Takala J, Wilkman E; FINNAKI Study Group. Evolution of blood lactate and 90-day mortality in septic shock. A post hoc analysis of the FINNAKI study. Shock. 2017;47(5):574-81.) enquanto outros utilizaram o maior valor nas primeiras 24 horas.(2121 Khosravani H, Shahpori R, Stelfox HT, Kirkpatrick AW, Laupland KB. Occurrence and adverse effect on outcome of hyperlactatemia in the critically ill. Crit Care. 2009;13(3):R90.

22 Thomas-Rueddel DO, Poidinger B, Weiss M, Bach F, Dey K, Häberle H, Kaisers U, Rüddel H, Schädler D, Scheer C, Schreiber T, Schürholz T, Simon P, Sommerer A, Schwarzkopf D, Weyland A, Wöbker G, Reinhart K, Bloos F; Medical Education for Sepsis Source Control and Antibiotics Study Group. Hyperlactatemia is an independent predictor of mortality and denotes distinct subtypes of severe sepsis and septic shock. J Crit Care. 2015;30(2):439.e1-6.
-2323 Chebl RB, Tamim H, Dagher GA, Sadat M, Enezi FA, Arabi YM. Serum lactate as an independent predictor of in-hospital mortality in intensive care patients. J Intensive Care Med. 2020;35(11):1257-64.) Nesta investigação, considera-se o maior valor nas primeiras 12 horas de admissão na UTI. Verifica-se que, em um grupo heterogêneo de pacientes admitidos com infecção na UTI, a hiperlactatemia foi altamente prevalente (57% dos pacientes). Nesse grupo de pacientes críticos, quase metade apresentou choque séptico. Na literatura, a incidência de hiperlactatemia na admissão em pacientes com infecção grave variou entre 52% e 76%.(1818 Filho RR, Rocha LL, Corrêa TD, Pessoa CM, Colombo G, Assuncao MS. Blood lactate levels cutoff and mortality prediction in sepsis-time for a reappraisal? A retrospective cohort study. Shock. 2016;46(5):480-5.,2424 Mikkelsen ME, Miltiades AN, Gaieski DF, Goyal M, Fuchs BD, Shah CV, et al. Serum lactate is associated with mortality in severe sepsis independent of organ failure and shock. Crit Care Med. 2009;37(5):1670-7.

25 Casserly B, Phillips GS, Schorr C, Dellinger RP, Townsend SR, Osborn TM, et al. Lactate measurements in sepsis-induced tissue hypoperfusion: results from the Surviving Sepsis Campaign database. Crit Care Med. 2015;43(3):567-73.
-2626 Cheng HH, Chen FC, Change MW, Kung CT, Cheng CY, Tsai TC, et al. Difference between elderly and non-elderly patients in using serum lactate level to predict mortality caused by sepsis in the emergency department. Medicine (Baltimore). 2018;97(13):e0209.)

A literatura médica tem relatado resultados variáveis quanto à influência da hiperlactatemia no tempo de internação na UTI ou no hospital. Van den Nouland et al.(2727 van den Nouland DP, Brouwers MC, Stassen PM. Prognostic value of plasma lactate levels in a retrospective cohort presenting at a university hospital emergency department. BMJ Open. 2017;7(1):e011450.) não constataram diferenças no tempo de internação hospitalar entre pacientes admitidos no serviço de emergência com níveis de lactato < 4mmol/L e ≥ 4mmol/L. Em contrapartida, Chebl et al.(2828 Chebl RB, El Khuri C, Shami A, Rajha E, Faris N, Bachir R, et al. Serum lactate is an independent predictor of hospital mortality in critically ill patients in the emergency department: a retrospective study. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2017;25(1):69.) observaram que o tempo de internação hospitalar foi maior entre pacientes que chegaram ao serviço de emergência com níveis de lactato > 4mmol/L em comparação a 2 - 4mmol/L (10,4 ± 12,6 versus 8,1 ± 8,8 dias), com mortalidade significativamente maior no primeiro grupo (40,7% versus 12%). Em outro estudo de Chebl et al.(2323 Chebl RB, Tamim H, Dagher GA, Sadat M, Enezi FA, Arabi YM. Serum lactate as an independent predictor of in-hospital mortality in intensive care patients. J Intensive Care Med. 2020;35(11):1257-64.) com 16.447 pacientes admitidos na UTI, os pacientes com níveis de lactato entre 2 - 3,99mmol/L tiveram um tempo de internação na UTI e no hospital menor do que aqueles com níveis de lactato normais; no entanto, quando a análise foi restrita aos sobreviventes, as diferenças no tempo de internação não foram estatisticamente significativas. Soliman et al.(1919 Soliman HM, Vincent JL. Prognostic value of admission serum lactate concentrations in intensive care unit patients. Acta Clin Belg. 2010;65(3):176-81.) estudaram a relação entre lactato sanguíneo e tempo de internação em uma UTI mista. Eles concluíram que os pacientes sobreviventes com hiperlactatemia tiveram tempo de internação mais longo do que os pacientes com níveis normais de lactato; por outro lado, os não sobreviventes hiperlactatêmicos tiveram um tempo de internação mais curto do que os não sobreviventes no grupo com nível de lactato normal. Neste estudo, os tempos de internação na UTI e no hospital diminuíram dentro dos níveis de hiperlactatemia; no entanto, após considerar apenas os sobreviventes, observou-se aumento do tempo de internação na UTI. O tempo de internação mais curto associado a níveis mais altos de lactato parece ser motivado principalmente por uma mortalidade mais alta, como ilustrado pelo achado de que o efeito é limitado a não sobreviventes. Esses achados mostram a importância de interpretar o efeito da hiperlactatemia no tempo de internação com base na sobrevida, devido a um viés de risco competitivo.

O valor prognóstico da hiperlactatemia para mortalidade foi sugerido pela primeira vez por Broder et al. em 1964,(2929 Broder G, Weil MH. Excess lactate: an index of reversibility of shock in human patients. Science. 1964;143(3613):1457-9.) quando eles demonstraram que um nível de lactato > 4mmol/L em pacientes com choque por diferentes causas estava associado ao óbito. Os pontos de corte ideais das dosagens de lactato de valor único em termos de predição de desfechos variam consideravelmente na literatura, o que pode ser justificado, em parte, por diferenças na escolha do valor de lactato para análise, tipo de pacientes, gravidade na admissão e seleção de desfechos. Rivers et al.(3030 Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, Peterson E, Tomlanovich M; Early Goal-Directed Therapy Collaborative Group. Early goaldirected therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001;345(19):1368-77.) selecionaram nível de lactato sérico ≥ 4mmol/L para identificar pacientes com sepse grave ou choque séptico no serviço de emergência. Em um estudo publicado em 2007, que incluiu pacientes admitidos com infecção, um nível de lactato inicial ≥ 4mmol/L se associou a um risco de óbito intra-hospitalar três vezes maior do que um nível de lactato < 4mmol/L;(3131 Trzeciak S, Dellinger RP, Chansky ME, Arnold RC, Schorr C, Milcarek B, et al. Serum lactate as a predictor of mortality in patients with infection. Intensive Care Med. 2007;33(6):970-7.) em outro estudo também publicado em 2007 com pacientes com infecção, nível de lactato ≥ 4mmol/L teve RC ajustada (para idade e pressão arterial) de 7,1 para óbito hospitalar em 28 dias em comparação com o nível de lactato < 2,5mmol/L.(3232 Howell MD, Donnino M, Clardy P, Talmor D, Shapiro NI. Occult hypoperfusion and mortality in patients with suspected infection. Intensive Care Med. 2007;33(11):1892-9.) Cabe ressaltar que esse ponto de corte do nível de lactato (4mmol/L) foi incorporado na segunda edição da Surviving Sepsis Campaign(3333 Dellinger RP, Levy MM, Carlet JM, Bion J, Parker MM, Jaeschke R, et al. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2008. Intensive Care Med. 2008;34(1):17-60.) como um indicador da necessidade de ressuscitação volêmica em pacientes com sepse. Em uma análise do banco de dados da Surviving Sepsis Campaign,(2525 Casserly B, Phillips GS, Schorr C, Dellinger RP, Townsend SR, Osborn TM, et al. Lactate measurements in sepsis-induced tissue hypoperfusion: results from the Surviving Sepsis Campaign database. Crit Care Med. 2015;43(3):567-73.) valores de lactato sérico superiores a 4mmol/L se associaram significativamente à mortalidade intra-hospitalar. No grupo que teve dosagem de lactato em até 6 horas, apenas os pacientes com valor de lactato maior que 4mmol/L e hipotensão mantiveram associação estatisticamente significativa após ajuste de risco. No entanto, no consenso Sepsis-3, o ponto de corte do lactato para identificação de choque séptico foi alterado de 4 para 2mmol/L, a fim de melhorar a sensibilidade.(3434 Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.) Em estudo retrospectivo recente que incluiu 363 pacientes com sepse e choque séptico de acordo com as definições Sepsis-3, nível de lactato em 6 horas ≥ 3,5mmol/L foi o ponto de corte ideal para mortalidade em 30 dias.(1313 Lee SG, Song J, Park DW, Moon S, Cho HJ, Kim JY, et al. Prognostic value of lactate levels and lactate clearance in sepsis and septic shock with initial hyperlactatemia: a retrospective cohort study according to the Sepsis-3 definitions. Medicine (Baltimore). 2021;100(7):e24835.) Esses resultados reforçam nossos achados de que a mortalidade intra-hospitalar se correlacionou com hiperlactatemia acima de 4mmol/L, mas não com hiperlactatemia leve.

Hiperlactatemia leve e até mesmo valores abaixo do ponto de corte usual para hiperlactatemia de 2mmol/L também foram descritos como preditores de mortalidade. Em uma análise retrospectiva com duas coortes de choque séptico,(3535 Wacharasint P, Nakada TA, Boyd JH, Russell JA, Walley KR. Normal-range blood lactate concentration in septic shock is prognostic and predictive. Shock. 2012;38(1):4-10.) os pacientes com valores iniciais de lactato entre 1,4 e 2,3mmol/L apresentaram mortalidade em 28 dias significativamente maior do que os pacientes com valores basais de lactato ≤ 1,4mmol/L em ambas as coortes; entretanto, a razão de risco não foi diferente daquela obtida com valores de lactato sanguíneo entre 2,3 e 4,4mmol/L (1,78 versus 1,65). Apenas para valores de lactato ≥ 4,4mmol/L foi obtida uma razão de risco significativamente maior, de 3,52.

Diversos estudos descreveram um risco aumentado de óbito relacionado ao aumento dos valores de lactato sanguíneo.(1818 Filho RR, Rocha LL, Corrêa TD, Pessoa CM, Colombo G, Assuncao MS. Blood lactate levels cutoff and mortality prediction in sepsis-time for a reappraisal? A retrospective cohort study. Shock. 2016;46(5):480-5.,2222 Thomas-Rueddel DO, Poidinger B, Weiss M, Bach F, Dey K, Häberle H, Kaisers U, Rüddel H, Schädler D, Scheer C, Schreiber T, Schürholz T, Simon P, Sommerer A, Schwarzkopf D, Weyland A, Wöbker G, Reinhart K, Bloos F; Medical Education for Sepsis Source Control and Antibiotics Study Group. Hyperlactatemia is an independent predictor of mortality and denotes distinct subtypes of severe sepsis and septic shock. J Crit Care. 2015;30(2):439.e1-6.,2323 Chebl RB, Tamim H, Dagher GA, Sadat M, Enezi FA, Arabi YM. Serum lactate as an independent predictor of in-hospital mortality in intensive care patients. J Intensive Care Med. 2020;35(11):1257-64.,3030 Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, Peterson E, Tomlanovich M; Early Goal-Directed Therapy Collaborative Group. Early goaldirected therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001;345(19):1368-77.) Ferreruela et al.(3636 Ferreruela M, Raurich JM, Ayestarán I, Llompart-Pou JA. Hyperlactatemia in ICU patients: incidence, causes and associated mortality. J Crit Care. 2017;42:200-5.) relataram mortalidade intra-hospitalar de 32,5% para pacientes críticos em UTI mista para concentrações de lactato durante a internação na UTI entre 5 e 10mmol/L, e a taxa aumentou para 74,6% (p < 0,001) para hiperlactatemia > 10mmol/L. Haas et al.(99 Haas SA, Lange T, Saugel B, Petzoldt M, Fuhrmann V, Metschke M, et al. Severe hyperlactatemia, lactate clearance and mortality in unselected critically ill patients. Intensive Care Med. 2016;42(2):202-10.) relataram mortalidade na UTI próxima a 80% para pacientes com níveis de lactato > 10mmol/L em pelo menos uma ocasião em estudo retrospectivo com 14.040 pacientes de UTI. Neste estudo, hiperlactatemia moderada (4 - 9,9mmol/L) foi a categoria menos significativa na predição de mortalidade intra-hospitalar. A mortalidade hospitalar para valores de lactato > 10mmol/L atingiu 79%, o que está de acordo a literatura.(99 Haas SA, Lange T, Saugel B, Petzoldt M, Fuhrmann V, Metschke M, et al. Severe hyperlactatemia, lactate clearance and mortality in unselected critically ill patients. Intensive Care Med. 2016;42(2):202-10.,3636 Ferreruela M, Raurich JM, Ayestarán I, Llompart-Pou JA. Hyperlactatemia in ICU patients: incidence, causes and associated mortality. J Crit Care. 2017;42:200-5.)

Os valores descritos para a ASC do lactato na admissão e para mortalidade hospitalar e em 28 dias variam entre 0,63 e 0,70 em pacientes com suspeita de infecção,(3737 Shapiro NI, Howell MD, Talmor D, Nathanson LA, Lisbon A, Wolfe RE, et al. Serum lactate as a predictor of mortality in emergency department patients with infection. Ann Emerg Med. 2005;45(5):524-8.) sepse(1818 Filho RR, Rocha LL, Corrêa TD, Pessoa CM, Colombo G, Assuncao MS. Blood lactate levels cutoff and mortality prediction in sepsis-time for a reappraisal? A retrospective cohort study. Shock. 2016;46(5):480-5.,2626 Cheng HH, Chen FC, Change MW, Kung CT, Cheng CY, Tsai TC, et al. Difference between elderly and non-elderly patients in using serum lactate level to predict mortality caused by sepsis in the emergency department. Medicine (Baltimore). 2018;97(13):e0209.,3838 Liu Z, Meng Z, Li Y, Zhao J, Wu S, Gou S, et al. Prognostic accuracy of the serum lactate level, the SOFA score and the qSOFA score for mortality among adults with Sepsis. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2019;27(1):51.) e choque séptico.(1212 Ryoo SM, Lee J, Lee YS, Lee JH, Lim KS, Huh JW, et al. Lactate level versus lactate clearance for predicting mortality in patients with septic shock defined by Sepsis-3. Crit Care Med. 2018;46(6):e489-95.,3535 Wacharasint P, Nakada TA, Boyd JH, Russell JA, Walley KR. Normal-range blood lactate concentration in septic shock is prognostic and predictive. Shock. 2012;38(1):4-10.) Neste estudo, o valor da ASC do nível de lactato para mortalidade hospitalar ficou na faixa dos valores descritos anteriormente (0,64). A ASC do lactato foi menor que a obtida com os escores de disfunção orgânica SAPS II e SOFA. A adição do nível de lactato ao escore SOFA resultou em uma ASC ligeiramente maior para mortalidade hospitalar (0,71).

Este estudo apresenta diversas limitações. Em primeiro lugar, trata-se de uma análise post hoc e, por isso, não foi concebida para esse fim. No protocolo original, o valor de lactato coletado era o maior nas primeiras 12 horas de admissão, sem definição do momento da primeira dosagem de lactato ou do momento para repetir as dosagens. No entanto, nosso estudo foi prospectivo, com grande tamanho amostral, e realizado ao longo de 1 ano completo. Na literatura, a maioria dos estudos é retrospectiva, e alguns estabelecem intervalos ainda maiores (24 horas) para definição do nível de lactato na admissão.(77 Rishu AH, Khan R, Al-Dorzi HM, Tamim HM, Al-Qahtani S, Al-Ghamdi G, et al. Even mild hyperlactatemia is associated with increased mortality in critically ill patients. Crit Care. 2013;17(5):R197.,2222 Thomas-Rueddel DO, Poidinger B, Weiss M, Bach F, Dey K, Häberle H, Kaisers U, Rüddel H, Schädler D, Scheer C, Schreiber T, Schürholz T, Simon P, Sommerer A, Schwarzkopf D, Weyland A, Wöbker G, Reinhart K, Bloos F; Medical Education for Sepsis Source Control and Antibiotics Study Group. Hyperlactatemia is an independent predictor of mortality and denotes distinct subtypes of severe sepsis and septic shock. J Crit Care. 2015;30(2):439.e1-6.,2323 Chebl RB, Tamim H, Dagher GA, Sadat M, Enezi FA, Arabi YM. Serum lactate as an independent predictor of in-hospital mortality in intensive care patients. J Intensive Care Med. 2020;35(11):1257-64.) Além disso, não foram coletados dados sobre possível fisiopatologia ou mecanismo de base da hiperlactatemia. Existem várias razões para a elevação do lactato com diferentes relevâncias clínicas, e esses fatores de confusão não foram todos categorizados neste estudo; entretanto, observou-se que, em uma população geral de UTI, a hiperlactatemia está associada à mortalidade independentemente da doença de base. Em segundo lugar, este estudo não coletou dados sobre a cinética do lactato ao longo do tempo. No entanto, o nível e a depuração de lactato demonstraram ser alvos úteis em pacientes com suspeita de infecção(1111 Lokhandwala S, Andersen LW, Nair S, Patel P, Cocchi MN, Donnino MW. Absolute lactate value vs relative reduction as a predictor of mortality in severe sepsis and septic shock. J Crit Care. 2017;37:179-84.) ou choque séptico.(1212 Ryoo SM, Lee J, Lee YS, Lee JH, Lim KS, Huh JW, et al. Lactate level versus lactate clearance for predicting mortality in patients with septic shock defined by Sepsis-3. Crit Care Med. 2018;46(6):e489-95.) Por outro lado, utilizar valor único de lactato pode ser um método mais fácil e ainda válido para prever o desfecho. Em terceiro lugar, os pacientes com choque séptico foram classificados de acordo com a definição Sepsis-2(1515 Gonçalves-Pereira J, Pereira JM, Ribeiro O, Baptista JP, Froes F, Paiva JA. Impact of infection on admission and of the process of care on mortality of patients admitted to the Intensive Care Unit: the INFAUCI study. Clin Microbiol Infect. 2014;20(12):1308-15.) aceita no momento da coleta de dados, que agora foi substituída pela definição Sepsis-3.(3636 Ferreruela M, Raurich JM, Ayestarán I, Llompart-Pou JA. Hyperlactatemia in ICU patients: incidence, causes and associated mortality. J Crit Care. 2017;42:200-5.) Embora não houvesse correspondência direta entre essas duas definições, manteve-se o subgrupo de choque séptico na análise, pois isso permitiu identificar os pacientes mais graves. Em quarto lugar, por se tratar de um estudo multicêntrico, as dosagens de lactato não foram realizadas com equipamentos semelhantes nas diferentes instituições, o que poderia induzir algum viés nos valores obtidos em diferentes centros. No entanto, o grande tamanho amostral deste estudo multicêntrico permitiu conclusões robustas e estatisticamente embasadas, que são generalizáveis para outras UTIs mistas.

CONCLUSÃO

A hiperlactatemia na admissão na unidade de terapia intensiva estava presente em mais da metade de um grupo heterogêneo de pacientes admitidos com infecção na unidade de terapia intensiva e foi um forte preditor de mortalidade. Os níveis de lactato sanguíneo correlacionaram-se independentemente com a mortalidade intra-hospitalar para graus moderados e graves de hiperlactatemia.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi financiado por uma bolsa sem restrições do Grupo de Infecção e Sépsis (GIS), Porto, Portugal.

  • Membros do grupo do estudo INFAUCI: Conceição Sousa Dias, José Manuel Pereira, José-Artur Paiva, Serviço Medicina Intensiva, Centro Hospitalar S. João (Porto); Lurdes Santos, Alcina Ferreira, UCI - Doenças Infeciosas, Centro Hospitalar S. João (Porto); Richard Maul, Serviço de Medicina Intensiva, Centro Hospitalar Funchal (Funchal); Vasco Tavares, Ana Josefina Mendes, Serviço de Cuidados Intensivos, Centro Hospitalar Vila Nova Gaia/Espinho (Gaia); Paulo Marçal, Piedade Amaro, Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente, Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga (Vila da Feira); Anabela Bártolo, Ruth Milheiro, Serviço de Cuidados Intensivos, Centro Hospitalar Alto Ave (Guimarães); Filomena Faria, Serviço de Cuidados Intensivos, Instituto Português de Oncologia-Norte (Porto); João Pedro Baptista, Eduardo Sousa, Serviço de Medicina Intensiva, Hospitais Universidade de Coimbra (Coimbra); Sofia Beirão, Ana Marques, Serviço de Medicina Intensiva, Centro Hospitalar Covões (Coimbra); Eduardo Melo, Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente, Hospital São Teotónio (Viseu); João Gonçalves-Pereira, Joana Silvestre, Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente, Hospital S. Francisco Xavier (Lisboa); Filipe Froes, Unidade de Cuidados Intensivos Respiratórios, Centro Hospitalar Lisboa Norte (Lisboa); Maria João Vilas, Unidade de Cuidados Intensivos, Hospital do Litoral Alentejano (Santiago do Cacém); José Vaz, Unidade de Cuidados Intensivos, Hospital José Joaquim Fernandes (Beja); Luís Bento, Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente 2, Centro Hospitalar de Lisboa Central (Lisboa); Orquídea Ribeiro, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (Porto).

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Editado por

Editor responsável: Thiago Costa Lisboa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2020
  • Aceito
    30 Out 2021
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