Acessibilidade / Reportar erro

Retorno ao trabalho após a alta da unidade de terapia intensiva: uma coorte multicêntrica brasileira

RESUMO

Objetivo:

Descrever a taxa e os fatores relacionados ao não retorno ao trabalho no terceiro mês pós-alta da unidade de terapia intensiva, além dos impactos do desemprego, da perda de renda e dos gastos com saúde para os sobreviventes.

Métodos:

Estudo de coorte prospectivo multicêntrico, que incluiu sobreviventes da doença aguda grave, hospitalizados entre 2015 e 2018, previamente empregados, que permaneceram mais de 72 horas internados na unidade de terapia intensiva. Os desfechos foram avaliados por entrevista telefônica no terceiro mês após a alta.

Resultados:

Dos 316 pacientes incluídos no estudo que trabalhavam previamente, 193 (61,1%) não retornaram ao trabalho nos 3 meses após a alta da unidade de terapia intensiva. Foram associados ao não retorno ao trabalho: baixo nível educacional (razão de prevalência de 1,39; IC95% 1,10 - 1,74; p = 0,006), vínculo empregatício prévio (razão de prevalência de 1,32; IC95% 1,10 - 1,58; p = 0,003), necessidade de ventilação mecânica (razão de prevalência de 1,20; IC95% 1,01 - 1,42; p = 0,04) e dependência física no terceiro mês pós-alta (razão de prevalência de 1,27; IC95% 1,08 - 1,48; p = 0,003). Os sobreviventes incapazes de retornar ao trabalho mais frequentemente apresentaram redução da renda familiar (49,7% versus 33,3%; p = 0,008) e aumento dos gastos em saúde (66,9% versus 48,3%; p = 0,002) quando comparados àqueles que retornaram ao trabalho no terceiro mês após a alta da unidade de terapia intensiva.

Conclusão:

Frequentemente, os sobreviventes de unidade de terapia intensiva não retornam ao trabalho até o terceiro mês pós-alta da unidade de terapia intensiva. Baixo nível educacional, trabalho formal, necessidade de suporte ventilatório e dependência física no terceiro mês pós-alta relacionaram-se ao não retorno ao trabalho. O não retorno ao trabalho também se relacionou com redução na renda familiar e aumento dos custos com saúde após a alta da unidade de terapia intensiva.

Descritores:
Retorno ao trabalho; Gastos em saúde; Prognóstico; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective:

To describe the rate and factors related to nonreturn to work in the third month after discharge from the intensive care unit and the impact of unemployment, loss of income and health care expenses for survivors.

Methods:

This was a prospective multicenter cohort study that included survivors of severe acute illness who were hospitalized between 2015 and 2018, previously employed, and who stayed more than 72 hours in the intensive care unit. Outcomes were assessed by telephone interview in the third month after discharge.

Results:

Of the 316 patients included in the study who had previously worked, 193 (61.1%) did not return to work within 3 months after discharge from the intensive care unit. The following factors were associated with nonreturn to work: low educational level (prevalence ratio 1.39; 95%CI 1.10 - 1.74; p = 0.006), previous employment relationship (prevalence ratio 1.32; 95%CI 1 10 - 1.58; p = 0.003), need for mechanical ventilation (prevalence ratio 1.20; 95%CI 1.01 - 1.42; p = 0.04) and physical dependence in the third month after discharge (prevalence ratio 1.27; 95%CI 1.08 - 1.48; p = 0.003). Survivors who were unable to return to work more often had reduced family income (49.7% versus 33.3%; p = 0.008) and increased health expenditures (66.9% versus 48.3%; p = 0.002). compared to those who returned to work in the third month after discharge from the intensive care unit.

Conclusion:

Intensive care unit survivors often do not return to work until the third month after discharge from the intensive care unit. Low educational level, formal job, need for ventilatory support and physical dependence in the third month after discharge were related to nonreturn to work. Failure to return to work was also associated with reduced family income and increased health care costs after discharge.

Keywords:
Return to work; Health expenditures; Prognosis; Intensive care units

INTRODUÇÃO

A população mundial aumenta e envelhece rapidamente.(11 Boccardi V. Population ageing: the need for a care revolution in world 2.0. Geriatrics (Basel). 2019;4(3):47.) Assim, cada vez mais pacientes necessitam de cuidados intensivos(22 Halpern NA, Pastores SM. Critical care medicine in the United States 2000-2005: an analysis of bed numbers, occupancy rates, payer mix, and costs. Crit Care Med. 2010;38(1):65-71.) e são capazes de sobreviver a um evento de doença aguda grave.(33 Stevenson EK, Rubenstein AR, Radin GT, Wiener RS, Walkey AJ. Two decades of mortality trends among patients with severe sepsis: a comparative meta-analysis. Crit Care Med. 2014;42(3):625-31.) Nesse contexto de recuperação, readquirir a capacidade de retornar ao trabalho parece um desfecho lógico e saudável. No entanto, os sobreviventes de uma doença aguda grave passam a enfrentar novas deficiências físicas, alterações psicológicas e défices cognitivos,(44 Desai SV, Law TJ, Needham DM. Long-term complications of critical care. Crit Care Med. 2011;39(2):371-9.

5 Hopkins RO, Jackson JC. Long-term neurocognitive function after critical illness. Chest. 2006;130(3):869-78.

6 Oeyen SG, Vandijck DM, Benoit DD, Annemans L, Decruyenaere JM. Quality of life after intensive care: a systematic review of the literature. Crit Care Med. 2010;38(12):2386-400.
-77 Needham DM, Davidson J, Cohen H, Hopkins RO, Weinert C, Wunsch H, et al. Improving long-term outcomes after discharge from intensive care unit: report from a stakeholders’ conference. Crit Care Med. 2012;40(2):502-9.) que podem impedi-los de trabalhar novamente.

Em torno de 40 - 65% dos pacientes que recebem alta das unidades de terapia intensiva (UTIs) já não trabalhavam ou não estudavam antes de sofrerem uma doença aguda grave.(88 Griffiths J, Hatch RA, Bishop J, Morgan K, Jenkinson C, Cuthbertson BH, et al. An exploration of social and economic outcome and associated health-related quality of life after critical illness in general intensive care unit survivors: a 12-month follow-up study. Crit Care. 2013;17(3):R100.

9 Norman BC, Jackson JC, Graves JA, Girard TD, Pandharipande PP, Brummel NE, et al. Employment outcomes after critical illness: an analysis of the bringing to light the risk factors and incidence of neuropsychological dysfunction in ICU survivors cohort. Crit Care Med. 2016;44(11):2003-9.

10 Myhren H, Ekeberg Ø, Stokland O. Health-related quality of life and return to work after critical illness in general intensive care unit patients: a 1-year follow-up study. Crit Care Med. 2010;38(7):1554-61.

11 Kamdar BB, Huang M, Dinglas VD, Colantuoni E, von Wachter TM, Hopkins RO, Needham DM; National Heart, Lung, and Blood Institute Acute Respiratory Distress Syndrome Network. Joblessness and lost earnings after acute respiratory distress syndrome in a 1-year national multicenter study. Am J Respir Crit Care Med. 2017;196(8):1012-20.

12 Kamdar BB, Sepulveda KA, Chong A, Lord RK, Dinglas VD, Mendez-Tellez PA, et al. Return to work and lost earnings after acute respiratory distress syndrome: a 5-year prospective, longitudinal study of long-term survivors. Thorax. 2018;73(2):125-33.
-1313 Goei H, Hop MJ, van der Vlies CH, Nieuwenhuis MK, Polinder S, Middelkoop E, van Baar ME; ‘Dutch Burn Repository group’ consists of. Return to work after specialised burn care: a two-year prospective follow-up study of the prevalence, predictors and related costs. Injury. 2016;47(9):1975-82.) Naqueles que trabalhavam antes da internação em UTI, existe elevada taxa de não retorno ao trabalho (por aposentadoria ou demissão) ou não retorno às atividades habituais de vida (por exemplo: estudos) - taxas que alcançam 30 - 58% em 3 meses.(99 Norman BC, Jackson JC, Graves JA, Girard TD, Pandharipande PP, Brummel NE, et al. Employment outcomes after critical illness: an analysis of the bringing to light the risk factors and incidence of neuropsychological dysfunction in ICU survivors cohort. Crit Care Med. 2016;44(11):2003-9.,1313 Goei H, Hop MJ, van der Vlies CH, Nieuwenhuis MK, Polinder S, Middelkoop E, van Baar ME; ‘Dutch Burn Repository group’ consists of. Return to work after specialised burn care: a two-year prospective follow-up study of the prevalence, predictors and related costs. Injury. 2016;47(9):1975-82.,1414 Kamdar BB, Suri R, Suchyta MR, Digrande KF, Sherwood KD, Colantuoni E, et al. Return to work after critical illness: a systematic review and meta-analysis. Thorax. 2020;75(1):17-27.) 30 - 49% em 6 meses(1111 Kamdar BB, Huang M, Dinglas VD, Colantuoni E, von Wachter TM, Hopkins RO, Needham DM; National Heart, Lung, and Blood Institute Acute Respiratory Distress Syndrome Network. Joblessness and lost earnings after acute respiratory distress syndrome in a 1-year national multicenter study. Am J Respir Crit Care Med. 2017;196(8):1012-20.,1414 Kamdar BB, Suri R, Suchyta MR, Digrande KF, Sherwood KD, Colantuoni E, et al. Return to work after critical illness: a systematic review and meta-analysis. Thorax. 2020;75(1):17-27.

15 Eddleston JM, White P, Guthrie E. Survival, morbidity, and quality of life after discharge from intensive care. Crit Care Med. 2000;28(7):2293-9.
-1616 Palmu R, Partonen T, Suominen K, Vuola J, Isometsä E. Return to work six months after burn: a prospective study at the Helsinki Burn Center. Burns. 2015;41(6):1152-60.) e 47 - 65% em 12 meses.(88 Griffiths J, Hatch RA, Bishop J, Morgan K, Jenkinson C, Cuthbertson BH, et al. An exploration of social and economic outcome and associated health-related quality of life after critical illness in general intensive care unit survivors: a 12-month follow-up study. Crit Care. 2013;17(3):R100.

9 Norman BC, Jackson JC, Graves JA, Girard TD, Pandharipande PP, Brummel NE, et al. Employment outcomes after critical illness: an analysis of the bringing to light the risk factors and incidence of neuropsychological dysfunction in ICU survivors cohort. Crit Care Med. 2016;44(11):2003-9.

10 Myhren H, Ekeberg Ø, Stokland O. Health-related quality of life and return to work after critical illness in general intensive care unit patients: a 1-year follow-up study. Crit Care Med. 2010;38(7):1554-61.
-1111 Kamdar BB, Huang M, Dinglas VD, Colantuoni E, von Wachter TM, Hopkins RO, Needham DM; National Heart, Lung, and Blood Institute Acute Respiratory Distress Syndrome Network. Joblessness and lost earnings after acute respiratory distress syndrome in a 1-year national multicenter study. Am J Respir Crit Care Med. 2017;196(8):1012-20.,1414 Kamdar BB, Suri R, Suchyta MR, Digrande KF, Sherwood KD, Colantuoni E, et al. Return to work after critical illness: a systematic review and meta-analysis. Thorax. 2020;75(1):17-27.,1515 Eddleston JM, White P, Guthrie E. Survival, morbidity, and quality of life after discharge from intensive care. Crit Care Med. 2000;28(7):2293-9.,1717 Herridge MS, Tansey CM, Matté A, Tomlinson G, Diaz-Granados N, Cooper A, Guest CB, Mazer CD, Mehta S, Stewart TE, Kudlow P, Cook D, Slutsky AS, Cheung AM; Canadian Critical Care Trials Group. Functional disability 5 years after acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2011;364(14):1293-304.

18 Davydow DS, Zatzick DF, Rivara FP, Jurkovich GJ, Wang J, Roy-Byrne PP, et al. Predictors of posttraumatic stress disorder and return to usual major activity in traumatically injured intensive care unit survivors. Gen Hosp Psychiatry. 2009;31(5):428-35.
-1919 Zatzick D, Jurkovich GJ, Rivara FP, Wang J, Fan MY, Joesch J, et al. A national US study of posttraumatic stress disorder, depression, and work and functional outcomes after hospitalization for traumatic injury. Ann Surg. 2008;248(3):429-37.) Além disso, para aqueles pacientes aptos a retornarem ao mercado de trabalho após a alta da UTI, a necessidade de redução de horas de trabalho ou de mudança de cargo é frequente. Nesse sentido, a redução da renda tem sido demonstrada tanto para sobreviventes de doença aguda grave desempregados,(88 Griffiths J, Hatch RA, Bishop J, Morgan K, Jenkinson C, Cuthbertson BH, et al. An exploration of social and economic outcome and associated health-related quality of life after critical illness in general intensive care unit survivors: a 12-month follow-up study. Crit Care. 2013;17(3):R100.,1414 Kamdar BB, Suri R, Suchyta MR, Digrande KF, Sherwood KD, Colantuoni E, et al. Return to work after critical illness: a systematic review and meta-analysis. Thorax. 2020;75(1):17-27.) quanto para aqueles que retornam ao mercado de trabalho após alta da UTI.(1414 Kamdar BB, Suri R, Suchyta MR, Digrande KF, Sherwood KD, Colantuoni E, et al. Return to work after critical illness: a systematic review and meta-analysis. Thorax. 2020;75(1):17-27.)

A maioria dos autores que investigou o desfecho retorno ao trabalho após a alta da UTI o fez como um desfecho secundário,(1515 Eddleston JM, White P, Guthrie E. Survival, morbidity, and quality of life after discharge from intensive care. Crit Care Med. 2000;28(7):2293-9.,1717 Herridge MS, Tansey CM, Matté A, Tomlinson G, Diaz-Granados N, Cooper A, Guest CB, Mazer CD, Mehta S, Stewart TE, Kudlow P, Cook D, Slutsky AS, Cheung AM; Canadian Critical Care Trials Group. Functional disability 5 years after acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2011;364(14):1293-304.

18 Davydow DS, Zatzick DF, Rivara FP, Jurkovich GJ, Wang J, Roy-Byrne PP, et al. Predictors of posttraumatic stress disorder and return to usual major activity in traumatically injured intensive care unit survivors. Gen Hosp Psychiatry. 2009;31(5):428-35.

19 Zatzick D, Jurkovich GJ, Rivara FP, Wang J, Fan MY, Joesch J, et al. A national US study of posttraumatic stress disorder, depression, and work and functional outcomes after hospitalization for traumatic injury. Ann Surg. 2008;248(3):429-37.

20 Quasim T, Brown J, Kinsella J. Employment, social dependency and return to work after intensive care. J Intensive Care Soc. 2015;16(1):31-6.

21 Ringdal M, Plos K, Örtenwall P, Bergbom I. Memories and health-related quality of life after intensive care: a follow-up study. Crit Care Med. 2010;38(1):38-44.

22 Zatzick DF, Rivara FP, Nathens AB, Jurkovich GJ, Wang J, Fan MY, et al. A nationwide US study of post-traumatic stress after hospitalization for physical injury. Psychol Med. 2007;37(10):1469-80.
-2323 Adhikari NK, McAndrews MP, Tansey CM, Matté A, Pinto R, Cheung AM, et al. Self-reported symptoms of depression and memory dysfunction in survivors of ARDS. Chest. 2009;135(3):678-87.) priorizando a avaliação da qualidade de vida como desfecho principal. Além disso, esses estudos foram conduzidos nas populações da América do Norte e da Europa, não havendo até o momento (que nós saibamos) dados sobre o retorno ao trabalho após doença aguda grave no Brasil.

Alguns autores(99 Norman BC, Jackson JC, Graves JA, Girard TD, Pandharipande PP, Brummel NE, et al. Employment outcomes after critical illness: an analysis of the bringing to light the risk factors and incidence of neuropsychological dysfunction in ICU survivors cohort. Crit Care Med. 2016;44(11):2003-9.,2424 Rothenhäusler HB, Ehrentraut S, Stoll C, Schelling G, Kapfhammer HP. The relationship between cognitive performance and employment and health status in long-term survivors of the acute respiratory distress syndrome: results of an exploratory study. Gen Hosp Psychiatry. 2001;23(2):90-6.) já relacionaram o não retorno ao emprego com a piora da cognição. Outros(1919 Zatzick D, Jurkovich GJ, Rivara FP, Wang J, Fan MY, Joesch J, et al. A national US study of posttraumatic stress disorder, depression, and work and functional outcomes after hospitalization for traumatic injury. Ann Surg. 2008;248(3):429-37.,2121 Ringdal M, Plos K, Örtenwall P, Bergbom I. Memories and health-related quality of life after intensive care: a follow-up study. Crit Care Med. 2010;38(1):38-44.,2323 Adhikari NK, McAndrews MP, Tansey CM, Matté A, Pinto R, Cheung AM, et al. Self-reported symptoms of depression and memory dysfunction in survivors of ARDS. Chest. 2009;135(3):678-87.) associaram com a presença de transtornos psicológicos (transtorno de estresse pós-traumático - TEPT - ou depressão).(1616 Palmu R, Partonen T, Suominen K, Vuola J, Isometsä E. Return to work six months after burn: a prospective study at the Helsinki Burn Center. Burns. 2015;41(6):1152-60.) Há outros ainda, que relataram a conexão com a piora da qualidade de vida relacionada à saúde.(1010 Myhren H, Ekeberg Ø, Stokland O. Health-related quality of life and return to work after critical illness in general intensive care unit patients: a 1-year follow-up study. Crit Care Med. 2010;38(7):1554-61.

11 Kamdar BB, Huang M, Dinglas VD, Colantuoni E, von Wachter TM, Hopkins RO, Needham DM; National Heart, Lung, and Blood Institute Acute Respiratory Distress Syndrome Network. Joblessness and lost earnings after acute respiratory distress syndrome in a 1-year national multicenter study. Am J Respir Crit Care Med. 2017;196(8):1012-20.
-1212 Kamdar BB, Sepulveda KA, Chong A, Lord RK, Dinglas VD, Mendez-Tellez PA, et al. Return to work and lost earnings after acute respiratory distress syndrome: a 5-year prospective, longitudinal study of long-term survivors. Thorax. 2018;73(2):125-33.) Acredita-se que a incapacidade de retornar ao trabalho seja um desfecho significativo para o paciente e consequência do surgimento ou agravamento desses défices motores, psicológicos ou cognitivos prevalentes nos sobreviventes da UTI.(1414 Kamdar BB, Suri R, Suchyta MR, Digrande KF, Sherwood KD, Colantuoni E, et al. Return to work after critical illness: a systematic review and meta-analysis. Thorax. 2020;75(1):17-27.)

Assim, este estudo teve como objetivos descrever a taxa e os fatores relacionados ao não retorno ao trabalho no terceiro mês pós-alta da unidade de terapia intensiva, além dos impactos do desemprego, da perda de renda e dos gastos com saúde para os sobreviventes.

MÉTODOS

Este estudo é uma subanálise do estudo Avaliação da Qualidade de Vida após Alta da UTI.(2525 Rosa RG, Falavigna M, Robinson CC, Sanchez EC, Kochhann R, Schneider D, Sganzerla D, Dietrich C, Barbosa MG, de Souza D, Rech GS, Dos Santos RR, da Silva AP, Santos MM, Dal Lago P, Sharshar T, Bozza FA, Teixeira C; Quality of Life After ICU Study Group Investigators and the BRICNet. Early and late mortality following discharge from the ICU: a multicenter prospective cohort study. Crit Care Med. 2020;48(1):64-72.) Trata-se de estudo de coorte prospectivo, multicêntrico, realizado de 2015 a 2018 em dez UTIs clínico-cirúrgicas brasileiras de hospitais públicos ou privados, abrangendo as cinco macrorregiões do país. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre (Nº. 160.969) e por todos os hospitais que participaram da coleta de dados.

O estudo incluiu pacientes maiores de 18 anos, sobreviventes à internação na UTI, com tempo de permanência na UTI ≥ 72 horas nos casos de internação clínica ou cirúrgica de urgência e ≥ 120 horas nos casos de internação cirúrgica eletiva. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram excluídos os pacientes que não trabalhavam previamente à doença aguda grave, os readmitidos à UTI durante a mesma internação hospitalar, os transferidos diretamente de outro hospital para a UTI, os que receberam alta da UTI para casa ou para outro hospital, os em isolamento respiratório após alta da UTI e aqueles com negativa do consentimento informado ou inexistência de contatos telefônicos. Pacientes que receberam alta da UTI, ainda na internação hospitalar, foram triados de forma consecutiva e convidados a participar do estudo. O consentimento foi obtido do paciente ou seu responsável. Os dados da internação na UTI foram coletados durante a internação hospitalar.

Foram avaliados: características sociodemográficas (idade, sexo, regime de trabalho - formal/informal, escolaridade, renda familiar mensal); estado de saúde antes da admissão na UTI (presença de comorbidades, verificada pelo índice de comorbidade de Charlson,(2626 Charlson M, Pompei P, Ales KL, MacKenzie CR. A new method of classifying prognostic comorbidity in longitudinal studies: development and validation. J Chronic Dis. 1987;40(5):373-83.) e estado físico-funcional, medido pelo índice de Barthel);(2727 Mahoney FI, Barthel DW. Functional evaluation: the Barthel index. Md State Med J. 1965;14:61-5.) características da doença aguda grave (tipo de admissão na UTI; risco de morte na admissão na UTI - risco de morte estimado em percentagem por meio da avaliação do Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II - APACHE II ou do Simplified Acute Physiology Score 3 -SAPS 3; diagnóstico de sepse, definida pelos critérios de sepse-II,(2828 Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb SA, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including the Pediatric Subgroup. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med. 2013;41(2):580-637.) e síndrome do desconforto respiratório agudo - SDRA, pela definição de Berlin;(2929 ARDS Definition Task Force, Ranieri VM, Rubenfeld GD, Thompson BT, Ferguson ND, Caldwell E, Fan E, et al. Acute respiratory distress syndrome: the Berlin Definition. JAMA. 2012;307(23):2526-33.) disfunção orgânica durante a internação na UTI - necessidade de ventilação mecânica, vasopressor, terapia de substituição renal, nutrição parenteral e de transfusão de hemoderivados e delirium - e tempo de permanência na UTI); e o estado de saúde pós-alta imediata a alta da UTI (alteração cognitiva aferida pelo Miniexame do Estado Mental - MEEM, grau de força muscular aferido pelo Medical Research Council - MRC2525 Rosa RG, Falavigna M, Robinson CC, Sanchez EC, Kochhann R, Schneider D, Sganzerla D, Dietrich C, Barbosa MG, de Souza D, Rech GS, Dos Santos RR, da Silva AP, Santos MM, Dal Lago P, Sharshar T, Bozza FA, Teixeira C; Quality of Life After ICU Study Group Investigators and the BRICNet. Early and late mortality following discharge from the ICU: a multicenter prospective cohort study. Crit Care Med. 2020;48(1):64-72.) e presença de sintomas de ansiedade e depressão aferidos pela Hospital Anxiety and Depression Scale - HADS).(2525 Rosa RG, Falavigna M, Robinson CC, Sanchez EC, Kochhann R, Schneider D, Sganzerla D, Dietrich C, Barbosa MG, de Souza D, Rech GS, Dos Santos RR, da Silva AP, Santos MM, Dal Lago P, Sharshar T, Bozza FA, Teixeira C; Quality of Life After ICU Study Group Investigators and the BRICNet. Early and late mortality following discharge from the ICU: a multicenter prospective cohort study. Crit Care Med. 2020;48(1):64-72.)

Todos os desfechos foram avaliados por entrevista telefônica no terceiro mês pós-alta da UTI, realizada por pesquisadores treinados. A avaliação do status de emprego foi realizada por meio de pergunta direta. Para avaliação da alteração da renda familiar e gastos com saúde, foi questionado se os valores modificaram para mais, para menos ou se mantiveram em comparação a renda e gastos previamente à internação. A taxa de retorno ao trabalho em 3 meses, dentre os pacientes que trabalhavam no momento da internação na UTI, foi considerada como o desfecho primário.

Os desfechos secundários avaliados foram fatores relacionados ao não retorno ao trabalho; alteração da renda familiar e dos custos relacionados à saúde, comparando-se o período anterior e posterior à passagem pela UTI.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram descritas na forma de frequência absoluta e relativa, enquanto as variáveis contínuas na forma de média e desvio-padrão, ou mediana e intervalo interquartil (IIQ), conforme distribuição da variável. Os fatores associados ao não retorno ao trabalho foram avaliados com modelos de regressão de Poisson modificada, com estimação robusta para a variância. Todas as variáveis com p < 0,20, nos modelos univariáveis, foram incluídas no modelo multivariável e selecionadas de acordo com o método forward. Os resultados foram apresentados na forma de razão de prevalência (RP) e intervalo de confiança de 95% (IC95%). Os desfechos de variação do gasto em saúde e da renda familiar foram comparados com o teste do qui-quadrado de Pearson. O nível de significância adotado foi de 5% e as análises foram realizadas no software R versão 3.6.0.(3030 R Core Team. R: A language and environment for statistical computing. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing, 2019. Available from: https://www.gbif.org/pt/tool/81287/r-a-language-and-environment-for-statistical-computing
https://www.gbif.org/pt/tool/81287/r-a-l...
)

RESULTADOS

Características dos pacientes

As características demográficas e clínicas da coorte, bem como dos dados de gravidade da doença aguda, são mostradas na tabela 1. Foram avaliados 316 pacientes que trabalhavam previamente à admissão na UTI e estavam vivos após 3 meses da alta da UTI (Figura 1). A mediana de idade dos pacientes inclusos foi de 54 anos (IIQ 36,8 - 63,0), sendo que 22,8% tinham ≥ 65 anos e 33,5% eram mulheres. A mediana de nível de escolaridade foi 11 anos (IIQ 8 - 16). A mediana de renda familiar per capita foi de R$3.088 (IIQ 1.793 - 7.484). Dentre os motivos para a internação na UTI, 69,3% dos pacientes foram admitidos devido a condições clínicas; 15,2% devido à cirurgia eletiva e 15,5% devido à cirurgia de urgência. No momento da alta da UTI, 65,5% dos pacientes apresentaram disfunção cognitiva, 76,1% tinham fraqueza muscular, 60,1% apresentaram sintomas de ansiedade e 78,7% mostravam sintomas de depressão. No terceiro mês pós-alta da UTI, 79,3% dos pacientes apresentavam dependência física e 50,5% tinham perda funcional comparada ao seu estado prévio à internação na UTI.

Tabela 1
Características demográficas e clínicas do pós-alta da unidade de terapia intensiva

Figura 1
Fluxograma da população do estudo.

Probabilidade de não retorno ao trabalho

De 316 pacientes empregados previamente à internação, 193 (61,1%) não retornaram ao trabalho nos 3 meses após a alta da UTI. A figura 2 mostra os principais motivos pelos quais aqueles que trabalhavam previamente à internação na UTI não retornaram ao trabalho nos 3 meses que seguiram à alta da UTI. O afastamento por problemas de saúde (atestado de afastamento vigente fornecido pelo Sistema Único de Saúde - SUS) foi responsável por 91,6% dos casos de não retorno ao trabalho em 3 meses. A pequena percentagem restante não estava trabalhando porque se aposentou nesse período ou perdeu o emprego. Ainda, a aposentadoria foi a principal razão para não trabalhar previamente à internação na UTI, e o afastamento do trabalho por motivos de saúde foi responsável por cerca de 20% dos afastamentos (Figura 3).

Figura 2
Razões para não retornar ao trabalho 3 meses após a alta da unidade de terapia intensiva.

Figura 3
Razões para não trabalhar previamente à internação na unidade de terapia intensiva.

Fatores associados ao não retorno ao trabalho

A análise multivariada (Tabela 2) demonstrou que os fatores associados ao não retorno ao trabalho após a alta da UTI foram o baixo nível educacional (RP 1,39; IC95% 1,10 - 1,74; p = 0,006), ter emprego formal (RP 1,32; IC95% 1,10 - 1,58; p = 0,003), necessidade de ventilação mecânica (RP 1,20; IC95% 1,01 - 1,42; p = 0,04) e apresentar dependência física no terceiro mês pós-alta (RP 1,27; IC95% 1,08 - 1,48; p = 0,003).

Tabela 2
Análise multivariada dos fatores relacionados ao não retorno ao trabalho

Variação na renda familiar e nos gastos em saúde

Os sobreviventes incapazes de retornar ao trabalho mais frequentemente apresentaram redução da renda familiar (49,7% versus 33,3%; p = 0,008) e aumento dos gastos em saúde (66,9% versus 48,3%; p = 0,002) quando comparados àqueles que retornaram ao trabalho no terceiro mês após a alta da UTI.

DISCUSSÃO

Os dados do estudo demonstraram que 61,1% dos doentes gravemente enfermos não são capazes de retornar ao trabalho nos primeiros 3 meses após a alta da UTI. O risco de não retorno está relacionado a fatores pré-internação (baixo nível educacional e apresentar um emprego formal); gravidade da doença (necessidade de ventilação mecânica durante a estada na UTI) e sequelas motoras após a alta (apresentar dependência física). Além disso, esse subgrupo de pacientes refere maior gasto em saúde e redução da renda familiar.

Dados prévios já demonstraram que 40% - 65% dos pacientes críticos admitidos nas UTIs já não trabalham previamente à internação.(88 Griffiths J, Hatch RA, Bishop J, Morgan K, Jenkinson C, Cuthbertson BH, et al. An exploration of social and economic outcome and associated health-related quality of life after critical illness in general intensive care unit survivors: a 12-month follow-up study. Crit Care. 2013;17(3):R100.

9 Norman BC, Jackson JC, Graves JA, Girard TD, Pandharipande PP, Brummel NE, et al. Employment outcomes after critical illness: an analysis of the bringing to light the risk factors and incidence of neuropsychological dysfunction in ICU survivors cohort. Crit Care Med. 2016;44(11):2003-9.

10 Myhren H, Ekeberg Ø, Stokland O. Health-related quality of life and return to work after critical illness in general intensive care unit patients: a 1-year follow-up study. Crit Care Med. 2010;38(7):1554-61.

11 Kamdar BB, Huang M, Dinglas VD, Colantuoni E, von Wachter TM, Hopkins RO, Needham DM; National Heart, Lung, and Blood Institute Acute Respiratory Distress Syndrome Network. Joblessness and lost earnings after acute respiratory distress syndrome in a 1-year national multicenter study. Am J Respir Crit Care Med. 2017;196(8):1012-20.

12 Kamdar BB, Sepulveda KA, Chong A, Lord RK, Dinglas VD, Mendez-Tellez PA, et al. Return to work and lost earnings after acute respiratory distress syndrome: a 5-year prospective, longitudinal study of long-term survivors. Thorax. 2018;73(2):125-33.
-1313 Goei H, Hop MJ, van der Vlies CH, Nieuwenhuis MK, Polinder S, Middelkoop E, van Baar ME; ‘Dutch Burn Repository group’ consists of. Return to work after specialised burn care: a two-year prospective follow-up study of the prevalence, predictors and related costs. Injury. 2016;47(9):1975-82.) Provavelmente isso se relacione ao maior envelhecimento da população e à grande prevalência de comorbidades encontradas nesses pacientes.(11 Boccardi V. Population ageing: the need for a care revolution in world 2.0. Geriatrics (Basel). 2019;4(3):47.,3131 Orwelius L, Nordlund A, Edéll-Gustafsson U, Simonsson E, Nordlund P, Kristenson M, et al. Role of preexisting disease in patients’ perceptions of health-related quality of life after intensive care. Crit Care Med. 2005;33(7):1557-64.) Com relação aos trabalhadores, destaca-se recente revisão sistemática com metanálise (52 estudos com 10.015 pacientes),(1414 Kamdar BB, Suri R, Suchyta MR, Digrande KF, Sherwood KD, Colantuoni E, et al. Return to work after critical illness: a systematic review and meta-analysis. Thorax. 2020;75(1):17-27.) a qual demonstrou que apenas 36% (23% - 49%) dos sobreviventes foram capazes de retornar ao trabalho nos primeiros 3 meses da alta da UTI.

Um impacto negativo com relação à capacidade de trabalhar é evidente nos pacientes que recebem alta da UTI.(88 Griffiths J, Hatch RA, Bishop J, Morgan K, Jenkinson C, Cuthbertson BH, et al. An exploration of social and economic outcome and associated health-related quality of life after critical illness in general intensive care unit survivors: a 12-month follow-up study. Crit Care. 2013;17(3):R100.

9 Norman BC, Jackson JC, Graves JA, Girard TD, Pandharipande PP, Brummel NE, et al. Employment outcomes after critical illness: an analysis of the bringing to light the risk factors and incidence of neuropsychological dysfunction in ICU survivors cohort. Crit Care Med. 2016;44(11):2003-9.

10 Myhren H, Ekeberg Ø, Stokland O. Health-related quality of life and return to work after critical illness in general intensive care unit patients: a 1-year follow-up study. Crit Care Med. 2010;38(7):1554-61.
-1111 Kamdar BB, Huang M, Dinglas VD, Colantuoni E, von Wachter TM, Hopkins RO, Needham DM; National Heart, Lung, and Blood Institute Acute Respiratory Distress Syndrome Network. Joblessness and lost earnings after acute respiratory distress syndrome in a 1-year national multicenter study. Am J Respir Crit Care Med. 2017;196(8):1012-20.,1515 Eddleston JM, White P, Guthrie E. Survival, morbidity, and quality of life after discharge from intensive care. Crit Care Med. 2000;28(7):2293-9.,1717 Herridge MS, Tansey CM, Matté A, Tomlinson G, Diaz-Granados N, Cooper A, Guest CB, Mazer CD, Mehta S, Stewart TE, Kudlow P, Cook D, Slutsky AS, Cheung AM; Canadian Critical Care Trials Group. Functional disability 5 years after acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2011;364(14):1293-304.

18 Davydow DS, Zatzick DF, Rivara FP, Jurkovich GJ, Wang J, Roy-Byrne PP, et al. Predictors of posttraumatic stress disorder and return to usual major activity in traumatically injured intensive care unit survivors. Gen Hosp Psychiatry. 2009;31(5):428-35.

19 Zatzick D, Jurkovich GJ, Rivara FP, Wang J, Fan MY, Joesch J, et al. A national US study of posttraumatic stress disorder, depression, and work and functional outcomes after hospitalization for traumatic injury. Ann Surg. 2008;248(3):429-37.

20 Quasim T, Brown J, Kinsella J. Employment, social dependency and return to work after intensive care. J Intensive Care Soc. 2015;16(1):31-6.

21 Ringdal M, Plos K, Örtenwall P, Bergbom I. Memories and health-related quality of life after intensive care: a follow-up study. Crit Care Med. 2010;38(1):38-44.

22 Zatzick DF, Rivara FP, Nathens AB, Jurkovich GJ, Wang J, Fan MY, et al. A nationwide US study of post-traumatic stress after hospitalization for physical injury. Psychol Med. 2007;37(10):1469-80.

23 Adhikari NK, McAndrews MP, Tansey CM, Matté A, Pinto R, Cheung AM, et al. Self-reported symptoms of depression and memory dysfunction in survivors of ARDS. Chest. 2009;135(3):678-87.
-2424 Rothenhäusler HB, Ehrentraut S, Stoll C, Schelling G, Kapfhammer HP. The relationship between cognitive performance and employment and health status in long-term survivors of the acute respiratory distress syndrome: results of an exploratory study. Gen Hosp Psychiatry. 2001;23(2):90-6.) Os indivíduos que permanecem no mercado de trabalho podem passar por dificuldades como subemprego, necessidade de redução das horas de trabalho, transição para um status de meio período de trabalho ou para um cargo de menor importância, ou, ainda, obtenção de uma licença por doença de longo prazo.(2222 Zatzick DF, Rivara FP, Nathens AB, Jurkovich GJ, Wang J, Fan MY, et al. A nationwide US study of post-traumatic stress after hospitalization for physical injury. Psychol Med. 2007;37(10):1469-80.) Além disso, muitos recebem aposentadoria por invalidez nos primeiros meses após a alta da UTI.(2222 Zatzick DF, Rivara FP, Nathens AB, Jurkovich GJ, Wang J, Fan MY, et al. A nationwide US study of post-traumatic stress after hospitalization for physical injury. Psychol Med. 2007;37(10):1469-80.) Os dados evidenciados neste artigo identificaram que problemas de saúde foram o motivo do afastamento do trabalho em mais de 90% dos casos, fato que pode ter levado a uma taxa elevada de aposentadoria por invalidez nos meses seguintes, cumprindo as normas vigentes da legislação brasileira.

Quanto à avaliação dos fatores de risco para o não retorno ao trabalho, estudos robustos identificaram as seguintes causas relacionadas:(1414 Kamdar BB, Suri R, Suchyta MR, Digrande KF, Sherwood KD, Colantuoni E, et al. Return to work after critical illness: a systematic review and meta-analysis. Thorax. 2020;75(1):17-27.) nível baixo de escolaridade, presença de comorbidades e perda da saúde mental após a alta, bem como a alta hospitalar para clínicas de cuidados (maior grau de dependência funcional). A gravidade da doença crítica parece perder importância quando comparada aos fatores pré-admissionais hospitalares - exceção feita à necessidade de suporte ventilatório invasivo. Riddersholm et al.(3232 Riddersholm S, Christensen S, Kragholm K, Christiansen CF, Rasmussen BS. Organ support therapy in the intensive care unit and return to work: a nationwide, register-based cohort study. Intensive Care Med. 2018;44(4):418-27.) já tinham previamente associado a necessidade da suporte ventilatório (razão de risco 0,70; IC95% 0,65 - 0,77) com menor chance de retorno ao trabalho. Neste estudo, restou evidenciada relação semelhante (RP 1,20; IC95% 1,01 - 1,42). Esse achado pode estar ligado ao fato de a dependência prolongada da ventilação mecânica aparecer somente como um indicador substituto da fraqueza muscular e sua importância na predição estar velada pela presença da fraqueza muscular e à dependência funcional pós-UTI.(44 Desai SV, Law TJ, Needham DM. Long-term complications of critical care. Crit Care Med. 2011;39(2):371-9.,3333 Dinglas VD, Aronson Friedman L, Colantuoni E, Mendez-Tellez PA, Shanholtz CB, Ciesla ND, et al. Muscle weakness and 5-year survival in acute respiratory distress syndrome survivors. Crit Care Med. 2017;45(3):446-53.,3434 Hodgson CL, Udy AA, Bailey M, Barrett J, Bellomo R, Bucknall T, et al. The impact of disability in survivors of critical illness. Intensive Care Med. 2017;43(7):992-1001.)

Vários estudos têm sugerido ainda associação de perda de emprego com a presença de sintomas psiquiátricos.(1010 Myhren H, Ekeberg Ø, Stokland O. Health-related quality of life and return to work after critical illness in general intensive care unit patients: a 1-year follow-up study. Crit Care Med. 2010;38(7):1554-61.,1717 Herridge MS, Tansey CM, Matté A, Tomlinson G, Diaz-Granados N, Cooper A, Guest CB, Mazer CD, Mehta S, Stewart TE, Kudlow P, Cook D, Slutsky AS, Cheung AM; Canadian Critical Care Trials Group. Functional disability 5 years after acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2011;364(14):1293-304.,2020 Quasim T, Brown J, Kinsella J. Employment, social dependency and return to work after intensive care. J Intensive Care Soc. 2015;16(1):31-6.,2222 Zatzick DF, Rivara FP, Nathens AB, Jurkovich GJ, Wang J, Fan MY, et al. A nationwide US study of post-traumatic stress after hospitalization for physical injury. Psychol Med. 2007;37(10):1469-80.,2323 Adhikari NK, McAndrews MP, Tansey CM, Matté A, Pinto R, Cheung AM, et al. Self-reported symptoms of depression and memory dysfunction in survivors of ARDS. Chest. 2009;135(3):678-87.,3535 Adhikari NK, Tansey CM, McAndrews MP, Matté A, Pinto R, Cheung AM, et al. Self-reported depressive symptoms and memory complaints in survivors five years after ARDS. Chest. 2011;140(6):1484-93.,3636 Hurel D, Loirat P, Saulnier F, Nicolas F, Brivet F. Quality of life 6 months after intensive care: results of a prospective multicenter study using a generic health status scale and a satisfaction scale. Intensive Care Med. 1997;23(3):331-7.) No presente estudo não foi encontrada essa correlação, no entanto parece plausível que ela possa ocorrer. Ressalta-se que esses dados foram pesquisados somente no momento da alta da UTI, e não no terceiro mês pós-alta. Além disso, evidenciou-se maior retorno ao trabalho de pacientes que eram autônomos previamente à internação - dado curioso, não relatado em estudos prévios. A razão para essa diferença é incerta, podendo estar relacionada com o tipo de trabalho (por exemplo: manual versus intelectual), ao status socioeconômico, à qualidade de atendimento durante a internação e/ou ao acesso a serviços de reabilitação pós-UTI.

A força deste estudo inclui desenho multicêntrico, incluindo as cinco regiões do país, bem como hospitais públicos e privados. Trata-se, ainda, do primeiro estudo brasileiro desenhado para avaliar o retorno ao trabalho pós-UTI, com tamanho amostral robusto. No entanto o estudo apresenta algumas limitações. Em primeiro lugar, os dados de renda familiar foram relatados pelo próprio paciente, o que pode ser influenciado por fatores externos (crise econômica no país ou inflação) e fatores internos (vergonha no compartilhamento desses dados e medo pelo risco de perda de possíveis benefícios financeiros governamentais). Adicionalmente, por se tratar de um estudo de coorte observacional, não se pode definir causalidade entre fatores relacionados à doença aguda grave e ao não retorno ao trabalho.

CONCLUSÃO

Mais da metade dos doentes gravemente enfermos não é capaz de retornar ao trabalho nos primeiros 3 meses após a alta da unidade de terapia intensiva. Esse risco se relaciona a fatores pré-unidade de terapia intensiva (baixo nível educacional e apresentar um emprego formal), à gravidade da doença aguda (necessidade de suporte ventilatório) e às limitações físicas após a alta. Esses achados endossam a importância de ações de reabilitação, a fim de minimizar sequelas após a doença aguda grave, possibilitando o retorno ao trabalho.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Boccardi V. Population ageing: the need for a care revolution in world 2.0. Geriatrics (Basel). 2019;4(3):47.
  • 2
    Halpern NA, Pastores SM. Critical care medicine in the United States 2000-2005: an analysis of bed numbers, occupancy rates, payer mix, and costs. Crit Care Med. 2010;38(1):65-71.
  • 3
    Stevenson EK, Rubenstein AR, Radin GT, Wiener RS, Walkey AJ. Two decades of mortality trends among patients with severe sepsis: a comparative meta-analysis. Crit Care Med. 2014;42(3):625-31.
  • 4
    Desai SV, Law TJ, Needham DM. Long-term complications of critical care. Crit Care Med. 2011;39(2):371-9.
  • 5
    Hopkins RO, Jackson JC. Long-term neurocognitive function after critical illness. Chest. 2006;130(3):869-78.
  • 6
    Oeyen SG, Vandijck DM, Benoit DD, Annemans L, Decruyenaere JM. Quality of life after intensive care: a systematic review of the literature. Crit Care Med. 2010;38(12):2386-400.
  • 7
    Needham DM, Davidson J, Cohen H, Hopkins RO, Weinert C, Wunsch H, et al. Improving long-term outcomes after discharge from intensive care unit: report from a stakeholders’ conference. Crit Care Med. 2012;40(2):502-9.
  • 8
    Griffiths J, Hatch RA, Bishop J, Morgan K, Jenkinson C, Cuthbertson BH, et al. An exploration of social and economic outcome and associated health-related quality of life after critical illness in general intensive care unit survivors: a 12-month follow-up study. Crit Care. 2013;17(3):R100.
  • 9
    Norman BC, Jackson JC, Graves JA, Girard TD, Pandharipande PP, Brummel NE, et al. Employment outcomes after critical illness: an analysis of the bringing to light the risk factors and incidence of neuropsychological dysfunction in ICU survivors cohort. Crit Care Med. 2016;44(11):2003-9.
  • 10
    Myhren H, Ekeberg Ø, Stokland O. Health-related quality of life and return to work after critical illness in general intensive care unit patients: a 1-year follow-up study. Crit Care Med. 2010;38(7):1554-61.
  • 11
    Kamdar BB, Huang M, Dinglas VD, Colantuoni E, von Wachter TM, Hopkins RO, Needham DM; National Heart, Lung, and Blood Institute Acute Respiratory Distress Syndrome Network. Joblessness and lost earnings after acute respiratory distress syndrome in a 1-year national multicenter study. Am J Respir Crit Care Med. 2017;196(8):1012-20.
  • 12
    Kamdar BB, Sepulveda KA, Chong A, Lord RK, Dinglas VD, Mendez-Tellez PA, et al. Return to work and lost earnings after acute respiratory distress syndrome: a 5-year prospective, longitudinal study of long-term survivors. Thorax. 2018;73(2):125-33.
  • 13
    Goei H, Hop MJ, van der Vlies CH, Nieuwenhuis MK, Polinder S, Middelkoop E, van Baar ME; ‘Dutch Burn Repository group’ consists of. Return to work after specialised burn care: a two-year prospective follow-up study of the prevalence, predictors and related costs. Injury. 2016;47(9):1975-82.
  • 14
    Kamdar BB, Suri R, Suchyta MR, Digrande KF, Sherwood KD, Colantuoni E, et al. Return to work after critical illness: a systematic review and meta-analysis. Thorax. 2020;75(1):17-27.
  • 15
    Eddleston JM, White P, Guthrie E. Survival, morbidity, and quality of life after discharge from intensive care. Crit Care Med. 2000;28(7):2293-9.
  • 16
    Palmu R, Partonen T, Suominen K, Vuola J, Isometsä E. Return to work six months after burn: a prospective study at the Helsinki Burn Center. Burns. 2015;41(6):1152-60.
  • 17
    Herridge MS, Tansey CM, Matté A, Tomlinson G, Diaz-Granados N, Cooper A, Guest CB, Mazer CD, Mehta S, Stewart TE, Kudlow P, Cook D, Slutsky AS, Cheung AM; Canadian Critical Care Trials Group. Functional disability 5 years after acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2011;364(14):1293-304.
  • 18
    Davydow DS, Zatzick DF, Rivara FP, Jurkovich GJ, Wang J, Roy-Byrne PP, et al. Predictors of posttraumatic stress disorder and return to usual major activity in traumatically injured intensive care unit survivors. Gen Hosp Psychiatry. 2009;31(5):428-35.
  • 19
    Zatzick D, Jurkovich GJ, Rivara FP, Wang J, Fan MY, Joesch J, et al. A national US study of posttraumatic stress disorder, depression, and work and functional outcomes after hospitalization for traumatic injury. Ann Surg. 2008;248(3):429-37.
  • 20
    Quasim T, Brown J, Kinsella J. Employment, social dependency and return to work after intensive care. J Intensive Care Soc. 2015;16(1):31-6.
  • 21
    Ringdal M, Plos K, Örtenwall P, Bergbom I. Memories and health-related quality of life after intensive care: a follow-up study. Crit Care Med. 2010;38(1):38-44.
  • 22
    Zatzick DF, Rivara FP, Nathens AB, Jurkovich GJ, Wang J, Fan MY, et al. A nationwide US study of post-traumatic stress after hospitalization for physical injury. Psychol Med. 2007;37(10):1469-80.
  • 23
    Adhikari NK, McAndrews MP, Tansey CM, Matté A, Pinto R, Cheung AM, et al. Self-reported symptoms of depression and memory dysfunction in survivors of ARDS. Chest. 2009;135(3):678-87.
  • 24
    Rothenhäusler HB, Ehrentraut S, Stoll C, Schelling G, Kapfhammer HP. The relationship between cognitive performance and employment and health status in long-term survivors of the acute respiratory distress syndrome: results of an exploratory study. Gen Hosp Psychiatry. 2001;23(2):90-6.
  • 25
    Rosa RG, Falavigna M, Robinson CC, Sanchez EC, Kochhann R, Schneider D, Sganzerla D, Dietrich C, Barbosa MG, de Souza D, Rech GS, Dos Santos RR, da Silva AP, Santos MM, Dal Lago P, Sharshar T, Bozza FA, Teixeira C; Quality of Life After ICU Study Group Investigators and the BRICNet. Early and late mortality following discharge from the ICU: a multicenter prospective cohort study. Crit Care Med. 2020;48(1):64-72.
  • 26
    Charlson M, Pompei P, Ales KL, MacKenzie CR. A new method of classifying prognostic comorbidity in longitudinal studies: development and validation. J Chronic Dis. 1987;40(5):373-83.
  • 27
    Mahoney FI, Barthel DW. Functional evaluation: the Barthel index. Md State Med J. 1965;14:61-5.
  • 28
    Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb SA, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including the Pediatric Subgroup. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med. 2013;41(2):580-637.
  • 29
    ARDS Definition Task Force, Ranieri VM, Rubenfeld GD, Thompson BT, Ferguson ND, Caldwell E, Fan E, et al. Acute respiratory distress syndrome: the Berlin Definition. JAMA. 2012;307(23):2526-33.
  • 30
    R Core Team. R: A language and environment for statistical computing. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing, 2019. Available from: https://www.gbif.org/pt/tool/81287/r-a-language-and-environment-for-statistical-computing
    » https://www.gbif.org/pt/tool/81287/r-a-language-and-environment-for-statistical-computing
  • 31
    Orwelius L, Nordlund A, Edéll-Gustafsson U, Simonsson E, Nordlund P, Kristenson M, et al. Role of preexisting disease in patients’ perceptions of health-related quality of life after intensive care. Crit Care Med. 2005;33(7):1557-64.
  • 32
    Riddersholm S, Christensen S, Kragholm K, Christiansen CF, Rasmussen BS. Organ support therapy in the intensive care unit and return to work: a nationwide, register-based cohort study. Intensive Care Med. 2018;44(4):418-27.
  • 33
    Dinglas VD, Aronson Friedman L, Colantuoni E, Mendez-Tellez PA, Shanholtz CB, Ciesla ND, et al. Muscle weakness and 5-year survival in acute respiratory distress syndrome survivors. Crit Care Med. 2017;45(3):446-53.
  • 34
    Hodgson CL, Udy AA, Bailey M, Barrett J, Bellomo R, Bucknall T, et al. The impact of disability in survivors of critical illness. Intensive Care Med. 2017;43(7):992-1001.
  • 35
    Adhikari NK, Tansey CM, McAndrews MP, Matté A, Pinto R, Cheung AM, et al. Self-reported depressive symptoms and memory complaints in survivors five years after ARDS. Chest. 2011;140(6):1484-93.
  • 36
    Hurel D, Loirat P, Saulnier F, Nicolas F, Brivet F. Quality of life 6 months after intensive care: results of a prospective multicenter study using a generic health status scale and a satisfaction scale. Intensive Care Med. 1997;23(3):331-7.
Editor responsável: Jorge Ibraim Figueira Salluh

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2022
  • Aceito
    27 Set 2022
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br