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Relação entre a Avaliação da Coordenação e Destreza Motora (Acoordem) e a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)

Linking the Motor Coordination and Dexterity Assessment (MCDA) to the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF)

Resumos

INTRODUÇÃO: A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) visa a proporcionar uma base científica para a compreensão e o estudo da saúde e das condições relacionadas, podendo ser utilizada para nortear a criação e utilização de medidas de desfecho em reabilitação. A Avaliação da Coordenação e Destreza Motora (Acoordem) é um teste brasileiro, criado para detectar atraso motor em crianças de 4 a 8 anos. OBJETIVOS: Os objetivos deste estudo foram: a) associar as subcategorias da CIF aos itens da Acoordem; e b) determinar se os itens da Acoordem se encaixam na estrutura da CIF. MATERIAIS E MÉTODOS: Uma terapeuta ocupacional e um fisioterapeuta codificaram independentemente os itens contidos na Acoordem, fazendo o linking com a CIF. Para os itens em que não houve concordância entre os pesquisadores, foi usada a opinião de outras duas pesquisadoras, uma terapeuta ocupacional e uma fisioterapeuta. RESULTADOS: Os itens da Acoordem foram associados aos componentes b (funções do corpo), d (atividades e participação), e (fatores ambientais) e f (fatores pessoais). Não houve itens relacionados com o componente s (estrutura do corpo) e apenas três itens foram codificados como nc (não coberto pela CIF). DISCUSSÃO E CONCLUSÃO: Os itens da Acoordem puderam ser relacionados à estrutura da CIF. Profissionais e pesquisadores da área de reabilitação podem usar a Acoordem para obter dados acerca da atividade e participação em crianças com problemas de coordenação motora, pois sua terminologia e abrangência está de acordo com a perspectiva biopsicossocial da OMS.

CIF; Avaliação de desempenho; Avaliação da coordenação; Destreza motora


INTRODUCTION: The International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF) aims to provide a scientific basis for the comprehension and the study of health and its related conditions, and as such it can be used to guide the creation and utilization of outcome measures. The Motor Coordination and Dexterity Assessment (MCDA) is a Brazilian assessment tool that was designed to detect motor delay in 4 to 8 years old children. Objectives: The aims of this study were: a) to link the CIF sub domains with the MCDA items and b) determine if the MCDA items fit with the ICF framework. MATERIALS AND METHODS: One occupational therapist and one physical therapist coded, independently, the MCDA items, conducting the linking with the ICF. Whenever there was no agreement between the researchers, the opinion of other two researchers, one occupational therapist and one physical therapist, was used. RESULTS: The MCDA items were linked to the components b (body functions), d (activities and participation), e (environmental factors), and f (personal factors). DISCUSSION AND CONCLUSION: The MCDA items could be linked with the ICF framework. Professionals and researchers in the rehabilitation field can use the MCDA to get data about activities and participation of children with motor coordination problems, because the MCDA terminology and scope are in accordance with WHO’s biopsychosocial perspective.

ICF; Performance assessment; Motor coordination; Dexterity assessment


ARTIGOS ORIGINAIS

Relação entre a Avaliação da Coordenação e Destreza Motora (Acoordem) e a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)

Linking the Motor Coordination and Dexterity Assessment (MCDA) to the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF)

Ana Amélia CardosoI; Lívia de Castro MagalhãesII; Tatiana Teixeira Barral de LacerdaIII; Peterson Marco de Oliveira AndradeIV

ITerapeuta ocupacional, Doutoranda em Ciências da Reabilitação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora assistente do Departamento de Terapia Ocupacional, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR - Brasil, e-mail: anaameliato@yahoo.com.br

IITerapeuta ocupacional, Doutora em Educação, professora titular do Departamento de Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG - Brasil, e-mail: liviam@gcsnet.com.br

IIIFisioterapeuta, Mestre em Ciências da Reabilitação pela Universidade Federal de Minas (UFMG), professora do curso de Fisioterapia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC -Minas), Belo Horizonte, MG - Brasil, e-mail: tatianabarral@terra.com.br

IVFisioterapeuta, Doutor em Neurociências pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor adjunto do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG - Brasil, e-mail: peterson@ufvjm.edu.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) visa a proporcionar uma base científica para a compreensão e o estudo da saúde e das condições relacionadas, podendo ser utilizada para nortear a criação e utilização de medidas de desfecho em reabilitação. A Avaliação da Coordenação e Destreza Motora (Acoordem) é um teste brasileiro, criado para detectar atraso motor em crianças de 4 a 8 anos.

OBJETIVOS: Os objetivos deste estudo foram: a) associar as subcategorias da CIF aos itens da Acoordem; e b) determinar se os itens da Acoordem se encaixam na estrutura da CIF.

MATERIAIS E MÉTODOS: Uma terapeuta ocupacional e um fisioterapeuta codificaram independentemente os itens contidos na Acoordem, fazendo o linking com a CIF. Para os itens em que não houve concordância entre os pesquisadores, foi usada a opinião de outras duas pesquisadoras, uma terapeuta ocupacional e uma fisioterapeuta.

RESULTADOS: Os itens da Acoordem foram associados aos componentes b (funções do corpo), d (atividades e participação), e (fatores ambientais) e f (fatores pessoais). Não houve itens relacionados com o componente s (estrutura do corpo) e apenas três itens foram codificados como nc (não coberto pela CIF).

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO: Os itens da Acoordem puderam ser relacionados à estrutura da CIF. Profissionais e pesquisadores da área de reabilitação podem usar a Acoordem para obter dados acerca da atividade e participação em crianças com problemas de coordenação motora, pois sua terminologia e abrangência está de acordo com a perspectiva biopsicossocial da OMS.

Palavras-chave: CIF. Avaliação de desempenho. Avaliação da coordenação. Destreza motora.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF) aims to provide a scientific basis for the comprehension and the study of health and its related conditions, and as such it can be used to guide the creation and utilization of outcome measures. The Motor Coordination and Dexterity Assessment (MCDA) is a Brazilian assessment tool that was designed to detect motor delay in 4 to 8 years old children. Objectives: The aims of this study were: a) to link the CIF sub domains with the MCDA items and b) determine if the MCDA items fit with the ICF framework.

MATERIALS AND METHODS: One occupational therapist and one physical therapist coded, independently, the MCDA items, conducting the linking with the ICF. Whenever there was no agreement between the researchers, the opinion of other two researchers, one occupational therapist and one physical therapist, was used.

RESULTS: The MCDA items were linked to the components b (body functions), d (activities and participation), e (environmental factors), and f (personal factors).

DISCUSSION AND CONCLUSION: The MCDA items could be linked with the ICF framework. Professionals and researchers in the rehabilitation field can use the MCDA to get data about activities and participation of children with motor coordination problems, because the MCDA terminology and scope are in accordance with WHO’s biopsychosocial perspective.

Keywords: ICF. Performance assessment. Motor coordination. Dexterity assessment.

Introdução

A "Família de Classificações Internacionais" da Organização Mundial de Saúde (OMS) visa a estabelecer uma linguagem comum para a descrição da saúde em seus vários campos em todo o mundo. As classificações facilitam o levantamento, a consolidação, a análise e a interpretação dos resultados, a formação de bases de dados consistentes, e permitem a comparação de informações entre populações de regiões e países ao longo do tempo (1).

A Classificação Estatística Internacional de Do­en­ças e Problemas Relacionados à Saúde, conhecida como CID, classifica as condições de saúde, transtornos ou lesões, fornecendo um modelo baseado na etiologia, anatomia e causas externas das lesões (1, 2). Atualmente, a CID-10 é a classificação diagnóstica padrão internacional para propósitos epidemiológicos gerais e administrativos da saúde, incluindo análise da situação geral da saúde de grupos populacionais e o monitoramento da incidência e prevalência de doenças e outros problemas de saúde (3, 4).

Enquanto a CID-10 é usada para classificar mortalidade e morbidade, a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) classifica as condições de saúde (5). A CIF representa uma mudança de paradigma para se pensar e trabalhar a deficiência e a incapacidade, constituindo um instrumento importante para avaliação da qualidade de vida e para a promoção de políticas de inclusão social (1). No modelo da CIF, a incapacidade não é definida apenas pela lesão ou doença, mas considerada como resultante da interação entre a disfunção (orgânica e/ou da estrutura do corpo) apresentada pelo indivíduo, a limitação de suas atividades e a restrição na participação social, bem como dos fatores ambientais, que podem atuar como barreiras ou facilitadores para o desempenho (1, 5-7).

A CIF tem como objetivo geral "proporcionar uma linguagem unificada e padronizada e uma estrutura que descreva a saúde e os estados relacionados à saúde" (6). A CIF visa a fornecer uma base científica para a compreensão e o estudo da saúde e das condições relacionadas à saúde, por meio de seus determinantes e efeitos. Sua linguagem padronizada busca facilitar a comunicação entre profissionais, pesquisadores, elaboradores de políticas públicas e o público. Além disso, a CIF fornece um sistema de codificação para sistemas de informação, permitindo a comparação de dados entre países e serviços de saúde em diferentes momentos. (8). A OMS estimula a utilização da CIF em diversas áreas, como saúde, educação, previdência social, medicina do trabalho, estatísticas e políticas públicas (1, 3, 6, 9-11).

Em 2004, a OMS publicou uma versão da CIF para crianças e jovens (12), uma vez que a experiência de saúde e incapacidade para crianças e jovens não é a mesma que para os adultos (13). Alguns subdomínios da CIF tinham apenas relevância indireta para crianças e havia omissões importantes relevantes para a infância e adolescência (14), sendo as áreas de particular importância aquelas que refletiam progresso no desenvolvimento nos primeiros anos da infância (15). Por isso, a versão da CIF para crianças e jovens (12) inclui subdomínios, como explorar objetos com a boca (d1200), e descrições modificadas de domínios, como apropriado para a idade (14).

A OMS aponta que a CID-10 e a CIF são complementares, pois a informação sobre mortalidade e morbidade, fornecida pela CID-10, e a informação sobre a saúde e evolução relacionada à saúde, fornecida pela CIF, podem ser combinadas em medidas-resumo da saúde da população. Os usuários são incentivados a usá-las em conjunto, a fim de obter um quadro mais amplo sobre a saúde do indivíduo ou populações (1, 2, 6, 16, 17).

Uma característica fundamental de um sistema de classificação é a sua capacidade de servir como estrutura para o desenvolvimento de medidas e recursos de avaliação que reflitam as dimensões específicas daquela classificação (15). A escolha da CID-10 ou da CIF como modelo irá influenciar o desenvolvimento do instrumento, bem como o tipo de informação que será obtida por meio de sua aplicação.

Na área de reabilitação, instrumentos padronizados de avaliação podem ser usados para avaliar os problemas do indivíduo, para estabelecer metas e avaliar efeitos da intervenção (18). Grande parte dos instrumentos e medidas disponíveis, no entanto, informa principalmente sobre a patologia e seu impacto em órgãos e sistemas do corpo do indivíduo (2, 18), o que sugere que são instrumentos norteados pela CID-10. Ao usar a CID-10 como modelo norteador para a criação de um instrumento, o foco do teste seria apenas no diagnóstico ou descoberta dos sintomas relacionados a uma condição patológica (2). Por outro lado, se o objetivo do teste é obter, além do diagnóstico clínico, informação a respeito das consequências funcionais que uma doença traz para a vida de um indivíduo, a CIF seria um modelo norteador mais interessante, uma vez que enfatiza as repercussões da doença no cotidiano do indivíduo (2, 18).

Dada a relevância da perspectiva da CIF para a área de reabilitação, observam-se esforços no sentido de criar recursos de avaliação congruentes com o modelo proposto, além de estudos para verificar a consistência entre os testes existentes e a CIF. Nesse sentido, Cieza et al. (19) propõem um procedimento padronizado para verificar se os itens de um instrumento apresentam relação clara com os componentes da CIF e orientar a codificação dos itens de acordo com os componentes da classificação. Ao criar um novo instrumento usando a CIF como modelo norteador, é interessante que o autor utilize as regras propostas por Cieza et al. (19), a fim de garantir que o teste realmente se encaixa no modelo proposto.

De acordo com Di Nubila (3), as avaliações funcionais não podem continuar sendo realizadas apenas com o olhar médico, biológico e focado no corpo, quando a CIF se apresenta como ferramenta mais adequada e abrangente. A tendência atual é que a CIF se torne a base para a avaliação multiprofissional do cliente, definição de metas, gerenciamento de intervenção e medida de resultados (18). Diferentes estudos utilizaram as regras de linking para identificar e comparar com a CIF os conceitos contidos em instrumentos de avaliação genéricos e específicos de doenças crônicas (20-22). Além disso, as regras de linking foram usadas para categorizar a percepção dos pacientes sobre o impacto da doença e para validar os core sets da CIF (23, 24).

Fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais que atuam na área infantil lidam com crianças com diferentes graus de comprometimento motor, sendo importante contar com instrumentos adequados para identificar crianças que necessitam de intervenção. A Avaliação da Coordenação e Destreza Motora (Acoordem) (25) é um teste criado para oferecer aos profissionais brasileiros, que lidam com crianças de 4 a 8 anos, um instrumento válido, confiável, de fácil aplicação e baixo custo para detecção de atraso motor. É importante enfatizar que a criação da Acoordem não objetiva solucionar todos os problemas relacionados à avaliação e identificação do TDC, mas, considerando as tendências da literatura atual, ela se enquadra na perspectiva de avaliar os componentes motores em associação com habilidades funcionais relevantes para o desempenho em casa e na escola, como proposto no modelo da CIF (6). O teste conta com itens para avaliação das habilidades sensório-motoras, por meio da observação de itens puramente motores como força, equilíbrio e coordenação motora; além da avaliação do desempenho funcional em casa e na escola e das preferências no brincar, por meio dos questionários de pais e professores.

A Acoordem foi criada com base em extensiva revisão da literatura e se caracterizando como avaliação de produto final, do que é observável (ações da criança), e não do porquê da incapacidade (26). A Acoordem é um teste descritivo ou discriminativo (27, 28), cujo objetivo é classificar, categorizar ou descrever a criança. O teste contém itens para avaliar o desempenho motor da criança em três áreas: coordenação e destreza manual, coordenação corporal e planejamento motor e desempenho em casa e na escola (questionários de pais e professores). Vários estudos (29-32) foram realizados para verificar a validade de conteúdo e as qualidades psicométricas dos itens de cada área, separadamente, sendo verificada a confiabilidade teste reteste/entre examinadores e a discriminação de desempenho por idade, possibilitando a definição dos itens que compõem a versão atual do instrumento (25).

Tendo em vista que a Acoordem é um instrumento novo, ainda em fase de validação, cuja criação foi norteada pelo modelo da CIF (6), o objetivo do presente estudo foi aplicar o grupo de regras propostas por Cieza et al. (19) para relacionar a CIF aos itens da ACOORDEM e determinar se tais itens de fato se encaixam na estrutura da CIF.

Materiais e métodos

O sistema de classificação da CIF é hierárquico, dividido em duas partes. A primeira parte se refere à funcionalidade e incapacidade e possui dois componentes: 1) funções e estrutura do corpo; e 2) atividades e participação. Na segunda parte, fatores contextuais, estão os fatores ambientais e os fatores pessoais (4, 6, 9, 33). A unidade de classificação da CIF são categorias dentro dos domínios de saúde e daqueles relacionados à saúde; a CIF não classifica pessoas, mas descreve a situação de cada pessoa dentro de uma gama de domínios de saúde ou relacionados à saúde, sempre dentro do contexto dos fatores ambientais e pessoais (6).

A codificação da CIF usa um sistema alfanumérico com uma letra para nomear o componente ao qual o item se refere: b (funções do corpo), s (estruturas do corpo), d (atividades e participação), e e (fatores ambientais). Na sequência, é adicionado um código numérico com dois, três ou quatro dígitos, referente à categoria individual do referido componente. (4, 6, 34, 35).

No presente estudo foi usada a versão experimental da Acoordem (25). Uma terapeuta ocupacional (AAC) e um fisioterapeuta (PMOA) desempenharam independentemente o linking entre a CIF e os itens contidos na Acoordem. Para os itens específicos do desenvolvimento infantil, o linking foi feito com a versão da CIF para crianças e jovens (12). Para os itens em que não houve concordância entre os pesquisadores, foi usada a opinião de outras duas pesquisadoras, uma terapeuta ocupacional e uma fisioterapeuta (LCM e TTBL).

O procedimento de linking foi realizado independentemente, seguindo as regras padronizadas por Cieza et al. (19). Todos os pesquisadores tinham conhecimento prévio sobre o conteúdo teórico e taxonômico da CIF. De acordo com as regras, cada conceito contido nos itens do instrumento deve ser correlacionado à mais precisa categoria da CIF. Uma tabela com as oito regras propostas pode ser encontrada em Cieza et al. (19).

Itens com conceitos insuficientes para decidir qual componente da CIF representa melhor devem ser classificados pelas letras "nd" (não definível); quando o item se refere a um estado de saúde, ele deve ser registrado como nd-sg; nd-sf; nd-sm; nd-qv (não definível – saúde geral; não definível – saúde física; não definível – saúde mental; não definível – qualidade de vida, respectivamente) (19). Itens que consideram claramente fatores pessoais, que não estão codificados pela CIF, devem ser marcados com as letras "fp" (fator pessoal). Conceitos que não são cobertos pela CIF devem ser marcados com as letras "nc" (não coberto), e conceitos relacionados ao diagnóstico ou condição de saúde são identificados com as letras "cs" – condição de saúde (19).

Resultados

Os itens de observação direta da Acoordem foram relacionados a 15 categorias, de seis capítulos da CIF: quatro categorias pertencem ao componente b (funções do corpo), e 11 ao componente d (atividades e participação). No componente b (funções do corpo), os itens foram correlacionados a categorias nos capítulos 1 (Funções mentais); 2 (Funções sensoriais e dor); e 7 (Funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas ao movimento), enquanto no componente d (atividades e participação), foi feita correlação com categorias dos capítulos 1 (Aprendizagem e aplicação do conhecimento); 4 (Mobilidade); e 9 (Vida comunitária, social e cívica). A maior parte dos itens de observação da Acoordem foi correlacionada a categorias do capítulo 4 do componente d (atividades e participação). Não houve itens codificados com os componentes s (estrutura do corpo) e e (fatores ambientais). A codificação completa é apresentada no Quadro 1.


Ao considerar o Questionário de Pais da Acoordem, os 90 itens foram associados a 52 categorias, de 12 capítulos da CIF, dos componentes b (funções do corpo), d (atividades e participação) e e (fatores ambientais). No componente b (funções do corpo), os itens do Questionário de Pais foram correlacionados a categorias dos capítulos 1 (Funções mentais) e 7 (Funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas ao movimento); no componente d (atividades e participação), a categorias de todos os capítulos (1 a 9); e no componente e (fatores ambientais) apenas a categorias do capítulo 3 (Apoio e relacionamentos). Seis itens foram codificados como fp (fatores pessoais) e um item foi marcado como nc (não coberto pela CIF). Não houve itens codificados com o componente s (estrutura do corpo). O Quadro 2 apresenta a codificação completa de todos os itens do Questionário de Pais da Acoordem.


Os 41 itens do Questionário de Professores foram relacionados em 29 categorias, de 9 capítulos da CIF, dos componentes b (funções do corpo) e d (atividades e participação). Não houve itens codificados com os componentes e (fatores ambientais) e s (estrutura do corpo). Dois itens foram codificados como fp (fatores pessoais) e outros dois como nc (não coberto pela CIF). No componente b (funções do corpo), houve codificação de categorias apenas no capítulo 1 (Funções mentais), enquanto no componente d (atividades e participação) os itens foram correlacionados a categorias de quase todos os capítulos. O único capítulo que não apresentou nenhuma categoria correlacionada a algum item do Questionário de Professores foi o capítulo 8 (Áreas principais da vida). A codificação dos itens do Questionário de Professores é apresentada no Quadro 3.


Discussão

O desenvolvimento de regras para correlacionar os itens de uma medida de desfecho com a CIF forneceu um procedimento padronizado por meio do qual as medidas disponíveis em saúde e reabilitação podem ser examinadas, considerando a perspectiva da funcionalidade (33). A Acoordem foi criada com o objetivo de possibilitar a detecção de atraso motor em crianças brasileiras de 4 a 8 anos de idade, dentro da perspectiva de avaliar os componentes motores em associação com habilidades relevantes para o desempenho funcional em casa e na escola. Para tanto, o instrumento conta com itens de observação direta da criança e dois questionários (Questionário de Pais e Questionário de Professores).

Todos os itens de observação direta da criança puderam ser codificados e correlacionados à CIF, sendo a maioria correlacionada ao componente d (atividades e participação). Nos questionários de pais e professores também foi possível codificar e correlacionar os itens com a CIF, com exceção de um item no Questionário de Pais (É prazeroso ir com a criança à praia, ao clube ou ao parque, pois ela se comporta apropriadamente) e dois itens no Questionário de Professores (A letra é boa ou compatível com as demandas da professora e Tem dificuldade para passar de atividades mais agitadas para mais calmas). Em ambos os questionários foi possível observar que a maioria dos itens também foi correlacionada a categorias do componente d (atividades e participação). Observa-se, então, que a maioria dos itens da Acoordem avalia os componentes motores em associação com habilidades funcionais relevantes para o desempenho em casa e na escola, o que é um ponto positivo do instrumento quando se considera a perspectiva biopsicossocial proposta pela CIF (6).

A proximidade entre os itens da Acoordem e a CIF pode ser parcialmente explicada pelo fato de que a criação da Acoordem foi norteada pelo modelo da CIF (6), ou seja, o objetivo do instrumento é detectar, além do atraso motor, as consequências funcionais na vida das crianças. O conteúdo da Acoordem, no entanto, não inclui itens correlacionados ao componente s (estrutura do corpo) da CIF. A ausência de itens codificados com esse componente pode ser atribuída ao fato de que o objetivo da Acoordem não é informar sobre uma condição de saúde, mas sim mensurar aspectos relacionados à funcionalidade das crianças.

A OMS reconheceu a importância de distinguir, quantificar e explicar a influência de fatores pessoais nos processos de incapacidade e funcionalidade (19). Embora a CIF ainda não tenha códigos específicos para tais fatores, as regras de codificação propostas por Cieza et al. (19) permitem a identificação de fatores pessoais. Oito itens dos questionários (seis itens no Questionário de Pais e dois itens no Questionário de Professores) foram codificados com fp (fatores pessoais). A inclusão de fatores pessoais na Acoordem reforça a capacidade do instrumento de mensurar os construtos de funcionalidade e saúde.

De acordo com o modelo da CIF, fatores ambientais podem influenciar positiva ou negativamente a funcionalidade, incapacidade e saúde humanas, servindo como facilitadores ou barreiras (1, 5-7). Na Acoordem, apenas o Questionário de Pais apresentou itens codificados como e (fatores ambientais). O fato de apenas dois itens da Acoordem informarem sobre fatores ambientais pode ser uma limitação do conteúdo do instrumento, uma vez que tal informação é essencial no processo de avaliação (6). Simeonsson et al. (15) apontam que, para definir a influência de fatores ambientais, o nicho de desenvolvimento é caracterizado por três componentes: o ambiente físico e social em que a criança vive; os hábitos de cuidado e educação da criança; e a psicologia dos cuidadores, isto é, os valores e crenças que definem as práticas dos pais e cuidadores. Os dois itens da Acoordem codificados como fatores ambientais (Os colegas chamam para brincar ou participar de brincadeiras e/ou atividades físicas e A família restringe suas atividades sociais em razão do comportamento da criança) contemplam o primeiro componente apontado por Simeonsson et al. (15). O conteúdo da Acoordem não contempla os hábitos de cuidado e educação da criança nem a psicologia dos cuidadores. Observa-se, no entanto, que, como teste focado no desempenho, a inclusão de itens nessas áreas poderia tornar o instrumento excessivamente longo, podendo outros instrumentos ser utilizados em associação com a Acoordem para uma avaliação mais completa.

Os resultados do presente estudo demonstraram que, de modo geral, os itens da Acoordem puderam ser codificados e relacionados à estrutura da CIF, demonstrando que o instrumento segue a tendência atual de avaliar os componentes motores em associação com habilidades relevantes para o desempenho funcional em casa e na escola.

Conclusão

Os resultados deste estudo ajudaram a documentar que o conteúdo específico da Acoordem é compatível com a perspectiva biopsicossocial da OMS. Além disso, os resultados mostraram que a Acoordem pode beneficiar pesquisadores e clínicos da área de reabilitação, uma vez que o instrumento oferece a oportunidade para obter informações que vão além da perspectiva do modelo biomédico tradicional, que tende a dar atenção exclusiva às estruturas e funções do corpo. A Acoordem ajuda o terapeuta a contextualizar a avaliação conforme a realidade funcional/ambiental da criança, por meio da investigação tanto das capacidades como do desempenho em atividades e participação em casa e na escola, com base na observação dos pais e professores, feita no contexto diário da criança. Uma limitação observada no conteúdo do instrumento é o fato de apenas dois itens informarem sobre fatores ambientais. Apesar da limitação, o uso da Acoordem por fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais poderá ajudar a sistematizar a avaliação motora e operacionalizar ações de promoção do desempenho funcional e da participação nos diferentes contextos, em parceria com os pais e professores.

Recebido: 29/09/2010

Aprovado: 25/05/2011

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Abr 2012
  • Data do Fascículo
    Mar 2012

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2010
  • Aceito
    25 Maio 2011
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