Oportunidades do ambiente domiciliar e desenvolvimento motor de lactentes no primeiro ano

Resumo

Introdução:

O ambiente domiciliar é um agente fundamental para o desenvolvimento do lactente no primeiro ano de vida.

Objetivo:

Avaliar as oportunidades do ambiente domiciliar e o desenvolvimento motor de lactentes aos 3, 6, 9 e 12 meses de idade e verificar se há associação entre as oportunidades de estimulação e a escolaridade e nível econômico dos pais, em cada faixa etária estudada.

Métodos:

Estudo longitudinal, que utilizou o instrumento Alberta Infant Motor Scale para avaliar o desenvolvimento motor, o questionário Affordances in the Home Environment for Motor Development - Infant Scale (AHEMD-IS) para avaliar as oportunidades de estimulação oferecidas no domicílio e o questionário da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa para classificar o nível econômico das famílias. A associação entre as oportunidades de estimulação do ambiente e a escolaridade e nível econômico foi verifi-cada pelo teste qui-quadrado.

Resultados:

Participaram da pesquisa 37 lactentes, sendo 54,1% do sexo masculino. Aos 3 meses de idade, as oportunidades de estimulação do ambiente foram insatisfatórias. Aos 6, 9 e 12 meses, houve predomínio de oportunidades satisfatórias. Três lactentes apresentaram percentil inferior a 10% aos 3 meses de idade, indicando atraso do desenvolvimento motor. Houve associação significativa entre o nível econômico e a pontuação total do AHEMD-IS (p = 0,031), a dimensão brinquedos de motricidade grossa (p = 0,016) e fina (p = 0,043).

Conclusão:

O ambiente domiciliar dos lactentes estudados apresentou oportunidades insuficientes para estimulação nos primeiros meses, melhorando ao longo do primeiro ano. O desenvolvimento motor foi considerado atrasado para três lactentes, tornando-se adequado nas avaliações subsequentes.

Palavras-chave:
Desenvolvimento infantil; Saúde da criança; Crescimento e desenvolvimento; Características de residência

Abstract

Introduction:

The home environment is a fundamental agent for infant development in the first year of life.

Objective:

To evaluate the opportunities for environmental stimulation and the motor development of infants at 3, 6, 9, and 12 months of age and determine the association between these opportunities and the parents’ schooling and economic levels, at each age studied.

Methods:

This is a longitudinal study using the Alberta Infant Motor Scale (AIMS) to assess motor development, the Affordances in the Home Environment for Motor Development - Infant Scale (AHEMD-IS) questionnaire to assess the stimulation opportunities at home, and the Brazilian Association of Research Companies (ABEP) questionnaire to classify the economic level of the families. The association between opportunities for environmental stimulation and schooling and economic levels was determined by the chi-squared test.

Results:

Thirty-seven infants participated, 54.1% of whom were boys. At 3 months of age, the opportunities for environmental stimulation were unsatisfactory, while at 6, 9, and 12 months satisfactory opportunities predominated. Three infants scored below 10% on the AIMS at 3 months of age, indicating delayed motor development. There was a significant association between economic level and total AHEMD-IS score (p = 0.031), and the toy dimension for gross (p = 0.016) and fine (p = 0.043) motor skills.

Conclusion:

The infants’ home environment did not provide sufficient opportunities for stimulation in the first months, but improved during the first year. Motor development was considered delayed for three infants, but was suitable in subsequent evaluations.

Keywords:
Child development; Child health; Growth and development; Residence characteristics

Introducão

O desenvolvimento motor se caracteriza por mudanças nas habilidades motoras ao longo do tempo, sendo decorrente da interação entre processos biológicos, genéticos e ambientais.¹ Durante o período da infância ocorrem expressivos avanços nas habilidades motoras, que evoluem para aquisições de maior complexidade.²

O primeiro ano de vida pode ser considerado como uma fase de extrema importância para o desenvolvimento infantil, uma vez que durante esse período o desenvolvimento motor demonstra um rápido progresso, com evolução de habilidades que possibilitarão o alcance da mobilidade.³

Acompanhar o desenvolvimento motor é primordial, uma vez que o déficit no desenvolvimento pode ter consequências negativas ao longo da vida.⁴ Desta forma, a avaliação do desenvolvimento infantil no primeiro ano de vida deve incluir não somente os aspectos biológicos, mas também a análise e o acompanhamento de determinantes ambientais.² As condições econômicas, a escolaridade dos pais, a dinâmica familiar, o poder aquisitivo da família, as relações familiares, as características do ambiente físico, a disponibilidade de brinquedos e a variabilidade de estimulação ofertada pelos pais são considerados indicadores críticos para a qualidade do ambiente e podem influenciar o desenvolvimento infantil.^2,5,6 Estudos demonstram que crianças que residem em ambientes com poucos estímulos,² provenientes de famílias com baixo poder aquisitivo e baixa escolaridade, apresentam com maior frequência atraso no desenvolvimento motor.⁷

Levando em consideração que durante o primeiro ano de vida os lactentes tendem a passar o maior tempo do seu dia em casa, o ambiente domiciliar se torna um fator fundamental para o desenvolvimento motor.⁸ Diante disso, o presente estudo teve por objetivo avaliar as oportunidades do ambiente domiciliar e o desenvolvimento motor de lactentes aos 3, 6, 9 e 12 meses de idade e verificar se há associação entre as oportunidades de estimulação do ambiente e a escolaridade e nível econômico dos pais, em cada faixa etária estudada.

Métodos

Realizou-se estudo observacional longitudinal com lactentes nascidos no Hospital Municipal de Governador Valadares e participantes da pesquisa “Fatores associa-dos à prematuridade e ao baixo peso ao nascer em Governador Valadares, Minas Gerais: estudo caso-controle”,⁹ por meio da qual foram obtidos os contatos telefônicos. Foram excluídos lactentes que apresentaram ao nascimento malformações congênitas, diagnóstico de infecção congênita, comprometimento neurológico, síndrome genética, diagnóstico por imagem de hemorragia intracraniana grau III ou IV e/ou leucomalácea periventricular e/ou cistos ou abscessos intracranianos, diagnóstico de broncodisplasia grave, problemas de audição ou visão, alterações cardiorrespiratórias ou ortopédicas.

Foram realizadas ligações telefônicas para os responsáveis pelos lactentes pré-selecionados, para explicação dos objetivos e procedimentos do estudo, e agendadas as avaliações com aqueles que consentiram em participar. As avaliações foram realizadas na Clínica Escola de Fisioterapia da Universidade Federal de Juiz de Fora, Campus Governador Valadares (UFJF-GV), por pesquisadores previamente treinados. Os lactentes foram avaliados aos 3, 6, 9 e 12 meses de idade, sendo considerada a idade corrigida para os prematuros.

Para a coleta de dados, inicialmente foram obtidas informações sobre sexo, data de nascimento, idade gestacional e peso ao nascer. Em seguida, o questionário da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) foi utilizado para avaliar o nível econômico da família, possibilitando classificar a população nos estratos econômicos A, B1, B2, C1, C2 e D/E, sendo A, a classe de maior nível econômico e D/E a de menor nível.¹⁰

O questionário Affordances in the Home Environment for Motor Development - Infant Scale (AHEMD-IS), respondido pelos pais, foi utilizado para avaliar as oportunidades do ambiente domiciliar, sendo dividido em quatro dimensões: espaço físico, variedade de estimulação, brinquedos de motricidade grossa e brinquedos de motricidade fina.⁸ As pontuações foram convertidas em quatro categorias descritivas: “menos que adequado”, “moderadamente adequado”, “adequado” e “excelente”, que forneceram informações sobre as oportunidades do ambiente domiciliar para o desenvolvimento motor do lactente.⁸ A escolaridade materna e paterna, assim como algumas características do domicílio, também foram obtidas por meio deste questionário.

A escala Alberta Infant Motor Scale (AIMS) foi utilizada para avaliar o desenvolvimento motor através da observação da movimentação espontânea e habilidades motoras nas posturas prono, supino, sentado e de pé, sendo considerado atraso do desenvolvimento motor quando o percentil foi inferior a 10%.^11,12 Os avaliadores foram treinados para a aplicação da escala e a confiabilidade intra e interexaminador obtida foi superior a 0,80.

Os dados coletados foram arquivados e analisados no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) 14.0. Realizou-se análise descritiva das variáveis para caracterizar a população estudada. Para verificar a associação entre o nível econômico e a escolaridade dos pais com as oportunidades de estimulação do ambiente, agrupou-se os participantes devido ao pequeno número da amostra. De acordo com o nível econômico, os participantes foram agrupados em maior nível econômico (classes B1,B2,C1) e menor nível econômico (classes C2,D/E). As escolaridades foram agrupadas em alta (ensino médio completo ou superior) e baixa (ensino médio incompleto ou inferior). As oportunidades de estimulação do ambiente, considerando a pontuação total e dimensões do AHEMD-IS, foram agrupadas em “menos que adequado ou moderadamente adequado” e “adequado ou excelente”. A associação entre as variáveis estudadas foi verificada por meio do teste qui-quadrado, considerando estatisticamente significativo o valor de p < 0,05.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAAE: 63962617.9.0000.5147) em 20 de março de 2017. Todos os responsáveis pelos lactentes que aceitaram participar foram informados dos objetivos e procedimentos do estudo antes de assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Foram contatados 183 responsáveis pelos lactentes. Desse total, 37 lactentes foram avaliados aos 3 meses, 21 aos 6 meses, 18 aos 9 meses e 10 aos 12 meses de idade.

Houve predomínio de lactentes do sexo masculino (54,1%). Com relação à idade gestacional e peso ao nascer, 32,4% foram pré-termo e 21,6% foram de baixo peso. No que diz respeito ao nível econômico da família, 51,4% dos participantes apresentaram maior nível econômico (B1/B2/C1). A maioria dos pais e mães possuía escolaridade alta (62,2% e 81,1%, respectivamente). Analisando as características do domicílio, houve predomínio de famílias que residiam em casas (86,5%) e que possuíam espaço externo (83,8%). Com relação ao número de pessoas que residiam no domicílio, houve predomínio de dois adultos (62,2%) e de duas crianças (40,5%), seguido de domicílios com apenas uma criança (37,8%). As características descritivas dos participantes podem ser observadas na Tabela 1.

Tabela 1
Características descritivas dos participantes (n = 37)

Variáveis	f	%
Sexo
Feminino	17	45,9
Masculino	20	54,1
Idade gestacional
A termo	25	67,6
Pré-termo	12	32,4
Peso ao nascer
Peso adequado	29	78,4
Baixo peso	8	21,6
ABEP
Maior nível econômico (B1,B2,C1)	19	51,4
Menor nível econômico (C2, D/E)	18	48,6
Escolaridade paterna
Baixa (ensino médio incompleto ou inferior)	14	37,8
Alta (ensino médio completo ou superior)	23	62,2
Escolaridade materna
Baixa (ensino médio incompleto ou inferior)	7	18,9
Alta (ensino médio completo ou superior)	30	81,1
Tipo de domicílio
Apartamento	5	13,5
Casa	32	86,5
Espaço externo
Sim	31	83,8
Não	6	16,2
Número de crianças no domicílio
1	14	37,8
2	15	40,5
3 ou mais	8	21,7
Número de adultos no domicílio
1	4	10,8
2	23	62,2
3 ou mais	10	27,0

• Nota: ABEP = Critério de classificação econômica da Associação Brasileira de Empresas e Pesquisas; n = número da amostra; f = frequência.

Aos 3 meses de idade, as oportunidades de estimulação do ambiente, avaliadas pela pontuação total do AHEMD-IS, foram insatisfatórias para a maioria das famílias participantes, sendo classificadas como “menos que o adequado” e “moderadamente adequado” (70,2%). Aos 6 meses de idade, essa classificação mudou para “adequado” ou “excelente” para 66,7% dos participantes. Aos 9 e 12 meses, também houve predomínio de oportunidades de estimulação do ambiente satisfatórias (ou seja, com classificações “adequado” ou “excelente”) para 60% ou mais dos participantes.

Analisando cada dimensão do instrumento AHEMD-IS separadamente, observou-se que para a dimensão espaço físico as oportunidades foram insatisfatórias aos 3 (62,1%) e 6 meses (57,1%). Na dimensão variedade de estimulação, as oportunidades foram insatisfatórias aos 9 (61,1%) e 12 meses (60,0%). Já na dimensão brinquedos de motricidade grossa, observou-se oportunidades insatisfatórias aos 3 (70,3%) e aos 9 meses (55,6%). Por fim, na dimensão brinquedos de motricidade fina, as oportunidades de estimulação do ambiente foram consideradas insatisfatórias aos 3 (81,1%), 6 (57,1%) e 12 meses de idade (50,0%). As classificações do AHEMD-IS pontuação total e dimensões para cada faixa etária podem ser observadas na Tabela 2.

Tabela 2
Classificações do AHEMD-IS pontuação total e dimensões

AHEMD-IS	3 meses (n = 37)	6 meses (n = 21)	9 meses (n = 18)	12 meses (n = 10)
Pontuação total	f (%)	f (%)	f (%)	f (%)
Menos que adequado	13 (35,1)	2 (9,5)	1 (5,6)	2 (20,0)
Moderadamente adequado	13 (35,1)	5 (23,8)	6 (33,3)	2 (20,0)
Adequado	6 (16,2)	5 (23,8)	8 (44,4)	2 (20,0)
Excelente	5 (13,5)	9 (42,9)	3 (16,7)	4 (40,0)
Espaço Físico
Menos que adequado	5 (13,5)	8 (38,1)	0 (0,0)	1 (10,0)
Moderadamente adequado	18 (48,6)	4 (19,0)	8 (44,4)	4 (40,0)
Adequado	13 (35,1)	6 (28,6)	7 (38,9)	1 (10,0)
Excelente	1 (2,7)	3 (14,3)	3 (16,7)	4 (40,0)
Variedade de estimulação
Menos que adequado	4 (10,8)	2 (9,5)	5 (27,8)	3 (30,0)
Moderadamente adequado	9 (24,3)	2 (9,5)	6 (33,3)	3 (30,0)
Adequado	15 (40,5)	6 (28,6)	3 (16,7)	1 (10,0)
Excelente	9 (24,3)	11 (52,4)	4 (22,2)	3 (30,0)
Brinquedos de motricidade grossa
Menos que adequado	19 (51,4)	6 (28,6)	3 (16,7)	2 (20,0)
Moderadamente adequado	7 (18,9)	4 (19,0)	7 (38,9)	1 (10,0)
Adequado	9 (24,3)	8 (38,1)	5 (27,8)	2 (20,0)
Excelente	2 (5,4)	3 (14,3)	3 (16,7)	5 (50,0)
Brinquedos de motricidade fina
Menos que adequado	28 (75,7)	8 (38,1)	2 (11,1)	3 (30,0)
Moderadamente adequado	2 (5,4)	4 (19,0)	6 (33,3)	2 (20,0)
Adequado	4 (10,8)	3 (14,3)	7 (38,9)	4 (40,0)
Excelente	3 (8,1)	6 (28,6)	3 (16,7)	1 (10,0)

• Nota: AHEMD-IS = Affordances in the Home Environment for Motor Development - Infant Scale; n = número da amostra para cada faixa etária; f = frequência.

Os resultados obtidos por meio da avaliação da AIMS mostram que, aos 3 meses de idade, três lactentes apresentaram percentil inferior a 10%, indicando atraso do desenvolvimento motor. Vale ressaltar que esses três lactentes foram classificados como a termo e peso adequado ao nascer e as famílias possuíam maior escolaridade e melhor nível econômico. Observou-se, entretanto, que dois destes lactentes apresentaram oportunidades de estimulação do ambiente consideradas insatisfatórias nessa faixa etária. Nas avaliações subsequentes, todos os lactentes apresentaram desenvolvimento motor adequado para cada faixa etária estudada (Tabela 3).

Tabela 3
Classificação do desenvolvimento motor e percentis de acordo com a AIMS

Percentil da AIMS	3 meses f (%)	6 meses f (%)	9 meses f (%)	12 meses f (%)
< 5%	1 (2,7)	-	-	-
5%	1 (2,7)	-	-	-
Entre 5% e 10%	1 (2,7)	-	-	-
10%	1 (2,7)	1 (4,8)	-	-
Entre 10% e 25%	8 21,6)	2 (9,5)	-	-
25%	3 (8,1)	-	3 (16,7)	-
Entre 25% e 50%	4 (10,8)	3 (14,3)	3 (16,7)	1 (10,0)
50%	5 13,5)	-	-	-
Entre 50% e 75%	3 (8,1)	6 (28,6)	4 (22,2)	-
75%	3 (8,1)	-	1 (5,6)	3 (30,0)
Entre 75% e 90%	1 (2,7)	2 (9,5)	5 (27,8)	-
90%	4 (10,8)	1 (4,8)	2 (11,1)	6 (60,0)
>90%	2 (5,4)	6 (28,6)	-	-
Desenvolvimento motor
Adequado	34 (91,9)	21 (100)	18 (100)	10 (100)
Atrasado	3 (8,1)	-	-	-

• Nota: AIMS = Alberta Infant Motor Scale; f = frequência.

Também foi analisado se houve associação entre as oportunidades de estimulação do ambiente (AHEMD-IS pontuação total e dimensões) com a escolaridade dos pais e com o nível econômico da família (ABEP), em cada faixa etária estudada. Aos 3 meses de idade, observou-se associação estatisticamente significativa entre o nível econômico e a dimensão brinquedos de motricidade fina (p = 0,043). Aos 6 meses de idade, houve associação estatisticamente significativa entre nível econômico e dimensão brinquedos de motricidade grossa (p = 0,016) e também entre nível econômico e pontuação total no AHEMD-IS (p = 0,031) (Tabela 4). Aos 9 e 12 meses, não foram encontradas associações estatisticamente significativas entre as oportunidades de estimulação do ambiente e a escolaridade e nível econômico. Todas as variáveis estudadas foram analisadas, no entanto, devido ao elevado número de variáveis, foram apresentadas na Tabela 4 apenas aquelas que apresentaram associação significativa (p < 0,05). Não foi possível verificar a associação entre as oportunidades do ambiente domiciliar e o desenvolvimento motor devido ao pequeno número de participantes e também por somente três lactentes terem apresentado, em apenas uma avaliação, desenvolvimento atrasado.

Tabela 4
Associação entre AHEMD-IS e ABEP

Faixa etária	AHEMD-IS	ABEP		p
		Maior nível f (%)	Menor nível f (%)
3 meses	Brinquedos de motricidade fina
	Menos ou moderadamente adequado	13 (68,4)	17 (94,4)	0,043*
	Adequado ou excelente	6 (31,6)	1 (5,6)
6 meses	Brinquedos de motricidade grossa
	Menos ou moderadamente adequado	2 (20,0)	8 (72,7)	0,016*
	Adequado ou excelente	8 (80,0)	3 (27,3)
	Pontuação total
	Menos ou moderadamente adequado	1 (10,0)	6 (54,5)	0,031*
	Adequado ou excelente	9 (10,0)	5 (45,4)

• Nota: AHEMD-IS = Affordances in the Home Environment for Motor Development - Infant Scale; ABEP = Critério de classificação econômica da Associação Brasileira de Empresas e Pesquisas; f = frequência. *p-valor < 0,05.

Discussão

O desenvolvimento infantil é um processo contínuo de mudanças que ocorrem durante a infância e cujo curso ao longo da vida pode ser influenciado por diversos fatores. Entre eles, destacam-se os fatores biológicos, como a prematuridade e o baixo peso ao nascer, que levam à imaturidade biológica, colocando em risco o estado nutricional e o suporte energético da criança.^13-15 Embora estes fatores biológicos possam afetar o desenvolvimento, neste estudo nenhum lactente prematuro ou de baixo peso apresentou atraso no desenvolvimento motor ao longo do primeiro ano de vida.

Adicionalmente, os fatores ambientais também podem influenciar o desenvolvimento infantil.¹³ O domicílio, que é o primeiro ambiente vivenciado pela criança no início da vida, pode potencializar ou prejudicar o desenvolvimento, dependendo de suas características, exposição e oferta de estímulos, podendo inclusive contribuir para atenuar ou superar os efeitos dos fatores de risco biológico.¹³

Considerando que o domicílio é um agente fundamental para o aprendizado e desenvolvimento, pesquisadores têm investigado a relação existente entre o ambiente e os aspectos do desenvolvimento motor.^16-18 Estudos demonstram que dentre os fatores ambientais que podem influenciar o desenvolvimento motor, destacam-se as características do domicílio, espaço físico, renda familiar, disponibilidade de brinquedos e atuação dos pais.^19-22 No presente estudo, as oportunidades de estimulação presentes no ambiente da criança foram consideradas insatisfatórias no terceiro mês, com destaque para as dimensões brinquedos de motricidade grossa e fina, que apresentaram maior predomínio de classificações consideradas baixas. Esse resultado vai ao encontro do estudo de Defilipo et al.,⁵ de caráter transversal, que avaliou 239 lactentes com idade entre 3 e 18 meses e suas famílias, residentes no município de Juiz de Fora, Minas Gerais, e mostrou que os estímulos ambientais foram relativamente baixos para a população estudada. Esse resultado também se assemelha ao encontrado no estudo de Nobre et al.,²³ realizado no município de Juazeiro do Norte, Ceará, onde verificou-se que as oportunidades presentes no domicílio dos participantes foram insuficientes para o desenvolvimento motor, mostrando predomínio de inadequadas estruturas arquitetônicas das residências e inexistência de materiais suficientes ao desenvolvimento da motricidade grossa e fina das crianças.

Ainda considerando a faixa etária de 3 meses, que apresentou oportunidades de estimulação insatisfatórias, o resultado da AIMS mostrou que três lactentes nessa idade apresentaram percentil inferior a 10%, indicando atraso no desenvolvimento motor. É importante relatar que dois desses três lactentes apresentaram oportunidades do ambiente domiciliar deficitárias. Tendo em vista que as oportunidades de estimulação do ambiente são positivamente associadas ao desenvolvimento motor de crianças,²⁴ e que a casa oferece recursos que podem ter influência significativa sobre o desenvolvimento de habilidades motoras, o fato desses lactentes não terem recebido estímulos adequados²⁵ poderia explicar o atraso de desenvolvimento apresentado.

Na primeira avaliação, aos 3 meses de idade, observou-se durante o preenchimento do questionário pelos pais que muitos lactentes não possuíam nenhum tipo de brinquedo em seu domicílio. Os pais relataram que não tinham conhecimento sobre a importância de brinquedos para esta faixa etária e que consideravam que o filho ainda não conseguia explorar o brinquedo de forma independente, logo, este não era oferecido. Estudos sugerem que ambientes domiciliares que favorecem o acesso a equipamentos estimulantes, ou seja, que possuem brinquedos disponíveis, podem oferecer estímulos mais adequados para o desenvolvimento motor. O uso de brinquedos apropriados pode estimular novas e variadas ações motoras, auxiliar a coordenação olho e mão e favorecer o desenvolvimento de habilidades manipulativas.¹⁹

Já nas avaliações aos 6, 9 e 12 meses, os resultados relacionados tanto às oportunidades de estimulação do ambiente quanto ao desenvolvimento motor foram mais positivos, visto que todos os lactentes apresentaram desenvolvimento motor adequado para a idade de acordo com a AIMS e que houve predomínio de classificações “adequado” e “excelente” para a maioria dos participantes. Acredita-se que a melhora das oportunidades do ambiente pode ser decorrente do questionário AHEMD-IS ser autoexplicativo, contendo perguntas sobre estimulação diária e imagens dos brinquedos mais adequados, o que pode ter contribuído para orientar os pais. Conforme elucida Miquelote et al.,²¹ que avaliaram 32 lactentes do estado de São Paulo, após a primeira aplicação do AHEMD-IS os pais conseguiram identificar visualmente os brinquedos ideais e compreender que precisariam adquirir tais brinquedos adequados para a idade e, consequentemente, melhorar a oferta de estímulos ambientais e promover melhora no desenvolvimento motor da criança. Acredita-se que o mesmo tenha ocorrido no presente estudo, o que pode ter contribuído para aumentar as oportunidades de estimulação observadas nas avaliações subsequentes.

Verificou-se que o nível econômico apresentou associação estatisticamente significativa com a pontuação total do AHEMD-IS aos 6 meses de idade, indicando que famílias com maior poder aquisitivo apresentaram melhores oportunidades de estímulos ambientais, o que se assemelha ao resultado de outros estudos.^5,26 De acordo com a literatura, famílias que possuem maior renda podem adquirir residências com melhores estruturas físicas, possuem melhores condições financeiras para a compra de brinquedos, além de terem maior acesso à informação e conhecimento a respeito dos fatores que podem influenciar o desenvolvimento motor, sendo capazes de fornecer melhores estímulos para os filhos.^5,23 Observou-se no estudo de Valadi e Gabbard²⁵ que a renda das famílias por si só pode afetar a qualidade e a quantidade de recursos disponíveis no domicílio, indicando que famílias com maior renda fornecem mais recursos do que famílias com rendas média ou baixa. Da mesma forma, estudos revelam que níveis econômicos baixos parecem aumentar a vulnerabilidade do lactente, o que, associado ao ambiente de risco, pode comprometer o desenvolvimento motor.^5,23,26 Aliado a tal cenário, destaca-se a acentuada desigualdade econômica existente na população brasileira,¹⁷ circunstância que pode atuar como um fator agravante para o risco de atraso no desenvolvimento motor infantil.²⁷

O nível econômico também apresentou associação estatisticamente significativa com as dimensões brinquedos de motricidade fina, aos 3 meses, e motricidade grossa, aos 6 meses, indicando que famílias com maior poder aquisitivo apresentaram mais brinquedos disponíveis no domicílio. Estudos que utilizaram o instrumento AHEMD-IS demonstraram a influência do nível socioeconômico na disponibilidade de brinquedos.^21,28 Crianças de famílias com maior renda apresentaram melhor desempenho nas habilidades motoras finas e grossas em comparação às de famílias com menor renda,²⁵ o que pode ser explicado pela maior oferta de brinquedos. Atualmente, entende-se que o elevado preço dos brinquedos para crianças no Brasil pode dificultar a aquisição por parte de algumas famílias de nível econômico inferior.

No presente estudo não foi encontrada associação significativa entre as oportunidades do ambiente domiciliar e a escolaridade dos pais. No entanto, estudos sugerem que para muitas famílias, renda e educação são as principais restrições ambientais que podem impactar os estímulos presentes no ambiente doméstico, incluindo a disponibilidade de brinquedos.^5,25,29 De acordo com Zoghi et al.,²⁹ a melhor educação parental, especialmente a educação materna, pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento infantil.

Este estudo apresentou como limitação o pequeno número de participantes e a grande perda amostral ao longo das avaliações, fato comumente encontrado em estudos longitudinais. Ressalta-se que foram convidadas a participar 183 famílias. Acredita-se que a falta de informação por parte dos pais em relação à importância do acompanhamento do desenvolvimento no primeiro ano de vida, assim como da necessidade de realização de pesquisas na área do desenvolvimento infantil, pode ter interferido no recrutamento. Soma-se a isso o fato de algumas famílias recrutadas não residirem na cidade onde foi realizado o estudo, o que possivelmente dificultou o deslocamento para a realização das avaliações. Além disso, o fato de a maioria dos lactentes participantes da pesquisa apresentarem desenvolvimento adequado pode não ter causado preocupação aos pais ou responsáveis sobre a necessidade de acompanhamento ao longo do tempo, o que levou à desistência em continuar participando da pesquisa.

Conclusão

O ambiente domiciliar dos lactentes avaliados apresentou oportunidades para estimulação insufici-entes nos primeiros meses, melhorando ao longo do primeiro ano. Três lactentes, aos 3 meses de idade, apresentaram atraso do desenvolvimento motor, que se tornou adequado nas avaliações subsequentes. As famílias com maior nível econômico ofereceram melhores oportunidades de estimulação e adquiriram mais brinquedos para os filhos. Os resultados deste estudo podem auxiliar no desenvolvimento de programas e ações na área da saúde da criança, por meio de orientações aos pais que visem melhorar as oportunidades de estimulação oferecidas aos lactentes no ambiente em que vivem, principalmente no que se refere à importância da oferta de brinquedos apropriados.

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Editado por

Editora associada:

Ana Paula Cunha Loureiro

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Maio 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  20 Dez 2020
• Revisado
  19 Fev 2021
• Aceito
  02 Mar 2021