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Uso de binder e queixas respiratórias em homens transexuais

Resumo

Introdução:

O uso de binder é um importante recurso para a construção da masculinidade nos homens transexuais não mastectomizados, contudo, pode acarretar danos respiratórios e torácicos se usado de forma inadequada.

Objetivo:

Analisar a associação entre o uso de binder e as queixas torácicas em homens transexuais.

Métodos:

Estudo transversal quantitativo realizado no Espaço Trans do Hospital das Clínicas de Pernambuco e no ambulatório LGBTQI Patrícia Gomes da Policlínica Lessa de Andrade, em Recife, PE. Foram incluídos 60 homens transexuais, com idade acima de 18 anos, e foram coletadas informações sociodemográficas, de saúde geral, uso de binder e queixas na região torácica. Foi realizada a análise descritiva e estimadas as razões de prevalência (RP) com intervalo de confiança (IC) de 95% para a associação entre o uso de binder e queixas na região do tórax.

Resultados:

A média foi de 27,25 anos; destes, 81,7% não realizaram mastectomia e 53,3% faziam uso de binder. O uso de binder teve associação significativa com queixas na região do tórax (RP = 2,73), dificuldade para respirar (RP = 2,27) e dor no tórax (RP = 1,82).

Conclusão:

Este estudo demonstrou que há prevalência maior de queixas na região do tórax e queixas respiratórias nos homens transexuais que fazem uso de binder. Isto reforça a necessidade de ampliar o olhar sobre a saúde dessa população. Estratégias de construção de gênero são essenciais para a qualidade de vida e saúde mental de homens transexuais, sendo o uso de binder um importante aliado neste processo.

Palavras-chave:
Disforia de gênero; Mastectomia; Transexualidade

Abstract

Introduction:

Chest binders are an important resource for building masculinity in transgender men without mastectomy, although they can cause respiratory and thoracic damage if misused.

Objective:

To analyze the association between chest binding and chest complaints in transgender men.

Methods:

This was a quantitative cross-sectional study conducted at the Trans Space of the Hospital das Clínicas de Pernambuco and the LGBTQI Patrícia Gomes outpatient clinic of the Lessa de Andrade polyclinic in Recife (Pernambuco State, northeastern Brazil). Sixty transgender men aged >18 years were included, and data on sociodemographics, general health, chest binding, and respiratory complaints in the thoracic region were collected. Descriptive analysis was performed, and prevalence ratios (PR) were estimated with a confidence interval (CI) of 95% to associate between binder use and complaints in the chest region.

Results:

The average was 27.25 years, of which 81.7% did not undergo mastectomy and 53.3% used chest binders. The use of chest binders was significantly associated with complaints in the chest region (PR = 2.73), difficulty breathing (PR = 2.27), and chest pain (PR = 1.82).

Conclusion:

This study demonstrated a higher prevalence of complaints in the chest and respiratory region in transgender men who use chest binders. This reinforces the need to broaden the view on the health of this population. Gender construction strategies are essential for the quality of life and mental health of transgender men, and binders are an important ally in this process.

Keywords:
Gender dysphoria; Mastectomy; Transsexualism

Introdução

A incompatibilidade de gênero com o sexo biológico é diagnosticada atualmente como disforia de gênero.11 Quintas SMTA. Bissexualidade e a Transição de Gênero na Infância e na Adolescência. In: Moura GJB, Zuanella AC, Sampaio SP, Barros JFS (Org.). Refletindo a Psicanálise. Recife: Editora UFRPE; 2019. p. 38-48. A angústia sentida por pessoas que não se identificam com seu sexo biológico é avassaladora, o que as levam a buscar, a qualquer preço, a “redesignação de gênero”, que consiste em um conjunto de intervenções psíquicas, socioculturais e organicistas, incluindo desde a mudança de nome e vestuário até alterações hormonais e cirurgias.22 Trombetta S. O desamparo do jovem, e a solidão de todos nós, nas questões transgêneros: Ignoramus! Psicanal Rev. 2018;11(1):101-10. Full text link
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No Brasil, a partir da década de 1980, as questões de saúde da população LGBTQUI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, demissexuais, gray-a, intersexo) começaram a ter visibilidade. A criação da Política Nacional de Saúde LGBT em 2011 foi um divisor de águas para as políticas públicas de saúde no Brasil e um marco histórico de reconhecimento das demandas desta população em condição de vulnerabilidade.33 Ministério da Saúde. Portaria n°. 2.836, de 1 de dezembro de 2011. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasil: Diário Oficial da União; 1 dez 2011. Full text link
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A vivência psíquica de um gênero discordante do sexo é uma questão de autoidentidade, autorreconhecimento de pertencimento a sua morada mais primária, “o corpo que habita”, desencadeando uma fragmentação e esvaziamento do ego e da autoestima, podendo enquadrar o paciente em um quadro de angústia e depressão profunda.44 Foigel ME, Gagliotti DAM, Saadeh A. De adultos a crianças: análise retrospectiva e psicanalítica de serviço ambulatorial de população com disforia de gênero-transtorno de identidade de gênero-transexualismo. Rev Bras Psicanal. 2014;48(4):73-80. Full text link
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Homens transexuais são pessoas que se identificam como homens, embora sejam biologicamente classificados como mulheres.55 Jesus JG. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. Brasília; 2012. 24 p. Full text link
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Em busca de conter a angústia da não autoidentificação e visando alcançar padrões de homens cisgênero, além de reconhecimento e aceitação, homens transexuais optam por fazer uso de métodos clínicos (cirurgia e hormonioterapia), acompanhados de recursos sociais e culturais de produção de gênero, a exemplo do binder/faixas/ataduras.66 Monteiro AA. Cavalos-marinhos: gestação e masculinidades trans. In: V Seminário Internacional Enlaçando Sexualidades; 6-8 set 2017; Salvador, BA. Campina Grande, PB: Plataforma Espaço Digital; 2017. Full text link
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O binder, artifício sociocultural investigado neste trabalho, é uma faixa/atadura ou um colete de tecido elástico que tem como objetivo comprimir as mamas, disfarçando o volume e deixando o tórax com o molde mais retilíneo. Esse dispositivo é tido como um importante recurso para a construção da autoidentidade masculina.77 Ribeiro AF. Experiências transmasculinas: o limiar entre corpo, gênero e desejo na constituição de um sentido de si [dissertation]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2018. Full text link
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Em relação ao binder, é importante fazer uma análise mais crítica, uma vez que o seu uso reduz a mobilidade torácica e pode trazer diversos transtornos físicos. Estudos mostram que o binder e outros tipos de faixas, quando utilizados de maneira ou por tempo inadequados, produzem consequências físico-fisiológicas e podem acarretar danos imediatos e futuros à saúde, tais como hematomas e escoriações na pele, dificuldade para respirar e dores na região do tórax, todos resultante da compressão, além da possibilidade de danos à coluna vertebral e displasia da mama.88 Sousa D, Iriart J. “Viver dignamente”: necessidades e demandas de saúde de homens trans em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica. 2018;34(10):e00036318. DOI
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Peitzmeier et al.,99 Peitzmeier S, Gardner I, Weinand J, Corbet A, Acevedo K. Health impact of chest binding among transgender adults: a community-engaged, cross-sectional study. Cult Health Sex. 2017;19(1):64-75. DOI
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após entrevistar e analisar 1.800 homens transexuais de diversos continentes, evidenciaram em quase toda a amostra alta relação do uso de binder com malefícios à saúde dos usuários.

Mediante o exposto, visto que na literatura há poucos estudos sobre o tema, este trabalho objetiva analisar a associação entre o uso de binder e as queixas torácicas em homens transexuais, usando como modelo investi-gativo duas subpopulações, uma atendida no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE) e outra na Policlínica Lessa de Andrade, ambos no estado de Pernambuco, nordeste do Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo de corte transversal exploratório realizado no Espaço Trans do HC-UFPE e no ambulatório LGBTQI Patrícia Gomes da Policlínica Lessa de Andrade, ambos na cidade de Recife. A coleta de dados foi realizada entre 2 de dezembro de 2019 e 28 de fevereiro de 2020. Esta pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética do HC-UFPE (no 3.550.523) e da Faculdade Pernambucana de Saúde (no 3.316.770). Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

O Espaço Trans existe desde 2014 e é constituído por uma equipe multidisciplinar que abrange psicólogos, psicanalistas, fisioterapeutas, enfermeiros, psiquiatras, cirurgiões e assistentes sociais. O espaço LGBTQI Patrícia Gomes existe desde 2017 e é constituído por uma equipe multidisciplinar que abrange psicólogos, psicanalistas, fisioterapeutas, enfermeiros, psiquiatras e assistentes sociais.

Não realizou-se cálculo amostral, pois trabalhou-se com o universo de homens transexuais usuários dos dois ambulatórios supracitados entre os anos de 2019 e 2020. Todos os usuários cadastrados foram convidados a participar da pesquisa e foi considerada perda amostral após três contatos e não comparecimento para a entrevista. Foram incluídos homens transexuais com idade acima de 18 anos, usuários ou não do dispositivo binder, e foram excluídos aqueles em processo gestacional, devido às alterações fisiológicas da gravidez.

Para a coleta de dados, realizada em data previamente agendada no ambulatório onde o participante realizava seu atendimento de rotina, elaborou-se um instrumento dividido em blocos de informações sociodemográficas, de saúde geral, uso de binder (presença ou ausência e tempo de uso - meses, dias por semana e horas por dia) e queixas na região torácica (presenca ou ausência de queixas na região, dor, dificuldades respiratórias).

Realizou-se análise descritiva dos dados para caracterizar a amostra da população estudada. Para a comparação entre o uso de binder e queixas na região do tórax, estimou-se a razão de prevalência (RP), com intervalo de confiança (IC) de 95%, e teste qui-quadrado de Pearson. Todas as análises foram realizadas pelo software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 18.0.

Resultados

Foram avaliados 60 homens transexuais. Destes, 28 foram do HC-UFPE e 32 do ambulatório Patrícia Gomes, com idade média de 27,25 anos (dp:7,76/mín:18/máx:53). O nível de escolaridade predominante foi ensino médio completo (46,7%), seguido por ensino superior incompleto (31,7%) (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização da escolaridade e parâmetros de interesse das subpopulações de homens transexuais atendidos no Espaço Trans do Hospital das Clínicas de Pernambuco (HC-UFPE) e no ambulatório LGBTQI Patrícia Gomes da Policlínica Lessa de Andrade, ambos na cidade do Recife, PE, entre os anos de 2019 e 2020

Dados de caracterização da amostra demonstram que a maioria relatou praticar atividade física, não ter se submetido a procedimento cirúrgico de mastectomia e fazer uso de binder (Tabela 1). Em relação ao tempo de uso de binder, a média foi de 26,19 meses (dp = 24,41), sendo a média de 5,19 (dp = 2,26) dias de uso por semana e de 8,47(dp = 3,75) horas por dia (Tabela 1).

No que se refere a sintomas na região torácica dos homens transexuais, independentemente do uso de binder, foram registrados três diferentes relatos: queixas na região do tórax (qualquer sensação de incômodo), dor na região torácica e dificuldade para respirar (Tabela 2). Verificou-se que homens transexuais que usam binder tiveram 1,82 (DP = 1,15 - 2,89) mais queixas de dores na região do tórax. O mesmo aconteceu com a dificuldade de respirar, ou seja, quem usa binder teve duas vezes mais dificuldade para respirar. No geral, os resultados mostram uma associação positiva e forte entre queixas no tórax e uso de binder (RP = 2,73) (Tabela 2).

Tabela 2
Análise bivariada do uso de binder e queixas torácicas em homens transexuais (n = 60) atendidos no Espaço Trans do Hospital das Clínicas de Pernambuco (HC-UFPE) e no ambulatório LGBTQI Patrícia Gomes da Policlínica Lessa de Andrade, ambos na cidade do Recife, PE, entre os anos de 2019 e 2020

Discussão

Este estudo demonstrou que homens transexuais que fazem uso de binder apresentaram maior prevalência de queixas respiratórias e na região do tórax. A análise do perfil sociodemográfico dos participantes demonstrou que a maioria dos homens transexuais atendidos nos serviços pesquisados é jovem e sem nível superior completo, em concordância com relatos da literatura.1010 James SE, Herman JL, Rankin S, Keisling M, Mottet L, Anafi M. The report of the 2015 US transgender survey. Washington, DC: National Center for Transgender Equality; 2016. Full text link
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,1111 Meerwijk EL, Sevelius JM. Transgender population size in the United States: a meta-regression of population-based probability samples. Am J Public Health. 2017;107(2):e1-8. DOI
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Tais resultados podem estar associados à dificuldade das pessoas transexuais de acessarem seus direitos sociais devido à não adequação com a heteronormatividade de gênero,1212 Silva GWS, Souza EFL, Sena RCF, Moura IBL, Sobreira MVS, Miranda FAN. Situações de violência contra travestis e transexuais em um município do nordeste brasileiro. Rev Gaucha Enferm. 2016;37(2):e56407. DOI
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,1313 Souza BM, Santos MCB, Almeida GS. Reflexões sobre o acesso de homens transexuais a direitos sociais e civis. Anais do XVI Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social. 2018;16(1):1-13. Full text link
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fato que ganha destaque por ocasionar grande desarmonia na autoestima do indivíduo, uma vez que todo ser humano necessita, em alguma medida, de reconhecimento social, em especial de reconhecimento pelos seus pares.1414 Jesus JG. Psicologia das massas: contexto e desafios brasileiros. Psicol Soc. 2013;25(3):493-503. DOI
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O uso de binder como recurso de construção e autoafirmação da masculinidade é considerado uma atividade diária necessária e não eletiva, pois o fato de minimizar as mamas ou qualquer outro atributo feminino em homens transexuais é motivo de alívio na angústia, facultando grandes benefícios associados à saúde mental e emocional.1515 Cole B, Han L. Freeing ourselves: a guide to health and self love for Brown Bois. Oakland: Brown Boi Project; 2011. O que este trabalho ressalta é a preocupação de como o binder está sendo usado e em que frequência os pacientes se submetem a sua compressão torácica. Muitas vezes, é uma medida provisória até a realização da cirurgia de reconstrução torácica (mastectomia).

Fein et al.,1616 Fein LA, Salgado CJ, Alvarez CV, Estes CM. Transitioning transgender: investigating the important aspects of the transition: a brief report. Int J Sex Health. 2017;29(1):80-8. DOI
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em um estudo que analisou 148 pessoas transexuais, relatou que 100% dos homens transexuais consideravam a mastectomia o procedimento mais importante para sentirem-se confortáveis e 81% consideravam o binder o mais importante entre as alternativas não cirúrgicas. Esse estudo corrobora a ideia apresentada por Freud no início do século passado, que reconhece o pênis como o falo masculino e as mamas como o falo feminino, daí a importância e necessidade dos homens transexuais em escondê-los ou se livrarem desse falo social.1717 Vieira AA, Vorcaro AMR. Concepções freudianas sobre a irrupção da puberdade e a etiologia das neuroses. Psicol USP. 2014;25(2):144-54. DOI
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No presente estudo, a maioria (81,7%) dos homens transexuais não havia se submetido à mastectomia, o que ressalta a preocupação com os efeitos do uso de binder a longo prazo. É possível que as baixas taxas de mastectomias realizadas entre os participantes do estudo se devam ao fato de existir apenas um centro de referência habilitado para a realização da referida cirurgia no estado de realização da pesquisa. A distribuição dos estabelecimentos credenciados a realizar cirurgias de transseuxalização no Brasil dificulta o acesso da população transexual. Em geral, os hospitais habilitados estão localizados nas regiões metropolitanas, com uma infraestrutura insuficiente para atender a totalidade das demandas.1818 Rocon PC, Silva AI, Sodré F. Diversidade de gênero e Sistema Único de Saúde: uma problematização sobre o pro-cesso transexualizador. SER Social. 2018;20(43):432-48. DOI
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A média de tempo de uso de binder pelos pacientes entrevistados foi superior a dois anos, com média de cerca de cinco dias por semana e mais de oito horas por dia, o que demostra o uso por período inadequadamente prolongado, contrariando as recomendações atuais compartilhadas pelas organizações comunitárias transmasculinas e lésbicas, gays, bissexuais, trans-gêneros e queer para o uso saudável de binder e artifícios similares.9

Na presente pesquisa, a maioria dos homens transexuais apresentou queixas na região do tórax, assim como dor e dificuldade para respirar. A prevalência de dor torácica foi 1,82 vezes maior em pessoas que usam binder quando comparadas às que não usam, em concordância com outro estudo onde foram relatadas dores na mama (48,8%), nos ombros (38,9%), nas costas (53,8%) e qualquer outro tipo de dor (74%).99 Peitzmeier S, Gardner I, Weinand J, Corbet A, Acevedo K. Health impact of chest binding among transgender adults: a community-engaged, cross-sectional study. Cult Health Sex. 2017;19(1):64-75. DOI
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Dificuldade de respirar teve uma prevalência pouco mais de duas vezes maior entre os usuários de binder. Entre os diversos sintomas associados ao uso de binder citados na literatura, os mais comuns foram dor nas costas (53,8%), superaquecimento (53,5%), dor no peito (48,8%) e falta de ar (46,6%).99 Peitzmeier S, Gardner I, Weinand J, Corbet A, Acevedo K. Health impact of chest binding among transgender adults: a community-engaged, cross-sectional study. Cult Health Sex. 2017;19(1):64-75. DOI
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Jarrett et al.,1919 Jarrett BA, Corbet AL, Gardner IH, Weinand JD, Peitzmeier SM. Chest binding and care seeking among transmasculine adults: a cross-sectional study. Transgend Health. 2018;3(1):170-8. DOI
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em um estudo com homens transexuais ao redor do mundo, observaram que 1.132 (88,9%) dos que usavam binder referiram sentir algum sintoma negativo relacionado ao uso, e encontraram significância na associação entre o relato de dor e sintomas respiratórios e a necessidade de procurar um serviço de saúde. Entretanto, embora 82,3% dos entrevistados acreditassem ser importante discutir o uso de binder com seu médico, apenas 14,8% procuravam atendimento de saúde relacionado a isso.

Peitzmeier et al.,99 Peitzmeier S, Gardner I, Weinand J, Corbet A, Acevedo K. Health impact of chest binding among transgender adults: a community-engaged, cross-sectional study. Cult Health Sex. 2017;19(1):64-75. DOI
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em um estudo mundial com 1.800 homens transexuais e utilizando um questionário autorreferido ao uso de binder, evidenciaram que mais de 97% dos entrevistados relataram pelo menos um dos 28 resultados negativos atribuídos ao uso. A frequência de uso foi o fator mais consistentemente associado a resultados negativos para a saúde (22 dos 28 resultados especulados) e a duração também foi independentemente associada com pelo menos 13 dos 28 resultados esperados.

Todos os estudos similares supracitados corro-boram fortemente os dados aqui apresentados sobre a importância de monitoramento e cuidados multidisciplinares para o uso de binder, assim como de que modo e em que frequência é utilizado.

Os resultados encontrados tornam evidente uma demanda iminente por cirurgias de mastectomia e uso de artifícios de compressão torácica, embora a procura pelos centros de referências ainda seja desproporcional ao número de homens que se intitulam transexuais. A baixa procura por atendimento médico pode ser motivada pela falta de acesso a profissionais de saúde com quem os pacientes se sintam seguros e confortáveis e não apenas pelo medo e desconforto geral dos exames torácicos e cirurgias.1919 Jarrett BA, Corbet AL, Gardner IH, Weinand JD, Peitzmeier SM. Chest binding and care seeking among transmasculine adults: a cross-sectional study. Transgend Health. 2018;3(1):170-8. DOI
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Um estudo realizado no Centro de Saúde e Desenvolvimento Trans-Juventude do Hospital Los Angeles observou que 13% dos homens transexuais afirmam não procurarem serviço médico por vergonha do seu corpo com contornos femininos, em especial das mamas.2020 Olson-Kennedy J, Warus J, Okonta V, Belzer M, Clark LF. Chest reconstruction and chest dysphoria in transmasculine minors and young adults: Comparisons of nonsurgical and postsurgical cohorts. JAMA Pediatr. 2018;172(5):431-6. DOI
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Os achados deste estudo têm como aplicabilidade clínica mostrar a alta prevalência de complicações respiratórias e na região do tórax que o uso do binder pode ocasionar na população de homens transexuais e demonstrar a importância do desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento desses sintomas.

Conclusão

O presente estudo demonstrou que a prevalência de queixas respiratórias e na região do tórax é maior nos homens transexuais que fazem uso de binder. Desta forma, a melhoria no cuidado e atenção à saúde da população transexual no Brasil é urgente. A literatura, contudo, ainda carece de informações mais aprofundadas sobre a extensão do dano respiratório e sobre a função pulmonar que esse método pode causar a longo prazo.

Estratégias de construção de gênero são essenciais para a qualidade de vida e saúde mental do homem transexual. Medidas que acelerem o processo de mastectomia para os que desejam realizá-la podem ser uma estratégia para minimizar os efeitos deletérios associados à caixa torácica provocados pelo uso prolongando de binder.

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Editado por

Editora associada:

Janice Luisa Lukrafka Tartari

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2021
  • Revisado
    29 Dez 2021
  • Aceito
    10 Jan 2022
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