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Prevalência dos subtipos de incontinência urinária em mulheres

Resumo

Introdução:

A incontinência urinária (IU) está presente na vida de considerável número de mulheres no mundo. Essa condição e fatores associados a ela vêm sendo suficientemente investigados nos últimos anos, no entanto, as estimativas de prevalência ainda não são totalmente esclarecidas visto que a IU é vista como estigmatizante em âmbito cultural e a procura por tratamento nem sempre é considerada por indivíduos acometidos. Torna-se importante, portanto, esclarecer cada vez mais essa disfunção e seus subtipos para que seja possível amenizar suas consequências.

Objetivo:

Identificar a prevalência dos subtipos de IU em mulheres de um ambulatório de referência em um hospital público de Curitiba, PR.

Métodos:

Estudo observacional e analítico com 227 mulheres com IU, avaliadas por meio de um questionário para coleta de informações sociodemográficas e de saúde geral, além da definição do subtipo de IU. Utilizou-se o pacote estatístico SPSS versão 25 para a análise estatística.

Resultados:

A idade média da amostra foi de 60,33 ± 12,26 anos. IU mista foi o subtipo mais prevalente (87,2%; n = 198), seguida por esforço (7,5%; n = 17) e urgência (5,3%; n = 12). Das mulheres com IU mista, 60,6% tinham apenas o ensino fundamental, 59,1% eram donas de casa e 89,4% passaram por duas ou mais gestações.

Conclusão:

Delinear os subtipos de IU e as características gerais e obstétricas da população estudada permite que sejam elaboradas estratégias de enfrentamento desta condição, que vão desde planejamento envolvendo diagnóstico e tratamento até custos e gestão de saúde pública.

Palavras-chave:
Assoalho pélvico; Incontinência urinária de esforço; Incontinência urinária de urgência; Incontinência urinária; Saúde da mulher

Abstract

Introduction:

Urinary incontinence (UI) is present in the lives of a considerable number of women worldwide. This condition and its associated factors have been sufficiently investigated in recent years, however, prevalence estimates are still not fully clarified, as UI is seen as stigmatizing in a cultural context, and the search for treatment is not always considered by affected individuals. So, this dysfunction and its subtypes must be better understood so that it is possible to alleviate its consequences.

Objective:

To identify the prevalence of urinary incontinence subtypes, in women from a reference clinic in a public hospital in Curitiba, PR, Brazil.

Methods:

This was an observational and analytical study, with 227 women affected by UI, evaluated by means of a questionnaire including sociodemographic and general health information, in addition to defining the UI subtype. The SPSS version 25 was used for statistical analysis.

Results:

The patients presented a mean age of 60.33 ± 12.26 years. Mixed UI was the prevalent subtype (87.2%; n = 198), followed by stress (7.5%; n = 17), and urge (5.3%; n = 12). Among women with mixed UI, 60.6% had only completed elementary school, 59.1% were housewives, and 87.6% had experienced two or more pregnancies.

Conclusion:

Outlining UI subtypes, and the general and obstetric characteristics of the studied population enables the development of coping strategies for this condition, ranging from planning, diagnosis and treatment, to costs and public health management.

Keywords:
Pelvic floor; Stress urinary incontinence; Urge urinary incontinence; Urinary incontinence; Women's health

Introdução

A expectativa de vida global cresce a cada dia e a incontinência urinária (IU) se mostra uma patologia com grande prevalência e considerável impacto social, apresentando repercussões negativas nos mais variados contextos da vida das mulheres.11 Martins M, Berlezi EM, Dreher DZ. O desempenho da escala de Oxford e do biofeedback manométrico perineal na avaliação da incontinência urinária de esforço em mulheres no período do climatério. Sci Med. 2016;26(1):22969. DOI,22 Viana R, Viana S, Andrade R, Festas C, Neto F. Fisioterapia na autoestima de mulheres com incontinência urinária: estudo longitudinal. Psic Saude Doencas. 2014;15(1):170-9. Full text link

A International Continence Society (ICS) define a IU como queixa de qualquer volume de urina perdido involuntariamente, constituindo essa condição um pro-blema social e/ou higiênico e podendo ser demonstrada de forma objetiva.22 Viana R, Viana S, Andrade R, Festas C, Neto F. Fisioterapia na autoestima de mulheres com incontinência urinária: estudo longitudinal. Psic Saude Doencas. 2014;15(1):170-9. Full text link,33 Silva JCP, Soler ZASG, Wysocki AD. Fatores associados à incontinência urinária em mulheres submetidas ao exame urodinâmico. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03209. DOI É classificada conforme os sintomas que produz, sendo os tipos mais frequentes nas mulheres a IU de esforço (IUE), quando a perda de urina acontece mediante esforço físico como tosse, espirro e demais atividades; IU de urgência (IUU), quando a perda ocorre antes ou durante a urgência miccional; e IU mista (IUM), quando IUE e IUU se fazem presentes.44 Knorst MR, Resende TL, Santos TG, Goldim JR. The effect of outpatient physical therapy intervention on pelvic floor muscles in women with urinary incontinence. Braz J Phys Ther. 2013;17(5):442-9. DOI,55 Zizzi PT, Trevisan KF, Leister N, Cruz CS, Riesco MLG. Women’s pelvic floor muscle strength and urinary and anal incontinence after childbirth: a cross-sectional study. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03214. DOI

O tratamento da IU traz custos substanciais aos sistemas de saúde. Com estimativas mais fidedignas, é possível vislumbrar um custo anual de aproximadamente U$11 bilhões nos Estados Unidos,66 Fürst MCB, Mendonça RR, Rodrigues AO, Matos LL, Pompeo ACL, Bezerra CA. Resultados a longo prazo deum estudo clínico comparando estimulação vaginal isolada com tratamento combinado para mulheres com incontinência urinária de esforço. Einstein. 2014;12(2):168-74. DOI o que se traduz entre US$50-1000 por pessoa.77 Saboia DM, Firmiano MLV, Bezerra KC, Vasconcelos Neto JA, Oriá MOB, Vasconcelos CTM. Impacto dos tipos de incontinência urinária na qualidade de vida de mulheres. Rev Esc Enferm. 2017;51:e03266. DOI

No Brasil, onde o sistema público de saúde enfrenta problemas crônicos de financiamento, em 2018 foi gasto R$1,92 bilhão com tratamento da IU, com previsão para 2023 de R$3,87 bilhões.88 Brasil. Ministério da Saúde. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente [cited 2021 Jan 30]. Available from: portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br
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Esses custos geram a necessidade de buscar formas de avaliação e tratamento que sejam de baixo custo, baixo risco e comprovada eficácia para que se tornem acessíveis aos usuários da rede pública de saúde.44 Knorst MR, Resende TL, Santos TG, Goldim JR. The effect of outpatient physical therapy intervention on pelvic floor muscles in women with urinary incontinence. Braz J Phys Ther. 2013;17(5):442-9. DOI

Visto que a IU exerce consequências físicas e emo-cionais na vida das mulheres, considera-se importante que se faça a identificação do subtipo de incontinência, para que esses dados possam eventualmente contribuir para uma melhor delimitação do tratamento, auxílio às gestões públicas de serviços de atenção à saúde da mulher e para o que se vislumbra atualmente nas questões de incontinência.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa de caráter observacional e analítico, aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital de Clínicas da Universidade Fedeal do Paraná (HC/UFPR), sob o número 3.575.829. Foram utilizados os dados coletados nos ambulatórios de disfunções miccionais, de incontinências/enfermagem e do grupo interdisci-plinar de assoalho pélvico do HC/UFPR.

Os critérios de inclusão para o presente estudo foram: mulheres com idade a partir de 18 anos que estiveram em atendimento em um dos três ambulató-rios citados acima e que possuíam sintomas de IU. As participantes foram recrutadas de maneira aleatória na lista previamente organizada pelo ambulatório para atendimentos agendados do dia, verificando-se a presença de queixa de IU. Os critérios de exclusão foram: presença de alterações anatômicas e/ou disfunções neurológicas que pudessem levar à IU.

A possível participante foi abordada em dois momentos: antes ou após a sua consulta do dia agen-dada no ambulatório. Estes procedimentos foram delineados com a finalidade de respeitar e não interferir no andamento da rotina já estabelecida para os ambulatórios da instituição. O objetivo do primeiro contato com a participante era o de esclarecer todos os pontos referentes à pesquisa. Caso aceitasse participar, a mesma era convidada a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A coleta de dados se deu na forma de entrevista individual através de questionário sociodemográfico e de saúde geral (QSSG), elaborado pelo grupo de pesquisa. Com o objetivo de caracterizar a amostra, o QSSG era composto por perguntas específicas sobre as características da IU, sendo esta subdividida em IUE,

IUU e IUM, por meio de uma seleção de frases representando os sintomas de esforço e de urgência separadamente. Classificou-se a IU conforme as características identificadas pela participante; na identificação de sintomas de esforço e urgência, esta foi classificada como mista. As perguntas foram construídas por meio da compilação de instrumentos já validados, como o ICIQ-SF, e com sintomas que identificam os tipos mais comuns de IU, conforme descrito pela International Continence Society (ICS).

Os dados foram analisados por meio do pacote estatístico SPSS versão 25. Os resultados de variáveis categóricas foram descritos em frequência absoluta e relativa e os de variáveis quantitativas foram descritos por média e desvio padrão.

Resultados

A amostra foi composto de 227 mulheres que apresentavam média de idade de 60,33 ± 12,26 anos. O subtipo de IU mais frequente foi a mista, com 87,2%, seguida de IUE (7,5%) e IUU (5,3%), conforme descrito na Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição da amostra (n = 227) de acordo com os subtipos de incontinência urinária (IU) e faixa etária

Em relação ao nível de escolaridade, as participantes do estudo apresentaram maior frequência para o ensino fundamental e médio entre os grupos. No que se refere à ocupação, a maior parte das mulheres no grupo com IUM eram donas de casa (59,1%), enquanto 38,9% exerciam atividade remunerada (Tabela 2).

Tabela 2
Características sociodemográficas da população de acordo com o subtipo de incontinência urinária (IU)

Encontram-se na Tabela 3 os dados relativos ao histórico gestacional das participantes do estudo.

Tabela 3
Histórico gestacional da população do estudo distribuído entre os subtipos de incontinência urinária (IU)

Grande parte das participantes passou por gestação pelo menos uma vez, embora o grupo com IUM tenha apresentado maior frequência (89,4%) para duas ou mais gestações. No que tange ao tipo de parto, expressiva quantidade de mulheres com IUM (70,7%) teve dois ou mais partos vaginais, 52,5% não passaram por parto cirúrgico (cesárea) e 63,6% delas passaram por episiotomia.

Discussão

As participantes apresentaram média de idade de 60,33 ± 12,26 anos, faixa etária que corrobora os dados verificados na literatura.99 Faria CA, Moraes JR, Monnerat BRD, Verediano KA, Hawerroth PAMM, Fonseca SC. Impacto do tipo de incontinência urinária sobre a qualidade de vida de usuárias do Sistema Único de Saúde no Sudeste do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2015;37 (8):374-80. DOI

10 Huang AJ, Chesney M, Lisha N, Vittinghoff E, Schembri M, Pawlowsky S, et al. A group-based yoga program for urinary incontinence in ambulatory women: feasibility, tolerability, and change in incontinence frequency over three months in a single-center randomized trial. Am J Obstet Gynecol. 2019;220(1):87.e1-e13. DOI
-1111 Manonai J, Wattanayingcharoencha R, Sarit-Apirak S, Vannatim N, Chittacharoen A. Prevalence and risk factors of anorectal dysfunction in women with urinary incontinence. Arch Gynecol Obstet. 2010;281(6):1003-7. DOI A IUM (87,2%) foi o subtipo de IU mais identificado nessa população, o que vai ao encontro dos achados de Faria et al.99 Faria CA, Moraes JR, Monnerat BRD, Verediano KA, Hawerroth PAMM, Fonseca SC. Impacto do tipo de incontinência urinária sobre a qualidade de vida de usuárias do Sistema Único de Saúde no Sudeste do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2015;37 (8):374-80. DOI e Saboia et al.,77 Saboia DM, Firmiano MLV, Bezerra KC, Vasconcelos Neto JA, Oriá MOB, Vasconcelos CTM. Impacto dos tipos de incontinência urinária na qualidade de vida de mulheres. Rev Esc Enferm. 2017;51:e03266. DOI que encontraram respectivamente 72,9% e 62,6% de IUM em suas análises com mulheres brasileiras atendidas em unidade para investigação e tratamento de IU. Já Knorst et al.,44 Knorst MR, Resende TL, Santos TG, Goldim JR. The effect of outpatient physical therapy intervention on pelvic floor muscles in women with urinary incontinence. Braz J Phys Ther. 2013;17(5):442-9. DOI Manonai et al.,1111 Manonai J, Wattanayingcharoencha R, Sarit-Apirak S, Vannatim N, Chittacharoen A. Prevalence and risk factors of anorectal dysfunction in women with urinary incontinence. Arch Gynecol Obstet. 2010;281(6):1003-7. DOI Nygaard et al.,1212 Nygaard CC, Schreiner L, Morsch TP, Saadi RP, Figueiredo MF, Padoin AV. Urinary incontinence and quality of life in female patients with obesity. Rev Bras Ginecol Obstet. 2018;40(9):534-9. DOI Siddiqui et al.,1313 Siddiqui NY, Wiseman JB, Cella D, Bradley CS, Lai HH, Helmuth ME, et al. Mental health, sleep, and physical function in treatment-seeking women with urinary incontinence. J Urol. 2018;200(4):848-55. DOI e Türkcü e Kukulu,1414 Türkcü SG, Kukulu K. Urinary incontinence and quality of life of women living in nursing homes in the Mediterranean region of Turkey. Psychogeriatr. 2017;17(6):446-52. DOI ainda que com outros enfoques além de identificar o subtipo de IU e diversificada população analisada, também encontraram em seus estudos prevalência de IUM.

As características relacionadas à escolaridade demonstram um nível mais baixo de instrução, englo-bando ensino fundamental e analfabetas distribuídas entre os três subtipos de IU (65,1% IUM, 58,3% IUU e 52,9% IUE). Os achados corroboram o estudo de Knorst et al.,44 Knorst MR, Resende TL, Santos TG, Goldim JR. The effect of outpatient physical therapy intervention on pelvic floor muscles in women with urinary incontinence. Braz J Phys Ther. 2013;17(5):442-9. DOI no qual os autores encontraram 59,7% de sua amostra com nível similar de escolaridade, e com Sacomori et al.,1515 Sacomori C, Negri NB, Cardoso FL. Incontinência urinária em mulheres que buscam exame preventivo de câncer de colo uterino: fatores sociodemográficos e comportamentais. Cad Saude Publica. 2013;29(6):1251-9. DOI constatando que a presença de IU em mulheres com baixa escolaridade (ensino fundamental completo/incompleto) é 1,59 vezes superior à verificada em mulheres com escolaridade alta.

A ocupação predominante dessas mulheres é o cuidado do lar (59,1% IUM, 75% IUU e 70,6% IUE), dados que vão ao encontro dos achados de Kaşıkçı et al.1616 Kaşıkçı M, Kılıç D, Avşara G, Şirin M. Prevalence of urinary incontinence in older Turkish women, risk factors, and effect on activities of daily living. Arch Gerontol Geriatr. 2015;61(2):217-23. DOI e Manonai et al.,1111 Manonai J, Wattanayingcharoencha R, Sarit-Apirak S, Vannatim N, Chittacharoen A. Prevalence and risk factors of anorectal dysfunction in women with urinary incontinence. Arch Gynecol Obstet. 2010;281(6):1003-7. DOI correspondentes a 98,3% e 53,8%, res-pectivamente. Essas características envolvendo menor grau de instrução e ocupação informal indicam que a abordagem pelo profissional da saúde precisa ser adequada, visto que o tratamento para a IU muitas vezes envolve terapia comportamental, orientações e cuidados a serem observados no decorrer das atividades diárias, e sua eficiência depende de compreensão e interpretação adequadas das informações sobre como lidar com os sintomas que se associam a essa disfunção.

Estudos mostram que antecedentes obstétricos apresentam estreita relação com o desenvolvimento de IU e são amplamente mencionados na literatura.1616 Kaşıkçı M, Kılıç D, Avşara G, Şirin M. Prevalence of urinary incontinence in older Turkish women, risk factors, and effect on activities of daily living. Arch Gerontol Geriatr. 2015;61(2):217-23. DOI

17 Ardila OR. Caracterización clínica de la incontinencia urinaria y factores asociados en usuarias de la Unidad de la Mujer del Centro de Salud Familiar “Ultraestación” en la ciudad de Chillán, Chile. Rev Med Chile. 2015;143(2):203-12. Full text link

18 Leroy LS, Lucio A, Lopes MHBM. Risk factors for postpartum urinary incontinence. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(2):200-7. DOI
-1919 Pedersen LS, Lose G, Høybye MT, Elsner S, Waldmann A, Rudnicki M. Prevalence of urinary incontinence among women and analysis of potential risk factors in Germany and Denmark. Acta Obstet Gynecol Scand. 2017;96(8):939-48. DOI,33 Silva JCP, Soler ZASG, Wysocki AD. Fatores associados à incontinência urinária em mulheres submetidas ao exame urodinâmico. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03209. DOI,2020 Seshan V, Alkhasawneh E, Hashmi, IHA. Risk factors of urinary incontinence in women: a literature review. Int J of Urol Nurs. 2016;10(3):118-26. DOI

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-2323 Zhu L, Li L, Lang J, Xu T, Wong F. Epidemiology of mixed urinary incontinence in China. Int J Gynaecol Obstet. 2010; 109(1):55-8. DOI No presente estudo, a multiparidade, evidenciada por duas ou mais gestações, esteve presente em 202 das 227 mulheres incontinentes. No estudo de Masenga et al.2424 Masenga GG, Shayo BC, Msuya S, Rasch V. Urinary incontinence and its relation to delivery circumstances: A population-based study from rural Kilimanjaro, Tanzania. PLoS One. 2019;14(1):e0208733. DOI foi encontrada forte associação entre o aumento da paridade e as chances de desenvolver quaisquer tipos de IU. Mulheres que tiveram maior número de partos chegaram a ter aumentadas em 2,74 vezes as chances de desenvolver IU. Treister-Goltzman e Peleg2222 Treister-Goltzman Y, Peleg R. Urinary incontinence among Muslim women in Israel: risk factors and help-seeking behavior. Int Urogynecol J. 2018;29(4):539-46. DOI também verificaram em seu estudo que mulheres que apresentavam maior número de partos e mais gestações, apresentavam IU mais severa do que aquelas com menor número de gestações.

O parto vaginal foi experimentado por 26 (11,5%) participantes do estudo pelo menos uma vez e 162 (71,4%) mulheres passaram por essa via de parto duas ou mais vezes. Associação positiva entre IU e partos vaginais foi observada no estudo de Pedersen et al.,1919 Pedersen LS, Lose G, Høybye MT, Elsner S, Waldmann A, Rudnicki M. Prevalence of urinary incontinence among women and analysis of potential risk factors in Germany and Denmark. Acta Obstet Gynecol Scand. 2017;96(8):939-48. DOI no qual o risco permaneceu em torno de 1,5 vezes maior independentemente do número de partos vaginais. O parto vaginal é visto na literatura como fator de risco que predispõe à IU quando comparado à cesárea.1818 Leroy LS, Lucio A, Lopes MHBM. Risk factors for postpartum urinary incontinence. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(2):200-7. DOI MacArthur et al.2525 MacArthur C, Wilson D, Herbison P, Lancashire RJ, Hagen S, Toozs-Hobson P, et al. Urinary incontinence persisting after childbirth: extent, delivery history, and effects in a 12-year longitudinal cohort study. BJOG. 2016;123(6):1022-9. DOI investigaram a persistência da IU em um período de 12 anos após o parto e constataram que ela persistiu em aproximadamente 3/4 das mulheres cuja via de parto foi vaginal. Já Özdemir et al.2626 Özdemir ÖÇ, Bakar Y, Özengın N, Duran B. The effect of parity on pelvic floor muscle strength and quality of life in women with urinary incontinence: a cross sectional study. J Phys Ther Sci. 2015;27(7):2133-7. DOI verificaram que a força da musculatura do assoalho pélvico diminuiu à medida que o número de partos vaginais aumentou. A metanálise de Tähtinen et al.2727 Tähtinen RM, Cartwright R, Tsui JF, Aaltonen RL, Aoki Y, Cárdenas JL, et al. Long-term impact of mode of delivery on stress urinary incontinence and urgency urinary incontinence: a systematic review and meta-analysis. Eur Urol. 2016;70(1):148-58. DOI associou o parto vaginal a uma probabilidade duplamente aumentada de ocorrência de IUE, bem como ao aumento do risco de IUU em aproximadamente 3%.

O parto cirúrgico, ou seja, a cesárea, foi realizado uma vez em 72 mulheres e duas ou mais vezes em 33 participantes do estudo, mostrando que 46,3% do total das mulheres incontinentes vivenciou esse tipo de parto. É possível encontrar na literatura dados comparativos que mencionam ser essa via de parto menos danosa à musculatura do assoalho pélvico, preservando sua força, já que não provoca traumas perineais, e reduzindo, portanto, o impacto em relação ao desenvolvimento de IU.55 Zizzi PT, Trevisan KF, Leister N, Cruz CS, Riesco MLG. Women’s pelvic floor muscle strength and urinary and anal incontinence after childbirth: a cross-sectional study. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03214. DOI,2828 Batista EM, Conde DM, Amaral WN, Martinez EZ. Comparison of pelvic floor muscle strength between women undergoing vaginal delivery, cesarean section, and nulliparae using a perineometer and digital palpation. Gynecol Endocrinol. 2011;27(11):910-4. DOI,2929 Hilde G, Stær-Jensen J, Siafarikas F, Engh ME, Brækken IH, Bø K. Impact of childbirth and mode of delivery on vaginal resting pressure and on pelvic floor muscle strength and endurance. Am J Obstet Gynecol. 2013;208(1):50.e1-7. DOI

No presente estudo, 41,9% das participantes sofreram aborto e 12,3% destas passaram por dois ou mais episódios. Em sua revisão de literatura, Seshan et al.2020 Seshan V, Alkhasawneh E, Hashmi, IHA. Risk factors of urinary incontinence in women: a literature review. Int J of Urol Nurs. 2016;10(3):118-26. DOI apontam que o número de abortos é considerado fator de risco para a IU. Kaşıkçı et al.1616 Kaşıkçı M, Kılıç D, Avşara G, Şirin M. Prevalence of urinary incontinence in older Turkish women, risk factors, and effect on activities of daily living. Arch Gerontol Geriatr. 2015;61(2):217-23. DOI também encontraram correlação estatisticamente significante entre o número de abortos e a prevalência de IU.

A literatura apresenta a episiotomia não realizada de forma adequada e cuidadosa como causa de trauma perineal, podendo inclusive comprometer a força mus-cular do assoalho pélvico e predispor à IU. No entanto, menciona-se também ser esse um fator modificável quando o parto é adequadamente conduzido com o objetivo de prevenir ou minimizar as complicações obstétricas e sequelas a longo prazo.33 Silva JCP, Soler ZASG, Wysocki AD. Fatores associados à incontinência urinária em mulheres submetidas ao exame urodinâmico. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03209. DOI,55 Zizzi PT, Trevisan KF, Leister N, Cruz CS, Riesco MLG. Women’s pelvic floor muscle strength and urinary and anal incontinence after childbirth: a cross-sectional study. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03214. DOI,1717 Ardila OR. Caracterización clínica de la incontinencia urinaria y factores asociados en usuarias de la Unidad de la Mujer del Centro de Salud Familiar “Ultraestación” en la ciudad de Chillán, Chile. Rev Med Chile. 2015;143(2):203-12. Full text link,3030 Huy NVQ, An LSP, Phuong LS, Tam LM. Pelvic floor and sexual dysfunction after vaginal birth with episiotomy in Vietnamese women. Sex Med. 2019;7(4):514-21. DOI Elevada taxa do supracitado procedimento foi encontrada no presente estudo, sendo que 146 mulheres relataram ter sido submetidas à episiotomia, o que vai ao encontro do contstado no estudo de Silva et al.,33 Silva JCP, Soler ZASG, Wysocki AD. Fatores associados à incontinência urinária em mulheres submetidas ao exame urodinâmico. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03209. DOI onde 80% das mulheres incontinentes realizaram esse procedimento. Ardila verificou que 213 das 289 mulheres analisadas passaram por episiotomia e constatou que a realização desta aumentava em 1,78 vezes a probabilidade de desenvolvimento de IUE.1717 Ardila OR. Caracterización clínica de la incontinencia urinaria y factores asociados en usuarias de la Unidad de la Mujer del Centro de Salud Familiar “Ultraestación” en la ciudad de Chillán, Chile. Rev Med Chile. 2015;143(2):203-12. Full text link

O assoalho pélvico tende a sofrer demasiado estresse em diversas situações no decorrer da vida da mulher. A cada gestação, o organismo feminino tem alteradas sua fisiologia e biomecânica. Somados a isso, o aumento do peso com o crescimento do feto e a via de parto vaginal ainda podem trazer consequências e sequelas futuras por conta dos traumas e lesões perineais. É importante lembrar, no entanto, que o parto natural bem conduzido e adequado é benéfico tanto para a mãe quanto para o bebê. Com o passar dos anos, o envelhecimento natural, a passagem pelo climatério e os prejuízos acumulados na região pélvica podem agravar a existência da IU ou predispor seu surgimento. Sendo a IU disfunção de causa multifatorial, que traz consigo prejuízos que vão desde a execução de atividades de vida diária até o declínio da condição física geral, causando considerável redução na qualidade de vida, sua abordagem e diagnóstico envolvem variados fatores que devem ser amplamente investigados e detalhados para que a proposta de tratamento seja assertiva e os custos e possíveis agravos minimizados.

Conclusão

A IUM foi o subtipo prevalente, estando presente em 87,2% das participantes. Os fatores observados, como aumento da idade, maior número de gestações, parto vaginal e episiotomia também foram encontrados de forma relevante dentro da população que apresentava IUM. Esse perfil poderia subsidiar algumas ações como:

  1. Inclusão obrigatória de registros de ocorrência de IU nas consultas de profissionais de saúde, em particular na área de saúde da mulher, para que se façam acompanhamentos da ocorrência de IU, independentemente da queixa que a mulher apresente.

  2. Elaboração de estratégias de prevenção, como cartilhas de orientação ou manuais de autocuidado para a prevenção e manejo da IU, considerando os indicadores sociais dessas mulheres (escolaridade, faixa etária, ocupação e rotina diária, conhecimento sobre IU e suas implicações, entre outros).

Dada a alta prevalência de IU encontrada, são recomendados estudos que abordem o tema em populações mais vulneráveis para delinear de forma mais abrangente a IU. Além disso, é importante identificar os seus subtipos, trazendo com esses dados novas possibilidades nas áreas de educação em saúde, planejamento e intervenção dessa que demonstra ser uma condição que afeta mulheres de diferentes faixas etárias e que evolui cronicamente, contribuindo com significativo decréscimo na saúde feminina.

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Editado por

Editora associada: Maria Augusta Heim

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2021
  • Revisado
    31 Jan 2022
  • Aceito
    01 Fev 2022
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