Acessibilidade / Reportar erro

Entre Freud e Foucault: a resistência como afirmação de si1 1 Este artigo resulta da tese Violência, trauma e resistência: sobre o múltiplo na psicanálise, defendida em 2012 pelo Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ, com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Between Freud and Foucault: resistance as self-affirmation

Entre Freud y Foucault: la resistencia como autoafirmación

Resumos

O artigo dedica-se ao tema da resistência para extrapolar seu entendimento como ponto de estagnação da experiência da análise. Ao contrário, o objetivo é sustentá-la como movimento de afirmação de si, de subjetivação. Para a consecução dessa proposta considera-se a multiplicidade das resistências colocada no momento mais tardio da obra freudiana para a realização de uma leitura acerca da noção no pensamento de Foucault. Nesse contexto, a resistência apresenta-se intimamente atrelada ao poder - que na perspectiva foucaultiana ultrapassa o modelo jurídico para se capilarizar nas malhas do social -, relação cujos termos não se anulam dialeticamente. A resistência figura, assim, como operador da liberdade do sujeito ante as estruturas de dominação. Por fim, aposta-se na potência da experiência psicanalítica como movimento de construção permanente dos mais diversos modos de si. As resistências seriam, portanto, o elemento a assegurar a insubmissão a uma subjetividade forjada.

resistência; poder; psicanálise e filosofia; subjetividade


The article is dedicated to the theme of resistance in the clinic so as to extrapolate the view that comprehends it as stagnation point that locks the treatment and, as such, must be overcome. On the contrary, the aim is to sustain it as self-assertion movement and subjectivation. In order to achieve this proposal one departs from the multiplicity of the resistances placed upon the latest moment of the Freudian work for a reading about the notion in Foucault's thought. In this context, resistance presents itself closely linked to power - that in Foucauldian perspective goes beyond the legal model to capillarize the social meshes-, a relationship whose terms do not cancel each other dialectically. The resistance figures as an operator of the freedom of the subject before the structures of domination. Finally, one bets on the power of the psychoanalytic experience as a movement of permanent construction of various modes of oneself. The resistances would be therefore the element to ensure the insubordination to a forged subjectivity.

resistance; power; psychoanalysis and philosophy; subjectivity


El artículo está dedicado al tema de la resistencia en la clínica con el fin de extrapolar el destino que incluye un punto de estancamiento que impide el tratamiento. En lugar, el objetivo es mantenerla como un movimiento de autoafirmación y de la subjetivación. Para lograr esta propuesta, se parte de la pluralidad de resistencias colocadas en la época de Freud después de leer acerca de la noción en el pensamiento de Foucault. En este contexto, la resistencia se ha convertido estrechamente ligada al poder - que en la perspectiva foucaultiana va más allá del modelo legal para capilarizar en las redes de lo social - relación cuyos términos no se anulan entre sí dialécticamente. La resistencia figura así como operador de la libertad del sujeto en las estructuras de dominación. Por último, se aposta por el poder de la experiencia analítica como un movimiento de construcción permanente de diversos modos propios. Las resistencias serían por lo tanto el elemento para asegurar insumisión a una subjetividad forjada.

resistencia; poder; psicoanálisis y filosofía; subjetividad


Introdução

O presente artigo objetiva pesquisar o tema da resistência a partir de uma interlocução a posteriori estabelecida entre a psicanálise, tal como se apresenta no pensamento de Freud, e a abordagem de Foucault sobre o assunto. Entende-se que a resistência não deve ser compreendida apenas como ponto de interrupção a entravar a experiência analítica, mas como mais uma das forças que a movimentam e da própria subjetivação. Para tal afirmação será feita uma revisão bibliográfica a partir do momento mais tardio do pensamento de Freud - já no quadro de sua segunda tópica, quando à resistência é conferido um aspecto múltiplo - em articulação com assertivas foucaultianas de textos selecionados em conformidade com o tema.

Mas antes mesmo de passar à proposição do diálogo entre Freud e Foucault, cabe indicar que a resistência é comumente compreendida como ato de se opor, fazer contraposição, impor uma força que obstaculize a passagem de outra. Ao procurar o vocábulo nos dicionários da Língua Portuguesa essa noção é reafirmada, conforme ilustram os significados: "força que se opõe a outra", "aquilo que se opõe ao deslocamento de um corpo que se move", "luta em defesa", "oposição ou reação a uma força opressora", "obstáculo, empecilho" (Aurélio, 2010, p. 1826). Estes carregam as inequívocas marcas da reação a uma ação primeira, da oposição e da defesa, noções que revestem a resistência de um caráter distinto do que se propõe neste artigo como característica de sua presença na clínica psicanalítica: movimento, força para além da mera contestação, seja do analista ou da própria experiência de análise.

Constata-se, desse modo, que a resistência evocada nos textos freudianos e, de acordo com a leitura aqui proposta, na obra de Foucault, distancia-se de suas acepções mais correntes em nossa língua. Vale assinalar que o caráter de franca oposição usualmente associado à resistência remete ao contexto histórico de evocação dessa noção. Rabinovicht (2007Rabinovicht, G. (2007). Algumas confusões e anomias léxicas na época das sociedades de massa. Veredas do Direito, 4(7), 45-61.) mostra como os termos resistência e terrorismo, conforme são empregados na atualidade, surgiram na semântica política moderna a partir de um solo comum, a saber, aquele da Revolução Francesa. A palavra resistência provém do latim resistere, surgida em meados do século XIII, com o significado de obstaculizar o uso da força ou de meios de coerção (Rabinovicht, 2007Rabinovicht, G. (2007). Algumas confusões e anomias léxicas na época das sociedades de massa. Veredas do Direito, 4(7), 45-61.), sendo que a raiz latina sistere decorre de stare, que significa colocar-se de pé.

Acompanhando o autor, é possível identificar o surgimento da resistência no cenário da Revolução Francesa devido a um uso impregnado de valor político, característico do século XVI, em que se apresentava como oposição à autoridade e, mais especificamente, ao cerceamento da liberdade que aquela poderia ocasionar. É assim que ganha corpo na Declaração Universal dos Direitos Humanos o direito de resistir à opressão, de se rebelar contra a tirania, marca da passagem do absolutismo político para o liberalismo burguês que serviu de base para a primeira constituição francesa, datada de 1791.

Cumpre esclarecer que essa noção surgiu no auge do primeiro período da Revolução Francesa, circunscrita ao apelo de oposição à tirania, à opressão preconizada pela soberania absolutista acompanhada do clero e da nobreza. Já aquela de terror destacou-se em momento ulterior, atrelada ao emprego sistemático de medidas de exceção que visavam salvaguardar objetivos políticos dos jacobinos. O terror robespierrense foi o fiador da restauração do dispositivo da tirania, sendo que esta agora "deixa de ser algo ao qual resistir, mas passa a ser instrumento de dominação e opressão, 'lavada' pela ideologia à qual serve" (Rabinovicht, 2007Rabinovicht, G. (2007). Algumas confusões e anomias léxicas na época das sociedades de massa. Veredas do Direito, 4(7), 45-61., p. 50).

Resistência e terror constituíram modalidades distintas de combate revolucionário, objetivando a segunda subsumir a luta contra a tirania que a primeira antecipara. O estudo sobre o surgimento da noção de resistência permite enaltecer sobremaneira seu caráter, anteriormente aludido, de contraposição à ordem instituída, no que revelou de oposição à opressão tirânica característica à época da Revolução e de desejo de um outro paradigma político. Esses elementos parecem ter ressoado também nos postulados de Freud no que diz respeito ao modo como começou a se ocupar da resistência, para além de sua acepção política, agora no contexto da clínica psicanalítica, ainda em fase embrionária.

De que resistência se trata?

Faz-se premente indicar que Freud ocupou-se de investigar e teorizar a respeito da resistência em diferentes momentos de sua obra. Inicialmente a resistência figura como possibilidade de fazer frente ao excesso que ameaça o aparelho psíquico, impondo-se como resistência nas barreiras de contato dos neurônios do sistema Ψ (Freud, 1950 [1895]/1977Freud, S. (1977). Projeto para uma psicologia científica. In S. Freud (Autor), Standard edition brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 1 (pp. 381-517). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1950[1895])), perspectiva ampliada já no quadro da segunda teoria pulsional (Freud, 1920/1976Freud, S. (1976a). Inibições, sintomas e ansiedade. In S. Freud (Autor), Standard edition brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 20 (pp. 95-201). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1926)). A investigação também é levada a cabo no âmbito estritamente clínico, desde os primeiros percalços colecionados no tratamento das histerias (Freud, 1893-1895/1974Freud, S. (1974). Estudos sobre a histeria. In S. Freud (Autor), Standard edition brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 2. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1893-1895)), passando pelos chamados artigos sobre técnica e a inequívoca tentativa de dar uma resposta à resistência emergente na experiência de análise (Freud, 1912/1969Freud, S. (1969a). Recordar, repetir e elaborar. In S. Freud, Standard edition brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 12 (pp. 191-203). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1914); 1914/1969a). O leitor pode encontrar um estudo pormenorizado a respeito em Canavêz (2012Canavêz, F. (2012). Violência, trauma e resistência: sobre o múltiplo na psicanálise. (Tese de doutorado. Curso de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ).), sendo importante, para os limites do presente artigo, compreender em que medida o pensamento freudiano se utilizou da ideia de resistência como oposição a uma determinada ordem, muito embora a tenha ultrapassado.

De acordo com essa perspectiva, Freud acompanhou, no início de suas formulações sobre a clínica das histerias, a noção mais usual de resistência, qual seja, aquela associada à ideia de defesa, de oposição a uma determinada ordem. Tratava-se da resistência ao método proposto para a remissão dos sintomas histéricos, da defesa contra a revelação de conteúdos contrários à moralidade atualizada pela consciência. No que diz respeito à etiologia da histeria, figurava a concepção do material patogênico como um "infiltrado" no psiquismo, ao passo que a resistência seria o "infiltrante" (Freud, 1893-1895/1974, p. 348) a ser dissolvido para que a investigação do núcleo duro dos sintomas tivesse prosseguimento. Resistência como obstáculo que deve ser superado para a boa continuidade do tratamento e, por fim, para a eliminação dos sintomas histéricos.

Embora Freud tenha sustentado inicialmente sua proposta clínico-conceitual em tais postulados, é possível afirmar o deslocamento, no quadro da sua segunda tópica, para uma perspectiva sobre a resistência menos afinada às versões até agora discutidas, seja em seu uso mais corrente, seja no solo histórico-político que remete à Revolução Francesa. É o que se pode acompanhar devido ao caráter trágico assumido por suas formulações mais tardias: a despeito dos esforços do analista, as resistências insistem em se manifestar, perpassando todo o aparelho psíquico (Freud, 1926/1976a). A obra freudiana indica então que as resistências atribuídas ao eu ficam expressas no mecanismo do recalque e da transferência, a circunscrita ao supereu é identificada devido à necessidade de punição preconizada pelo sentimento de culpa e, por fim, a resistência do isso, polo pulsional do psiquismo, é capaz de explicar a estranha ocorrência de uma compulsão para repetir, mesmo que seja de experiências que concorrem para a produção de desprazer.

Desta feita, as múltiplas resistências fazem parte da dinâmica psíquica, respondendo mesmo pela própria diferenciação do aparelho em diferentes instâncias. Com efeito, a possibilidade de se colocar de pé intimamente atrelada ao movimento de resistência pode ser sustentada apesar dos métodos que almejam neutralizá-la, nem que seja através de modalidades heterogêneas àquela que ganhou forma no desenrolar da Revolução Francesa, portanto para além da oposição, da defesa contra a tirania, contra a autoridade. As múltiplas resistências encontradas na discussão freudiana mais tardia sobre a clínica - seja resistência à análise, à transferência ou aquela do lado do analista - são enaltecidas no presente estudo para falar a favor do que ultrapassa a ideia de estagnação em prol daquela de movimento, de mais uma das forças atuantes na clínica. Por conseguinte, o objetivo é mostrar como a força da resistência persiste, independente das tentativas para contê-la, de maneira que pode também ser entendida como o que escapa à submissão em favor da potência do múltiplo.

É com esse intuito que passamos à discussão de textos foucaultianos, mas não sem antes fazer uma pequena ressalva. Embora o confronto explícito e frontal com a psicanálise seja formalizado em poucos textos, diversas são as referências passíveis de serem depreendidas na elaboração empreendida por Foucault. As alusões mais sensíveis ganham corpo em História da loucura na idade clássica (1961), As palavras e as coisas (1966) e A vontade de saber (1976) - este último o primeiro dos três volumes da História da sexualidade - marcadas sempre pela multiplicidade das figuras através das quais a discursividade fundada por Freud é compreendida (Birman, 2000Birman, J. (2000). Entre cuidado e saber de si: sobre Foucault e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Relume Dumará.).

É importante mencionar que o diálogo foucaultiano com a psicanálise trava-se a partir de Freud, mas também de Lacan, embora nem sempre haja menção à figura eleita por Foucault para "interlocução". Do mesmo modo, não há um posicionamento unívoco com relação à técnica psicanalítica, mas um movimento pendular quanto ao lugar que esta ocupa na esfera das ciências humanas e, em última instância, na forma como concebe o sujeito. Essa apreensão pendular da psicanálise leva à afirmação de certa ambiguidade por parte de Foucault (Chaves, 1988Chaves, E. (1988). Foucault e a psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitária.), marcada pela oscilação entre o elogio e a crítica.

Isto significa ler Foucault com lentes que buscam compreender o uso feito da psicanálise, tanto para corroborar o projeto foucaultiano de questionamento da filosofia do sujeito, como para inserir a técnica psicanalítica na esteira das modalidades de poder disciplinar, ao lado da medicina e da psiquiatria, estas sim alvos de críticas ácidas por parte do autor em questão. O poder disciplinar ganha forma na passagem do século XVII para o século XVIII a partir da perda de ênfase atribuída ao poder soberano. Conforme o nome sugere, trata-se de um tipo de poder exercido a partir de dispositivos disciplinares - como o da sexualidade -, cujas características serão discutidas ao longo da argumentação.

Assim sendo, a discussão das assertivas foucaultianas doravante propostas extrapola a mera tentativa de silenciar as críticas endereçadas à psicanálise, mas aceita o convite para considerá-las e, por conseguinte, empreender uma investigação crítica da própria psicanálise. Vale ainda lembrar das diferenças entre os dois campos - da clínica e do pensamento foucaultiano -, o que exige ainda mais atenção quando se aceitam os riscos de transitar, à luz de um tema como a resistência, entre apreensões e conceituações distintas de discursividades igualmente diversas. Sabe-se que a preocupação de Freud no tocante à resistência permaneceu essencialmente clínica, o que não inviabiliza a construção de uma interlocução, ainda que a posteriori, com um pensador como Foucault, que extrapola esse âmbito.

Também aqui convém reiterar que as formulações freudianas acerca da resistência extrapolaram o caráter de uma mera oposição, de contraposição a uma ordem estabelecida - conforme compreendida à época da Revolução Francesa -, de simples contestação ao poder do qual o analista poder-se-ia fazer detentor. Ao contrário, tanto em Freud quanto em Foucault é possível ressignificar o sentido de revide revolucionário, por assim dizer, da resistência: não se trata de uma força de oposição a um poder que se detém, nem tampouco de uma manifestação de interrupção da experiência de análise. Trata-se, sobretudo, de mais uma força que a movimenta, também força de afirmação de si.

Feito esse esclarecimento no que diz respeito à proposta de interlocução entre os dois autores, é possível supor que a aproximação de Foucault à psicanálise é sempre não-conciliatória (Canavêz & Miranda, 2011Canavêz, F., & Miranda, H. (2011). Sur la résistance chez Freud et Foucault. Recherches en Psychanalyse, 12(2), 149-157.) e, mutatis mutandis, também se afigura a apropriação que se pode fazer de seu pensamento no campo psicanalítico. Após o breve comentário sobre a relação entre Foucault e a psicanálise - ou melhor, a psicanálise com a qual aquele dialogou, bem como a que aceita ainda hoje o convite a esse diálogo -, vale frisar que este artigo se ocupa da noção de resistência como movimento, para além de uma interrupção da experiência psicanalítica, assim como aposta na possibilidade de a psicanálise ser tomada como um foco de resistência no tocante às relações de poder e aos estados de dominação.

Uma determinada visada sobre a leitura que Foucault faz da psicanálise advoga a favor da insuficiência do discurso psicanalítico nesse sentido, visto que seria inoperante para "romper com as sólidas estruturas da dominação" (Chaves, 1988Chaves, E. (1988). Foucault e a psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitária., p. 144), ou seja, com os estados em que a fixidez colocaria em xeque justamente o dinamismo necessário a uma relação de poder. Essa inoperância seria incontornável, a despeito dos deslocamentos empreendidos pela psicanálise. Talvez um dos exemplos mais expressivos de tais deslocamentos seja o questionamento endereçado à teoria da degenerescência pelo discurso psicanalítico no que diz respeito à compreensão dos sintomas histéricos, alvo de menções elogiosas por parte de Foucault (1976/2009Foucault, M. (2009). História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal. (Trabalho original publicado em 1976)).

Entretanto, se a psicanálise pôde romper com o esquema perversão-degenerescência na leitura que realizou da sexualidade, o contexto histórico de sua emergência, bem como seus determinantes, evidencia sua articulação inequívoca com os interesses da burguesia de outrora como uma das tecnologias do sexo, aliança que persiste em colocar questões contundentes ao discurso psicanalítico. Essa espécie de filiação psicanalítica questionaria o alcance de seu método datado historicamente, a despeito dos irrefutáveis voos alçados nos mais diversos campos, como provam a sua difusão no campo da saúde mental e demais modalidades da aplicação da psicanálise em outros contextos.

De acordo com essa denúncia, a propagação da psicanálise seria inquestionável, embora levada a cabo de acordo com um determinado modelo de sexualidade, de subjetividade, e com um ideal a ser perseguido. Tratar-se-ia de problematizar a abertura da psicanálise ao múltiplo, extrapolando os referenciais que serviram de sustentação à sua emergência, assim como a pertinência ainda hoje de sua "honra política" (Foucault, 1976/2009Foucault, M. (2009). História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal. (Trabalho original publicado em 1976), p. 163), conforme Foucault chegou a denominar a ruptura que ela promoveu com o esquema da "hereditariedade e, portanto, com todos os racismos e eugenismos" (Foucault, 1976/2009Foucault, M. (2009). História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal. (Trabalho original publicado em 1976), p. 130). Seria ainda possível conferir à psicanálise essa potência? A tentativa de responder à indagação justifica a escolha dos textos foucaultianos selecionados para esta discussão sobre resistência.

De que poder se trata?

O tema da resistência não é encontrado na fase de elaboração foucaultiana conhecida como a arqueologia dos saberes, datada da década de 1960, especialmente pelo fato de a problemática do poder não ter ainda adquirido os contornos que propiciaram uma análise da resistência em momento ulterior. De todo modo, segundo Revel (2009Revel, J. (2009). Le vocabulaire de Michel Foucault. Paris: Ellipses.), já nessa época surgem as discussões de noções preparatórias para aquela da resistência, como a de transgressão, que Foucault toma de empréstimo de Georges Bataille.

A transgressão diz respeito à busca pelo indivíduo do fracasso dos "dispositivos de identificação, de classificação e de normalização do discurso" (Revel, 2009Revel, J. (2009). Le vocabulaire de Michel Foucault. Paris: Ellipses., p. 86) através, por exemplo, da literatura, objeto privilegiado das análises foucaultianas em sua fase arqueológica. A escrita é enfatizada por seu potencial transgressivo, mas este deve ser compreendido em sua relação com o vazio deixado pela morte de Deus, ou seja, limite outrora imposto por parte de uma exterioridade que se perde na experiência moderna (Foucault, 1963/2001Foucault, M. (2001). Préface à la transgression. In M. Foucault (Autor), Dits et écrits, tome 1. Paris: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1963)).

Portanto, a noção de transgressão é indissociável daquela de limite, embora tomá-la como movimento reativo que busca ultrapassar o último enquanto exterioridade seja uma leitura deveras equivocada. Limite e transgressão são irredutíveis a um esquema dialético, em que um se caracterizaria pela negação do outro, assim como o limite seria contornado por uma exterioridade a ser transgredida, de modo que se apresentam complementares. De acordo com Revel (2009Revel, J. (2009). Le vocabulaire de Michel Foucault. Paris: Ellipses.), é possível encontrar nessa relação intrínseca o caráter germinal do par poder e resistência, advindo das inquietações de Foucault a partir da década de 1970.

A noção de resistência em seu pensamento se insere no contexto de uma genealogia do poder, como foi denominado o projeto foucaultiano do referido momento segundo apropriação da terminologia nietzschiana (Foucault, 1979/2011). O ponto de partida dessa empreitada foi a expectativa de continuar a análise dos saberes a partir dos seus determinantes, ou seja, de situar a questão do poder como instrumento privilegiado para analisar a produção dos saberes. A resistência ganha espaço em suas formulações apenas a partir desse contexto, já que indissociável da concepção de poder aí inaugurada.

O cenário pintado a partir de Vigiar e punir (1975) sugere que o poder extrapola os limites do modelo jurídico em vigor na história do pensamento ocidental desde a Idade Média, de modo que o objetivo último de sua genealogia é desembaraçar a concepção de poder de uma "representação jurídica e negativa" (Foucault, 1976/2009, p. 101). Longe de ser propriedade de uma instituição, de um grupo ou de um sujeito, o poder se apresenta nas malhas do social. Se a fórmula da soberania e da lei sustentara a concepção de poder, é importante agora tomá-las não como seu fundamento, mas apenas formas que aquele pode assumir. Como tal, a tarefa de construir uma teoria geral sobre o poder seria um disparate, impondo-se em seu lugar a analítica: análise dos mecanismos positivos - sempre positivos - geradores de poder.

Antes de operar um mecanismo de exclusão, ou seja, de dividir os sujeitos ou as instituições entre detentores de poder e deste desprovidos, trata-se de analisar a rede sutil na qual o poder se capilariza sempre de maneira afirmativa, a chamada microfísica do poder, em comparação com a macrofísica seja do poder soberano, seja dos demais aparelhos de Estado daí decorrentes. O poder não se detém como um cargo ou uma propriedade, mas se exerce, conforme uma das máximas foucaultianas.

A relação de poder dá-se a ver, por exemplo, no dispositivo da sexualidade, intimamente associado à emergência da burguesia e subsequente propagação na história da civilização ocidental. Trata-se da construção de uma verdade singular sobre o sexo que remodela os demais códigos reguladores que a antecederam, a saber, "o direito canônico, a pastoral cristã e a lei civil" (Foucault, 1976/2009, p. 44). O incremento da medicina moderna e a correlata assunção de uma ciência sexual reordenaram os modos como o poder se exercia a partir da "sexualidade", agora não mais personificado em uma figura que encarna a proibição, porém em todo lugar, de todos os lados. A psicanálise não deixaria de estar presente na esteira das tecnologias do sexo, embora isso não tenha sido suficiente para silenciar a positividade que Foucault a ela conferiu enquanto discurso de contestação da ciência de sua época, conforme antevisto.

Assim, a genealogia de Foucault inscreve-se no projeto de compreender "o sexo sem a lei e o poder sem o rei" (Foucault, 1976/2009, p. 101). Por conseguinte, a analítica da resistência também deve implodir esses limites, sendo que a análise das formas de resistência ao poder que disciplina os corpos também não deve se dar conforme o modelo jurídico da soberania. A analítica da resistência, assim como aquela do poder, precisa se livrar do tema da soberania para colocar em seu lugar a problemática da dominação e da sujeição (Foucault, 1976/1997Foucault, M. (1997). História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva (Trabalho original publicado em 1961).).

O que está em jogo não é o paradigma da obediência a uma instância controladora - presente no modelo jurídico da soberania -, mas da sujeição que só pode ser experimentada por sujeitos livres. A questão coloca em pauta o fato de a liberdade ser uma premissa fundamental ao exercício de poder (Foucault, 1978/2004), de forma que fora dela só há servidão e obediência e, portanto, nenhuma possibilidade de resistir.

Na aula ministrada no Collège de France em 14 de janeiro de 1976, Foucault (1976/1997Foucault, M. (1997). História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva (Trabalho original publicado em 1961).) traça um breve desenrolar histórico que permite compreender como o exercício do poder estava calcado no paradigma da soberania até o século XVII, cenário que não oferecia espaço para a problemática da liberdade. A teoria da soberania, todavia, não foi abolida com o advento da modernidade, mas persistiu enquanto ideologia, de maneira que se encontra entrelaçada aos mecanismos disciplinares característicos das sociedades dessa época.

O poder se exerce então nessa articulação entre o direito público da soberania e o mecanismo pulverizado das disciplinas (Foucault, 1976/1997Foucault, M. (1997). História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva (Trabalho original publicado em 1961).), de forma que, para Foucault, a personificação do poder como um mal a ser combatido está longe de esgotar a questão. Temos então que o solo a abrigar a noção de resistência extrapola aquele do mero revide a um inimigo detentor do poder e opressor, para também se capilarizar como o poder. Cabe dar voz a Foucault no que se refere ao tema, pois ele atesta a multiplicidade dos

pontos de luta, focos de instabilidade comportando cada um seus riscos de conflito, de lutas e de inversão pelo menos transitória da relação de forças. A derrubada desses "micropoderes" não obedece portanto à lei do tudo ou nada; ele não é adquirido de uma vez por todas por um novo controle dos aparelhos nem por um novo funcionamento ou uma destruição das instituições (Foucault, 1975/2009, p. 30).

Essa constatação é deveras importante, pois Foucault desconstrói a corrente ideia de que haveria um polo poderoso a ser ultrapassado, visada na qual a resistência poderia ser concebida de modo reducionista. O poder é pensado segundo o esquema guerra-repressão, por oposição ao contrato-opressão, quer dizer, para além do paradigma do contrato anunciado pelo referencial jurídico, em que seria preciso "resistir" aos desvarios dos que detêm o poder e deste abusam. Trata-se de aventar o poder nos moldes da guerra, fio norteador da análise levada a cabo por Foucault (1976/1997Foucault, M. (1997). História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva (Trabalho original publicado em 1961).).

Enquanto no esquema contrato-opressão teria lugar o par legítimo/ilegítimo, no esquema guerra-repressão se trata de luta/submissão, em que pese a maneira sinonímica como Foucault (1984Foucault, M. (1984a). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal.) toma os termos luta e resistência. Para além dos resistentes da Revolução Francesa que não almejavam colocar em xeque o paradigma político vigente, mas apenas cercear o abuso de poder empreendido pela monarquia, aqui o que está em questão é a possibilidade de superar a concepção jurídica do poder, inaugurando a leitura do poder disciplinar, cenário em que a resistência se erige frente à submissão.

A resistência como afirmação de si

Ao comentar as características do poder em sua fase genealógica, Foucault enuncia uma de suas mais célebres frases: "onde há poder há resistência e, no entanto (ou melhor, por isso mesmo) esta nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder" (Foucault, 1976/2009, p. 105). Finalmente é possível lançar mão de elementos para esclarecer o caráter germinal atribuído por Revel (2009Revel, J. (2009). Le vocabulaire de Michel Foucault. Paris: Ellipses.) à relação entre limite e transgressão no que se refere ao par poder e resistência. Onde há poder, há sempre a possibilidade de resistir, de forma que poder e resistência capilarizam-se nas malhas do social em uma relação perpétua de forças, movimentos que não se anulam dialeticamente.

Ao falar do caráter relacional entre poder e resistência, é importante ressaltar o modo singular como Foucault caracteriza a resistência no dispositivo da confissão, isto é, a principal matriz a reger a produção de verdades sobre o sexo, desde seu uso restrito à prática da penitência até os demais saberes que dela se utilizaram para produzir também suas verdades, dentre os quais a pedagogia, a medicina e, é claro, a psicanálise. A despeito das diferenças, para Foucault há uma linha de continuidade entre os usos da confissão feitos por essas disciplinas (Chaves, 2011), sendo que na psicanálise adquire um "novo sentido, o de uma injunção para eliminar o recalque" (Foucault, 1976/2009, p. 142-143).

Com efeito, a prática confessionária é uma relação de poder em que "a verdade é autenticada pelos obstáculos e a resistência que teve de suprimir para poder manifestar-se" (Foucault, 1976/2009, p. 71). Embora não haja menção explícita à psicanálise no trecho transcrito, é irrefutável a crítica que pode ser depreendida dessa afirmação sobre o modo como a técnica analítica toma as "resistências" - conforme Foucault as concebe nesse contexto - dos analisandos. Tratar-se-ia de um ritual que conta com a presença de um parceiro virtual, uma instância que demanda a confissão para avaliá-la, punir, consolar, reconciliar e identificar onde está a verdade, bem como o entrave que obstaculiza a revelação desta.

Esse entrave atende pelo nome de resistência, ou melhor, resistências. Estas poderiam, portanto, ser capturadas pelo dispositivo da sexualidade - até mesmo reforçadas (Foucault, 1976/2009) - como prova inconteste da existência de uma verdade subjacente a que se chegaria através da confissão. Entretanto, lembrando a máxima foucaultiana, onde há poder, há resistência e, por mais que a captura desta seja interessante ao dispositivo da sexualidade, a possibilidade de resistir está sempre colocada.

Em entrevista concedida ao filósofo Bernard Henri-Lévy sobre A vontade de saber (1976), Foucault (1979/2011b) retoma o caráter relacional entre poder e resistência para esclarecer que não se trata desta como imagem invertida do poder, como dois lados de uma mesma moeda. Segundo essa leitura, não seria possível falar em resistência como produção, tal qual o poder, mas apenas como resposta especular a este, perspectiva heterogênea àquela sustentada por Foucault.

Essa questão só seria suficientemente esclarecida em uma fase mais tardia do pensamento foucaultiano: denominada estética da existência, é inaugurada na década de 1980 e traz importantes considerações acerca da resistência. O tema da subjetividade, que tangenciara as inquietações foucaultianas em diferentes momentos, agora rouba definitivamente a cena, sendo sua investigação empreendida através da história do cuidado de si, bem como das chamadas técnicas de si (Foucault, 1982/1994). Foucault propõe então que seja asseverado o debate sobre a noção de poder, no intuito de remediar o caráter supostamente vago adquirido por esta nos anos anteriores de seu ensino (Dreyfus & Rabinow, 1984Dreyfus, H., & Rabinow, P. (1984). Préface. In H. Dreyfus, & P. Rabinow (Eds.), Michel Foucault: un parcours philosophique. Au-delà de l'objectivité et de la subjectivité (pp. 9-11). Paris: Gallimard.).

É curioso que, sob a justificativa de esclarecer essa noção, Foucault (1984Foucault, M. (1984a). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal.) tenha enfatizado que o objetivo de seu trabalho nos anos precedentes não tenha sido a analítica dos fenômenos do poder, mas a história dos diferentes modos de subjetivação. Assim, por mais que o tema do poder desponte com importância, o alvo desse percurso teria sido sempre a questão do sujeito. Essa observação é feita na passagem do primeiro para o segundo volume de sua História da sexualidade, momento em que são encontradas assertivas caras ao presente estudo pela ênfase conferida às resistências.

Foucault sugere uma outra forma de pesquisar as relações de poder, que, não parece demasiado enfatizar, constituem uma espécie de preâmbulo para a discussão de seu tema principal, a saber, aquele do sujeito. Essa investigação deve partir das formas de resistência que se erigem aos diferentes tipos de poder, pois são como um "catalisador químico" (Foucault, 1984Foucault, M. (1984a). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal., p. 300) que lança luz sobre as relações de poder nem sempre - ou, melhor dizendo, quase nunca - evidentes. Há nessa afirmação ressonâncias do caráter invisível atribuído ao poder disciplinar em comparação com o poder soberano. Enquanto no último a figura do monarca ofuscava a dos súditos invisíveis, a invisibilidade do poder disciplinar revela-se indispensável ao objetivo de docilizar permanentemente os sujeitos, visto que não estão aptos a apreender um centro de onde o poder seria exercido e contra o qual se poderia lutar.

Destarte, tomar as resistências como ponto de partida viabiliza a tentativa de ver em quais pontos as relações de poder se inscrevem, bem como os métodos dos quais se utilizam, aspectos sempre ocultos pela invisibilidade do poder. Mais do que centrar a analítica do poder na racionalidade interna deste, o campo de investigação a ser descortinado é aquele das diferentes estratégias utilizadas, operação capaz de retirar a noção de poder dos recônditos da vagueza a que teria sido relegada na fase genealógica.

Em sua empreitada rumo à problemática do sujeito, Foucault (1984Foucault, M. (1984a). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal.) identifica três tipos de lutas (ou seja, de resistências): contra as formas de dominação étnicas, sociais e religiosas; contra as formas de exploração marcadamente capitalistas que separam o indivíduo do que ele produz e contra o que liga o indivíduo a ele mesmo, chave que assegura sua submissão a outrem. No último caso, Foucault menciona "lutas contra o assujeitamento, contra as diversas formas de subjetividade e de submissão" (Foucault, 1984Foucault, M. (1984a). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal., p. 303). Esses tipos de luta se articulam ao longo da história, embora seja possível identificar a pregnância de uma delas conforme o contexto analisado. A resistência às formas de dominação são características do feudalismo, a opositora à exploração atinge o auge no século XIX e, por fim, aquela relacionada às formas de assujeitamento ganhou a cena principal a partir do século XX, quando Foucault desenvolvera essas formulações.

Até o presente momento foram feitas menções ao poder soberano e ao disciplinar. Todavia, é preciso expor que Foucault também admite outros contornos assumidos pelo poder a partir da segunda metade do século XVIII, o que chama sua atenção na análise sobre o projeto de medicalização do social, desenvolvida em O nascimento da clínica (1987/1963). Embora o tema não tenha sido desenvolvido naquela ocasião, ganha força na fase genealógica, quando ocorre a inclusão do termo biopolítica, estratégia de que se faz partidária a medicina, afinada ao advento do capitalismo, seja para corroborá-lo ou até mesmo lançar as bases rumo à sua solidificação.

Ao contrário da hipótese da passagem de uma medicina coletiva para outra privada que teria sido operada pelo capitalismo, Foucault afirma o corpo como "uma realidade bio-política" (Foucault, 1979/2011a, p. 80), ou seja, realidade a ser gerida por uma forma de poder predominante desde as sociedades capitalistas que centra seu objetivo na vida, o biopoder. O pano de fundo estendido pelo capitalismo impusera a exigência da preocupação com a qualidade de vida da população, realidade a inaugurar um paradigma de governamentalidade que não passa apenas pela disciplinarização dos corpos, mas também pela regulação da população.

Sendo assim, não se trata de uma superação propriamente dita do modelo de poder disciplinar, mas do desdobramento deste com a nova forma de tecnologia de poder. Há dois mecanismos não-excludentes no exercício do biopoder especialmente articulados na sexualidade: aquele que disciplina os corpos e o que regulamenta a população. Na primeira vertente, a sexualidade tornou-se a chave da individualidade como veículo para perscrutá-la e modo pelo qual se constitui; na segunda é revelada como instrumento de reprodução e, portanto, objeto de intervenções políticas (Foucault, 1976/2009).

Portanto, quando Foucault (1982/1994) privilegia a análise das resistências como meio para lançar luz sobre as relações de poder, não se trata do poder personificado na figura de um líder político, tão somente do poder disciplinar que faz penetrar nas malhas do social aquele outrora conferido ao soberano, mas de um poder exercido sobre a vida dos indivíduos. Esse poder costura a submissão do indivíduo, contra a qual o terceiro tipo de luta anteriormente citado deve se erigir. Foucault, perseguindo a tarefa que atribui à filosofia de analisar o momento presente, afirma que o problema imposto na atualidade - de ordem política, social, ética e filosófica - não diz respeito à luta pela libertação do indivíduo do Estado e de suas instituições, mas consiste em libertar "do tipo de individualização" (Foucault, 1984Foucault, M. (1984a). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal., p. 308) associado a estes.

Desse modo, as técnicas de si, das quais derivam as diferentes formas de subjetividade, foram colocadas no primeiro plano da investigação foucaultiana ao longo da década de 1980. Como destaca Birman (2000Birman, J. (2000). Entre cuidado e saber de si: sobre Foucault e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Relume Dumará.), há uma afirmação explícita da inconsistência do sujeito, em oposição à pretensa ontologia deste, justificando a análise das modalidades distintas de construção de si, assim como das resistências que buscam livrar o indivíduo do tipo de individualização a ele imposto. Ao mencionar um "tipo de individualização", Foucault (1984Foucault, M. (1984a). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal.) está se referindo ao ponto de chegada do uso feito pelo Estado do chamado poder pastoral que se fez mais sensível no século XIX. Este nascera nas instituições cristãs e apresenta como características principais a busca pela salvação, a exigência de autossacrifício, a preocupação com cada indivíduo - e não apenas com a comunidade - e a imposição do exame de consciência, calcado na prática confessionária.

Trata-se de um tipo de poder individualizante, responsável pela constituição de uma subjetividade fundada na renúncia e no exame de consciência, que assume nova distribuição com o declínio da institucionalização eclesiástica a partir do século XVIII. Dentre as mudanças sofridas, é possível destacar aquela que conduzira Foucault anos antes à problematização do biopoder, isto é, o desenvolvimento de um saber sobre o homem a partir de dois polos: "um globalizante e quantitativo concernente à população; outro analítico concernente ao indivíduo" (Foucault, 1984Foucault, M. (1984a). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal., p. 306-307).

Foucault busca as raízes do imperativo do saber de si atrelado ao poder pastoral - seja à época da predominância das instituições eclesiásticas, seja em nossa época - na antiguidade greco-romana. Ele mostra como a exigência de conhecer a si mesmo, herdeira do pensamento socrático-platônico, eclipsou paulatinamente o princípio do cuidado de si corrente na cultura antiga, ao qual o "conhece-te a ti mesmo" estivera intimamente atrelado. Conforme Foucault (1984Foucault, M. (1984a). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal.a), esse tipo de cuidado de si diz respeito a um princípio que norteava a chamada arte da existência na antiguidade. Tratava-se de um modo de viver junto que preconizava o ocupar-se consigo mesmo, prática distinta do individualismo que se opõe à coletividade, bem como do que busca o conhecimento de si para atingir a salvação.

O olhar voltado para a antiguidade greco-romana busca traçar uma história das técnicas de si, que dão origem a diferentes formas de si ou diferentes formas de subjetividade, uma história dos modos como o sujeito se relaciona com a verdade. Naquela época, o princípio do cuidado de si se sobrepunha à necessidade de saber de si, conhecer uma verdade sobre si, exigência tão marcante nas práticas confessionárias características do poder pastoral.

No desenrolar da constituição do pensamento moderno o cuidado de si foi desqualificado em favor do imperativo "conhece-te a ti mesmo", que encontrou em Descartes um importante baluarte. No cenário da moral cristã, aquela que faz da vida terrena uma mera etapa no percurso rumo à vida eterna, o saber de si surge como condição sine qua non para a consecução da renúncia de si. É preciso conhecer a si mesmo para renunciar, ato fiador da salvação (Foucault, 1982/1994). A subjetividade engendrada a partir das técnicas de si está fundada na renúncia e no imperativo de saber de si, sendo preciso, de acordo com Foucault, resistir a esse tipo de individualização.

Essa discussão dá margem à indagação sobre a possibilidade de a psicanálise ser aproximada do cuidado de si que se sobrepõe à exigência de saber de si ou das técnicas de si que elevam o saber de si à função de personagem principal. Nas palavras de Birman (2000Birman, J. (2000). Entre cuidado e saber de si: sobre Foucault e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Relume Dumará., p. 98), é preciso que a psicanálise problematize "o imperativo platônico-socrático de conhecer a si mesmo, para que possa se inscrever na tradição ética do cuidado de si", escolha que lança as bases para uma experiência clínica distante das práticas confessionárias explicitadas por Foucault. Na clínica orientada pela positividade atribuída ao cuidado de si, as figuras outrora convidadas à busca pela verdade de uma subjetividade imposta, como os loucos e os criminosos, seriam "restituídas nas suas potências de saber, como modalidades positivas de afirmação de si mesmas" (Birman, 2000Birman, J. (2000). Entre cuidado e saber de si: sobre Foucault e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Relume Dumará., p. 98), marcas da multiplicidade inerente ao sujeito.

Em sua discussão sobre os desdobramentos das inquietações foucaultianas no movimento psicanalítico, Chaves identifica a lógica de dois pesos e duas medidas:

despreza-se e desqualifica-se uma continuidade que se julga equivocada - aquela entre o que se diz ao padre na confissão e aquilo que se diz ao analista -, mas, em troca, valoriza-se e destaca-se a continuidade que se julga acertada, quando, por exemplo, se inscreve a clínica psicanalítica como "cuidado de si" (Chaves, 2011, p. 300).

Nesse sentido, parece que as apreensões de Foucault da psicanálise poderiam ser neutralizadas ou potencializadas de acordo com o interesse do analista, fazendo recair no movimento psicanalítico um jogo de retórica desprovido de qualquer rigor conceitual e/ou crítica.

Temos ainda com Chaves (2011Chaves, E. (2011). É a psicanálise um cuidado de si? Mais uma vez... Foucault e a psicanálise. In C. Oliveira (Ed.), Filosofia, psicanálise e sociedade (pp. 297-307). Rio de Janeiro: Beco do Azougue., p. 305) que "a pergunta se a psicanálise é um 'cuidado de si' continua em aberto" mesmo após a difusão dos textos mais tardios de Foucault e demais desdobramentos da problemática, a saber, tanto as tentativas de "absolver a psicanálise" de seu enamoramento com as práticas disciplinares, como aquelas de considerá-la "numa espécie de limiar, num 'entre'" (Chaves, 2011Chaves, E. (2011). É a psicanálise um cuidado de si? Mais uma vez... Foucault e a psicanálise. In C. Oliveira (Ed.), Filosofia, psicanálise e sociedade (pp. 297-307). Rio de Janeiro: Beco do Azougue., p. 299). Trata-se da proposta de Birman (2000Birman, J. (2000). Entre cuidado e saber de si: sobre Foucault e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Relume Dumará.), a qual, segundo Chaves (2011)Chaves, E. (2011). É a psicanálise um cuidado de si? Mais uma vez... Foucault e a psicanálise. In C. Oliveira (Ed.), Filosofia, psicanálise e sociedade (pp. 297-307). Rio de Janeiro: Beco do Azougue., continua a colocar o mesmo tipo de questão em relação ao impasse anteriormente aludido. Por fim, ele propõe que o impasse seja mantido, em vez do intuito de compreender Foucault como um aliado da psicanálise.

A despeito da sugestão, parece que persiste a busca por uma resposta à questão da psicanálise como cuidado de si ou não, de modo que cabe indagar se a própria questão, na maneira como é enunciada, já não preconizaria a lógica de dois pesos e duas medidas. A psicanálise seria um cuidado de si, naquilo que revelaria de resistência ao imperativo saber de si, mas poderia ainda ser aproximada do último, dado seu movimento constante de aproximação e distanciamento daquilo a que pode também resistir. Em última instância, não só a aproximação de Foucault da psicanálise é não-conciliatória - e desta com o pensamento daquele -, mas a própria psicanálise expõe uma aproximação não-conciliatória, seja com as práticas disciplinares, com as chamadas estruturas de dominação ou com as formas de subjetividade que auxilia a produzir.

Nesse sentido, as resistências revelam toda a sua potência, tais como foram tratadas no pensamento foucaultiano e, conforme a presente proposta, também no caráter múltiplo em que são tomadas por Freud no quadro mais tardio de sua obra. Isso porque escapam à lógica que as compreende como obstáculo a impedir o acesso a uma verdade última sobre si para serem encaradas justamente como luta a favor do múltiplo e contra o assujeitamento a uma única forma de subjetivação. Em suma, trata-se de uma forma de sustentar a afirmação de si, de se colocar de pé, em detrimento do imperativo de saber de si.

Considerações finais

Sendo assim, a discussão dos textos de Foucault traz duas importantes contribuições a respeito do tema da resistência: em primeiro lugar, a ideia de que onde há poder, há resistência, pois o caráter de insubmissão é colocado insistentemente pelas resistências inerentes à relação de poder, de forma que qualquer tentativa de subsumi-las pode conduzir aos limites do próprio exercício de poder (Foucault, 1984Foucault, M. (1984a). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal.). É possível então reescrever a máxima foucaultiana: não há poder sem resistência. Com isso Foucault distancia a relação de poder, como ação sobre outras ações, de uma relação de violência, como ação sobre corpos e coisas - na qual se busca eliminar as resistências para não deixar quaisquer possibilidades senão a da passividade (Foucault, 1984Foucault, M. (1984a). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal.) -, ou dos cristalizados estados de dominação.

A resistência faz-se, portanto, partidária da liberdade do sujeito frente aos jogos de poder colocados pela experiência psicanalítica, bem como às formas subjetivas que lhe são impostas. Se a liberdade pode ser compreendida como veículo que permite tomar distância da própria subjetividade, as resistências constituem o instrumento propiciador desse desembaraço, um dos veículos do exercício da liberdade. Por fim, essa linha argumentativa permite compreender a resistência não como estagnação, mas luta/resistência pela afirmação de si.

Em segundo lugar, caso se opte pela pertinência da questão de saber se a psicanálise seria ou não um cuidado de si, é possível afirmar que a resposta à questão será sempre preliminar, tendo em vista que estará enredada pela lógica de dois pesos e duas medidas devido à permanente tensão da psicanálise entre cuidado e saber de si (Birman, 2000Birman, J. (2000). Entre cuidado e saber de si: sobre Foucault e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Relume Dumará.). A psicanálise pode ser aproximada do cuidado de si caso abra mão do álibi do saber de si fundado na renúncia e do imperativo da busca pela verdade de si. Nessa perspectiva, a experiência psicanalítica seria menos da ordem da fixação de uma forma de subjetivação - a partir da superação das resistências que obstaculizam esse processo - do que da construção permanente dos mais diversos modos de si. As resistências seriam, portanto, o elemento a assegurar a insubmissão a uma subjetividade forjada, bem como ao poder do analista. Analista e analisando são investidos de poderes e resistências e se constroem mutuamente no desenrolar de tal experiência, subjetivando-se.

As resistências aparecem ainda como elemento capaz de lançar luz sobre as relações de poder, dado o caráter de invisibilidade destas, motivo pelo qual a experiência psicanalítica pode funcionar como foco de resistência frente às estruturas de dominação. No entanto, é importante não perder de vista que a tentativa de compreender em que medida a psicanálise seria eficaz para romper com as estruturas de dominação (Chaves, 1988Chaves, E. (1988). Foucault e a psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitária.) poderia neutralizar a potência da manutenção do seu lugar de impasse, no limiar entre poder e resistência, cuidado e saber de si, em última análise, das múltiplas forças que caracterizam o discurso psicanalítico em seu jogo de aproximações não-conciliatórias. Parece, assim, que pendular não é apenas a apropriação que Foucault faz da psicanálise, mas o próprio movimento desta, entre compromissos e resistências que extrapolam a possibilidade de taxar a psicanálise como cuidado de si para apreendê-la entre este e o saber de si (Birman, 2000Birman, J. (2000). Entre cuidado e saber de si: sobre Foucault e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Relume Dumará.).

Referências

  • Birman, J. (2000). Entre cuidado e saber de si: sobre Foucault e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Relume Dumará.
  • Canavêz, F., & Miranda, H. (2011). Sur la résistance chez Freud et Foucault. Recherches en Psychanalyse, 12(2), 149-157.
  • Canavêz, F. (2012). Violência, trauma e resistência: sobre o múltiplo na psicanálise. (Tese de doutorado. Curso de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ).
  • Chaves, E. (1988). Foucault e a psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
  • Chaves, E. (2011). É a psicanálise um cuidado de si? Mais uma vez... Foucault e a psicanálise. In C. Oliveira (Ed.), Filosofia, psicanálise e sociedade (pp. 297-307). Rio de Janeiro: Beco do Azougue.
  • Dreyfus, H., & Rabinow, P. (1984). Préface. In H. Dreyfus, & P. Rabinow (Eds.), Michel Foucault: un parcours philosophique. Au-delà de l'objectivité et de la subjectivité (pp. 9-11). Paris: Gallimard.
  • Ferreira, A. B. H. (2010) Dicionário Aurélio da língua portuguesa. Curitiba: Positivo.
  • Foucault, M. (1984). Deux essais sur le sujet et le pouvoir. In H. L. Dreyfus, & P. Rabinow (Eds.), Michel Foucault: un parcours philosophique (pp. 297-321). Paris: Gallimard.
  • Foucault, M. (1984a). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal.
  • Foucault, M. (1987). O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária (Trabalho original publicado em 1963).
  • Foucault, M. (1994). Les technologies de soi-même. In M. Foucault (Autor), Dits et écrits, tome 4. Paris: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1982)
  • Foucault, M. (1997). "Il faut défendre la société": cours au Collège de France (1975-1976). Paris: Hautes Études/Gallimard-Seuil. (Trabalho original publicado em 1976)
  • Foucault, M. (1997). História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva (Trabalho original publicado em 1961).
  • Foucault, M. (1999). As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes (Trabalho original publicado em 1966).
  • Foucault, M. (2001). Préface à la transgression. In M. Foucault (Autor), Dits et écrits, tome 1. Paris: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1963)
  • Foucault, M. (2004). Securité, territoire, population: cours au Collège de France (1977-1978). Paris: Hautes Études/Gallimard-Seuil. (Trabalho original publicado em 1978)
  • Foucault, M. (2009). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis/RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1975)
  • Foucault, M. (2009). História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal. (Trabalho original publicado em 1976)
  • Foucault, M. (2011). Nietzsche, a genealogia e a história. In M. Foucault (Autor), Microfísica do poder (pp. 15-37). Rio de Janeiro: Graal. (Trabalho original publicado em 1979)
  • Foucault, M. (2011a). O nascimento da medicina social. In M. Foucault (Autor), Microfísica do poder (pp. 79-98). Rio de Janeiro: Graal. (Trabalho original publicado em 1979)
  • Foucault, M. (2011b). Não ao sexo rei. In M. Foucault (Autor), Microfísica do poder (pp. 229-242). Rio de Janeiro: Graal. (Trabalho original publicado em 1979)
  • Freud, S. (1969). A dinâmica da transferência. In S. Freud (Autor), Standard edition brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 12 (pp. 131-143). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1912)
  • Freud, S. (1969a). Recordar, repetir e elaborar. In S. Freud, Standard edition brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 12 (pp. 191-203). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1914)
  • Freud, S. (1974). Estudos sobre a histeria. In S. Freud (Autor), Standard edition brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 2. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1893-1895)
  • Freud, S. (1976). Além do princípio de prazer. In S. Freud (Autor), Standard edition brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 18 (pp. 13-85). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1920)
  • Freud, S. (1976a). Inibições, sintomas e ansiedade. In S. Freud (Autor), Standard edition brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 20 (pp. 95-201). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1926)
  • Freud, S. (1977). Projeto para uma psicologia científica. In S. Freud (Autor), Standard edition brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 1 (pp. 381-517). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1950[1895])
  • Rabinovicht, G. (2007). Algumas confusões e anomias léxicas na época das sociedades de massa. Veredas do Direito, 4(7), 45-61.
  • Revel, J. (2009). Le vocabulaire de Michel Foucault. Paris: Ellipses.
  • 1 Este artigo resulta da tese Violência, trauma e resistência: sobre o múltiplo na psicanálise, defendida em 2012 pelo Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ, com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2014
  • Aceito
    18 Nov 2014
Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rua Marquês de São Vicente, 225 - Gávea, 22453-900 - Rio de Janeiro - RJ, Tel.: (55 21) 3527-1185 / 3527-1186, Fax: (55 21) 3527-1187 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: psirevista@puc-rio.br