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Casais na Grande São Paulo: investigando a diversidade

Resumos

As elevadas heterogeneidade e instabilidade caracterizam o mercado de trabalho no Brasil. Ademais, o processo de crescimento da participação das mulheres na força de trabalho tem sido puxado pelas casadas, o que significa que estão sendo alterados os papéis femininos nas famílias e na sociedade. Este estudo investiga as combinações entre características, ocupacionais e não-ocupacionais, do "chefe da família" e do seu respectivo "cônjuge", como forma de obter inferências sobre o bem-estar familiar. A base de dados utilizada é a Pesquisa de Mobilidade Ocupacional aliada à Pesquisa de Emprego e Desemprego da Região Metropolitana de São Paulo, de abril-dezembro de 2001. Foram construídas tipologias por meio do Grade of Membership, método que trata a heterogeneidade de modo mais adequado. Constatou-se a grande heterogeneidade dos casamentos. Idade, escolaridade e estratégias econômicas dos esposos, em especial quanto à participação da cônjuge no mercado de trabalho, constituem fatores determinantes para distinguir os casais.

família; GoM; tipologia; mercado de trabalho


High levels of heterogeneity and instability characterize the Brazilian labor market. In addition, the growth of the percentage of women in the labor force is especially due to the fact that more married women are working, which means that female role in families and society has been undergoing changes. This paper investigates the relationship among occupational and non-occupational characteristics of the "head of the family" and his "spouse" as a way to obtain inferences about family well-being. The data-base used is the "Occupational Mobility Survey" linked to the "Employment and Unemployment Survey", which were carried out in the São Paulo Metropolitan Area from April to December 2001. Typologies were created by applying the "Grade of Membership", a method that deals better with heterogeneity. A high degree of heterogeneity of marriages was found. Age, education and the spouses' economic strategies, especially related to the wife's labor force participation, make up the determinant factors to distinguish the couples.

family; GoM; typology; labour market


ECONOMIA E SOCIEDADE BRASILEIRAS

Casais na Grande São Paulo: investigando a diversidade

Frederico Luiz Barbosa de Melo

Técnico do DIEESE

RESUMO

As elevadas heterogeneidade e instabilidade caracterizam o mercado de trabalho no Brasil. Ademais, o processo de crescimento da participação das mulheres na força de trabalho tem sido puxado pelas casadas, o que significa que estão sendo alterados os papéis femininos nas famílias e na sociedade. Este estudo investiga as combinações entre características, ocupacionais e não-ocupacionais, do "chefe da família" e do seu respectivo "cônjuge", como forma de obter inferências sobre o bem-estar familiar. A base de dados utilizada é a Pesquisa de Mobilidade Ocupacional aliada à Pesquisa de Emprego e Desemprego da Região Metropolitana de São Paulo, de abril-dezembro de 2001. Foram construídas tipologias por meio do Grade of Membership, método que trata a heterogeneidade de modo mais adequado. Constatou-se a grande heterogeneidade dos casamentos. Idade, escolaridade e estratégias econômicas dos esposos, em especial quanto à participação da cônjuge no mercado de trabalho, constituem fatores determinantes para distinguir os casais.

Palavras-chave: família, GoM, tipologia, mercado de trabalho.

Classificação JEL: J12, J16, J18.

ABSTRACT

High levels of heterogeneity and instability characterize the Brazilian labor market. In addition, the growth of the percentage of women in the labor force is especially due to the fact that more married women are working, which means that female role in families and society has been undergoing changes. This paper investigates the relationship among occupational and non-occupational characteristics of the "head of the family"and his "spouse" as a way to obtain inferences about family well-being. The data-base used is the "Occupational Mobility Survey" linked to the "Employment and Unemployment Survey", which were carried out in the São Paulo Metropolitan Area from April to December 2001. Typologies were created by applying the "Grade of Membership", a method that deals better with heterogeneity. A high degree of heterogeneity of marriages was found. Age, education and the spouses' economic strategies, especially related to the wife' s labor force participation, make up the determinant factors to distinguish the couples.

Key words: family, GoM, typology, labour market.

JEL Classification: J12, J16, J18.

1_ Introdução

O principal objetivo que orienta este trabalho é investigar a associação entre as trajetórias socioocupacionais dos dois membros dos núcleos familiares compostos ("chefe da família" e "cônjuge"1 1 Gramaticalmente, "cônjuge" é substantivo masculino. No entanto, por medida de simplificação e dado o uso corrente, "o cônjuge do sexo feminino" será referido como "a cônjuge" em várias passagens deste estudo. ). "Trajetória socioocupacional", neste estudo, é entendida como a combinação dos sucessivos estados ocupacionais (e respectivas condições) com as transições entre os estados que o indivíduo perfaz no mercado de trabalho ao longo do tempo, movimentos e inserções que estão associados às suas características individuais.

Não obstante todas as mudanças quanto ao papel da mulher no trabalho e na família e todos os estudos sobre atividade econômica feminina, o entendimento acerca das interrelações entre participação no mercado de trabalho e na família, especialmente numa perspectiva temporal, ainda se ressente do conhecimento restrito ou inexistente sobre como é a combinação da trajetória ocupacional da "esposa" à de seu "esposo".

Para se investigarem essas combinações, são desenvolvidas tipologias. A construção de uma tipologia visa organizar e sintetizar uma realidade heterogênea, com o objetivo de possibilitar a apreensão de sua complexidade. Tipologias procuram identificar regularidades em contextos complexos e oferecer capacidade heurística (Hirata, 2002). Os tipos (ou perfis) constituem indicadores sintéticos de uma dada realidade.

Neste estudo, as tipologias são obtidas mediante aplicação do Grade of Membership – GoM (ou Grau de Pertencimento), método sustentado na teoria dos conjuntos nebulosos ( fuzzy sets). A escolha desse método fundamenta-se, por um lado, na heterogeneidade de trajetórias no mercado de trabalho (considerando os tempos nos estados, as mudanças de estados, as ocupações, as posição nas ocupações, os setores de atividade, o rendimento, o nível educacional, o sexo, etc.) e, por outro lado, no princípio de que a trajetória de cada indivíduo no mercado de trabalho pode não corresponder total e exclusivamente a um determinado perfil. Entende-se que as trajetórias individuais não são organizadas em conjuntos completamente discriminados (conjuntos discretos), sendo, antes, caracterizadas por compor conjuntos nebulosos, em que existe a possibilidade de certa trajetória ter graus de pertencimento adiferentes tipos, em vez de cada trajetória ser exatamente pertencente a um tipo. A heterogeneidade dos elementos que se pretende classificar é tratada de maneira mais adequada por métodos baseados na lógica dos conjuntos nebulosos, como o GoM.

É analisado o mercado de trabalho da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).

A fonte de dados resultada combinação da Pesquisa de Emprego e Desemprego com a Pesquisa de Mobilidade Ocupacional (Fundação Seade, 2002), esta com quesitos retrospectivos. As duas pesquisas foram a campo entre abril e dezembro de 2001.

2_As mulheres casadas no mercado de trabalho e na família

O mercado de trabalho brasileiro é caracterizado por sua ampla heterogeneidade, sendo marcado, na perspectiva da força de trabalho, por diversidade expressiva de formas de inserção ocupacional e de condições de trabalho e remuneração (DIEESE, 2001). Ademais, o tempo médio de permanência nas ocupações tende a ser curto (Gonzaga, 1998; Bruschini, 2000). Essa característica do mercado de trabalho brasileiro acentua, ainda mais, a necessidade de estudos que tratem das transições no mercado de trabalho. A mobilidade ocupacional, porém, não tem sido tão freqüentemente estudada no Brasil, o que pode ser explicado, pelo menos em parte, pela disponibilidade restrita de pesquisas que levantem informações de indivíduos ao longo do tempo. Contudo, existem estudos que investigam as transições e percursos ocupacionais por meio de tipologias, algumas vezes associando esses movimentos a características individuais, sociais ou ocupacionais (Watanabe e Brandão, 1997; Guimarães, 2004; Guimarães, Silva e Farbelow, 2004).

Outra característica do mercado de trabalho brasileiro, essa compartilhada com diversos países, diz respeito ao processo de elevação do nível de atividade econômica feminina ao longo do tempo. Pelo menos, desde final da década de 1970, o processo de crescimento da participação feminina no Brasil decorre, fundamentalmente, do aumento da atividade das esposas. A expansão da proporção de mulheres no mercado de trabalho, particularmente das casadas, está associada a mudanças na composição dos arranjos familiares (em especial, redução do número de filhos e expansão da chefia feminina) e, principalmente, a transformações na organização dos arranjos, isto é, no papel das mulheres dentro das famílias e na sociedade (Medeiros e Osório, 2001).

Embora o que se entende por "família" independa do local de moradia dos indivíduos, acoabitação implica interação e integração mais profundas dos membros da família. Pesquisas domiciliares usualmente captam informações sobre as pessoas que coabitam, o que faz com que os dados se refiram à "família domiciliar". A residência num mesmo domicílio se traduz, ainda que com conflitos e disputas, em distribuição de direitos e deveres e em compartilhamento de recursos de três tipos: bens, tempo/serviços e rendimentos. A instituição de normas de convivência e de distribuição de recursos envolve uma divisão sexual e etária de trabalho no domicílio e fora dele. E o foco exclusivo no indivíduo, em análises sobre o mercado de trabalho, desconhece o caráter redistributivo e o de unidade de tomada de decisões condicionadas e interdependentes da família.

As mudanças nos arranjos familiares brasileiros vêm ocorrendo, pelo menos, desde meados do século XX, processo em que teve importância central a queda acelerada da fecundidade, a qual, por sua vez, é causa e conseqüência de transformações do papel da mulher (Oliveira e Berquó, 1990). Apesar de todas as mudanças nos arranjos familiares, dois terços das famílias da RMSP em 2001 possuíam núcleos compostos, com chefia quase completamente masculina.

Verifica-se que 54,41% do total de núcleos familiares são compostos e têm, ao mesmo tempo, "filhos" (de qualquer idade) no domicílio. Ou seja, dos 67,51% de famílias com núcleo composto, 80,59% contam com filhos no arranjo familiar. Logo, a família nuclear "padrão" ainda é a do casal com filhos, apesar do relativo desgaste de sua importância no tempo.

A emergência de arranjos domiciliares cujos núcleos são constituídos por mulheres sem cônjuge é observável, mas é relativamente limitada. O modelo dominante de composição de arranjos domiciliares no Brasil continua, em grande maioria, sendo aquele que se aproxima do estereótipo da 'família nuclear' e, portanto, as mudanças que se relacionam à mudança dos papéis das mulheres nas famílias provavelmente são mais bem observadas na organização dos arranjos domiciliares (divisão do trabalho, '

status' etc

.) do que em sua composição

(Medeiro e Osório, 2001, p. 33).

Análises fundadas na perspectiva da "divisão sexual do trabalho" investigam as relações de mulheres e homens na família, nas empresas e na sociedade, colocando em relevo a imbricação das esferas produtiva e reprodutiva, isto é, do trabalho para o mercado e do trabalho para a família e o domicílio (Hirata, 2002). Para essa linha interpretativa, "a divisão do trabalho entre mulheres e homens é parte integrante da divisão social do trabalho" (Hirata, 2002, p. 234). Conforme essa abordagem, as relações entre os sexos, categorias socialmente construídas, são desiguais, assimétricas e hierarquizadas e ocorre uma "coextensividade" entre as relações de classe e de sexo, que faz com que essas duas dimensões se sobreponham e impede que a investigação de uma possa prescindir da outra.

Em relação aos homens adultos, papéis, atribuições e expectativas, sociais e familiares, estão mais consolidados pela tradição, ainda que, mais recentemente, sofrendo tensionamentos. Já em relação às mulheres, atribuições e expectativas familiares e sociais têm se modificado num processo complexo e não homogêneo.

Soares e Izaki (2002), referindo-se ao período de 1977 a 2001, afirmam que "[...] a revolução da participação feminina foi a revolução das cônjuges" (Soares e Izaki, 2002, p. 14-15). O aumento "vertiginoso" (na expressão dos autores) da participação das esposas responde, isoladamente, por 70% do aumento do nível da atividade econômica feminina no Brasil de 1977 a 2001 (Soares e Izaki, 2002). Na RMSP, ao longo da década de 1990, o crescimento da População Economicamente Ativa (PEA) (de 60,2% em 1990 para 62,5% em 2000, segundo a PED-RMSP) deve-se exclusivamente ao aumento da participação feminina (em especial das cônjuges), uma vez que a participação masculina diminuiu levemente (Montalie Lopes, 2002, p.3, 4 e 7). Ainda assim, apesar do processo acelerado de ampliação do nível de atividade das cônjuges, constata-se que, mesmo na RMSP, 47,8% delas permaneciam inativas em 2000, proporção ainda elevada.

Os estudos sobre a relação entre atributos do marido e características da esposa, no caso brasileiro, têm centrado seu interesse na inter-relação entre a renda do chefe (ou da família) e o trabalho da esposa.2 2 Ver, por exemplo, Sedlacek e Santos (1990), Ramos e Soares (1994), Jatobá (1994), Fernandes e Felício (2002) e Scorzafave e Menezes-Filho (2003). Implícita nessa abordagem, subsiste a concepção de que o comportamento da esposa decorre do desempenho do marido. De qualquer forma, fatores conjunturais, como flutuações econômicas, não são capazes de explicar o crescimento e a mudança de padrão de atividade econômica feminina de mais longo prazo (Wajnman e Perpétuo, 1997, p. 123), cujos principais determinantes, segundo análises das transformações estruturais da participação feminina, localizam-se nos processos socio-culturais referentes a escolaridade, fecundidade, composição e organização da família, expectativas pessoais e sociais, etc.

Numa perspectiva relativamente distinta (ainda que, em várias análises, as duas abordagens se combinem), tem sido desenvolvida uma série razoável de estudos, em especial nos EUA, sobre correlação de atributos entre os membros do núcleo familiar e de outros tipos de relação social. Convencionou-se chamar essa linha de pesquisas de assortative mating ("pareamento3 3 "Pareamento" entendido tanto no sentido de formação de um par (ou seja, um casal), quanto no de estabelecimento de vínculos entre pessoas com interesses semelhantes ("pares"). ordenado", em tradução aproximada), porque essas relações se estabelecem entre indivíduos com mais atributos em comum do que seria de se esperar se o processo fosse aleatório. Quanto aos membros do núcleo familiar, isto é, "esposo" e "esposa", sabe-se que tende a ocorrer uma correlação entre os respectivos níveis educacionais, embora essa relação possa se alterar ao longo do tempo e entre regiões, sendo influenciada por outros fatores (Mare, 1991; Lewis e Oppenheimer, 2000; Park e Smits, 2002). A relação entre as trajetórias no mercado de trabalho dos membros do casal ainda não foi objeto de análise.

Segundo Lam (1988), os estudos de Gary Becker fornecem bases importantes para a análise dos "mercados de casamentos" e do processo de formação de domicílios, sendo a previsão de Becker de assortative mating negativo entre os salários dos esposos das mais instigantes, mas que menos validação empírica tem recebido. Na interpretação de Lam (1988), o modelo de Becker abordou unicamente os "ganhos de especialização" dos esposos no casamento e não considerou efeitos de "ganhos de escala" no consumo de bens comuns. A combinação dos dois efeitos torna menos definido o sentido da vinculação entre os salários dos cônjuges.

No Brasil, estudos com alguma semelhança aos de assortative mating investigam, essencialmente, a correlação entre os rendimentos na família, com o objetivo principal de aquilatar a contribuição do trabalho da mulher para agravamento ou alívio dos indicadores de desigualdade da distribuição de renda entre as famílias (Barros e Mendonça, 1989; Scorzafave e Menezes-Filho, 2003; Hoffmann e Leone, 2004).

Ainda que o presente estudo não tenha o objetivo de analisar o processo de formação de casais, ele guarda importantes pontos em comum com a linha de pesquisa de assortative mating. Identificar as relações entre perfis socioocupacionais dos dois membros dos casais, ou seja, examinar as combinações dos perfis do "chefe" com os de seu respectivo "cônjuge" é justamente o principal objetivo da investigação aqui proposta.

3_ O método

O método utilizado para a construção dos perfis de trajetórias é o Grade of Membership (GoM) ou Grau de Pertencimento, que se baseia na teoria dos conjuntos nebulosos (fuzzy sets) (Manton, Woodbury e Tolley, 1994). O GoM estima simultaneamente as características prováveis dos perfis (a partir das probabilidades de cada resposta a cada variável pertencer a da do perfil) e o grau de "proximidade" de todos os elementos aos perfis. São identificados, entre os elementos do conjunto, dois ou mais perfis bem definidos, chamados de "perfis extremos" (ou "perfis de referência"), aos quais são relacionados os demais elementos por "graus de pertencimento" a partir de seus atributos. Quando determinado elemento tem todas as características de um dado perfil extremo, seu grau de pertencimento a esse é de 100, e de 0% aos demais perfis extremos. Há elementos, porém, que possuem características de diferentes perfis extremos, situação em que irão se aproximar mais de um perfil do que de outros ou em que terão posição eqüidistante entre perfis extremos identificados. O modelo estatístico que aplica a metodologia GoM identifica, a partir dos dados dos elementos, os perfis extremos com base em máxima verossimilhança e obtém, simultaneamente, os graus de pertencimento de cada elemento àqueles perfis. Para cada elemento do conjunto nebuloso, será determinado um escore de grau de pertencimento , que indica o grau de pertencimentodoelemento i ao perfil , isto é, a intensidade de sua "filiação" ao perfil extremo . Assim,

Além disso, a probabilidade de resposta l para a j-ésima questão pelo elemento com -ésimo perfil extremo é dada por

A probabilidade de resposta l para a j-ésima questão pelo elemento i,condicionada ao seu escore de grau de pertencimento , será dada por:

E a função de máxima verossimilhança é dada por:

O método escolhido requer a definição do número de perfis extremos e a categorização das variáveis contínuas (nesse caso, tempos, rendimentos e proporções). As variáveis contínuas foram agrupadas e ordenadas em intervalos segundo quartis, com os menores valores no primeiro quarto, e os maiores no último.

O método GoM é flexível o suficiente para permitir o teste de várias alternativas na obtenção dos perfis extremos, até quanto ao número deles, e para auxiliar na escolha do mais adequado. O número de perfis a ser obtido ao final da investigação depende, em última instância, dos objetivos da análise e da capacidade, conhecimentos e decisão do pesquisador. Neste estudo, a escolha do número de perfis adequado foi balizada, por um lado, pela identificação dos tipos que melhor discriminaram as trajetórias e ofereceram o maior potencial de análise e, por outro, pela imposição de um limite ao número de perfis, para que se evitasse a obtenção de um conjunto excessivamente amplo. As estimativas dos perfis extremos e dos graus de pertencimento serão tão mais robustas quanto, para determinado número de indivíduos, maior for o número de variáveis incorporadas no modelo.

4_ A tipologia de casais

Utilizando-se o método GoM, foi construída uma tipologia de casais.4 4 O programa estatístico utilizado para rodar o GoM foi a versão 3.4, desenvolvida no Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da Universidade de Yale, dos EUA, por Burt Singer e Peter Charpentier e adaptada para plataforma Unix por Rafael Kelles Vieira Laje, engenheiro de sistemas da Sun Microsystems. Utilizou-se o método aleatório ("INLAMBDA RANDOM") para definição das probabilidades iniciais, de onde partem as iterações até o alcance da máxima verossimilhança. Não se verificou instabilidade dos resultados, que poderia ocorrer por não se partir de um conjunto predeterminado de probabilidades iniciais. Os valoresiniciaisdos grausde pertencimento foram dados pelo método do sistema na ausência de definição alternativa ("INGAMMA DEFAULT"). Ou seja, apenas famílias com núcleos compostos (isto é, com chefe e cônjuge)compuseram a base para obtenção da classificação. O modelo final escolhido para obtenção dos perfis e dos graus de pertencimento dos casaisaosperfisdemandouaidentificação de três "perfis de referência" e incorporou três conjuntos de características: da família, do chefe e do cônjuge. No que se refere ao chefe e ao cônjuge, foram consideradososatributos pessoaiseindicadores ocupacionais tanto dos indivíduos economicamente ativos quanto dos inativos. Aqueles com situação ocupacional indefinida (100 chefes e 46 cônjuges) e os menores de 16 anos (1 chefe e 25 cônjuges), em conjunto com seus respectivos parceiros, foram excluídos da base em razão das limitações nos seus dados. Ao final, na construção da tipologia, foram considerados 16.778 casais, com filhos e sem filhos no domicílio. Foram cinco as variáveis utilizadas referentes às famílias, 21 as variáveis referentes ao chefe e 21 ao cônjuge, num total de 47 variáveis por casal, conforme Quadro 1.


Procedeu-se à descrição dos perfis com base na relação entre as probabilidades estimadas (lambdas), para cada um dos três perfis, de cada resposta a cada variável, e a distribuição da freqüência marginal das mesmasrespostas,tomandoporreferência a linha de corte de 1,2. Ou seja, quando a divisão de lambda pela freqüência da resposta à variável supera 1,2, entende-se que a característica indicada pela resposta tende probabilisticamente a distinguir o perfil.

Com base nas probabilidades estimadas de resposta às variáveis em cada perfil, foram caracterizados e nomeados os três perfis extremos, conforme Quadro 1.

Com base nas respectivas características de maior probabilidade, os perfis foram identificados. O primeiro perfil de referência foi denominado "Perfil de Casais Vulneráveis", uma vez que as probabilidades indicam as seguintes características: não ter ocupados na família ou ter baixa proporção de ocupados, baixa renda familiar per capita, baixíssima escolaridade de chefe e cônjuge, chefe desempregado, chefe sem rendimento ou com baixos rendimentos individuais, cônjuge sem rendimento, chefe com indicadores de alta instabilidade ocupacional (dois episódios de ocupação,dois episódios de não-ocupação, baixa ou média proporção de tempo de ocupação e baixo ou médio tempo total relatado) e cônjuge inativo ou desempregado, comum ou nenhum episódio de ocupação e um episódio de desocupação e tempos (de ocupação e total) curtos ou com informação não requisitada. Além disso, tanto chefes quanto cônjuges tendem a ser negros, imigrantes há dez anos ou menos, adolescentes ou jovens adultos e a ter famílias grandes e crianças menores de sete anos na família. A elevada concentração no grupo de baixa renda distingue as famílias desse perfil.

O segundo tipo foi identificado como "Perfil de Casais de Dupla Instabilidade", ou "Casais Duplo Instáveis",5 5 Como são longas as denominações concedidas a vários perfis, incluindo os mistos (analisados a seguir), optou-se por apresentar nomes alternativos mais curtos, ainda que colocando em risco o "bom português". uma vez que tanto o chefe quanto o cônjuge trabalham e trazem características de instabilidade ocupacional. Ambos tendem a ser ocupados há menos de oito anos e a relatar três ou dois episódios de ocupação, dois de não-ocupação, médias proporções de tempo relativo de ocupação e médio-baixo ou baixo tempo total. Chefes e cônjuges têm maior probabilidade de ser assalariados com ou sem carteira ou domésticos ou, além disso, no caso do cônjuge, autônomos, empregadores ou trabalhadores familiares. Ambos também tendem a ser jovens adultos (com 20 a 39 anos) e acumular média-alta de escolaridade (de médio incompleto a superior incompleto). A "cor" dos esposos não discrimina. Em termos de probabilidade, as famílias são pequenas (com três pessoas), possuem crianças menores de sete anos, têm média-alta ou alta proporção de ocupados e média renda per capita. Contudo, o que mais diferencia este perfil é a elevadíssima concentração de cônjuge ocupado.6 6 É importante salientar que, apesar de "chefe do sexo feminino" discriminar os "Duplo Instáveis", as mulheres "chefiam" apenas 3,34% dos casais desse perfil, em comparação com 1,59% dos "Estabilizados", 0,42% dos "Vulneráveis" e 2,18% da amostra.

O terceiro perfil extremo distinguese pela alta renda familiar, pela idade mais avançada de chefe e cônjuge e pelas condições de ambos de ocupados há oito anos ou mais ou de inativos com experiência e de escolaridade de nível superior e, por isso, foi denominado de "Perfil de Casais Estabilizados". O chefe tende a ser estável na ocupação (ocupados há mais de oito anos, elevado tempo de ocupação relatado, muito tempo relatado) e o cônjuge, estável na inatividade (inativo com experiência, tempo de ocupação não aplica e longo tempo total relatado), embora também ocorram situações de chefes inativos com experiência e cônjuges ocupados há mais de oito anos. Quando não inativos, chefes e cônjuges têm alta chance de ser assalariado público, empregador, autônomo ou outro (basicamente profissional universitário autônomo). O rendimento do chefe tende a ser alto, e o do cônjuge, inexistente ou, quando trabalha, alto também. Os dois tendem a ser de cor branca ou amarela. A probabilidade maior é que as famílias sejam pequenas, sem crianças menores e com média-alta proporção de ocupados. As idades avançadas do chefe e do cônjuge e a renda elevada são as características mais marcantes desse perfil.

Segundo a metodologia do GoM, apenas elementos (nesse caso, casais) com grau de pertencimento integral a determinado perfil extremo ( gk = 1) podem, a rigor, ser classificados como tipo puro. Sempre que o elemento não possuir grau de pertencimento integral a nenhum perfil ( gk < 1, para todos os k perfis), suas características o colocam sob influência, maior ou menor, de mais de um perfil extremo, o que, sob critérios estritos, o impede de ser considerado como pertencente ao tipo puro. A tipologia final, no entanto, prevê uma consideração menos estrita dos graus de pertencimento e procede-se à identificação dos tipos "puros" e "mistos" com base numa interpretação dos escores que vai além de "pertencimento integral a determinado perfil" ( gk = 1) ou não ( gk < 1).

Considera-se como de perfil "puro" o casal em que predominam, de maneira ampla, as características de determinado perfil extremo, enquanto os casais associados aos perfis mistos compartilham características de perfis extremos diferentes. Conforme o critério utilizado neste estudo, os perfis mistos têm predominância de características de um determinado perfil extremo, combinada com um conjunto relevante, porém secundário, de características de outro perfil extremo.

Os critérios utilizados para obtenção dos perfis puros e mistos de casais estão apresentados no Quadro 2.


O Quadro 3 apresenta a distribuição dos casais entre os perfis puros – em negrito – e os perfis mistos, cuja denominação indica, em primeiro lugar, o perfil predominante e, depois, o secundário, assim como a denominação concedida depois da análise dos perfis.


A distribuição dos casais entre os perfis puros e mistos revela uma diluição entre os tipos, confirmando que o conjunto dos casais da RMSP em 2001 é muito heterogêneo. Os três tipos puros concentram somente cerca de 50% dos casais.

Os percentuais dos perfis puros mostram um relativo equilíbrio de sua importância. Mesmo considerando-se a soma dos percentuais referentes aos perfis puros e aos mistos em que predominam, ou seja, levando-se em conta os "Vulneráveis" puro emistos (27,7%), os "Duplo Instáveis" puro e mistos (34,5%) e os "Estabilizados" puro e mistos (33,0%), constata-se que se mantém relativo equilíbrio.

O perfil misto de "Casais Vulneráveis e Duplo Instáveis" é muito parecido com o puro de "Casais Vulneráveis", com a diferença de que os cônjuges do tipo misto tendem a ser mais economicamente ativos. Apesar dessa tendência de maior atividade dos cônjuges e da maior proporção de ocupados na família, a renda familiar dos "Vulneráveis e Duplo Instáveis" semantém semelhante à dos "Vulneráveis", uma vez que é maior o desemprego do chefe do tipo misto, e a renda individual do cônjuge é pequena. Assim, esse tipo misto parece corresponder a um caso de vulnerabilidade enfrentada por uma estratégia familiar de ingresso dos dois membros do casal no mercado de trabalho e, portanto, pode ser denominado de perfil de "Casais de Dupla Vulnerabilidade" ou "Duplo Vulneráveis".

Já o tipo misto "Casais Duplo Instáveis e Vulneráveis", relativamente ao puro "Duplo Instáveis", apresenta proporções maiores de inatividade e desemprego dechefese,emespecial,decônjuges,oque reduz a proporção de ocupados na família e eleva a incidência de renda zero dos membros dos casais, diminuindo a renda familiar. Mas, comparando-se os tipos mistos "Duplo Instáveis e Vulneráveis" e "Vulneráveis e Duplo Instáveis", constata-se que as condições do "Duplo Instáveis e Vulneráveis" são menos frágeis do que os outros, já que possuem renda familiar, escolaridade e proporção de ocupados na família mais elevadas e família menor. Por isso, o tipo misto "Duplo Instáveis e Vulneráveis" pode ser identificado como de "Casais de Dupla Alta Instabilidade" ou "Duplo Altamente Instáveis".

Os casais do perfil "Vulneráveis e Estabilizados" dispõem de uma situação um pouco menos precária do que os do perfil puro de "Vulneráveis". A proporção de ocupados na família, a renda familiar per capita e a renda do chefe são maiores, e o tamanho da família e a presença de crianças de até sete anos, menores. Tanto os chefes quantos os cônjuges são mais velhos e inativos com maior freqüência. Já os chefes e cônjuges do tipo "Estabilizados e Vulneráveis" sobressaem, perante os "Estabilizados", por sua composição etária ainda mais velha, pela baixa escolaridade e alta incidência de inatividade.

A comparação dos "Vulneráveis e Estabilizados" e "Estabilizados e Vulneráveis" mostra que a diferença entre eles localiza-se basicamente entre os chefes e nas características das famílias, já que os cônjuges de ambos são muito parecidos. O que maisdistingueumperfildooutroéamaior fragilidade da condição dos "Vulneráveis e Estabilizados", o que transparece, principalmente, na maior insegurança ocupacional dos chefes e na menor renda familiar. A inserção ocupacional dos chefes desse perfil é mais precária, uma vez que, entre eles, é maior a ocorrência de autônomos e assalariados sem carteira. Portanto, denominamse os"Vulneráveis e Estabilizados" como "Casais Idosos em Alto Risco", e os "Estabilizados e Vulneráveis" como "Casais Idosos de Média Segurança".

Os casais do tipo "Estabilizados e Duplo Instáveis" distinguem-se daqueles do tipo "Estabilizados" pelo nível mais elevado de participação de "chefes" e "cônjuges" no mercado de trabalho, com baixo desemprego, especialmente no caso dos cônjuges. Essa característica está relacionada ao fato de os casais do perfil "Estabilizados e Duplo Instáveis" serem, em média, bem mais jovens e mais escolarizados. Levando-se em conta a concentração da renda familiar nos quartos superiores e o fato de o cônjuge também ser economicamente ativo, o perfil "Estabilizados e Duplo Instáveis" pode ser identificado como "Casais de Dupla Segurança" ou "Casais Duplo Seguros".

A comparação dos casais do perfil "Duplo Instáveis e Estabilizados" com os do "Duplo Instáveis" revela maior estabilidade ocupacional dos membros do tipo misto, o que é mostrado pelo aumento, tanto para o chefe quanto para o cônjuge, da parcela dos ocupados há oito anos ou mais, do tempo relativo de ocupação e do tempo total relatado. Cresce a importância dasposições de autônomos, empregadores e assalariados do setor público e diminui a de assalariados com e sem carteira assinada e domésticos. Além disso, os rendimentos individuais, os níveis educacionais e as idades de chefes e cônjuges são maiores. Por outro lado, as características dos casais dos perfis "Estabilizados e Duplo Instáveis" e "Duplo Instáveis e Estabilizados" são muito semelhantes. A principal diferença entre eles reside na maior estabilidade ocupacional dos "Estabilizados e Duplo Instáveis", em especial dos chefes. Por tudo isso, o tipo misto "Duplo Instáveis e Estabilizaos" pode ser nomeado como "Casais de Dupla Segurança Parcial" ou "Duplo Parcialmente Seguros".

O tipo misto sem predomínio consiste, de fato, em um agregado de casais sem consistentes marcas distintivas em relação aos perfis puros. Suas características tendem a acompanhar de perto as características de toda a amostra. Diante da ausência de atributos distintivos desse perfil, ele segue sendo identificado como "Misto sem Predomínio".

Vale observar que, em todos os perfis cuja denominação traz a palavra "duplo", os cônjuges tendem a fazer parte do mercado de trabalho, seja como ocupado, seja como desempregado.

A comparação das curvas etárias de chefe e cônjuge do mesmo perfil mostra que as composições por idade de cada perfil são bastante semelhantes. Um dos motivos para essa semelhança é a proximidade das médias de idades dos esposos (Gráfico 1). Os coeficientes de correlação entre as idades simples de chefe e cônjuge de cada perfil flutuam entre 0,77 (nos "Casais de Dupla Alta Instabilidade") e 0,91 ("Idosos de Média Segurança"), valores que indicam alta correlação entre as idades dos esposos.


A composição dos grupos etários dos chefes por perfis reforça que o tipo "Estabilizados" tende a ser atributo de chefes mais velhos, enquanto o de "Duplo Instáveis" tende a se concentrar em idades do início da vida adulta (20 a 29 anos) e o de "Vulneráveis" distribui-se mais entre as idades, ainda que com uma concentração no final da adolescência (Gráfico 2).7 7 Dada a proximidade de idades dos esposos, o gráfico dos cônjuges é muito semelhante. Observe-se que, nas idades de maior atividade econômica, dos 30 aos 59 anos, os chefes distribuem-sepor todos os dez perfise, no grupo etário "40 a 49 anos", a estrutura por perfis é muito semelhante à da amostra. Nas idades de 16 a 29 anos,os perfis "Vulneráveis" e "Duplo Instáveis", puros e com as combinações dos dois entre si, compreendem mais de 80% dos chefes.8 8 A incidência de "Idosos em Alto Risco" entre chefes de 16 a 19 anos decorre de suas características sociais e ocupacionais semelhantes aos dos mais velhos daquele perfil (baixas escolaridade e renda, cônjuge inativo, etc.). Já no grupo mais idoso, de 60 anos ou mais, os perfis típicos de pessoas mais velhas ("Estabilizados", "Idosos em Alto Risco" e "Idosos de Média Segurança") congregam também mais de 80% dos chefes.


Esses perfis etários estão relacionados com a distribuição das crianças menores de sete anos entre as famílias com núcleo composto (Gráfico 3).


Considerando-se as famílias com chefe e cônjuge, fica constatada a maior concentração de crianças pequenas naquelas com características socioocupacionais mais frágeis ou instáveis.

Os perfis com médias mais altas de anos de estudo completos são os "Duplo Seguros" e "Duplo Parcialmente Seguros" (Gráfico. 4).


Já os "Vulneráveis", puro e mistos, tendem a ter as piores marcas. Apesar de as médias de anos completos de estudo por perfis sugerirem que, em geral, chefes e cônjuges de cada tipo tenderiam a alcançar níveis escolares similares, os coeficientes de correlação mostram que a associação entre os anos completos de estudo dos esposos não é tão intensa. Os coeficientes de correlação variam entre 0,47 (nos "Casais Vulneráveis") e 0,64 (nos "Estabilizados").9 9 Conforme Lam (1988), a correlação entre níveis educacionais dos cônjuges normalmente constatada nas pesquisas fica acima de 0,5, atrás somente de "idade" como atributo de maior correlação positiva.

É interessante observar que a correlação entre anos de estudo de chefe e cônjuge revela certa tendência de ser menor para os mais jovens e maior para os casais mais envelhecidos (Gráfico 5).


A análise da condição de atividade edeinatividade revela que,no perfil de "Casais Estabilizados", do total de cônjuges, quase todos do sexo feminino, 65% são inativos (Gráfico 6), mas, destes,apenas 15%, aposentados. Já o perfil de "Dupla Instabilidade", característico de indivíduos com idades entre 25 e 39 anos, distingue-se exatamente pela presença de cônjuges ocupados no mercado de trabalho. E os cônjuges "Vulneráveis" carregam alta proporção de inativos e, em grau bem menor, de desempregados. Depois dos "Idosos em Alto Risco" e "Idosos de Média Segurança", os "Vulneráveis" são aqueles cujos cônjuges têm maior nível de inatividade, apesar do perfil etário muito mais jovem.


Quanto aos chefes, independentemente do perfil a que pertençam, a inserção no mercado de trabalho, como ocupado ou como desempregado, é muito mais intensa (Gráfico 7). A inatividade é mais alta entre os "Idosos de Média Segurança" e "Idosos em Alto Risco", atingindo valores em torno de 45% e 40% do total de chefes do respectivo perfil. Os perfis "Duplo Instáveis" e "Duplo Seguros Parciais" distinguem-se pela elevadíssima taxa de ocupação de seus chefes, enquanto os "Duplo Vulneráveis", "Duplo "Altamente Instáveis" e "Vulneráveis", comparação com os outros perfis, são marcados pela grande incidência de chefes desempregados.


Assim como ocorre com a escolaridade, também os rendimentos individuais totais dos chefes tendem, com algumas exceções, a aumentar quando se reduz a precariedade ocupacional e familiar e se expandem a estabilidade e a segurança (Gráfico 8).


Os rendimentos dos chefes crescem no sentido do perfil "Vulnerável" para o "Estabilizado", com a sexceções dos perfis mistos "Idosos de Média Segurança", "Idosos em Alto Risco" e do próprio "Estabilizado", cujo chefe tende a ter rendimento um pouco menor do que o do "Duplo Seguro". A renda familiar per capita tem o mesmo comportamento, isto é, cresce paulatinamente no sentido do "Vulnerável" para o "Estabilizado", com as mesmas exceções ("Idosos em Alto Risco", "Idosos de Média Segurança" e "Estabilizado"). As diferenças percentuais entre os valores médios da renda familiar por perfil são um pouco maiores do que as diferenças entre os rendimentos médios dos chefes. As maiores diferenças relativas dos rendimentos familiares médios são explicadas pelas ainda maiores diferenças nos rendimentos médios dos cônjuges, isto é, pelo fato de os rendimentos dos cônjuges, em alguns perfis, serem ínfimos; pelos efeitos impostos pelo tamanho da família; e pela eventual contribuição das rendas de outros membros da família não analisadas aqui. Nos perfis "Vulneráveis", puro e mistos, quer como preponderante, quer como secundário, em termos comparativos o rendimento médio do cônjuge é quase desprezível (ainda que provavelmente muito importante para essas famílias), com exceção do "Duplo Altamente Instável". Os altos índices de desemprego e inatividade dos cônjuges desses tipos explicam os baixos valores, uma vez que, nessas situações, o cônjuge não tem renda e contribui para a compressão da renda média de seu perfil. Nos perfis "Duplo Instáveis", puro e mistos, os cônjuges tendem a ter uma atividade remunerada e, por isso, seus rendimentos apresentam médias relativamente elevadas. Nos perfis de "Estabilizado" puro e mistos, como principal ou secundário, na média, os chefes recebem altos rendimentos, e os cônjuges, baixos, a não ser quando a combinação com o perfil "Duplo Instável" faz com que os cônjuges sejam ocupados economicamente. Em certa medida, é surpreendente como o rendimento médio dos cônjuges do perfil puro "Estabilizado" é pequeno, ficando próximo ao valor da amostra, mesmo com níveis educacionais tão altos. Entretanto, o baixo rendimento do cônjuge do "Estabilizado" é compensado pelo alto rendimento do chefe e pelo tamanho restrito de suas famílias, resultando em renda familiar per capita média só inferior à do "Duplo Seguro", que é onde se encontram os maiores rendimentos médios do chefe, do cônjuge e per capita da família.

5_ Síntese e notas conclusivas

A estruturação mais comum das famílias na metrópole paulistana ainda corresponde ao modelo tradicional, embora famílias chefiadas por mulheres sem cônjuges tenham peso expressivo. As famílias com núcleo composto de chefe do sexo masculino e cônjuge do sexo feminino abrangem dois terços do total de famílias, sendo que cerca de 80% têm "filhos" (de qualquer idade) no domicílio, e, daquelas com núcleo simples, pouco menos de 75% têm chefia feminina.

Foi desenvolvida uma tipologia de casais, utilizando-se o método Grade of Membership e requisitando-se a identificação de três perfis de referência com base em características da família e atributos pessoais e ocupacionais do chefe e do cônjuge, tanto os economicamente ativos quanto os inativos. Foram identificados três perfis extremos: "Casais Vulneráveis", "Casais de Dupla Instabilidade" e "Casais Estabilizados". Os casais do perfil "Vulneráveis" distinguem-se por enfrentarem, com grandes probabilidades, diversos indicadores de vulnerabilidade social, tais como baixa renda familiar per capita, baixíssima escolaridade de chefe e cônjuge, chefe desempregado, cônjuge inativo ou desempregado, entre outras. Quanto aos casais do perfil de "Dupla Instabilidade", sua marca distintiva em relação aos outros dois reside na quase plenitude de cônjuges e chefes ocupados, mas com instabilidade ocupacional. Já os casais do perfil de "Estabilizados" são caracterizados, principalmente, pelas probabilidades de chefes estáveis na ocupação e cônjuges estáveis na inatividade, embora também ocorram situações de chefes aposentados e cônjuges ocupados há mais de oito anos, ambos com idades e escolaridades mais avançadas e alta renda familiar.

Os perfis mistos foram identificados segundo as características que mais os diferenciam. Os perfis puros e mistos (e as respectivas parcelas do total de casais da Grande São Paulo em 2001) são: "Vulneráveis" (com 14,1% dos casais), "Duplo Vulneráveis" (6,7%), "Idosos em Alto Risco" (6,9%), "Duplo Altamente Instáveis" (7,4%), "Duplo Instáveis" (18,4%), "Duplo Parcialmente Seguros" (8,7%), "Idosos de Média Segurança" (8,5%), "Duplo Seguros" (6,8%) e "Estabilizados" (17,7%), além do perfil misto sem predomínio (com 4,9% dos casais). Assim, constata-se uma diluição dos casais entre os tipos puros e mistos, o que revela a heterogeneidade dos casais na RMSP.

Idade, nível educacional e condição de atividade do cônjuge revelaram-se importantes atributos para configuração dos casais segundo os perfis, puros e mistos. Pelo que se depreende da análise das uniões existentes na RMSP em 2001, os esposos tendem a ter idades semelhantes, constatação que permite supor a importância desse fator para a formação dos casais. Quanto à escolaridade, a correlação entre anos de estudo completos dos esposos não é tão alta, mas parece aumentar com a idade. Adicionalmente, tanto idade quanto escolaridade também estão relacionadas com o desempenho dos indivíduos no mercado de trabalho. A idade tende a indicar a experiência profissional acumulada pelo indivíduo, enquanto a escolaridade é vista, pelos empregadores, como indicação do nível de qualificação profissional e de outros atributos desejados (como facilidade para aprendizagem, disciplina, capacidade de concentração, autonomia, disposição para trabalho em equipe, entre outros). Idade e escolaridade, porém, não esgotam os princípios de estruturação da tipologia, uma vez que os perfis retratam também as diferentes histórias ocupacionais individuais e as opções e estratégias diferenciadas das famílias na organização e divisão do trabalho para o mercado e para o domicílio. Portanto, a tipologia socioocupacional de casais obtida neste estudo reflete os padrões de formação e sobrevivência das uniões conjugais e as experiências laborais de chefes e cônjuges, sobre as quais têm grande influência os níveis educacionais e a idade de um e de outro, aliada às transformações econômicas de curto e longo prazos e às estratégias de organização familiar, permeadas por referências socioculturais e atribuições de papéis.

É importante ressaltar, porém, que este estudo não teve por objetivo buscar identificar relações de causalidade entre o processo de formação das uniões e as características socioocupacionais individuais de chefes e cônjuges. Foram analisados os "casamentos sobreviventes", ou seja, os casamentos que sobreviveram às várias formas possíveis de término, como por morte de um dos parceiros ou por separação do casal. Em outras palavras, o que foi investigado não foi exatamente o padrão de formação de casais, mas, sim, o padrão ou, de modo mais preciso, os padrões das uniões existentes na Região Metropolitana de São Paulo em 2001. Obviamente, dentro desse amplo conjunto de uniões, existem as recém-formadas e as longevas; uns indivíduos em primeira união e outros em união de ordem superior; casais formados em São Paulo e casais de imigrantes, etc. Isso faz com que o conjunto de núcleos familiares aqui estudados seja heterogêneo também por características não abordadas, muitas vezes por falta de informações na base de dados. Em função do amplo espectro etário analisado, as uniões correntes provavelmente obedecem a processos muito diferenciados de formação de casais, seja na perspectiva social, seja na perspectiva histórica.10 10 Em razão do amplo espectro etário dos casais da amostra, é possível que as uniões analisadas tenham sido formadas num intervalo de tempo de cerca de 60 anos. No entanto, o tema do padrão (ou padrões) de formação de casais no Brasil, ao que se saiba, não tem sido objeto de estudos.

A tipologia aqui desenvolvida baseia-se em critérios e objetivos totalmente distintos da proposta por Montali (2003), que tinha por finalidade pensar a família sobaóticadoseuciclodevidaedesuaestruturação. Conforme a autora, sua classificação refere-se a:

Tipologia de família construída a partir da estruturação das famílias – se nucleadas por casal ou por chefe sem a presença de cônjuge – e das etapas do ciclo de vida familiar. São os seguintes os tipos de família utilizados: casais sem filhos, casais de até 34 anos com filhos residentes (etapa da constituição da família); casais de 35 a 49 anos com filhos residentes (etapa de consolidação da família); casais de 50 anos e mais com filhos residentes (etapa de envelhecimento da família); chefe feminino sem a presença de cônjuge (só, com filhos e/ou parentes); chefe masculino sem a presença de cônjuge (só, com filhos e/ou parentes)

(Montali, 2003, p. 134).

Ainda que se possa contrapor, em termos de ciclo de vida das famílias, o perfil de "Casais Estabilizados" ao de "Dupla Instabilidade",associandooprimeiroaum estágiodeenvelhecimentoeosegundo a um estágio de constituição e consolidação da família, o perfil de "Vulneráveis" (cujo princípio básico de identificação é o da fragilidade da inserção ocupacional e das condições familiares) escapa a essa lógica, já que seus casais não se concentram em faixas etárias determinadas. De todo modo, mesmo sabendo-se que os dados referem se, essencialmente, a um período determinado e, por conseqüência, não correspondem a informações de ciclo de vida e tomando-se o cuidado de evitar a concepção de que as famílias vão necessariamente "evoluir" de um perfil a outro enquanto envelhecem, pode-se buscar interpretar os perfis, puros e mistos, segundo a ótica de etapas do ciclo da família em combinação com as respectivas características socioeconômicas.

Assim, o perfil puro "Estabilizados" e osperfis mistos "Idosos de Média Segurança" e "Idosos em Alto Risco" correspondem à etapa de envelhecimento das famílias, sendo que o perfil puro agrega os casais em melhores condições socioeconômicos e o "Idosos em Alto Risco", os casais em situação mais insegura. No outro extremo etário, isto é, na idade entre 16 e 29 anos, etapa mais comum de início da vida ativa e de ingresso em primeira união, a maioria de chefes e cônjuges pertence aos perfis "Vulneráveis" e "Duplo Instáveis" e às suas combinações. Dessa maneira, o início da vida conjugal e, conseqüentemente, do ciclo de vida familiar parece coincidir com a instabilidade ou com a precariedade da inserção ocupacional, estando a menor fragilidade associada a uma escolarização de nível mais elevado. Na idade adulta, dos 30 aos 59 anos, coexistem todos os diversos perfis de casais. Possíveis explicações para essa diversidade de perfis na idade adulta podem ser buscadas na vigência de diferentes padrões de formação de casais, na diversidade de experiência ocupacional individual e de estratégias familiares quanto à divisão de trabalho dentro e fora do domicílio e nos vários arranjos das relações de gênero.

A expansão da presença feminina no mercado de trabalho consiste numa das relativamente recentes mudanças sociais de maiores impactos nas famílias e na sociedade brasileira. Em certa medida, a tipologia construída parece captar essa mudança e sua temporalidade. As altas proporções de cônjuges inativas não aposentadas pertencentes aos perfis "Estabilizados", "Idosos de Média Segurança" e "Idosos em Alto Risco" refletem um padrão em que as esposas, quando adultas, não eram ocupadas no mercado de trabalho ou, melhor, não eram ocupadas de forma regular e regularizada, isto é, com continuidade e direitos correspondentes. Por outro lado, exatamente a ocupação dos cônjuges no mercado de trabalho constitui-se na marca distintiva do perfil de "Dupla Instabilidade", que alcança maior expressão entre os indivíduos com 20 a 39 anos. Entretanto, os cônjuges dos perfis "Vulneráveis" são, em larga proporção, inativos ou desempregados.

Portanto, a decisão entre atividade e inatividade econômica do cônjuge parece refletir estratégias diferenciadas, que basicamente dependem, primeiro, das diferenças de expectativas sociais e familiares acerca dos papéis da mulher no interior das famílias e da sociedade e, segundo, de avaliações sobre a maior necessidade de seu trabalho nas tarefas do próprio domicílio ou no mercado e sobre sua chance de absorção como economicamente ocupada. Outro fator importante na efetivação do ingresso (ou reingresso) e permanência da mulher casada no mercado de trabalho, fator associado às expectativas e à valoração do seu trabalho pelos dois cônjuges, diz respeito às relações de poder que entram em disputa no contexto conjugal. Apesar de sua relevância, esse fator não foi investigado neste estudo, demandando, por certo, tratamento mais adequado por meio de pesquisas qualitativas ou de estudos do uso do tempo.

A tipologia desenvolvida é capaz de organizar e sintetizar um conjunto amplo de características e atributos de casais, contribuindo para a compreensão da realidade multifacetada da maior metrópole brasileira. Além disso, as tipologias oferecem subsídios para a reflexão sobre as alternativas de políticas públicas, entendidas em sentido amplo, necessárias para fazer frente aos problemas sociais e econômicos identificados.

Refletindo, agora, sobre as políticas voltadas mais especificamente para as famílias mais vulneráveis, ressalta-se a importância de se buscar fortalecer suas condições de vida e a situação ocupacional de seus membros. Chama a atenção o fato de, entre os casais "Vulneráveis", a maioria dos cônjuges (quase 80%) ser inativa, mesmo com esses casais concentrando-se intensamente no quarto inferior da renda familiar per capita.11 11 Não se desconhece a existência de certa circularidade na situação desses casais, decorrente do fato de o não-recebimento de renda pelo cônjuge reduzir o rendimento familiar per capita. O método GoM, porém, leva em consideração um conjunto mais amplo de características para construir os perfis e encontrar os escores de pertencimento dos elementos a eles. Portanto, apenas a baixa renda familiar não seria suficiente para fazer com que casais passassem a pertencer ao perfil. Essa situação recorda a descrita no livro "Minha vida de menina".

Terça-feira, 24 de dezembro Hoje estávamos todos sentados, moços e velhos, debaixo do pequizeiro, felizes da vida. A tarde estava belíssima, como só aqui na Boa Vista. Passou uma mulher pobre e estendendo a mão para nós disse: 'Me favoreçam com uma esmola, pelo amor de Deus!'. Lucas, que estava no grupo, e não perdoa nada, perguntou à pobre: 'Por que é que você, tão moça ainda, está pedindo esmola, em vez de trabalhar?' Ela respondeu: 'Eu trabalhar? Eu sou tão pobre!'

(Morley, 1999, p. 327).

Apesar de a situação retratada se passar em Diamantina, interior de Minas Gerais, em 1895, ela nos instiga a repensar as relações entre pobreza e trabalho. Costuma-se pensar na destituição de meios de sobrevivência como fator propulsor da busca de trabalho, que viria a proporcionar a obtenção de renda, com a conseqüente mitigação da pobreza. O que a mendicante do final do século XIX parece nos dizer é que, pelo menos nos níveis extremos, ao invés de impulsionadora do trabalho, a pobreza pode ser obstáculo a ele.

Os cônjuges dos casais "Vulneráveis", por sua vez, parecem repetir nos dias de hoje: "Trabalhar? Eu? Eu sou tão pobre!". Esses cônjuges, na verdade, são do sexo feminino – 99,6% deles são mulheres. Porque, então, essas cônjuges não têm trabalho (remunerado) nem estão à procura de um? Uma possibilidade é a concorrência que a atividade remunerada estabelece com as tarefas domésticas, em particular com o cuidado com os filhos. De fato, esse grupo está entre os que mais concentram famílias com crianças menores de sete anos de idade, que ainda não freqüentam a escola e demandam muita atenção da pessoa responsável, normalmente a mãe.

Outra tentativa de explicação para a inatividade dessas cônjuges pode ser a grande dificuldade de conquista de ocupação remunerada ou de uma remuneração que cubra os custos de ficar fora de casa e de deixar de fazer as tarefas domésticas. Corroborando essa possibilidade, há o fato de estarem desempregados virtualmente todos os 20% de cônjuges desse perfil que são economicamente ativos. A formação pessoal não adequada pode ser um dos motivos de não se conseguir uma ocupação compensadora. Os dados disponíveis nada informam sobre a formação mais geral, mas confirmam o nível educacional muito restrito dos casais "Vulneráveis". A pouca escolarização certamente impõe obstáculos para obtenção de uma ocupação, ainda mais de uma ocupação com remuneração razoável. E, por fim, um desdobramento desta segunda possibilidade diz respeito às regiões de moradia e de possível trabalho. O custo dos transportes entre residência e local de trabalho, no que se refere tanto ao valor da tarifa quanto ao tempo de deslocamento, também pode contribuir para a alta inatividade das cônjuges dos casais "Vulneráveis".

Portanto, a reflexão acerca das relações entre pobreza mais aguda e participação na força de trabalho sugere haver um patamar mínimo (ou um limiar) de condições familiares, que, somente depois de ultrapassado, torna possível que as mulheres cônjuges muito pobres se disponibilizem para o mercado de trabalho.

Desse modo, considera-se que os principais tipos de casal priorizados para políticas mais específicas correspondem aos "Vulneráveis", "Duplo Vulneráveis" e "Duplo Altamente Instáveis", que, no total, abrangem 28% dos casais da Grande São Paulo. A fim de se facilitar o ingresso dos cônjuges desses casais no mercado de trabalho, deveria se investir em serviços públicos de creche e pré-escola nas suas regiões de residência, como forma de os liberar dos cuidados diurnos com os filhos. Outra medida facilitadora seria investir em serviços públicos (e/ou subsidiados) de transporte, que conectassem, com eficiência, a região de moradia aos principais pontos de exercício da atividade remunerada. Conjugados a essas políticas, deveriam ser instituídos ou expandidos, em número e valor,programas de transferência de renda, do tipo Bolsa-Família ou Renda Mínima, como instrumento para se aumentar, de modo direto, a renda familiar dos grupos mais vulneráveis.12 12 Alguns analistas ressaltam que o programa Bolsa-Família, conforme implementado, ainda favorece um tipo específico de família (aquela constituída por mãe, com ou sem parceiro, e filhos menores de 15 anos) e as atribuições tradicionais da mulher no interior da família, desconhecendo as transformações das famílias e no interior das famílias. Tais programas, para esses analistas, apóiam-se no caráter da família como centro privilegiado da reprodução social, com vistas a evitar o ingresso precoce dos filhos no mercado de trabalho e a alterar o destino das gerações futuras (Goldani, 2005; Itaboraí, 2005). A análise do Programa Bolsa-Família ou de projetos de renda mínima de cidadania está além do escopo do presente trabalho. Além disso, em que pesem os obstáculos para a elevação do nível de instrução de indivíduos adultos e os possivelmente baixos impactos econômicos individuais, não devem ser descartados programas de complementação escolar e de formação profissional, até mesmo como meio de ampliação das possibilidades de melhor integração social desses indivíduos.

A análise da sociedade e do mercado de trabalho no Brasil revela a persistência de diversos tipos de heterogeneidade, que, muitas vezes, resultam de desigualdades sociais profundas, antigas e resistentes, com fortes tendências à reprodução no tempo. Para além dos impactos econômicos negativos acarretados por tais desigualdades, a iniqüidade social que gera é motivo suficiente para que políticas redistributivas e igualitárias sejam socialmente construídas e para que seja enfrentado o desafio da viabilização política de sua implementação. O presente trabalho pretendeu fornecer elementos para que, do aparente caos da diversidade de trajetórias no mercado de trabalho e de famílias existentes, surgissem categorias que possibilitassem analisar essas realidades complexas e refletir sobre medidas de pelo menos redução das imensas desigualdades de condições de trabalho e de vida no Brasil.

Artigo recebido em março de 2006; aprovado em outubro de 2006.

E-mail de contato do autor: fred@dieese.org.br

Este artigo é parte de minha tese de doutoramento defendida no CEDEPLAR-UFMG, orientada por Simone Wajnman e co-orientada por Diana Sawyer, às quais sou muito grato. Agradeço também os comentários e as sugestões dos pareceristas.

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  • RAMOS, Lauro; SOARES, Ana Lúcia. Participação da mulher na forçade trabalho e pobreza no BrasilBrasília: IPEA, 1994. 19 p.(Texto para discussão, 350).
  • ROCHA, Maria Izabel B. da(Org.). Trabalho e gênero: mudanças, permanências e desafios.Campinas: ABEP; São Paulo:Ed. 34, 2000. 384 p.
  • SCORZAFAVE, Luiz Guilherme; MENEZES-FILHO, Naércio A. Casamento por interesse? Evolução da desigualdade entre as mulheres casadas de acordo com a renda dos seus maridos. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 31, 2003, Porto Seguro. Anais [s.l.]: ANPEC, 2003. (Disponível em CD-ROM).
  • SEDLACEK, Guilherme L.;SANTOS, Eleonora C. Estratégiasde geração de renda das famíliasbrasileiras:umestudodaparticipação da cônjuge nomercado de trabalho e de suacontribuição no processo derenda familiar. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA,18, 1990, Brasília. Anais[s.l.]:ANPEC, 1990, v. 3, p. 883-900.
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  • 1
    Gramaticalmente, "cônjuge" é substantivo masculino. No entanto, por medida de simplificação e dado o uso corrente, "o cônjuge do sexo feminino" será referido como "a cônjuge" em várias passagens deste estudo.
  • 2
    Ver, por exemplo, Sedlacek e Santos (1990), Ramos e Soares (1994), Jatobá (1994), Fernandes e Felício (2002) e Scorzafave e Menezes-Filho (2003).
  • 3
    "Pareamento" entendido tanto no sentido de formação de um par (ou seja, um casal), quanto no de estabelecimento de vínculos entre pessoas com interesses semelhantes ("pares").
  • 4
    O programa estatístico utilizado para rodar o GoM foi a versão 3.4, desenvolvida no Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da Universidade de Yale, dos EUA, por Burt Singer e Peter Charpentier e adaptada para plataforma Unix por Rafael Kelles Vieira Laje, engenheiro de sistemas da Sun Microsystems. Utilizou-se o método aleatório ("INLAMBDA RANDOM") para definição das probabilidades iniciais, de onde partem as iterações até o alcance da máxima verossimilhança. Não se verificou instabilidade dos resultados, que poderia ocorrer por não se partir de um conjunto predeterminado de probabilidades iniciais. Os valoresiniciaisdos grausde pertencimento foram dados pelo método do sistema na ausência de definição alternativa ("INGAMMA DEFAULT").
  • 5
    Como são longas as denominações concedidas a vários perfis, incluindo os mistos (analisados a seguir), optou-se por apresentar nomes alternativos mais curtos, ainda que colocando em risco o "bom português".
  • 6
    É importante salientar que, apesar de "chefe do sexo feminino" discriminar os "Duplo Instáveis", as mulheres "chefiam" apenas 3,34% dos casais desse perfil, em comparação com 1,59% dos "Estabilizados", 0,42% dos "Vulneráveis" e 2,18% da amostra.
  • 7
    Dada a proximidade de idades dos esposos, o gráfico dos cônjuges é muito semelhante.
  • 8
    A incidência de "Idosos em Alto Risco" entre chefes de 16 a 19 anos decorre de suas características sociais e ocupacionais semelhantes aos dos mais velhos daquele perfil (baixas escolaridade e renda, cônjuge inativo,
    etc.).
  • 9
    Conforme Lam (1988), a correlação entre níveis educacionais dos cônjuges normalmente constatada nas pesquisas fica acima de 0,5, atrás somente de "idade" como atributo de maior correlação positiva.
  • 10
    Em razão do amplo espectro etário dos casais da amostra, é possível que as uniões analisadas tenham sido formadas num intervalo de tempo de cerca de 60 anos.
  • 11
    Não se desconhece a existência de certa circularidade na situação desses casais, decorrente do fato de o não-recebimento de renda pelo cônjuge reduzir o rendimento familiar
    per capita. O método GoM, porém, leva em consideração um conjunto mais amplo de características para construir os perfis e encontrar os escores de pertencimento dos elementos a eles. Portanto, apenas a baixa renda familiar não seria suficiente para fazer com que casais passassem a pertencer ao perfil.
  • 12
    Alguns analistas ressaltam que o programa Bolsa-Família, conforme implementado, ainda favorece um tipo específico de família (aquela constituída por mãe, com ou sem parceiro, e filhos menores de 15 anos) e as atribuições tradicionais da mulher no interior da família, desconhecendo as transformações
    das famílias e
    no interior das famílias. Tais programas, para esses analistas, apóiam-se no caráter da família como centro privilegiado da reprodução social, com vistas a evitar o ingresso precoce dos filhos no mercado de trabalho e a alterar o destino das gerações futuras (Goldani, 2005; Itaboraí, 2005). A análise do Programa Bolsa-Família ou de projetos de renda mínima de cidadania está além do escopo do presente trabalho.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Aceito
      Out 2006
    • Recebido
      Mar 2006
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