1_Introdução
O Plano Real, em 1994, terminou um longo processo de alta inflação no Brasil, principalmente durante as décadas de 80 e início dos 90. Quatro anos após o início do plano, houve grande crise no balanço de pagamentos, e a taxa de câmbio, que funcionava de acordo com um sistema de bandas cambiais, sofreu forte desvalorização em 1999. Nesse mesmo ano, é instituído o Sistema de Metas de inflação (SMI), que fixa uma meta anual de inflação a ser perseguida. Além da meta de inflação, outra mudança que ocorreu foi relativa ao câmbio, que antes era de certa forma fixo e passou a flutuar. Desde que o SMI foi implantado no Brasil, em poucos anos a meta inflacionária não foi alcançada, e nos últimos seis anos o governo conseguiu controlar a inflação dentro da meta estabelecida.
Do ponto de vista teórico, o chamado modelo do Novo Consenso em política macroeconômica (Blinder, 1997; Romer, 2000) para economia aberta (Romer, 2005; Taylor, 2005) é a inspiração para a visão dos determinantes da inflação e de como ela deve ser controlada, tanto no Brasil quanto em diversos países. Segundo essa visão, a principal fonte de pressão inflacionária é pelo lado da demanda agregada, de tal maneira que pressões dessa natureza levam a uma aceleração da inflação. O instrumento da autoridade monetária para controlar a aceleração da inflação e colocá-la de volta na meta é a taxa básica de juros, que, ao ser alterada, afeta a taxa real de juros e controla a demanda agregada.
Um dos fundamentos do modelo do Novo Consenso é a curva de Phillips aceleracionista, que estabelece relação entre a aceleração da inflação e os choques de demanda. Para a economia aberta, postula ainda que os choques de custo advindos da economia internacional não têm efeito no longo prazo, uma vez que a taxa de câmbio real segue o teorema da paridade do poder de compra e é neutra no longo prazo. Políticas de juros altos sempre surgem com a justificativa de que a inflação está acima da meta, e a demanda tem de ser controlada.
Dessa maneira, o objetivo deste artigo é verificar se, para o caso brasileiro, existe realmente um efeito positivo e preponderante das pressões de demanda sobre a inflação; analisaremos também qual é o papel da inflação dos produtos importados e exportáveis, já convertidos em reais pela variação da taxa de câmbio sobre a inflação brasileira. Portanto, o artigo visa a estimar os determinantes da inflação brasileira pelo método de redes neurais, que capta, além das relações lineares, possíveis relações não lineares entre as variáveis. Com isso, espera-se obter mais elementos para entender alguns resultados empíricos controversos encontrados na literatura brasileira recente.
Este artigo se articula em mais três seções, além desta introdução e da conclusão. Na seção 2, discutiremos brevemente a teoria da curva de Phillips e dois modelos alternativos. Na seção 3, analisaremos alguns resultados empíricos encontrados em trabalhos que estimaram a relação de Phillips para o Brasil. Na quarta seção, explicaremos o método de estimação por redes neurais e as vantagens desse método sobre o modelo linear. Na seção 5, discutiremos os resultados obtidos pela aplicação do método de estimação por redes neurais sobre a relação de Phillips no Brasil.
2_Determinantes teóricos da inflação: discussão sobre a curva de Phillips
A curva de Phillips tem origem com um estudo de Phillips (1958), que estima empiricamente a relação entre a inflação dos salários e a taxa de desemprego.1 Posteriormente, passou-se a acreditar em uma relação entre a taxa de inflação - variação do nível de preços - e a taxa de desemprego, este último, indicador da demanda agregada da economia. Segundo essa relação, taxas de desemprego baixas estavam associadas a pressões salariais no mercado de trabalho e a taxas de inflação mais altas.
No final da década de 1960, entretanto, começou a ganhar força uma visão aceleracionista da curva de Phillips, com a ideia de que, se a taxa de desemprego se mantivesse baixa, mais baixa que a taxa natural (Friedman, 1968), a taxa de inflação acelerar-se-ia.2 Tal visão aceleracionista da curva de Phillips perdura até os dias de hoje e está presente nos modelos do Novo Consenso em política econômica.3
Dessa maneira, em termos gerais, a curva de Phillips convencional utilizada no modelo do Novo Consenso (Blinder, 1997; Romer, 2000) postula que há relação clara e sistemática entre pressões positivas (negativas) de demanda agregada e aceleração (desaceleração) da inflação.4
Na equação (2.1) acima, π é a taxa de inflação,<0;-1, a inflação defasada, e D, um indicador de pressão de demanda, que pode ser o hiato do produto ou do desemprego. O hiato do produto é a diferença entre o produto efetivo e o produto potencial, e o hiato do desemprego é a diferença entre a taxa de desemprego efetiva e a NAIRU (taxa de desemprego que não acelera a inflação).
O parâmetro "a" capta a inércia inflacionária. É importante notar que, para a curva de Phillips ser aceleracionista, é necessário supor inércia completa, ou seja, .5 , 6 O parâmetro "b" deve ser positivo no caso do hiato do produto (se o produto está acima do potencial, deve se acelerar, e abaixo, desacelerar) e negativo no caso do hiato do desemprego (se a taxa de desemprego está abaixo da NAIRU, deve acelerar a inflação, e, se estiver acima, desacelerá-la).
Em uma economia aberta, é preciso incorporar a variação dos preços dos bens transacionáveis com o exterior na curva de Phillips. Podemos dividir um índice de preços que capte a inflação entre bens tradables e non-tradables. Nesse caso, sendo o parâmetro Ѳaquele que mede a participação dos bens tradables no índice de preços em questão, podemos apresentar a curva de Phillips para a economia aberta da seguinte maneira:
Assim, a curva de Phillips continua igual à da economia fechada para os bens non-tradables, enquanto a parcela dos tradablesdependerá da variação da taxa nominal de câmbio, Δe, e da inflação dos produtos transacionáveis com o exterior (importados e exportáveis), πW. Nesse caso, desvalorizações cambiais e inflação externa têm impactos positivos sobre a inflação doméstica, ao passo que deflação externa e valorização nominal do câmbio diminuem a inflação interna.
No longo prazo, entretanto, tal como propõe Romer (2006), valeria a teoria da paridade do poder de compra (em inglês, PPP), que estabelece que a taxa de câmbio real é constante no longo prazo, e a taxa nominal de câmbio deve variar de acordo com a relação entre o preço doméstico e o internacional, para manter a taxa real constante (McCallum, 1996). A variação da taxa nominal de câmbio deve ser igual à diferença entre a inflação doméstica e a externa, mantendo-se a taxa de câmbio real estável. Com isso, a curva de Phillips de longo prazo volta a ser igual à de uma economia fechada, visto que há neutralidade de longo prazo das pressões de inflação externa:7
A curva de Phillips aceleracionista do Novo Consenso para a economia aberta, entretanto, muitas vezes não apresenta bons resultados empíricos.8 Do ponto de vista teórico, as principais objeções à formulação da curva de Phillips aceleracionista são: a) que a inércia não é completa (a < 1) (Serrano, 2007; Setterfield, 2005); b) que a PPP não se verifica empiricamente (Lavoie, 2000; Summa, 2010a); c) e que o conflito distributivo e outras variáveis que afetam os custos são importantes (Serrano, 2007).9
No modelo alternativo proposto, utilizaremos as hipóteses de inércia parcial, da inflação importada relevante no longo prazo para a inflação doméstica e da presença de conflito distributivo e pressões de custo.
Com relação à inflação importada, essa depende tanto da inflação dos produtos transacionados com o exterior quanto da variação da taxa de câmbio nominal. Com relação ao conflito distributivo e a pressões de custo, podemos ainda testar mais uma hipótese, seguindo Pivetti (1991), Lima e Setterfield (2010) e Serrano (2010b), que argumentam que mudanças na taxa de juros nominal (Δi) têm efeitos inflacionários tanto pelo efeito do custo financeiro (para empresas endividadas) quanto para o efeito de custo de oportunidade do capital (uma vez que a margem nominal de lucros segue a taxa nominal de juros e, dessa maneira, também gera pressões inflacionárias). Desse modo, a curva de Phillips alternativa terá a seguinte forma:
Com denotando a variação da taxa de câmbio nominal; a inflação dos produtos transacionados com o exterior (medidos em moeda estrangeira); e Ѳ um parâmetro que reflete o peso dos bens tradables no índice de preços e (Δi) a variação na taxa de juros nominal.
Sintetizando, temos, em termos gerais, duas maneiras diferentes de estimar - uma considerando a variação da inflação como variável dependente, e outra considerando a taxa de inflação como variável dependente:
Como os modelos a serem testados e comparados serão estimados pelo método de redes neurais, não linear, a hipótese do modelo aceleracionista é que há relação entre o hiato (do produto ou do desemprego) e a aceleração da inflação, conforme a equação (2.5); enquanto o modelo alternativo estabelece uma relação entre a taxa de inflação e a inflação defasada, hiato (do produto ou desemprego), inflação importada em R$ e variação da taxa básica de juros.
3_Evidências empíricas para o Brasil
Existem diversos trabalhos empíricos que empregam diferentes métodos de estimação para a relação de Phillips no caso brasileiro recente.
Com relação à curva de Phillips brasileira ser aceleracionista ou não, parece haver bastante evidência de que a inércia é parcial, e que a soma dos parâmetros da inflação defasada é menor que 1 (Summa, 2011).10
No que diz respeito aos choques de demanda, após uma resenha sobre os diversos trabalhos empíricos sobre a curva de Phillips, Summa (2011)conclui que, na maioria desses trabalhos, não há consenso em relação aos resultados de pressões de demanda sobre a inflação. As principais variáveis utilizadas para o cálculo de pressões de demanda são o hiato de desemprego e o hiato do produto (industrial e PIB).
Em se tratando do hiato do desemprego, essa variável mostra em geral pouca relevância para explicar a inflação. Isso talvez ocorra porque a diminuição do desemprego não acarreta crescimento dos salários reais acima da produtividade, como mostram Bastos e Braga (2010). Portanto, não é de se esperar impacto na inflação.
O hiato do produto medido pela produção industrial aparece estatisticamente significativo em alguns trabalhos, e em outros, não. Ferreira e Jayme Jr. (2005) encontram resposta não significativa de choques no hiato da produção industrial sobre a inflação, medido por um modelo VAR; estimativas por MQO de Braga (2010) mostram também que o hiato do produto não é estatisticamente significativo com relação à inflação. Moreira et al. (2007) e mais recentemente Holland e Mori (2010) encontram relação positiva entre o hiato do produto (com três meses de defasagem) e a inflação.
No que tange à taxa de câmbio e à inflação importada, Braga (2010) estima uma curva de Phillips por MQO e obtém parâmetro significativo que explica a relação entre inflação importada em R$ e inflação doméstica.11Araujo e Modenesi (2010) chamam a atenção que o impacto cambial é expressivamente maior do que o impacto da demanda agregada sobre o IPCA e que há evidências de que o setor externo desempenha papel crucial na evolução da inflação brasileira.
Por fim, alguns trabalhos, como os de Ferreira e Jayme Jr. (2004) e Silva Filho (2008)encontram a presença do "Price Puzzle", para a economia brasileira, ou seja, de que variações na taxa básica de juros afetam em um primeiro momento a inflação de maneira positiva.
Dessa maneira, utilizaremos o instrumental de estimação das redes neurais, que incorpora relações lineares e não lineares entre as variáveis e será explicado na seção seguinte, para tentar ver em que medida esses resultados estimados por modelos lineares se confirmam ou não.
4_Redes Neurais
Rede Neural é um modelo composto de unidades (chamadas na literatura de "neurônios") constituídas de funções não lineares (tipicamente sigmoides e tangentes hiperbólicas). A combinação dessas unidades, mediante parâmetros estimados com base nos dados, é o que confere a capacidade desse modelo de inferir relações não lineares de complexidade arbitrária. Na forma utilizada neste estudo, Rede Neural feedforward, tais unidades são arrumadas em camadas, sendo uma camada de entrada conectada a uma camada oculta, que está diretamente conectada à saída do modelo. Essas conexões entre as unidades, ou neurônios, são chamadas de "pesos" (originalmente a terminologia era "pesos sinápticos"). Esses pesos são os parâmetros do modelo, ajustados por um algoritmo iterativo através dos dados. Uma vez ajustados os pesos, a rede tem a capacidade de representar a relação dos dados de entrada com a variável de saída, que no nosso estudo é a inflação. A capacidade de aprender por meio de "exemplos" ou de dados (na-amostra) e de generalizar (fora-da-amostra) informação gerada em ambientes não lineares complexos é, sem dúvida, a grande vantagem das Redes Neurais.
Seja x ∈ ℜn o vetor que contém as variáveis de entrada, w ∈ ℜM e o vetor com todos os pesos e bias12 de uma Rede Neural Artificial (RNA), sendo M = m n + 2 m + 1, com m correspondendo ao número de neurônios na camada oculta. O bias das funções das camadas ocultas da Rede são representados por b k , e o bias da camada de saída, por b. O modelo de uma RNA pode ser escrito como:
onde C k representa uma função da forma:
Usualmente, dado um conjunto U que contém N pares de entrada/saída, U ={X,Y} para X={ x1, x2,......., x N } e Y ={ y1, y2,......., y N }, onde y∈ℜ representa a saída desejada, o objetivo de RNAs reside na estimação do vetor de pesos w através da minimização do risco empírico (erro de treinamento da rede) dado por:
Essa minimização é realizada utilizando o algoritmo clássico de retropropagação do erro, ou até mesmo métodos de segunda ordem como Levenberg-Marquardt (Bishop, 1995).
Esse tipo de modelo não linear tem sido utilizado com sucesso em uma gama extensiva de aplicações desde o final da década de 1980. Referências clássicas em Redes Neurais incluem Haykin (1998), Bishop (1995) e Principe et al. (2000).
As variáveis consideradas relevantes para o modelo são utilizadas como entrada da Rede Neural, e, após o processo de treinamento, tem-se como saída da Rede a inflação para o período t. Utilizou-se a função de ativação tangente hiperbólica na camada oculta, e a função de ativação linear, na unidade de saída, de forma que a saída da Rede se aproxime da verdadeira inflação no tempo t.
No processo de aprendizado, usou-se o algoritmo de Regularização Bayesiana (Mackay, 1992). Nesse algoritmo, assume-se que os parâmetros da Rede são variáveis aleatórias com distribuições especificadas. Os parâmetros de regularização são variâncias desconhecidas associadas a essas distribuições, e podem-se calcular esses parâmetros utilizando, então, técnicas estatísticas. Portanto, o modelo não é especificado de forma arbitrária.
O aprendizado ou o treinamento de uma Rede Neural tem tipicamente por objetivo reduzir a soma dos quadrados dos erros (Foresee & Hagan, 1997), conforme a seguinte equação:
onde (x, ψ) ∈ Xxψ, sendo x = [x1, x2, ..., xI] vetores de variáveis independentes e o vetor de parâmetros ψ = [α,γ], composto dos vetores de pesos da camada de saída e da camada oculta respectivamente; y t é a saída alvo da Rede, e G(x,ψ) é a saída estimada pela Rede. Assim como outros modelos flexíveis não lineares, as Redes Neurais podem sofrer de overfitting. Tal problema ocorre quando é utilizado um número excessivo de neurônios na camada oculta, que levarão a uma perda da capacidade de generalização (fora-da-amostra). Em contrapartida, se o número de neurônios em excesso for reduzido, ocorrerá a perda da capacidade de aproximar o processo gerador aos dados (Medeiros & Pedreira, 2001).
Atualmente, diversas metodologias são utilizadas para solucionar o problema de overfitting (Haykin, 1998). Neste estudo, será usado o procedimento desenvolvido por Mackay (1992), chamado de "Regularização Bayesiana", que consiste em adicionar um termo de penalização (regularização) à função objetivo, de forma que o algoritmo de estimação faça com que os parâmetros irrelevantes convirjam para zero, reduzindo, assim, o número de parâmetros efetivos utilizados no processo.
Seguindo a notação utilizada por Medeiros & Pedreira (2001), o problema de estimação passa a ser definido como:
onde η e ٯ são parâmetros de regularização, Q1(ψ) pode ser deduzido da equação 4.1, e Q2(ψ) é a função de penalização, dada pela soma do quadrado dos parâmetros α, γ, vetores de pesos da camada de saída e da camada oculta, respectivamente, conforme a seguinte equação:
O problema de regularização é otimizar a função objetivo de forma a encontrar valores para os parâmetros de regularização η e ٯ. Esse problema de otimização requer o cálculo da matriz Hessiana, como pode ser visto em Mackay (1992). O algoritmo desenvolvido por Foresee & Hagan (1997) propõe a aproximação da matriz Hessiana pelo algoritmo de Levenberg-Marquardt(Levenberg, 1944; Marquardt, 1963), reduzindo o custo computacional.
Todos os modelos utilizados neste estudo tiveram como arquitetura da Rede Neural uma camada de entrada, uma camada escondida, com dez neurônios, e uma camada de saída, com um neurônio. A função de ativação tangente hiperbólica foi utilizada em todos os neurônios da camada oculta, e a função de ativação linear, na unidade de saída. Os pesos e o bias foram inicializados através do algoritmo de Nguyen-Widrow (1989).
Assim, buscamos estimar os determinantes da inflação brasileira pelo método de Redes Neurais, que capta, além das relações lineares, possíveis relações não lineares entre as variáveis.13
5_Dados e resultados
Os dados utilizados para as estimações são de frequência mensal, e a amostra vai de 1999:07 a 2010:09, período que compreende o funcionamento do sistema de metas de inflação.14 Os dados utilizados para a inflação são da variação do IPCA, medido pelo IBGE. Para as pressões de demanda, calculamos dois hiatos, do produto e da taxa de desemprego. O hiato do produto industrial é a relação entre o produto industrial observado, calculado pela PIM-IBGE, e o produto industrial potencial, calculado pelo filtro HP. O hiato de desemprego também é uma relação calculada entre a taxa de desemprego observada do SEADE-DIEESE e a sua média móvel, calculada também por um filtro HP.
A inflação importada em R$ leva em conta a variação dos índices de preços dos produtos importados pelo Brasil, calculado pela FUNCEX, e a variação da taxa nominal de câmbio. A variação da taxa Selic mede a variação mensal da taxa Selic observada/over em termos anualizados. Para todas as séries, rejeitamos a presença de raiz unitária pelo teste ADF.
Os dados são in sample, já que visam a obter os coeficientes da rede e se verificar a aderência do ajuste da inflação. A Tabela 1, resume os modelos testados e as variáveis de saída e os dados de entrada utilizados nos quatro modelos.
Com a finalidade de escolher a variável dependente a ser utilizada nas estimações futuras - aceleração da inflação ou taxa de inflação-, começamos estimando o modelo com a variação da inflação como variável dependente. Longe de tentar ser um teste exaustivo sobre o assunto se a inflação é aceleracionista ou não, o que estamos tentando fazer aqui é decidir qual maneira de estimar parece fornecer resultados mais interessantes e conclusivos.
Assim, o primeiro modelo proposto (Modelo 1, ver Tabela 1) assume que a variável dependente é a aceleração da inflação.15 Note que essa maneira de estimar, apesar de não ser a praxe, é seguida na literatura por Silva Filho (2008, 2012), e, portanto, consideramos, a priori, como uma possibilidade. O resultado da estimação desse modelo (Modelo 1) por Redes Neurais é que ele não parece explicar bem o processo inflacionário brasileiro, como pode ser visto no Gráfico 1, abaixo, em que a variação da inflação prevista pelo modelo se diferencia bastante da ocorrida de fato. Outro indicador da relevância dos resultados é o R2, que é muito baixo, de 0,09, o que nos leva a concluir não ser uma boa aproximação.
Tabela 1 Resumo dos modelos estimados por Redes Neurais
Variável | Dados de Entrada | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
de Saída | |||||||
Aceleraçâo | Hiato do | Inflação | |||||
Modelo 1 | - | produto | importada | - | |||
da inflaçâo | |||||||
(-1) | em r$ (-1) | ||||||
Taxa de | Taxa de | Hiato do | Inflação | ||||
Modelo 2 | inflação | produto | importada | - | |||
inflação | (-1) | (-1) | em r$ (-1) | ||||
Taxa de | Taxa de | Hiato do | Inflação | ||||
Modelo 3 | inflação | produto | importada | - | |||
inflação | (-1) | (-3) | em r$ (-1) | ||||
Taxa de | Taxa de | Hiato do | Inflação | Variação | |||
Modelo 4 | inflação | produto | importada | da taxa | |||
inflação | (-1) | (-1) | em r$ (-1) | selic (-1) | |||
Fonte: Elaboração Própria

Gráfico 1 Modelo 1: Relação entre variação da inflação estimada pelo modelo e variação efetiva da inflação Fonte: IPCA/IBGE, Elaboração própria
Dessa maneira, passamos para a estimação da relação entre a inflação e o hiato do produto (Modelo 2). Inicialmente, estimamos um modelo linear por MQO, como primeira aproximação, considerando a inflação defasada, o hiato do produto defasado e a inflação importada defasada como variáveis explicativas.
O resultado pode ser visto na Tabela 2:
Tabela 2 Resultados do modelo linear (Modelo 2)
Variável dependente: Inflação | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Coeficientes | |||||||||
Coeficientes não | Coeficientes | ||||||||
Modelo | padronizados | padronizados | |||||||
B | Erro padrão | Beta | t | Sig. | |||||
(Constante) | ,055 | ,026 | 2,136 | ,035 | |||||
INFLAÇÃO (-1) | ,877 | ,041 | ,877 | 21,254 | ,000 | ||||
HPROD(-1) | ,000 | ,004 | ,000 | ,011 | ,991 | ||||
INFIMP_R$ (-1) | 1,488 | ,343 | ,187 | 4,335 | ,000 | ||||
Resumo do Modelo | |||||||||
Modelo | R | R2 | R2 ajustado | Erro padrão da | |||||
estimativa | |||||||||
,882a | ,778 | ,773 | ,17039 |
Fonte: Elaboração própria
Observamos, no modelo estimado acima, que as variáveis inflação defasada (em um período) e inflação importada em R$ são estatisticamente significativas a 5%, enquanto a variável hiato da produção industrial não apresenta parâmetro estimado significativo.16 Em seguida, estimamos as mesmas relações entre as variáveis descritas no caso linear pelo método das Redes Neurais, para captar, além das relações lineares entre as variáveis, possíveis relações não lineares entre elas.
O resultado entre o Modelo 2 estimado pelas redes neurais ("in sample") e a inflação que de fato ocorreu (Inflação Real) mostra que as variáveis escolhidas parecem explicar bem a inflação, conforme pode ser observado na Gráfico 2.

Gráfico 2 Modelo 2: Relação entre a inflação estimada pelo modelo e a inflação efetiva Fonte: IPCA/IBGE, Elaboração própria
Podemos comparar os resultados obtidos entre o modelo estimado por Redes Neurais e o modelo linear simples. No modelo linear, o R2 da estimativa foi de 0,77, e o das Redes Neurais, de 0,90. Essa comparação nos mostra que, a princípio, as estimações da inflação por redes neurais parecem indicar bons resultados, se comparados com um método simples linear, ainda que não seja o objetivo deste artigo fazer uma comparação exaustiva sobre os diferentes métodos lineares e não lineares.
5.1_Avaliação das relações funcionais entre as variáveis
Com o intuito de avaliar as relações funcionais entre as variáveis que utilizamos como explicativas e a variável dependente, a inflação, propomos um primeiro exercício. O método empregado é o seguinte: mantemos constantes as n-1 variáveis explicativas e alteramos apenas a variável escolhida, obtendo assim o resultado em termos de inflação estimada pelo modelo.
Utilizando o Modelo 2 para o exercício proposto acima, fizemos simulações com as formas funcionais estimadas, mantendo as demais variáveis constantes e alterando a variável escolhida, avaliando, assim, os resultados em termos de inflação estimada pelo modelo.17
A primeira variável escolhida é a inflação defasada. Deixamos essa variável evoluir, começando em zero e aumentando) a uma taxa positiva constante. Obtivemos assim a relação funcional, que mostra que, à medida que a inflação defasada aumenta com o passar do tempo, a inflação estimada também aumenta. Isso pode ser visto no Gráfico 3, em que o eixo das ordenada representa a inflação estimada, e o eixo da abscissa, os períodos (considerando que a cada período o valor da inflação defasada aumenta).
O mesmo exercício foi feito para a "inflação importada em R$" defasada. Deixamos essa variável evoluir, começando em zero e aumentando a uma taxa positiva constante. Obtivemos, assim, a relação funcional, que mostra que, à medida que a "inflação importada em R$" defasada aumenta com o passar do tempo, a inflação estimada também aumenta. O resultado está dentro do esperado, uma vez que uma inflação importada em R$ mais alta significa aumento nos preços dos bens transacionáveis, que é repassada para os custos e preços domésticos. Isso pode ser visto no Gráfico 4.

Gráfico 4 Relação funcional entre inflação importada em R$ (positiva) e inflação Fonte: Elaboração própria
Com a finalidade de avaliar se há assimetria entre a inflação importada medida em R$ quando essa recebe um choque negativo ou positivo com relação ao efeito sobre a taxa de inflação, refizemos o exercício para a "inflação importada em R$" defasada. Agora, deixamos essa variável evoluir, começando em zero e diminuindo a uma taxa constante. Obtivemos, assim, a relação funcional, que mostra que, à medida que a "inflação importada em R$" defasada diminui com o passar do tempo, gera um efeito bem menor em termos de redução da inflação, conforme pode ser visto no Gráfico 5, em que o eixo das ordenada representa a inflação estimada, e o eixo da abscissa, os períodos (considerando que a cada período o valor da "inflação importada em R$" defasada diminui). Isso pode indicar que, em períodos em que a inflação importada diminui, parte desse ganho não é repassado para os preços, o que faz com que as margens de lucro aumentem.

Gráfico 5 Relação funcional entre inflação importada (negativa) em R$ sobre a inflação Fonte: Elaboração própria
No Gráfico 6, mostramos o resultado em termos de inflação estimada quando o hiato do produto evolui positivamente, em que o eixo da ordenada representa a inflação estimada, e o eixo da abscissa, os períodos (considerando que a cada período o valor do hiato do produto aumenta). Assim, o hiato do produto começa em zero e evolui a uma taxa positiva constante. Os resultados obtidos não condizem com o esperado. A relação encontrada entre as variáveis é não linear, em que, às vezes, o aumento no hiato do produto aumenta a inflação, às vezes, diminui. Dessa maneira, parece não haver relação sistemática de que hiatos positivos levem necessariamente a aumentos na inflação.
Uma hipótese para tal resultado é que a própria maneira que o hiato é calculado, pelo Filtro HP, implica que esse tem necessariamente média zero e hiatos simétricos,18 oscilando em torno dessa média, o que pode fazer com que hiatos maiores de produto estejam associados à inflação mais alta em alguns períodos e hiatos ainda maiores estejam associados à inflação mais baixa em outros períodos. Ou seja, o método de cálculo do filtro HP e seus resultados simétricos em termos de hiato do produto parece ser incompatível com a dinâmica recente da inflação brasileira.
Isso também explica o fato de que alguns trabalhos encontram relação significante do hiato do produto sobre a inflação, ao passo que outros não encontram, conforme discutido na seção 3 deste trabalho. Isso porque a aproximação linear de uma relação não linear como aparece acima, dependendo do recorte feito na amostra, pode levar a hiatos positivos, negativos ou não significantes. Essa sensibilidade à amostra escolhida é ainda maior, visto que, segundo Barbosa-Filho (2009), a própria série do hiato do produto se modifica quando novas observações são introduzidas (quando calculado pelo Filtro HP).
Uma possível hipótese levantada para o fato de o resultado do hiato do produto sobre a inflação ter se mostrado não linear é que consideramos no Modelo 2 o hiato do produto com apenas uma defasagem. Em uma estimação mais recente, Holland (2010), utilizando amostra mensal de 1999 a 2008, o hiato do produto com três defasagens aparece como estatisticamente significante e com sinal esperado. Dessa maneira, estimamos o Modelo 3, que é igual ao Modelo 2; porém, considera o hiato do produto com três defasagens, em vez de uma defasagem. O resultado em termos de R2 do modelo estimado por Redes Neurais é igual, também 0,90.
A relação funcional entre inflação estimada e inflação defasada, assim como para a inflação importada em R$, é igual à do Modelo 2. A relação entre inflação estimada e hiato do produto, entretanto, difere da do Modelo 2. Agora, ao invés do caráter cíclico, a relação entre hiato e inflação é negativa. Conforme pode ser visto no Gráfico 7, aumentos no hiato do produto levam à diminuição da inflação, em que o eixo das ordenadas representa a inflação estimada, e o eixo da abscissa, os períodos (considerando que a cada período o valor do hiato do produto aumenta). O sinal da relação é, portanto, contrário ao que seria esperado, ou encontrado em Holland (2010).

Gráfico 7 Relação funcional entre hiato do produto defasado (positivo) e inflação Fonte: Elaboração própria
Estimamos ainda o Modelo 4, que reproduz o Modelo 2, porém acrescenta a variável "Variação da taxa Selic" (taxa básica nominal de juros) defasada, para captar o efeito do canal de custo dos juros sobre o preço, discutidos na seção 2. Os resultados do modelo melhoram um pouco ao introduzir variação da taxa Selic defasada pelo critério do R2, que aumenta para 0,91.
Analisando as simulações para achar as relações funcionais entre as variáveis, notamos que a introdução da taxa de juros Selic não altera o comportamento da relação do hiato do produto com a inflação, que continua sendo não linear, conforme pode ser visto no Gráfico 8.
Para a relação entre a inflação estimada e a variação da taxa Selic, podemos notar que esta é positiva, conforme pode ser visto no Gráfico 9. Note que, nos primeiros períodos (em que as variações da taxa de juros são pequenas), não há relação entre variação da taxa de juros e inflação estimada, e esta última começa a apresentar relação positiva com a variação da Selic apenas quando as variações na taxa Selic passam de certa magnitude (no caso, o limite parece ser variações da taxa Selic anualizada acima de 2,5 p.p., que ocorre após o período 15).
Esse resultado, que muitas vezes é referido como "price puzzle", uma vez que a teoria convencional espera que aumentos na taxa básica de juros devam diminuir a inflação, pode ser explicado pela ideia de que os custos financeiros e/ou as margens de lucro têm relação positiva com a taxa de juros, conforme discutido na seção 2 deste artigo.19 Nesse caso, o que parece é que apenas variações mais fortes na Selic atingem os custos financeiros e a taxa de juros de longo prazo de maneira forte e com consequências para o repasse nos preços.
Da mesma maneira, os resultados em termos de inflação estimada quando a variação da taxa de juros Selic evolui de maneira negativa (partindo de zero) mostram também que, apenas a partir de diminuições mais fortes da taxa de juros, a inflação começa a declinar, conforme observado no Gráfico 10.
Por fim, dois pontos que precisam ser mais bem esclarecidos: um sobre a questão das expectativas inflacionárias e outro sobre o hiato do produto como medida das pressões de demanda.
Com relação às expectativas inflacionárias, cabe fazer uma pequena discussão sobre o motivo da não inclusão dessa variável para explicar a inflação brasileira. Um questionamento que pode surgir ao se colocar apenas a variável de inflação defasada é que as expectativas não estão sendo incorporadas no modelo para explicar a inflação brasileira. Fizemos, porém, o teste da inclusão no Modelo 4 de uma variável de expectativa inflacionária (medida pela pesquisa Focus, inflação esperada 12 meses à frente),20 e notamos que essa variável não melhora o modelo (O R2 sem expectativa era de 0.91 e ficou em 0.90). Além disso, as relações que tínhamos encontrado das outras variáveis no Modelo 4 não mudaram. Uma possível explicação para esse resultado pode ser devido ao fato de que encontramos forte correlação (de 0.89) entre a expectativa inflacionária e a inflação defasada (t-1), o que está de acordo com outros resultados encontrados em trabalhos sobre essa questão (Silva Filho, 2006; Guillén, 2008) e com as proposições teóricas discutidas na seção 2 deste artigo (ver notas de rodapé 5 e 6).
No que concerne ao Filtro HP como medida das pressões de demanda, é fato que tal dispositivo é usado em grande parte dos trabalhos empíricos sobre a inflação (e o produto potencial) no Brasil. Por isso, usamos neste primeiro trabalho de estimação dos determinantes da inflação pelo método das Redes Neurais tal dispositivo, até para dialogar com outros trabalhos que usam métodos lineares. Todavia, existe uma versão na literatura novo-keynesiana mais recente que busca medir as pressões de demanda pela evolução do custo marginal real. Segundo essa visão, o hiato do produto só seria uma boa medida de pressão de demanda se estiver relacionado com a evolução do custo marginal real.
Cabe ressaltar que no Brasil existe um trabalho que analisa a relação entre inflação e custo marginal real (Nunes, 2008). Nesse trabalho, os resultados não parecem ser muito favoráveis a esse indicador, uma vez que a série gerada de custo unitário real cresce na maior parte do período a taxas muito menores que a taxa de inflação. Graças a esse fator e também a outros problemas teóricos relacionados à curva de Phillips Novo-Keynesiana (ver Gordon, 2011), consideramos que esse método requer atenção especial e deixaremos tal estimação para um trabalho posterior.
6_Considerações finais
Neste artigo, buscamos contribuir para o debate sobre a dinâmica da inflação brasileira recente e suas causas, utilizando um método de estimação que capta, além das relações lineares entre as variáveis, possíveis não linearidades. Dessa forma, podemos avaliar alguns resultados controversos obtidos na literatura empírica que utilizam métodos lineares de estimação.
O principal resultado deste artigo é mostrar que parece haver relações não lineares entre as variáveis selecionadas e a inflação, que apontam na direção de entender possíveis resultados controversos na literatura empírica. No que tange ao hiato do produto medido pelo filtro HP, observou-se que a relação com a inflação é não linear e cíclica, ou seja, às vezes hiatos do produto mais altos geram mais inflação e às vezes menos. Isso ajuda a explicar por que os métodos lineares encontram parâmetros com sinais diferentes e às vezes estatisticamente não significativos para a relação entre hiato do produto e inflação. Ou seja, dependendo do recorte amostral, uma aproximação linear para uma relação não linear dessa maneira produzirá relações positivas, negativas ou nenhuma relação definida entre hiato do produto e inflação (além de que a própria série do hiato muda à medida que novas observações são incorporadas). Esse resultado parece estar muito ligado à maneira como o hiato é estimada pelo filtro HP.
No que diz respeito à inflação importada e à variação da taxa de juros, mostramos que essas variáveis mostram relações mais definidas com a inflação e com justificativa teórica pela via da inflação dos custos. Os resultados mostram ainda não linearidades entre essas relações. Por fim, a inércia inflacionária é importante, e o modelo não parece melhorar com a incorporação da variável de expectativas junto com a inércia para explicar os determinantes da inflação.