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A queda da pobreza e da concentração de renda no Brasil. "À la Recherche" da teoria perdida* * Obviamente, o título diz respeito à obra mais conhecida de M. Proust. Preferimos deixar a expressão em francês "à la Recherche", a fim de contornar a polêmica sobre a sua tradução, se seria preferível "à procura" ou "em busca". Ver Conti (2013).

Resumo:

Nos últimos 20 anos, os indicadores de pobreza e desigualdade no Brasil registraram queda robusta, não revertida por conjunturas adversas, variando unicamente a velocidade desses ganhos. As pesquisas empíricas concentraram sua atenção na contabilidade dos parâmetros que teriam possibilitado esses ganhos, sendo assinaladas variáveis que vão desde a transição demográfica, passam pelos programas de transferência condicionada de renda (Bolsa-Família) e chegam até um espaço crucial: o desempenho do mercado de trabalho (formalização, escolaridade, salário mínimo, etc.). Concentrando-nos no mercado de trabalho, neste artigo tentamos alertar sobre a falta de referencial teórico nos exercícios realizados. A falta de referenciais analíticos é evidente na escolha das variáveis, que fazem parte de modelos teóricos concorrentes entre si. A ausência de âncoras conceituais introduz dúvidas sobre as raízes últimas na queda da pobreza e da desigualdade.

Palavras-chave:
determinação de salários; distribuição; pobreza

Abstract:

In the past 20 years, poverty and inequality indicators in Brazil recorded a robust decay, not reverted by adverse circumstances, varying only in the velocity of these gains. Empirical researches focus their attention on accounting for the parameters that would have made these changes possibles, finding variables that go from demographic transition, through conditional income transference programs (Bolsa-Família) to a crucial arena: labor market performance (formalization, schooling, minimum wage, etc.). In this paper, we concentrate on the labor market, trying to call attention to the lack of theoretical reference in the performed exercises. This lack of analytical references is apparent in the choice of variables that are part of the competing theoretical models. The absence of conceptual anchors generates doubts about the origins of the latest reductions in poverty and inequality.

Keywords:
wage determination; distribution; poverty

1. Introdução

No período posterior ao Plano Real (1994), aspectos associados à distribuição de renda e à pobreza ganharam destaque na pesquisa empírica. Tendo conseguido administrar a variação dos preços em patamares próximos aos dos países mais desenvolvidos, o elevado grau de concentração de renda e a pobreza de cunho mais estrutural, ou seja, não associadas à conjuntura quase hiperinflacionária, retornaram, como temas de pesquisa e debate, a um nível de popularidade similar ao que se tinha visto nos anos 1960-1970. Em um primeiro momento, a brusca queda nos patamares de inflação teria tido impacto direto sobre os patamares de pobreza (Rocha, 1996ROCHA, S. A. Renda e pobreza: Os impactos do Plano Real. Texto para Discussão n. 439. Rio de Janeiro: IPEA, dez. 1996.), ainda que não tenha afetado sensivelmente a distribuição (Rocha, 2000). Passados esses impactos iniciais, uma leitura dos dados permitiria chegar à conclusão de que a abrangência da pobreza no Brasil não era compatível com o seu nível de desenvolvimento e que o grau de concentração explicaria a abrangência de pessoas situadas abaixo das linhas de indigência e pobreza (Rocha, 2000ROCHA, S. A. Pobreza e desigualdade no Brasil: O esgotamento dos efeitos distributivos do Plano Real. Texto para Discussão n. 721. Rio de Janeiro: IPEA, abr. 2000.). Nesse sentido, a principal fonte de combate à pobreza deveria passar pela desconcentração de renda, que mereceria ser privilegiada (pelo seu impacto sobre a pobreza) sobre as políticas de crescimento (Paes de Barros; Henriques; Mendonça, 2001PAES DE BARROS, R.; HENRIQUES, R.; MENDONÇA, R. A estabilidade inaceitável: Desigualdade e pobreza no Brasil. Texto para Discussão n. 800. Rio de Janeiro: IPEA, jun. 2001.).

Contudo, diferentemente das décadas de 1960-1970, quando o debate ficou restrito ao âmbito acadêmico sem desdobramentos em termos de política pública e sem perceptíveis alterações nos indicadores sociais, o Brasil pós-Real foi cenário de uma série de mudanças em termos institucionais (aumento dos beneficiados pela Previdência Social, programas de transferência de renda condicionada, sensível recuperação do salário mínimo, etc.). Paralelamente a essas mudanças na institucionalidade, depois do ano 2000, a conjuntura externa foi extremamente favorável ao país (preços relativos muito favoráveis às commodities exportadas, dinamismo na demanda por nossas exportações, etc.). Simultaneamente às mudanças institucionais e a um cenário externo de bonança, outros parâmetros apresentam sensível e favorável evolução: a elasticidade emprego-produto se eleva; o emprego formal evolui de forma radicalmente diferente daquela da década anterior, etc. Nessas circunstâncias, mesmo depois de esgotados os efeitos da reversão da hiperinflação, os índices de pobreza e concentração continuam caindo. Essa verdadeira "reviravolta" na situação social, que sugeria uma ruptura com a história do Brasil nessa área, obviamente despertou natural curiosidade e foi objeto de ampla pesquisa empírica. Diferentemente dos anos 1960-1970, quando as bases de dados eram escassas, esparsas no tempo (censos a cada dez anos) e/ou com reduzida cobertura espacial, agora as fontes são mais robustas estatisticamente e regulares no tempo.1 1 Inicialmente, a PNAD, hoje principal fonte de dados para as pesquisas sobre pobreza e distribuição, foi a campo no segundo semestre de 1967 e foi planejada uma periodicidade trimestral. Contudo, foi interrompida em 1970 (Censo), reiniciada no quarto trimestre de 1971, mas dessa vez a periodicidade seria anual. Volta a ser interrompida em 1973 em razão das atividades do Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF) e é reiniciada em 1976. A maior disponibilização de microdados popularizou sua utilização, possibilitando que diversas variáveis explicativas fossem testadas. Contudo, em termos metodológicos, essa maior disponibilização de bases de dados gerou mudanças radicais nas formas de pesquisa. Se, historicamente, as séries estatísticas ou os ensaios experimentais/semiexperimentais serviam para testar a aderência (capacidade explicativa) de um modelo teórico, hoje estamos diante de um descolamento entre teoria e exercícios estatísticos. Variáveis são incluídas sem nenhum referencial analítico ou, usualmente, são ainda introduzidas, simultaneamente, variáveis que fazem sentido em marcos teóricos concorrentes. Assim, podem ser encontrados resultados nos quais coabitam parâmetros que só fazem sentido em modelos explicativos concorrentes. Na total ausência de uma matriz teórica que ancore a escolha das variáveis, a existência de relações espúrias não pode ser descartada.

Nosso objetivo no presente artigo consiste em induzir à reflexão, no caso das análises sobre a recente queda nos índices de pobreza e concentração de renda, sobre o crescente distanciamento entre o arcabouço analítico das escolas de pensamento consolidadas e os esforços de pesquisa empírica. Dado esse objetivo, estruturamos o artigo da seguinte forma. Na próxima seção, faremos uma resenha da literatura em torno das variáveis normalmente identificadas como sendo a origem da redução da pobreza/desigualdade. Dedicaremos a seção III a um referencial teórico sobre a questão da pobreza e a distribuição de renda, destacando diferenciais entre marcos conceituais que, em princípio, deveriam nortear os exercícios empíricos. Na seção IV, enfatizaremos e exemplificaremos o divórcio entre os marcos analíticos já sedimentados na literatura e os exercícios empíricos, que dificultam a compreensão dos fatores que determinaram a queda na pobreza e na desigualdade nos últimos 20 anos. Por último, na seção V, concluiremos o artigo realizando um balanço dos argumentos apresentados.

2. Uma breve resenha da literatura

2.1 As variáveis corriqueiramente testadas

As pesquisas empíricas que tentaram identificar e quantificar os fatores que contribuíram para a redução da pobreza e da desigualdade coincidem em identificar uma série de variáveis que, combinadas, teriam resultado na já mencionada queda.

Em geral, essas variáveis seriam:

a) Transição demográfica

Existiriam evidências de que as alterações demográficas pelas quais passou o Brasil nos últimos 20 anos teriam contribuído para a melhoria dos indicadores sociais relativos à pobreza e à distribuição - ver, por exemplo, IPEA (2006)IPEA. Sobre a recente queda da desigualdade de renda no Brasil. Nota Técnica. ago. 2006. Disponível em: <Disponível em: http://zip.net/brpmFP >. Acesso em: dez. 2013.
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, Wajnman, Turra e Agostinho (2007WAJNMAN, S.; TURRA, C. M.; AGOSTINHO, C. S. Estrutura domiciliar e distribuição de renda familiar no Brasil. In: PAES DE BARROS, R.; FOGUEL, M.; ULYSSEA, G. (Org.). Desigualdade de renda no Brasil: Uma análise da queda recente., Brasília: IPEA 2007. Vol. 1. Capítulo 14. p. 423-442.), Cunha et al. (2012CUNHA, P. S. et al. Simulação dos efeitos demográficos sobre a desigualdade de renda no Brasil por escolaridade, sexo, idade e status rural urbano, de 1960 a 2000. In: SEMINÁRIO DE ECONOMIA MINEIRA, 15., 2012, Diamantina. Anais do XV Seminário da Economia Mineira Encontra. Diamantina/MG: 2012. Disponível em: <Disponível em: http://zip.net/bhpmCn >. Acesso em: dez. 2013.
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). Os nexos entre a redução do crescimento da população e a queda na pobreza e na concentração são mais ou menos óbvios, não estando sujeitos a maior debate e dizem respeito à maior participação da mão de obra familiar no mercado de trabalho, à medida que a proporção de crianças cai.2 2 Acabamos de afirmar que não existe maior polêmica no tocante aos impactos da queda na natalidade (especialmente entre as famílias de menores rendimentos) sobre os níveis de pobreza e desigualdade. Contudo, as relações de causalidade entre pobreza e natalidade estão longe de ser um consenso, sendo histórica a discrepância entre os que afirmam que a pobreza é determinante na elevada natalidade e aqueles que identificam na elevada natalidade um dos fatores que alimentam o círculo vicioso da pobreza. Uma vez que a queda na fecundidade atinge em maior extensão as famílias dos primeiros decis da distribuição, a variável demográfica tem impacto direto sobre os indicadores de pobreza e concentração de renda. Contudo, nas verificações empíricas (ver, por exemplo, IPEA, 2006) o fator demográfico, no caso do Brasil, seria negligenciável ou marginal na explicação das transformações sociais dos últimos 20 anos.

b) Aumento do emprego formal/queda da informalidade

A partir de 1999, a elasticidade PIB-emprego formal registrou uma ruptura com respeito aos valores observados no período imediatamente posterior à estabilização de 1994 (Ramos, 2003RAMOS, C. A. O emprego nos anos 90: O regime macroeconômico importa? Mercado de Trabalho, Conjuntura e Análise, Rio de Janeiro: IPEA, n. 22, p. 11-14, nov. 2003.). A maior sensibilidade do emprego formal a variações no nível de atividade, na presença de uma aceleração da variação média do PIB, especialmente nos anos 2004-2008, redundou em uma queda do espaço informal no mercado de trabalho. Logicamente, a queda na proporção dependerá da definição do setor informal, mas, em geral, a redução da informalidade nos anos posteriores a 2002 é tão evidente que, independentemente da definição de informalidade, não deixa espaço para o debate.3 3 Por exemplo, se definimos setor informal como aqueles ocupados que não possuem carteira de trabalho assinada (não consideramos neste conjunto os estatutários, que não possuem carteira) e os autônomos que não contribuem para a Previdência, os percentuais de informalidade entre os ocupados caem de quase 44% em 2002 para algum percentual em torno de 35%/36% em 2011 (Fonte: Microdados PNAD; elaboração própria). De acordo com a definição de informalidade, esses percentuais podem ser diferentes. Mas, independentemente da definição, a queda foi muito acentuada a partir de 1999. Por exemplo, no IPEA-DATA, os percentuais foram de 60,7% (1999) e de 46,3% (2012). Essa diminuição da informalidade era esperada, uma vez que a importância do espaço formal depende do ciclo, aumentando no crescimento e se reduzindo na recessão. Esse caráter pró-cíclico do emprego formal é compartilhado por diversas matrizes teóricas, cabendo tanto nos históricos modelos a la PREALC como em abordagens mais modernas (ver, por exemplo, Corseuil e Foguel, 2011CORSEUIL, C. H. L.; FOGUEL, M. N. Expansão econômica e aumento da formalização das relações de trabalho: Uma abordagem através das contratações. Texto para Discussão n. 1571. Rio de Janeiro: IPEA, jan. 2011. ). Ou seja, em princípio, o aumento da formalidade dos anos 2000 pode ser creditado ao crescimento econômico.

Fica pendente, porém, uma explicação sobre a radical mudança na elasticidade produto-emprego formal quando a referência é a década de 1990. O desdobramento desse aumento da formalidade sobre os índices de pobreza e distribuição parece um aspecto menos controverso. Em geral, a formalidade/informalidade seriam formas diferentes de inserção no mercado de trabalho com elementos de segmentação, entendida esta última como uma diferenciação de rendimentos não oriunda de diferenciais de produtividade. Uma vez que, ceteribus-paribus, os rendimentos no espaço formal seriam superiores aos observados na informalidade, a transição da informalidade para a formalidade teria ganhos tanto em termos de pobreza como de distribuição.4 4 Contudo, mesmo rejeitando a hipótese de segmentação, no mercado de trabalho brasileiro persiste um diferencial de rendimentos em favor do setor formal. Esse diferencial seria reduzido no tempo (Curi; Menezes-Filho, 2006), mas persiste. A hipótese de segmentação tem suas raízes nas próprias origens do conceito de informalidade e na dualidade formal/informal a la PREALC. A qualidade dos postos de trabalho no setor formal (inclusive o nível de salários) seria superior ao observado no outro polo. Dessa forma, controlado por características individuais, um posto de trabalho no segmento formal verificaria um rendimento superior a uma vaga oferecida na informalidade. No caso do Brasil, as avaliações empíricas em torno da hipótese de segmentação são não conclusivas, ainda que existam indícios sobre sua existência (ver, por exemplo, Da Silva e Pero, 2008DA SILVA, A. F. R. E.; PERO, V. L. P. Segmentação no mercado de trabalho e mobilidade de renda entre 2002 e 2007. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 36., 2008, Salvador. Anais do XXXVI Encontro Nacional de Economia. ANPEC, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://zip.net/bvpmDl >. Acesso em: dez. 2013.
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).5 5 No caso dos trabalhos empíricos que relativizam a hipótese de segmentação, podemos citar Curi e Menezes-Filho (2006), artigo que já mencionamos no rodapé anterior. Nesse sentido, o aumento da formalidade observado nos anos 2000 teria como corolário a redução nas disparidades salariais.6 6 Voltaremos sobre os aspectos distributivos associados à segmentação e à discriminação no mercado de trabalho nos próximos parágrafos.

c) Elevação do salário mínimo real

Uma vez que o valor do salário mínimo (SM) influencia não unicamente as variáveis do mercado de trabalho, mas também o patamar mínimo de benefícios na área social (como as aposentadorias e os benefícios de prestação continuada), os impactos sobre a pobreza e a distribuição podem percorrer dois caminhos. Um é direto, uma vez que os benefícios sociais são diretamente atrelados ao valor do SM. O outro é mais complexo/indireto e diz respeito aos impactos sobre o mercado de trabalho. Adjetivamos esses desdobramentos como mais complexos e indiretos, visto que alterações no poder de compra do salário mínimo podem afetar a oferta de trabalho, os salários relativos, a demanda de trabalho, etc. Ao expressivo aumento do poder de compra do salário mínimo, posteriormente ao plano de estabilização de meados dos anos 1990, é atribuída uma importância crucial na redução da pobreza e na queda na desigualdade.7 7 Em dezembro de 2012, o salário mínimo real era 157% superior ao observado em igual mês de 1995. Se temos como base dezembro de 1999 (e a escolha desse ano pode ser justificada pelo aumento da formalização a partir de então), a elevação foi de quase 96%. Independentemente da base escolhida como comparação, o aumento do SM real na década passada foi muito elevado (IPEA-DATA). Dada a importância que essa variável tem nas verificações empíricas sobre a evolução da pobreza e distribuição, consideramos pertinente reproduzir, só a título de exemplo, duas afirmações: "Esta queda consistente da desigualdade se deve a um conjunto excepcionalmente favorável de fatores [...]. E, finalmente, a política de valorização do salário mínimo, que afetou tanto o mercado de trabalho como as transferências previdenciárias e assistenciais (Rocha, 2012ROCHA, S. O declínio sustentado da desigualdade de renda no Brasil (1997-2009). Revista Economia, Niterói, v. 13, n. 3a, p. 629-645, set./dez. 2012., p. 633).

Vejamos a segunda afirmação:

Ou seja, o salário mínimo desempenha no mercado de trabalho um papel semelhante ao do Bolsa Família nas transferências de renda: apesar de representar relativamente pouca renda, ele possui um efeito altamente favorável aos mais pobres [...] o caso das rendas iguais ao salário mínimo, cuja participação tem aumentado 1,4% da renda total em 1999 para 3,6% em 2009. Este aumento do peso do salário mínimo na renda total lhe garantiu seu caráter distributivo (Soares, 2010SOARES, S. A distribuição dos rendimentos do trabalho e a queda da desigualdade de 1995-2009. Mercado de Trabalho. Conjuntura e Análise, Rio de Janeiro: IPEA, n. 45, p. 35-40, nov. 2010., p. 38-39).

Observemos que, combinando estamos diante de um conjunto de variáveis muito favorável à redução da pobreza e dos índices de concentração: aumento expressivo do salário mínimo real, elevação da formalidade e crescimento da elasticidade emprego-produto. Essas três variáveis caminhando na mesma direção não podem deixar de chamar a atenção para uma reflexão de cunho teórico, uma vez que desafia consolidados paradigmas analíticos. Voltaremos em diversas oportunidades sobre esse aspecto nos próximos parágrafos (seções III e IV).

d) Educação

A elevação no nível de educação ("anos de estudo") da força de trabalho e dos ocupados em geral é outra variável usualmente mencionada como determinante na redução dos níveis de pobreza e concentração. O perfil distributivo da educação (capital humano) teria um reflexo sobre o perfil distributivo dos rendimentos.8 8 Ver, por exemplo, Ferreira (2000). Segundo essa perspectiva, o perfil distributivo da renda não seria idêntico ao perfil distributivo do capital humano devido a "distorções" no mercado de trabalho, tais como segmentação (setorial e geográfica), discriminação, etc. Sobre esse ponto, ver Paes de Barros e Mendonça (1995). Na medida em que a desigualdade educacional ter-se-ia reduzido desde meados dos anos 1990, o corolário seria a queda nos índices de concentração. Rocha (2012ROCHA, S. O declínio sustentado da desigualdade de renda no Brasil (1997-2009). Revista Economia, Niterói, v. 13, n. 3a, p. 629-645, set./dez. 2012., p. 633) sustenta: "No que concerne ao rendimento do trabalho, houve mudanças no nível de escolaridade e no grau de desigualdade educacional, que em conjunto são o mais importante determinante do diferencial de rendimentos do trabalho".9 9 O período de referência de Rocha (2012) é 1997-2009.

e) Queda na segmentação e na discriminação no mercado de trabalho

Já mencionamos marginalmente, quando abordamos a questão da formalidade/informalidade, aspectos relativos à segmentação. Uma das possibilidades de reduzir os índices de desigualdade diz respeito à redução dos diferenciais de rendimentos oriundos não de diferenciais de produtividade, senão de características pessoais (raça ou gênero, por exemplo) ou de setores de atividade, áreas geográficas, etc., nos quais está inserido o ocupado. Existiriam evidências empíricas que induzem a concluir que parâmetros que aproximam o grau de segmentação e discriminação teriam apresentado quedas. De acordo com Paes de Barros, Franco e Mendonça (2007), avaliando os dados da primeira metade da década passada (anos 2001-2005), a redução da segmentação geográfica teria contribuído com 11% para a queda da concentração da renda per capita, sendo o percentual de 22% no caso dos rendimentos do trabalho. A segmentação que tem origem na inserção no setor de atividade também se teria reduzido e contribuído com 10% na queda da concentração da renda per capita (18% no caso dos rendimentos do trabalho). Somada à diminuição das "imperfeições no funcionamento do mercado de trabalho", a queda na discriminação (gênero e raça) e na segmentação (geográfica, setor de atividade e formal-informal), explicaria, entre 2001-2005, quase 35% na queda nos índices de redução na desigualdade nos rendimentos do trabalho.

f) Programas sociais focalizados (Bolsa-Família)

Os programas de transferência de renda com condicionalidades seriam particularmente bem focalizados e, nesse sentido, teriam tido impacto direto sobre a pobreza e a distribuição (especialmente sobre a primeira). Sobre esse ponto, não existe controvérsia nem teórica nem empírica e, em geral, não merece maiores esforços teóricos de reflexão além da atenção dedicada a quantificar empiricamente seu impacto.10 10 O único ponto teórico e empírico de pesquisa mais delicado seria aquele que relaciona as transferências de renda à oferta de trabalho. Dadas as hipóteses usuais sobre a oferta de trabalho, em termos abstratos não se pode deduzir a direção do impacto, uma vez que o efeito-substituição pode ou não prevalecer sobre o efeito-renda. Por outra parte, como a unidade de decisão não é geralmente o indivíduo senão a família, a análise fica mais complexa e de resultados ainda mais ambíguos. Contudo, as tentativas de medir o impacto não encontraram valores significativos ainda que, em determinados subconjuntos da população (mulheres, áreas rurais, etc.), um impacto marginal pode ser encontrado. Ver, por exemplo, Teixeira (2009). Estimativas (por exemplo, Soares et al. (2006SOARES, F. V.; SOARES, S.; MEDEIROS, M.; OSÓRIO, F. G. Programas de transferência de renda no Brasil: Impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão n. 1228. Brasília: IPEA, out. 2006.) atribuem ao Bolsa-Família a responsabilidade por 21% da queda do Gini entre 1995 e 2004.

g) Outros programas sociais (aposentadoria, especialmente aposentadoria rural, benefícios de prestação continuada, etc.)

Diferentemente do Bolsa Família, a vocação principal das demais iniciativas não seria reduzir o hiato entre a renda familiar per capita e uma dada linha de indigência ou pobreza. Contudo, na medida em que o piso desses programas sociais (aposentadoria, LOAS, etc.) está vinculado ao salário mínimo e têm como principais beneficiários indivíduos que integram famílias situadas abaixo da linha de pobreza/indigência, diante de uma elevação (em termos reais) do salário mínimo, esse aumento tem um transbordamento que altera os indicadores de pobreza e distribuição. Existem fortes evidências empíricas que identificam os programas de assistência social (Benefícios de Prestação Continuada) e os benefícios da Previdência Social vinculados ao mínimo como tendo impactos positivos sobre a pobreza e os rendimentos (Rocha, 2012ROCHA, S. O declínio sustentado da desigualdade de renda no Brasil (1997-2009). Revista Economia, Niterói, v. 13, n. 3a, p. 629-645, set./dez. 2012.). Segundo Soares et al. (2006SOARES, F. V.; SOARES, S.; MEDEIROS, M.; OSÓRIO, F. G. Programas de transferência de renda no Brasil: Impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão n. 1228. Brasília: IPEA, out. 2006.), os Benefícios de Prestação Continuada explicariam 7% da queda do Gini entre 1995 e 2004. No caso das aposentadorias, esse percentual seria de 32%.11 11 Temos de ser cuidadosos na leitura desses percentuais. Ou seja, eles não podem ser lidos como uma proxy da sua eficiência. Quanto mais focalizado o programa, maior seria sua eficiência. Assim, o Bolsa-Família mais os Benefícios de Prestação Continuada, ambos bem focalizados no seu desenho e na implementação, não obstante representarem em torno de menos de 1% da renda total das famílias, explicam 28% da queda no Gini. As aposentadorias, que não têm focalização, explicam 32% da queda, mas representam quase 5% da renda total das famílias. Ver o mencionado artigo de Soares et al. (2006).

2.2 A importância do mercado de trabalho

Concomitantemente a essa diversidade de variáveis usualmente identificadas como estando na raiz da queda da desigualdade e da pobreza nos últimos 20 anos, existe consenso sobre o lugar privilegiado dos parâmetros associados ao mercado de trabalho nesse processo. A explicação dessa relevância diz respeito à importância que os rendimentos do trabalho exercem no total de rendimentos da PNAD, pesquisa domiciliar usualmente utilizada como a base de dados para os trabalhos empíricos. Em termos gerais, na PNAD, mais de 75% do rendimento das famílias é oriundo das rendas do trabalho, e, assim, as mudanças nos seus indicadores adquirem um rol crucial na explicação das variações na pobreza e na distribuição. Por exemplo, IPEA (2012) IPEA. A década inclusiva (2201-2011). Desigualdade, pobreza e políticas de renda. Comunicado IPEA n. 155, set. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://zip.net/bwpl1t >. Acesso em: dez. 2013.
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sustenta que 58% da queda na concentração de renda (medida pelo Coeficiente de Gini) na década de 2000 foi provocada pela desconcentração dos rendimentos do trabalho.12 12 Seguem em importância Previdência Social (19%), Bolsa-Família (13%) e Benefícios de Prestação Continuada (4%). Simultaneamente, a desconcentração de renda explicaria 52% da queda na pobreza (IPEA, 2012). Dessa forma, observamos que variáveis do mercado de trabalho são cruciais para explicar os processos redistributivos recentes e os avanços no tocante à pobreza. Assim, Soares (2006SOARES, S. Análise de bem-estar e decomposição por fatores da queda da desigualdade entre 1995-2004., Econômica Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 83-115, jun. 2006.) atribui 75% da queda da desigualdade no período de 1995-2004 à desconcentração dos rendimentos do trabalho e também particular importância aos efeitos redistributivos do salário mínimo no mercado de trabalho, inclusive através dos impactos positivos sobre os rendimentos informais.13 13 Dada a importância desses aspectos sobre a nossa posterior discussão teórica, vamos reproduzir a frase de Soares (2006, p. 98): "[...] há também a possibilidade de que elevações no salário mínimo redistribuam renda diretamente, via mercado de trabalho. Essa possibilidade é particularmente importante no mercado informal de trabalho, no qual a presença do salário mínimo é forte".

2.3 Aspectos metodológicos: uma digressão

Antes de abordar os desafios teóricos que a queda da desigualdade e da pobreza colocam, uma questão pouco transparente, mas relevante, diz respeito à fonte de dados utilizada (a PNAD) na maioria das pesquisas.

Em geral, há consenso, sobre as qualidades e as limitações dos rendimentos levantados pela PNAD. Esses são relativamente bem contabilizados no caso daqueles oriundos do trabalho, com manifesta subestimação de outros rendimentos, por exemplo, os financeiros, uma característica de todos os levantamentos domiciliares e não unicamente da PNAD (Rocha, 2003ROCHA, S. A investigação da renda nas pesquisas domiciliares. Economia e Sociedade, Campinas, v. 12, n. 2, p. 205-224, jul./dez 2003.). No tocante aos rendimentos como aposentadoria, benefícios de prestação continuada e o programa Bolsa-Família, embora este último de contabilização mais recente, também se pode esperar uma aproximação relativamente robusta. Outros tipos de rendimento (juros, lucros, alugueis, etc.) são de difícil contabilização, e, justamente, essa subestimação está na origem (ainda que não exclusivamente) da distância entre a renda contabilizada pela PNAD e aquela que pode ser observada no Sistema de Contas Nacionais ou em outras pesquisas (como a POF).14 14 Por outra parte, está a dificuldade de separar (especialmente no caso dos trabalhadores autônomos e dos pequenos empreendimentos) a remuneração que corresponde ao trabalho do rendimento do capital.

Na realidade, essa diferenciação na contabilização de renda não tem sua origem nos distintos universos onde são pesquisados. Todos os levantamentos (seja a PNAD, seja o Sistema de Contas Nacionais, seja a POF) têm uma vocação integral, ou seja, todas as fontes de renda deveriam entrar no espaço contabilizado. Problemas intrínsecos da fonte de dados levam a esse diferencial. No caso da PNAD, existe claramente uma subestimação da renda total, resultado, em grande parte, da subestimação dos rendimentos do capital, juros, etc. No caso do Sistema de Contas Nacionais, a subestimação seria mais pronunciada nos rendimentos do trabalho (ver, por exemplo, Paes de Barros, Cury e Ulyssea, 2007PAES DE BARROS, R.; CURY, S.; ULYSSEA, G. A desigualdade de renda no Brasil encontra-se subestimada? Uma análise comparativa com base na PNAD, na POF e nas Contas Nacionais. Texto para Discussão n. 1263. Rio de Janeiro: IPEA, mar. 2007.).

Tendo em vista esses vieses, intrínsecos de cada fonte, generalizações deveriam ser cautelosas. Ou seja, quando se estima a distribuição de renda nas bases de dados da PNAD, o resultado necessariamente estará "poluído" pelo viés do próprio levantamento. Esse viés, lamentavelmente, não é aleatório. Claramente, e nesse aspecto existe consenso, os juros, os lucros, etc. estão subestimados na PNAD. No caso de pretender-se fazer um cálculo sobre a renda pessoal, a candidata "natural" será a PNAD, mas o resultado deve ser visto de forma parcimoniosa. Uma alternativa consiste em considerar apenas os dados para os quais a pesquisa tem um levantamento considerado robusto. Por exemplo, sempre no caso da PNAD, poder-se-ia considerar os rendimentos do trabalho. Nesse caso, delimitando esse subconjunto de dados, os resultados teriam que ser lidos como: "a distribuição dos rendimentos do trabalho", e não "a distribuição de renda". Nessa direção, pesquisas foram realizadas, e os resultados são ambíguos. Por exemplo, em Hoffman e Ney (2008HOFFMAN, R.; NEY, M. G. A recente queda da desigualdade de renda no Brasil: Análise de dados da PNAD, do Censo Demográfico e das Contas Nacionais. Econômica, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 7-39, jun. 2008.), a queda na concentração das rendas da PNAD na primeira metade da década passada convive com uma praticamente estável participação dos rendimentos do trabalho na renda nacional (medida pelo Sistema de Contas Nacionais). Logicamente, pode-se argumentar que a distribuição funcional e pessoal obedecem a lógicas diferentes, o Sistema de Contas Nacionais permite determinar a distribuição funcional e os levantamentos domiciliares são particularmente frágeis na determinação dos juros, dos lucros, etc. Contudo, o ponto que queremos ressaltar está vinculado aos cuidados que se deve ter quando se sustenta, com base em dados da PNAD, que a "distribuição de renda" foi alterada em tal direção. Teórica e tecnicamente, essa generalização não deveria ser feita. Porém, em termos empíricos, tentativas de compatibilização sugerem que a distribuição pessoal não se alteraria levando-se em consideração as rendas subestimadas nas pesquisas de domicílio (Paes de Barros, Cury, Ulyssea, 2007PAES DE BARROS, R.; CURY, S.; ULYSSEA, G. A desigualdade de renda no Brasil encontra-se subestimada? Uma análise comparativa com base na PNAD, na POF e nas Contas Nacionais. Texto para Discussão n. 1263. Rio de Janeiro: IPEA, mar. 2007.).15 15 As questões relativas à medição da pobreza, seja sua extensão, seja sua intensidade, não estariam afetadas pelo viés das pesquisas de domicílio, uma vez que os rendimentos do trabalho e as transferências são, de modo geral, bem captados nesses levantamentos.

2.4 As questões teóricas pendentes

Esses diversos artigos, que tentam contabilizar a contribuição de diversas variáveis sobre a distribuição de renda e níveis de pobreza, muito marginalmente, ensaiam identificar os meandros através dos quais as variáveis do mercado de trabalho, que eles próprios escolheram, alteram a distribuição de renda e os níveis de pobreza. Tomemos o caso do artigo de Soares (2010SOARES, S. A distribuição dos rendimentos do trabalho e a queda da desigualdade de 1995-2009. Mercado de Trabalho. Conjuntura e Análise, Rio de Janeiro: IPEA, n. 45, p. 35-40, nov. 2010., p. 38-39), pelo explícito de sua afirmação:

Ou seja, o salário mínimo desempenha no mercado de trabalho um papel semelhante ao do Bolsa Família nas transferências de renda: apesar de representar relativamente pouca renda, ele possui um efeito altamente favorável aos mais pobre [...]. Este aumento do peso do salário mínimo na renda total lhe garantiu seu caráter distributivo [...]. [...] A análise dos efeitos do salário mínimo é complexa, ao passo que a análise da concentração dos rendimentos do trabalho seria uma tarefa de anos de pesquisa [...].

Ou seja, o salário mínimo explica parte da queda na concentração, mas não sabemos por que. Rocha (2012ROCHA, S. O declínio sustentado da desigualdade de renda no Brasil (1997-2009). Revista Economia, Niterói, v. 13, n. 3a, p. 629-645, set./dez. 2012., p. 631) é particularmente explicita: "Além de não saber como fazer para afetar de forma significativa a distribuição de renda [...]".

Contudo, depois de realizar essa afirmação, a autora começa o processo de contabilização das variáveis usuais (salário mínimo, educação, etc.). A pergunta que daí decorre é mais ou menos óbvia: se não sabemos como alterar a distribuição de renda, como é possível contabilizar as variáveis que a alteraram? Por exemplo, se o valor do salário mínimo real altera a distribuição de renda, saberíamos como modificá-la. Se o grau de concentração do capital humano de uma economia determina a distribuição de renda, saberíamos como alterar o grau de concentração. Mas, no caso de não sabermos como modificar a distribuição, estamos, implicitamente, reconhecendo que não sabemos que fatores determinam o perfil distributivo, e, nesse caso, concluiríamos que não temos condições de identificar as variáveis a serem utilizadas no exercício empírico.

Mencionemos, outra vez, Soares (2006SOARES, F. V.; SOARES, S.; MEDEIROS, M.; OSÓRIO, F. G. Programas de transferência de renda no Brasil: Impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão n. 1228. Brasília: IPEA, out. 2006., p. 98) no tocante a mudanças na elasticidade emprego formal-produto:

[...] Uma possibilidade é que o país tenha entrado em um ciclo de crescimento sustentado e que os empregadores tenham mudado sua estratégia de contratação, admitindo mais trabalhadores com contratos formais e aumentando a demanda por trabalho não qualificado, levando assim à maior igualdade na distribuição de rendimentos do trabalho, o que se reflete na distribuição de renda domiciliar per capita.

Como no caso anterior, as perguntas voltam a ser mais ou menos naturais: por que os empregadores teriam mudado a estratégia de contratação, formalizando os vínculos? Por que teriam aumentado a demanda por trabalho não qualificado? Primeiro, não existem indícios de que as firmas mudaram as estratégias de contratação nos últimos 15 anos. Sabemos que o mercado de trabalho brasileiro apresentou forte formalização, mas não podemos deduzir, desse fato, que as firmas alteraram as estratégias de contratação. Segundo, Soares sustenta que essa mudança de estratégia pró-formalização foi verificada simultaneamente a um viés pró-trabalho não qualificado, também sem tentar uma explicação desse viés tão sui generis.16 16 Por outra parte, esse viés pró-trabalho não qualificado seria extremamente particular, uma vez que, no mundo, o viés seria para o trabalho qualificado, fato que explicaria as tendências à concentração de rendimentos nos países desenvolvidos. Ver, por exemplo, Acemoglu (2002). Retomaremos essa discussão nos próximos parágrafos. Acentuando ainda mais as interrogações, teríamos de perguntar: por que aumenta a demanda de um bem (trabalho não qualificado) quando seu preço (salário mínimo) aumenta?

3. Um retorno às fontes teóricas

Em termos de paradigmas analíticos mais ou menos sedimentados na literatura, a determinação dos rendimentos do trabalho é explicada valendo-se de duas perspectivas teóricas, antagônicas e não complementares.

3.1 O modelo padrão: produtividade-rendimentos do trabalho

O primeiro arcabouço teórico, que pela sua atual hegemonia na discussão acadêmica denominaremos de "modelo padrão", estabelece estreito vínculo entre produtividade e rendimentos. Ceteribus paribus, quanto maior a produtividade, maior o rendimento.17 17 Esta relação não seria uma hipótese, senão que o resultado deduzido de uma firma cujo objetivo exclusivo seria a maximização de lucros. A condição de primeira ordem seria a igualdade entre a produtividade marginal e a remuneração real. A condição de segunda ordem estaria assegurada dada a hipótese de produtividades marginais decrescentes. A Teoria do Capital Humano sofistica essa perspectiva, tendo como vocação explicar o diferencial de rendimentos do trabalho, uma vez que esse diferencial seria a manifestação de distintos "conhecimentos e habilidades" que, afetando positivamente a produtividade, nos permitiriam compreender a distância entre salários. O sistema escolar elevaria esses "conhecimentos e habilidades", que, no mercado de trabalho, sempre via maior produtividade, seriam recompensados por meio de rendimentos mais elevados.18 18 Logicamente, o capital humano não se reduz à escolaridade, podendo ser afetado por outras variáveis como a experiência profissional (on-the-job-learning) ou a saúde. Dados os nossos objetivos neste texto, trataremos só a escolaridade, uma vez que os artigos empíricos sobre pobreza e distribuição, pela disponibilidade de dados nas fontes estatísticas, só levam em consideração os "anos de estudo" (escolaridade). Nessa direção, em um contexto de fortíssima elevação do salário mínimo, a demanda por trabalho não qualificado teria que ter diminuído, uma vez que seu preço aumentou sensivelmente e, em princípio, esse movimento deveria ter gerado um hiato entre salário e produtividade que, necessariamente, deveria ter como corolário uma queda no emprego formal e/ou uma elevação da desocupação.

Ou seja, basicamente, a Teoria do Capital Humano sofistica a ideia básica do modelo padrão sobre a existência de um estreito vínculo entre produtividade e salários. Nessa perspectiva, o estabelecimento de um patamar legal mínimo de remuneração terá efeito negativo sobre o nível de emprego.19 19 Estamos falando do modelo padrão com suas hipóteses corriqueiras sobre mercados concorrenciais. No caso de algum grau de monopsônio do empregador sobre o emprego, o assalariado receberia um salário inferior ao valor de seu produto marginal. Nesse contexto, a fixação de um salário mínimo, dentro de um intervalo, pode elevar o nível de emprego e o salário recebido pelo assalariado. Assumir como hipótese que os empregadores possuem algum tipo de poder de monopsônio sobre uma vaga (em razão, por exemplo, de um problema de informação assimétrica com respeito aos assalariados) poderia, teoricamente, ser a justificativa para os impactos positivos que Card e Krueger (1994) encontraram quando analisaram a elevação do aumento do salário mínimo em New Jersey vis-à-vis à não mudança na vizinha Pensilvânia, em 1992. Contudo, além de ter originado ampla polêmica de pesquisa empírica, esses aumentos (que, no caso do artigo de Card e Krueguer, foi, em termos nominais, de pouco menos de 19%) não atingem à magnitude dos verificados no Brasil com posterioridade ao Plano Real. Em princípio, o salário mínimo teria como objetivo elevar o nível das menores remunerações que, na perspectiva do modelo padrão, tem, necessariamente, algum grau de correlação com a produtividade. Tendo em vista que, legalmente, se estabelece "preço mínimo" para o trabalho, as firmas, que antes maximizavam lucros, para continuar nessa situação, veem-se diante de duas alternativas: ou desligam os indivíduos que agora teriam remuneração superior a sua produtividade ou informalizam (mantendo o patamar de rendimentos anterior). No caso de a escolha ser o desligamento, seriam afastados justamente aqueles assalariados aos quais a legislação visava proteger (os de menor salário/produtividade). Assim, teríamos uma situação aparentemente paradoxal: os custos econômicos e sociais de um salário mínimo recairiam sobre os indivíduos de menor escolaridade/produtividade/salários, ou seja, os supostos beneficiários da política.

Contudo, esse nexo entre escolaridade/produtividade/salários só reflete uma dimensão no processo de formação dos rendimentos do trabalho. Para definir seu nível concreto, falta-nos a outra lâmina da "Tesoura de Marshall", neste caso, a oferta. Assim, a interação entre oferta e demanda a cada patamar de escolaridade determina a estrutura dos rendimentos ou, em outros termos, o perfil distributivo dos rendimentos do trabalho. Alterações nessa estrutura podem surgir como consequência de mudanças na oferta e/ou na demanda. Desse modo, um desenvolvimento tecnológico com viés a favor do trabalho qualificado pode alterar favoravelmente a demanda de trabalho por mão de obra com maior escolaridade, que, no caso de não ser acompanhado pela oferta, terá como corolário alteração no perfil distributivo dos rendimentos do trabalho a favor do trabalho qualificado. Vemos, assim, que a interação entre oferta e demanda para cada tipo de trabalho com certo nível de conhecimentos e habilidades ("conhecimentos e habilidades" usualmente aproximados mediante o nível de escolaridade ou os "anos de estudo") estabelece seu preço (salário). Alterações no perfil distributivo dos rendimentos do trabalho serão, dessa forma, a consequência nas mudanças na oferta e/ou na demanda por cada tipo de qualificação.

Nessa perspectiva teórica, não serão alterações institucionais ou exógenas dos níveis de salários relativos (como, por exemplo, o salário mínimo ou os sindicatos) que induzirão alterações no perfil distributivo. No caso de serem identificadas mudanças na concentração, os olhares dos pesquisadores teriam que se direcionar a pesquisar a evolução da estrutura de oferta e demanda de trabalho.20 20 Basicamente, esse seria o argumento da Teoria do Capital Humano. Logicamente, poderíamos sofisticar a análise e considerar o grau de substituição entre diferentes tipos (habilidades-conhecimentos) de mão de obra. Dados os nossos objetivos, porém, essa síntese respeita as principais proposições da mencionada escola, é usualmente utilizada como marco de referência para analisar os resultados empíricos e nos serve como contraponto com respeito ao paradigma concorrente que sintetizaremos nos próximos parágrafos.

Contudo, devemos ressaltar que, para a Teoria do Capital Humano, o nexo relevante é produtividade-salários, sendo a escolaridade uma proxy de "conhecimentos e habilidades" que, tendo o poder de alterar a produtividade, acabam por estar correlacionadas com os salários. Caso possa ser facilmente quantificada, a variável-chave deveria ser "conhecimentos e habilidades", e não "anos de estudo". Este é um aspecto de particular relevância, uma vez que a facilidade em levantar ou contabilizar os "anos de estudo" (especialmente nas pesquisas de domicílio, nos registros administrativos, etc.), ou mesmo por ser a única variável disponível para pesquisas empíricas, se por um lado induz a sua utilização, por outro, pode também tornar vulneráveis as interpretações. Com efeito, ao correlacionar "anos de estudo" com outros indicadores e realizar comparações intertemporais, assume-se que a relação entre "anos de estudo" e "conhecimentos e habilidades" apresenta estabilidade, uma hipótese muito forte e que não deveria ser adotada. A qualidade da educação pode mudar no tempo, e o nexo entre "conhecimentos-habilidades" e "anos de estudo" pode ser alterado. Assim, um ano de estudo, hoje, pode não representar a mesma agregação de "conhecimentos e habilidades" de uma década atrás ou mesmo alterar o diferencial entre distintos patamares de "anos de estudo" (a qualidade da educação entre diferentes níveis de escolaridade mudou). Nesse sentido, tudo o demais constante, não pode ser descartado que alterações no perfil distributivo entre os rendimentos do trabalho obedeçam a alterações na qualidade entre os diferentes níveis. Se os "anos de estudo" não são corrigidos pela qualidade e esta foi alterada no tempo, não sabemos o viés que podem apresentar os resultados.21 21 Justamente essa é a limitação nos estudos comparativos internacionais da relação entre o capital humano de um país e o crescimento. Quando só se dispõem de séries sobre "anos de estudo" e estes são correlacionados com crescimento, a comparabilidade entre países deve ser observada com extremo cuidado. Os dados do PISA, que poderia servir para "corrigir" ou homogeneizar as séries de "anos de estudo", são recentes, e os impactos sobre o crescimento da qualidade só poderão ser realizados em um futuro distante. Por outro lado, as informações do PISA estão restritas aos alunos de ensino médio. Nessa perspectiva, uma alteração dos retornos da educação no tempo pode estar manifestando deslocamentos da oferta e da demanda de trabalho, segundo os diferentes graus de qualificação, mas também pode ser o resultado de alterações nas qualidades relativas na educação (ou ambas as coisas simultaneamente). Suponhamos, ceteris paribus, e só a título de exemplo, uma massificação da educação superior e assumamos, com certa dose de realismo, que nessa ampliação no número de estudantes tenha havido, como custo, uma queda da qualidade. Nesse caso, o diferencial de "conhecimentos e habilidades" adquiridos no ensino médio e no superior pode ter se reduzido, o diferencial de produtividade pode ter diminuído, assim como a razão entre salários segundo grau completo/superior completo. Nesse caso, poderíamos estar diante de uma redução da concentração de rendimentos do trabalho, produto das alterações nas qualidades relativas.22 22 O Banco Mundial (2013) estuda essa possibilidade (a redução da desigualdade salarial, produto de mudanças diferenciais na qualidade da educação), no caso da experiência recente na América Latina. Em realidade, a queda da qualidade, por ser um produto direto da massificação, uma vez que a incorporação ao sistema escolar de jovens oriundos de famílias de baixos rendimentos (baixa escolaridade), historicamente excluídos do sistema escolar (especialmente dos ensinos médio e superior), poderia contribuir para reduzir o nível médio de "conhecimentos e habilidades" (produtividade) de uma dada faixa de escolaridade.

Assim, vemos que, dentro de um mesmo marco teórico, mudanças no perfil distributivo podem ser oriundas de uma multiplicidade de fatores: alterações na demanda provocadas por modificações nos salários relativos, variações na oferta, mudanças na representação de um parâmetro (por exemplo, os "conhecimentos/habilidades" que representam um ano de estudo), etc.

3.2 O modelo padrão e as "imperfeições" no funcionamento do mercado de trabalho: segmentação e discriminação

Os estreitos vínculos entre a remuneração de cada indivíduo e a sua produtividade, que pautam o paradigma teórico que sintetizamos nos parágrafos anteriores, podem merecer algumas nuances. Singularidades individuais (como gênero ou raça) ou tipos de inserção no mercado de trabalho (como área geográfica e setor de atividade) podem ser variáveis que expliquem diferenciais individuais de rendimentos que se superpõem a distâncias entendidas como produto de diferenciais de produtividade.23 23 Obviamente, a referência incontornável é Becker (1971).

O status teórico dessas variáveis explicativas sempre foi um flanco frágil para o modelo padrão (Cain, 1976CAIN, G. G. The challenge of segmented labor market theories to ortodox theory: A survey., Journal of Economic Literature Nahsville, v. 14, n. 4, p. 1215-1257, Dec. 1976.), mais suscetível de merecer avaliações empíricas do que de ser microeconomicamente fundamentado. Em geral, os candidatos "naturais" para explicar estrita falta de correspondência entre salários e produtividade seriam aspectos institucionais (falta de mobilidade espacial, sindicatos, etc.) ou culturais (no caso da discriminação, por exemplo). Ou melhor, seriam variáveis "exógenas" as que estariam na origem de diferenciais de rendimentos. Reduzir a discriminação e a segmentação não unicamente teria como corolário uma alocação do trabalho mais eficiente do fator trabalho senão que também reduziria os diferenciais de rendimentos (rendimentos do trabalho, é importante frisar) ou, em outros termos, os aproximaria dos diferenciais associados à produtividade.

Os desafios dessa abordagem eram particularmente importantes em termos teóricos (a sua fundamentação micro). Em termos analíticos, atribuir às raízes de diferenciais de salários a variáveis exógenas (culturais, institucionais, reduzida mobilidade espacial, etc.) nunca foi uma situação confortável para o modelo padrão, uma vez que as origens das distâncias entre rendimentos fugiriam a um tratamento de cunho econômico. Nesse sentido, explicações "exógenas" foram sendo paulatinamente substituídas por endógenas, produto, por exemplo, de informação assimétrica. Aqui estamos diante da segmentação que poderia ser explicada mediante os diversos modelos de salários de eficiência. Contudo, esse caminho, para maior sofisticação analítica, cai em outro problema, desta vez de natureza empírica. Ou seja, se agora estamos diante de modelos capazes de explicar teoricamente a segmentação, testar empiricamente as variáveis explicativas pode conduzir a raciocínios bem próximos de uma tautologia. Por exemplo, imaginemos que foi identificado, empiricamente, um diferencial não explicado pela produtividade. Uma das possibilidades de explicação é recorrer a algum modelo de salários de eficiência. Como sabemos que foram pagos salários de eficiência? Porque foi verificada uma segmentação e o círculo tautológico é fechado.

O artigo de Paes de Barros, Franco e Mendonça (2007)PAES DE BARROS, R.; FRANCO, S.; MENDONÇA, R. Discriminação e segmentação no mercado de trabalho e desigualdade de renda no Brasil. Texto para Discussão n. 1288. Rio de Janeiro: IPEA, jul. 2007., que mencionamos anteriormente (ver seção II), não cai nessa armadilha. Identifica, na queda da discriminação e da segmentação, poderosa fonte na explicação da queda recente da desigualdade e, de forma coerente com o modelo padrão, não menciona o salário mínimo como uma raiz nessa evolução. Contudo, cai em um vácuo, uma vez que não explica porque diminui a discriminação e a segmentação no Brasil, nos anos recentes. Obviamente, a explicação se deslocaria a variáveis exógenas (mudanças culturais, maior mobilidade setorial e geográfica, etc.), fato de difícil verificação e que reduz o apelo da explicação.

3.3 O perfil distributivo como resultado de um conflito

Em contraposição ou "competindo" com esse paradigma teórico, podemos identificar correntes que, tendo suas raízes na escola clássica de Ricardo-Marx e chegando aos pós-keynesianos, rejeitam estreita relação entre salários e produtividade. Os aspectos distributivos (seja entre a massa de salários e o excedente operacional, seja dentro da própria massa de salários) devem ser olhados, basicamente, como sendo um produto de um conflito distributivo, no qual o resultado final dependerá do poder de barganha e de fatores institucionais. Nesse caso, o salário mínimo, a legislação trabalhista, o nível de sindicalização, o poder de mercado dos empregadores, etc. serão as variáveis que determinarão o resultado do conflito pela apropriação do produto. A oferta e a demanda só deveriam ser consideradas, na medida em que alteram o poder de barganha através, por exemplo, da taxa de desemprego. Nesse sentido, aumentos no valor nominal do salário mínimo, no caso de se concretizarem em aumentos reais, podem alterar o perfil distributivo, seja na distribuição funcional (entre fatores de produção), seja na distribuição dos rendimentos do trabalho.24 24 Nesta interpretação, especialmente relevante no caso dos pós-keynesianos, a distinção entre salário nominal e real é crucial, uma vez que no mercado de trabalho só seriam determinados os salários nominais. Assim, tendo em vista que o governo (no caso do salário mínimo) ou os próprios sindicatos só teriam algum tipo de controle sobre os valores nominais, o poder de barganha só será revelado quando alterações nominais resultem em mudanças no poder de compra. Neste caso, o nível de escolaridade deixa de ser uma variável explicativa, mesmo assumindo que exista nexo entre escolaridade e produtividade, a relação de causalidade produtividade-salários reais é normalmente rejeitada.25 25 Basicamente, é rejeitada porque é rejeitada a própria nação de função de produção e de produtividades marginais. Em Robinson (1953), o questionamento de toda a teoria da distribuição denominada de "neoclássica" está bem sintetizado. Em termos de pesquisas empíricas, esse paradigma privilegiaria, no seu olhar histórico, mudanças no poder de compra do salário mínimo, alterações no grau de sindicalização, taxa de desemprego, seguro-desemprego, etc., ou seja, variáveis que, direta ou indiretamente, influenciam o poder de barganha.

Em realidade são diversas as escolas que olham criticamente a relação de causalidade produtividade→rendimentos, e as divergências entre elas podem chegar a ser profundas.26 26 Por exemplo, Robinson e Eatwell (1973) sustentam que a Teoria do Valor-Trabalho, categoria-chave na análise marxista, seria tão "metafísica" quanto a teoria subjetiva da utilidade ou as produtividades marginais na teoria marginalista. Ou seja, referentes dos pós-keynesianos colocariam quase em plano de igualdade conceitual a teoria marxista e a neoclássica. Contudo, tanto os pós-keynesianos como os marxistas rejeitam a correlação produtividade-salários e compartilham a perspectiva do conflito na distribuição de renda. Contudo, todas elas têm um denominador comum: a rejeição da função de produção e da noção de produtividade dos fatores. Compartilham, por outra parte, a ideia de que o perfil distributivo será o resultado de um conflito entre setores, classes sociais, etc. No caso da escola neoclássica, a remuneração de um fator de produção seria uma questão "técnica", uma vez que vai depender do valor da produtividade marginal.27 27 Em termos lógicos, a hierarquia do modelo padrão seria: dado o conjunto de preços relativos e supondo uma tecnologia totalmente diferenciável, as firmas (maximizadoras de lucros) escolheriam a combinação ótima de fatores e, assim, ficariam determinadas as produtividades marginais. Nas escolas que rejeitam esse arcabouço, ao não reconhecer quer seja a função de produção, quer seja a própria noção de produtividades marginais, a determinação dos rendimentos deixa de ser identificada com a produtividade marginal e passa a adquirir um cunho mais social-político-institucional.28 28 Dentro desse conjunto de paradigmas fora do mainstream, deveríamos mencionar uma em particular que, não obstante aceitar a correlação estatística entre escolaridade e salários, nega a ordem de causalidade. Para Thurow (1975), a produtividade está determinada pelo posto de trabalho, e não pela "qualidade" do trabalhador. Nesse caso, a escolaridade determinaria o lugar na fila para ocupar um posto de trabalho, fato que explicaria a mencionada correlação. Mais radicais, outras escolas olham a educação como mero mecanismo de reprodução da estrutura social (Bowles; Gintis, 1976, por exemplo).

4. A deterioração dos referenciais teóricos

Esse diferente olhar sobre as questões distributivas e o conseguinte e natural debate fica evidentes no caso de interpretações e explicações das alterações distributivas que acompanharam o denominado "Milagre brasileiro". Em geral, a polêmica tinha dois polos como marcos analíticos definidos e que norteavam os exercícios empíricos.

Um desses polos pode ser representado por Langoni (1973LANGONI, C. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1973. 315 p.), autor que centrava a explicação da crescente concentração a fatores intrínsecos ao próprio "Milagre" que, com seu dinamismo, gerariam uma demanda por mão de obra qualificada que não teria sido correspondida pela oferta, resultando em uma concentração de rendimentos. Essa interpretação que vincula o estágio de desenvolvimento a um dado perfil distributivo teria um caráter geral, que se conhece na literatura como a "Curva de Kuznets", que associa o grau de desigualdade à renda per capita. Como no caso da explicação de Langoni (1973), essa relação surgiria, basicamente, da interação entre oferta e demanda de trabalho e, no "take-off" (nos estágios iniciais e médios de desenvolvimento), aceleraria a demanda de trabalho qualificado, que, ao não encontrar sua correspondente oferta, teria como corolário maior concentração da renda. A desconcentração seria um processo tão natural como o anterior, na medida em que, um país avançasse em seu desenvolvimento, a oferta de trabalho qualificado aceleraria, e os índices de desigualdade, sempre pela atuação das forças de oferta e demanda de trabalho, cairiam.

Essa perspectiva sempre teve um paradigma concorrente, o outro polo do debate, cuja interpretação centrava sua análise no conflito distributivo. O regime político na época do "Milagre", com sua política salarial, os reajustes nominais do salário mínimo, que subestimavam a inflação futura, a repressão ao movimento sindical, etc. teria reduzido o poder de barganha dos assalariados em geral e dos poucos qualificados em particular, sendo o resultado a elevação dos índices de concentração (Fishlow, 1972FISHLOW, A. Brazilian size distribution of income. American Economic Review, Nashville, v. 1, n. 1-2, p. 391-402, Mar. 1972.).

Temos, nesse debate, explícito referencial teórico na identificação das variáveis que estão na origem de um dado perfil distributivo. As categorias de análises utilizadas na interpretação dos dados correspondem ou são compatíveis com seus marcos analíticos de referência.

Contrariamente, nos estudos em torno das alterações distributivas e na redução da pobreza posteriores ao Plano de Estabilização de 1994, primam os exercícios contábeis, sem nenhum referencial a escolas de pensamento. Essa ausência de referencial teórico leva a que, nos mesmos exercícios, sejam contempladas variáveis de paradigmas concorrentes. Assim, temos que, em Rocha (2012ROCHA, S. O declínio sustentado da desigualdade de renda no Brasil (1997-2009). Revista Economia, Niterói, v. 13, n. 3a, p. 629-645, set./dez. 2012.) ou em Soares (2010SOARES, S. A distribuição dos rendimentos do trabalho e a queda da desigualdade de 1995-2009. Mercado de Trabalho. Conjuntura e Análise, Rio de Janeiro: IPEA, n. 45, p. 35-40, nov. 2010.), por exemplo, são introduzidas, simultaneamente, como variáveis explicativas, o salário mínimo e a educação. No caso de o salário mínimo ser uma variável de referência, aspectos institucionais e conflitos distributivos seriam os elementos relevantes para explicar distribuição e pobreza. Os rendimentos não seriam um corolário da produtividade e carece de sentido a introdução da variável "educação". Contrariamente, ao introduzir a variável "educação", implicitamente um autor estaria reconhecendo o nexo produtividade-rendimentos, a interação da oferta e da demanda a cada nível de qualificação, e, portanto, o salário mínimo não deveria ser considerado uma variável pertinente na análise. Esse diferencial de perspectivas foi nítido no debate sobre a concentração de renda no Brasil durante os anos 1960-1970 e deveria continuar sendo pertinente hoje.

Vamos ilustrar essa questão com o corriqueiro exemplo sobre a relação entre o salário mínimo e a pobreza. Segundo a Teoria do Capital Humano, a pobreza é elucidada por baixos rendimentos familiares, que são o corolário natural de uma subacumulação de capital humano (baixo capital humano→baixa produtividade→baixos rendimentos→pobreza). A subacumulação de capital humano poderia ser explicada pelo ambiente familiar da geração atual e das gerações passadas. Em um ambiente de pobreza, a taxa de desconto (valor presente) é elevada, sendo inviável o "projeto de investimento" em educação. Uma família de baixíssimos rendimentos envia seus filhos ao mercado de trabalho ainda jovens, e, consequentemente, sua escolaridade fica comprometida, seus rendimentos futuros serão também reduzidos e o círculo vicioso da pobreza se prolonga no tempo. Muito sinteticamente, o arcabouço teórico da Teoria do Capital Humano nos induziria a explicar, dessa forma, a pobreza e seu círculo vicioso. Nesse sentido, a pobreza deve ser entendida, basicamente, como um produto da baixa produtividade que, por sua vez, é consequência da subacumulação de capital humano. Assim, alterações do patamar mínimo de remuneração deveriam ter resultados contraproducentes, dado que, ao elevar o rendimento por sobre a produtividade, os empregadores, agentes cuja função objetivo é a maximização de lucros, desligariam todos os empregados cujo salário deveria ser alterado. Dessa forma, o que antes seria um rendimento reduzido passaria a ser um rendimento nulo.29 29 Ou, alternativamente, receberiam seguro-desemprego, com impacto nas contas públicas. Se o objetivo da política de elevação do salário mínimo era reduzir a pobreza, muito provavelmente essa se elevaria, aumentando o custo de sua redução (especialmente para o setor público). O título de um artigo de Gary Becker (referência incontornável na Teoria do Capital Humano) no Wall Street Journal (26/1/2007), no qual avalia as tentativas de aumentar o salário mínimo nos EUA, sintetiza muito bem essa perspectiva: "How to Make the Poor Poorer". O conteúdo do artigo de Gary Becker (em coautoria com Richard A. Posner) chega a ser extremamente contundente: "(increasing federal minimum wage) is a sad example of how interest-group politics and public's ignorance of economics can combine to give us laws that manage to be both inefficient and inegalitarian" (BECKER; POSNER, 2007BECKER, G. S.; POSNER, R. A. How to make poor poorer. The Wall Street Journal, New York, 27 jan. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://zip.net/bhpmzK >. Acesso em: dez. 2013.
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).

Nosso objetivo neste artigo não consiste em avaliar em que medida a Teoria do Capital Humano é pertinente para explicar a pobreza e a desigualdade e se esse marco teórico tem correspondência com os dados. Simplesmente queremos chamar atenção para uma questão de coerência analítica. No caso de aceitar os vínculos entre "conhecimentos e habilidades" e "produtividade" e entre esta e "rendimentos", não é possível, simultaneamente, consentir que elevações no salário mínimo possam reduzir a pobreza.30 30 Exceto por mero (espúrio) fenômeno estatístico. Suponhamos um conjunto de quatro indivíduos, com rendimentos de 100, 200, 300 e 400. O salário médio seria de 250. Assumamos que esses rendimentos do trabalho têm vínculo com a produtividade. Imaginemos, agora, que o governo fixa o salário mínimo nominal em 200. O trabalhador que ganhava 100 ficará desempregado (outra possibilidade é que fique na informalidade com salário de 100, mas vamos descartar esta última alternativa). Temos, agora, um conjunto de três indivíduos com salários de 200, 300 e 400, e o salário médio elevou-se para 300. Um analista, comparando a evolução do salário médio, pode chegar à conclusão de que a elevação do salário mínimo teve impacto positivo sobre os salários.

Diversas escolas (ricardianas, marxistas, pós-keynesianas, etc.) negam o vínculo entre produtividade e salários, sendo o poder de barganha o elemento determinante na distribuição pessoal e funcional da renda. Neste caso, as variáveis a serem consideradas seriam a cobertura sindical, o poder de barganha (influenciado, por exemplo, pela taxa de desemprego), o poder de fixar preços das firmas, etc. Logicamente, nesses arcabouços teóricos, o salário mínimo é uma variável relevante e, portanto, deve ser levado em consideração. Com efeito, na medida em que variáveis institucionais (dentre elas o salário mínimo) são capazes de alterar os rendimentos reais relativos, seria coerente com o marco analítico considerar a fixação de um patamar mínimo de remuneração ao trabalho um parâmetro a ser avaliado. Contrariamente, a variável "educação", entendida como determinante de "conhecimentos e habilidades", não parece guardar correspondência com um marco analítico no qual o relevante é o poder de barganha.31 31 Logicamente, poder-se-ia arguir que tal teoria teria de explicar por que parece existir, na maioria dos países, correlação estreita e positiva entre "anos de estudo" e "rendimentos do trabalho". Contudo, o nosso objetivo neste artigo não está direcionado a verificar a correspondência entre o marco analítico e a série de dados.

Observamos, assim, que duas perspectivas teóricas concorrentes podem merecer avaliação empírica e serem referenciais para interpretar trajetórias temporais e espaciais de séries. Todavia, as variáveis escolhidas para os exercícios empíricos teriam que guardar correspondência com o marco analítico de referência ou requerer algum esforço de reflexão teórica.

Continuemos com os exemplos sobre o crescente distanciamento entre marcos analíticos e exercícios empíricos.

O salário mínimo estaria exercendo papel positivo na redução da pobreza e das desigualdades por meio do mercado de trabalho ou, particularmente, mediante o impacto no mercado informal de trabalho. Vamos reproduzir a interpretação dos resultados empíricos encontrados em Soares (2006SOARES, F. V.; SOARES, S.; MEDEIROS, M.; OSÓRIO, F. G. Programas de transferência de renda no Brasil: Impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão n. 1228. Brasília: IPEA, out. 2006., p. 98): "[...] há também a possibilidade de que elevações no salário mínimo redistribuam renda diretamente, via mercado de trabalho. Essa possibilidade é particularmente importante no mercado informal de trabalho, no qual a presença do salário mínimo é forte".32 32 Essa possibilidade também é levantada por outros autores. Por exemplo, Neri, Gonzaga e Camargo (1998, p. 16) sustentam que: "Surpreendentemente, a legislação do salário mínimo é mais efetiva no segmento ilegal do mercado de trabalho brasileiro do que no segmento legal [...]".

Retornando ao debate dos anos 1960-1970, o papel do salário mínimo como variável explicativa da distribuição foi motivo de discussão teórica. Souza e Baltar (1979SOUZA, P.; BALTAR, P. Salário mínimo e a taxa de salários no Brasil., Pesquisa e Planejamento Econômico Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 629-660, dez. 1979., 1980SOUZA, P.; BALTAR, P. Salário mínimo e a taxa de salários no Brasil. Réplica., Pesquisa e Planejamento Econômico Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 1045-1058, dez. 1980.) sustentavam que esse patamar mínimo legalmente instituído era crucial na determinação dos rendimentos da mão de obra com pouca qualificação e/ou com pouco poder de barganha.33 33 Sempre tendo como referência o debate dos anos 1960-1970, essa perspectiva que denominamos de "institucionalista", de Souza e Baltar, foi fortemente questionada por Macedo (1976), Macedo e Garcia (1978, 1980), que, na mesma linha de Langoni (1973), identificavam, na interação da oferta e da demanda para cada tipo de qualificação, as raízes últimas do perfil distributivo dos salários. Essa perspectiva deu origem ao denominado "Efeito-Farol" do salário mínimo, que seria um parâmetro na determinação dos rendimentos tanto no segmento do mercado de mão de obra de pouca qualificação quanto nos espaços informais. Basicamente, podemos denominar a perspectiva de Souza e Baltar de institucionalista, na medida em que um parâmetro institucional (o salário mínimo) é capaz de determinar a remuneração de pelo menos uma parte da força de trabalho. Neste caso, se direcionamos a nossa atenção à tradição institucionalista (Veblen, Commons, Dunlop, Doeringer, Piore, etc.), a própria existência de um mercado de trabalho é questionada. Tradição; cultura; contratos formais ou informais, voluntários ou obrigatórios, explícitos ou implícitos, escritos ou não escritos, etc. seriam os fatores que teriam que ser olhados para compreender a determinação do nível de emprego e dos rendimentos em um mercado de trabalho longe de ser homogêneo e singularizado pela sua "balkanização". Nesse sentido, o nexo entre produtividade e salários é muito tênue. Mesmo assumindo que seja a educação que determine a produtividade, o nível de salário vai depender do indivíduo ter se inserido no mercado primário ou secundário, que, por sua vez, pode depender de sua raça/cor ou sexo, do poder de mercado da firma e da existência ou não de sindicatos que permitam se apropriar parcialmente da renda desse poder de mercado, etc. Assim, o nexo educação-produtividade-rendimento, tão caro ao modelo padrão, mesmo no caso de ter alguma validade, seria mediado por uma diversidade tal de variáveis que chega a dificultar qualquer generalidade.

Direcionemos, agora, a nossa atenção ao caso dos rendimentos nos mercados de trabalho informais. Teoricamente, a abrangência e mesmo a definição da informalidade pode variar, mas, em termos gerais, é admitido que, nos espaços informais, a legislação, em geral, e a trabalhista, em particular, não são aplicadas.34 34 Certas interpretações (Perry; Maloney, A; Fajnzylber, M. (2013) chegam a identificar a intervenção estatal (mediante seus impostos, burocracia, etc.) como a origem da informalidade. Nessas circunstâncias, por que o salário mínimo seria um parâmetro para a fixação dos rendimentos nesses mercados? Em princípio, seria um contrassenso que a fixação dos salários informais estivesse sendo pautada pelo salário mínimo. Os contratos trabalhistas no mercado informal seriam não escritos ou implícitos e de cumprimento voluntário, mas, certamente, não esperamos que estejam pautados pela legislação estatal. Por que o salário mínimo seria um "numerário" para os informais (Neri, 2000NERI, M. Efeitos informais do salário mínimo e pobreza. Texto para Discussão nº 724. Rio de Janeiro: IPEA, maio 2000.)? À margem dessa racionalidade, o ponto central para a nossa discussão é: no caso de o salário mínimo ser um parâmetro (numerário) na formação de salários, mesmo nos setores informais, o nexo produtividade-salários deveria ser questionado, questionamento compatível com a perspectiva institucionalista. Assim, o "Efeito-Farol" teria sentido em uma perspectiva institucionalista, mas carece de compatibilidade, por exemplo, com a Teoria do Capital Humano. Nesse sentido, no caso de ser aceito o impacto de um aumento do salário mínimo sobre a pobreza (via especialmente o efeito sobre o mercado informal), estaríamos, implícita ou explicitamente, negando os vínculos entre produtividade e salários ou salários e escolaridade.

Neste momento de nossa argumentação podemos introduzir outra interrogação. Segundo o modelo padrão, uma elevação do salário mínimo redundaria, tudo o demais constante, em uma queda da demanda de trabalho (ou, mais especificamente, a demanda daqueles trabalhadores cujos salários são próximos do mínimo)? Em geral, nos exercícios empíricos, encontramos duas posições. A primeira consiste em supor uma demanda de trabalho inelástica e calcular os efeitos de aumentos no salário mínimo sobre a pobreza e a distribuição.35 35 Por exemplo, Neri, Gonzaga e Camargo (1998, p. 7): "No presente estudo, estamos supondo arbitrariamente que a elasticidade emprego-salário para os trabalhadores que recebem valores próximos ao salário é nula" (O negritado é nosso). Essa inelasticidade poderia ser justificada teoricamente, mas em marcos analíticos bem distantes do modelo padrão (institucionalistas, por exemplo), e, nesse sentido, nexos escolaridade/produtividade/salários deveriam ser bem relativizados. Em outros exercícios (Ulyssea; Foguel, 2006ULYSSEA, G.; FOGUEL, M. N. Efeitos do salário mínimo sobre o mercado de trabalho brasileiro. Texto para Discussão n. 1168. Rio de Janeiro: IPEA. 2006. Disponível em Disponível em http://zip.net/bgsPcg . Acesso em: dez. 2013.
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), o efeito-negativo sobre o emprego é levado em consideração. Contudo os impactos negativos seriam muito reduzidos e, paradoxalmente, mais acentuados no setor informal. Esse resultado nos volta a remeter a questões que levantamos em parágrafos anteriores: por que motivo os efeitos (sejam positivos sobre os salários, sejam negativos sobre o nível de emprego) de alterações no salário mínimo seriam mais acentuados nos espaços informais que nos assalariados com carteira? É possível sustentar, simultaneamente, esses impactos e, paralelamente, aceitar vínculos entre produtividade e salários? Que marco analítico nos permitiria interpretar essa relação, essa simultaneidade?

Por último, como afirmamos em parágrafos anteriores, no modelo padrão aumentos na produtividade são incorporados imediatamente nos salários. Não existe "disputa" distributiva sobre os ganhos de produtividade. A incorporação destes últimos nos rendimentos do trabalho não está mediada pelo salário mínimo, pela existência de sindicatos e por seu poder de barganha.36 36 No que denominamos de "modelo padrão", uma firma maximizadora de lucros (e tomadora de preços no mercado de produto e de insumos) escolhe o nível de emprego (e, via função de produção, de oferta) no ponto em que o salário real é igual à produtividade marginal do trabalho. Aumentos (ou quedas, logicamente) nesta última traduzir-se-ão automaticamente em alterações do salário real. (A igualdade entre salário real e produtividade marginal de trabalho é a condição de primeira ordem, sendo a condição de segunda ordem assegurada pela hipótese de produtividades marginais decrescentes).

Mas, nos parece intrigante que o salário mínimo seja considerado uma variável explicativa e não chamar para avaliação empírica uma outra variável institucional: a sindicalização ou não de um indivíduo. Esta, que é também uma proxy do poder de barganha e está contido na PNAD, deveria ser considerada. Em outros termos, introduzir uma variável institucional (salario mínimo) e não considerar outra (sindicalização dos indivíduos) dever ser justificada.

Contrariamente, nas abordagens nas quais não existe nexo entre rendimentos e produtividade, o aumento nesta não necessariamente vai se traduzir em elevação nos rendimentos do trabalho, sendo que o aumento da produtividade deverá ser "disputado" entre as partes, com resultado incerto. Ilustremos essa possibilidade. Assumamos que temos um choque de demanda positivo (como no caso do Brasil, na década passada, com seus produtos de exportação (commodities)) via variação dos preços relativos. Dada uma produtividade física, o valor da produtividade vai aumentar. Nesse contexto, o governo eleva o salário mínimo (como foi, também, o caso do Brasil). Assumamos que os salários também aumentaram (outra vez, o exemplo do país). Assim, vamos estar diante de uma correlação entre salário mínimo e salários. Na perspectiva do modelo padrão, os salários teriam aumentado pelo choque positivo, independentemente da política salarial do governo. Porém, se o marco analítico descarta a identificação produtividade-salários, a interpretação seria diferente, e a política governamental teria pautado a distribuição dos benefícios do choque positivo. Ou seja, estaríamos diante de uma correlação que não explica as causas últimas da elevação de salários (o choque positivo).

5. Comentários finais

Tradicionalmente, a pesquisa científica adota dois tipos de abordagem. Uma alternativa consiste em partir de uma série de axiomas ou hipóteses simplificadoras e, com base nelas, desenvolver um raciocínio que permite chegar a conclusões que podem e devem ser testadas. O objetivo seria explicar/entender um dado fenômeno. Os testes empíricos tentariam determinar em que medida o modelo possibilita compreender o processo. Ou seja, primeiro se trabalha teoricamente e depois se parte para a pesquisa empírica, sendo a leitura dos dados realizada em função das variáveis e das categorias do modelo. A segunda alternativa consiste em observar os dados, detectar as relações e a partir delas são tentadas generalizações. Em geral, a escola neoclássica assume a primeira perspectiva, definindo axiomas e desenvolvendo modelos abstratos cujos resultados serão utilizados e testados na tentativa de explicar um dado fenômeno. Os institucionalistas tendem a aderir à metodologia oposta, negando a possibilidade de generalizações abstratas na economia, em geral, e no mercado de trabalho, em particular. O modelo de funcionamento de um dado mercado de trabalho teria que ser construído partindo de uma leitura das instituições (contratos formais ou informais, entendimentos implícitos, tradição cultural, legislação, fiscalização, etc.) e, valendo-se dessa leitura, construir estilizações de seu funcionamento. Sempre segundo os institucionalistas, o modelo não poderia ter como base um conjunto de axiomas abstratos, sem espaço nem tempo.

Neste artigo, tentamos mostrar que, no caso do Brasil, a pesquisa empírica em torno da queda da pobreza e da concentração de renda não obedeceu a nenhuma dessas possibilidades. Em geral, nos artigos, são pinçadas variáveis que fazem sentido em marcos analíticos bem específicos e, como tentamos salientar, até antagônicos. Um dos maiores especialistas nos exercícios de contabilização percebe o problema, mas passa ao largo dele:

A análise dos efeitos do salário mínimo é complexa [...]. A Teoria do Capital Humano outorga às melhorias educacionais ocorridas a partir dos anos 1990 o crédito pela queda da desigualdade [...]. O fato é que não se tem ainda uma boa explicação de por que esse coeficiente de concentração de 73% das famílias tem caído desde 1997 (Soares, 2010SOARES, S. A distribuição dos rendimentos do trabalho e a queda da desigualdade de 1995-2009. Mercado de Trabalho. Conjuntura e Análise, Rio de Janeiro: IPEA, n. 45, p. 35-40, nov. 2010., p. 39).

Em realidade, não possuímos uma "boa explicação porque temos um modelo ex-ante nem se realizam esforços para teorizar ex-post. As variáveis parecem ser escolhidas aleatoriamente sem nenhum tipo de esforço por adquirir alguma densidade analítica. Por exemplo, o salário mínimo seria uma instituição, um numerário mesmo para os assalariados informais. Mas por que se considera o salário mínimo, e não outra instituição, como os sindicatos?

Essa ausência de qualquer referencial teórico (ou a justaposição de variáveis de diversos referenciais) não permite explicar a singularidade do Brasil nos últimos 15 anos. Nesse período, a concentração de renda parece ter-se acentuado nos países centrais e mesmo em certas economias emergentes, como a China. No caso da pobreza a queda parece ter sido mais generalizada.37 37 Nos EUA, o Gini (pós-impostos e transferências) passou de 0.36 em 1995 para 0.38 em 2010. Mesmo países historicamente preocupados com a questão da igualdade de renda registraram aumentos nesse coeficiente. Na Suécia, por exemplo, esse parâmetro passou de 0.21 (1995) para 0.27 (2010) (OCDE, Satat, 2013). Na China, o Gini passou de 0.324 (1990) para 0.392 (1999), chegando a 0.43 (2010). Contudo, a pobreza (U$S 1.25 por dia PPP) caiu de forma radical, passando de 54,1% da população da China, em 1995, para 11,8% em 2009 (World Bank Data, 2013). Ou seja, na China, temos forte queda da pobreza e expressivo aumento na concentração. Em maior ou menor grau, todos os países passaram por processos semelhantes (abertura dos mercados, realocação internacional da atividade industrial, novas tecnologias complementares de capital humano qualificado, etc.). Por que o Brasil teria logrado reduzir, simultaneamente, a pobreza e a concentração?

Ao não estar ancorado em algum tipo de paradigma analítico, processos associados a dinâmicas no mercado de trabalho, como o surgimento da denominada "nova classe média", merecem análises que também se caracterizam por um acentuado empiricismo. Por exemplo, existem evidências de que as atividades/profissões que historicamente foram a raiz da classe média nos países centrais ou foram codificadas e sofreram uma substituição de trabalho por capital e/ou foram transferidas para países de baixos salários (China, Índia, Sudeste Asiático, etc.). Assim, o mercado de trabalho ter-se-ia dinamizado nos extremos: recursos humanos de altíssima qualificação (complementar das novas tecnologias) ou trabalho não qualificado nos serviços, que não poderia ser codificado e/ou cujas atividades são não comercializáveis (Acemoglu; Autor, 2012ACEMOGLU, D.; AUTOR, D. What does human capital do? A review of Goldin and Katz's the race between education and technology? Working Paper 17820. Cambridge-MA: Nation Bureau of Economic Research (NBER). Feb. 2012.). Qual seria a singularidade do Brasil que apresentou queda na pobreza, redução na desigualdade e, teoricamente, o surgimento de uma suposta nova classe média?

Nesse sentido, sabemos que os indicadores no Brasil assinalam queda nos índices de pobreza e desigualdade. Sobre esse ponto existe consenso. Lamentavelmente, não sabemos por que esses fenômenos tiveram lugar e, para avançar nessa direção, os nossos esforços devem escolher uma das alternativas: ou adotamos um marco teórico que balize as pesquisas empíricas ou os resultados empíricos nos deveriam induzir a tentar estilizações sobre o modus operandi do mercado de trabalho no país. Fugir dessas possibilidades consiste em cair em um empiricismo que não nos permite identificar a origem do fenômeno que tentamos compreender.

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  • WORLD BANK DATA. 2013. (Disponível em Disponível em http://data.worldbank.org/ Acesso em: dez 2013).
    » http://data.worldbank.org/
  • *
    Obviamente, o título diz respeito à obra mais conhecida de M. Proust. Preferimos deixar a expressão em francês "à la Recherche", a fim de contornar a polêmica sobre a sua tradução, se seria preferível "à procura" ou "em busca". Ver Conti (2013)CONTI, M. S. Há uma santa com seu nome. Revista Piauí, Rio de Janeiro, n. 76, p. 57-61, jan. 2013..
  • 1
    Inicialmente, a PNAD, hoje principal fonte de dados para as pesquisas sobre pobreza e distribuição, foi a campo no segundo semestre de 1967 e foi planejada uma periodicidade trimestral. Contudo, foi interrompida em 1970 (Censo), reiniciada no quarto trimestre de 1971, mas dessa vez a periodicidade seria anual. Volta a ser interrompida em 1973 em razão das atividades do Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF) e é reiniciada em 1976.
  • 2
    Acabamos de afirmar que não existe maior polêmica no tocante aos impactos da queda na natalidade (especialmente entre as famílias de menores rendimentos) sobre os níveis de pobreza e desigualdade. Contudo, as relações de causalidade entre pobreza e natalidade estão longe de ser um consenso, sendo histórica a discrepância entre os que afirmam que a pobreza é determinante na elevada natalidade e aqueles que identificam na elevada natalidade um dos fatores que alimentam o círculo vicioso da pobreza.
  • 3
    Por exemplo, se definimos setor informal como aqueles ocupados que não possuem carteira de trabalho assinada (não consideramos neste conjunto os estatutários, que não possuem carteira) e os autônomos que não contribuem para a Previdência, os percentuais de informalidade entre os ocupados caem de quase 44% em 2002 para algum percentual em torno de 35%/36% em 2011 (Fonte: Microdados PNAD; elaboração própria). De acordo com a definição de informalidade, esses percentuais podem ser diferentes. Mas, independentemente da definição, a queda foi muito acentuada a partir de 1999. Por exemplo, no IPEA-DATAIPEADATA. Disponível em: <Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br >. Acesso em: dez. 2013.
    http://www.ipeadata.gov.br...
    , os percentuais foram de 60,7% (1999) e de 46,3% (2012).
  • 4
    Contudo, mesmo rejeitando a hipótese de segmentação, no mercado de trabalho brasileiro persiste um diferencial de rendimentos em favor do setor formal. Esse diferencial seria reduzido no tempo (Curi; Menezes-Filho, 2006CURI, A. Z.; MENEZES-FILHO, M. N. O mercado de trabalho brasileiro é segmentado? Alterações no perfil da informalidade e nos diferenciais de salários nas décadas de 1980 e 1990. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 36, n. 4, p. 867-899, out./dez. 2006.), mas persiste.
  • 5
    No caso dos trabalhos empíricos que relativizam a hipótese de segmentação, podemos citar Curi e Menezes-Filho (2006)CURI, A. Z.; MENEZES-FILHO, M. N. O mercado de trabalho brasileiro é segmentado? Alterações no perfil da informalidade e nos diferenciais de salários nas décadas de 1980 e 1990. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 36, n. 4, p. 867-899, out./dez. 2006., artigo que já mencionamos no rodapé anterior.
  • 6
    Voltaremos sobre os aspectos distributivos associados à segmentação e à discriminação no mercado de trabalho nos próximos parágrafos.
  • 7
    Em dezembro de 2012, o salário mínimo real era 157% superior ao observado em igual mês de 1995. Se temos como base dezembro de 1999 (e a escolha desse ano pode ser justificada pelo aumento da formalização a partir de então), a elevação foi de quase 96%. Independentemente da base escolhida como comparação, o aumento do SM real na década passada foi muito elevado (IPEA-DATA).
  • 8
    Ver, por exemplo, Ferreira (2000)FERREIRA, H. G. Os determinantes da desigualdade de renda no Brasil: Luta de classes ou heterogeneidade educacional? Texto para Discussão n. 415. Rio de Janeiro: PUC, fev. 2000.. Segundo essa perspectiva, o perfil distributivo da renda não seria idêntico ao perfil distributivo do capital humano devido a "distorções" no mercado de trabalho, tais como segmentação (setorial e geográfica), discriminação, etc. Sobre esse ponto, ver Paes de Barros e Mendonça (1995)PAES DE BARROS, R.; MENDONÇA, R. S. Os determinantes da desigualdade no Brasil. Texto para Discussão n. 377. Rio de Janeiro: IPEA, jul. 1995..
  • 9
    O período de referência de Rocha (2012)ROCHA, S. O declínio sustentado da desigualdade de renda no Brasil (1997-2009). Revista Economia, Niterói, v. 13, n. 3a, p. 629-645, set./dez. 2012. é 1997-2009.
  • 10
    O único ponto teórico e empírico de pesquisa mais delicado seria aquele que relaciona as transferências de renda à oferta de trabalho. Dadas as hipóteses usuais sobre a oferta de trabalho, em termos abstratos não se pode deduzir a direção do impacto, uma vez que o efeito-substituição pode ou não prevalecer sobre o efeito-renda. Por outra parte, como a unidade de decisão não é geralmente o indivíduo senão a família, a análise fica mais complexa e de resultados ainda mais ambíguos. Contudo, as tentativas de medir o impacto não encontraram valores significativos ainda que, em determinados subconjuntos da população (mulheres, áreas rurais, etc.), um impacto marginal pode ser encontrado. Ver, por exemplo, Teixeira (2009)TEIXEIRA, C. G. Qual o impacto das transferências de renda sobre a oferta de trabalho? One Pager. N. 84. International Policy Center for Inclusive Growth. Jun. 2009. Disponível em: <Disponível em: http://zip.net/brpmF8 >. Acesso em: dez. 2013.
    http://zip.net/brpmF8...
    .
  • 11
    Temos de ser cuidadosos na leitura desses percentuais. Ou seja, eles não podem ser lidos como uma proxy da sua eficiência. Quanto mais focalizado o programa, maior seria sua eficiência. Assim, o Bolsa-Família mais os Benefícios de Prestação Continuada, ambos bem focalizados no seu desenho e na implementação, não obstante representarem em torno de menos de 1% da renda total das famílias, explicam 28% da queda no Gini. As aposentadorias, que não têm focalização, explicam 32% da queda, mas representam quase 5% da renda total das famílias. Ver o mencionado artigo de Soares et al. (2006)SOARES, F. V.; SOARES, S.; MEDEIROS, M.; OSÓRIO, F. G. Programas de transferência de renda no Brasil: Impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão n. 1228. Brasília: IPEA, out. 2006..
  • 12
    Seguem em importância Previdência Social (19%), Bolsa-Família (13%) e Benefícios de Prestação Continuada (4%).
  • 13
    Dada a importância desses aspectos sobre a nossa posterior discussão teórica, vamos reproduzir a frase de Soares (2006, p. 98): "[...] há também a possibilidade de que elevações no salário mínimo redistribuam renda diretamente, via mercado de trabalho. Essa possibilidade é particularmente importante no mercado informal de trabalho, no qual a presença do salário mínimo é forte".
  • 14
    Por outra parte, está a dificuldade de separar (especialmente no caso dos trabalhadores autônomos e dos pequenos empreendimentos) a remuneração que corresponde ao trabalho do rendimento do capital.
  • 15
    As questões relativas à medição da pobreza, seja sua extensão, seja sua intensidade, não estariam afetadas pelo viés das pesquisas de domicílio, uma vez que os rendimentos do trabalho e as transferências são, de modo geral, bem captados nesses levantamentos.
  • 16
    Por outra parte, esse viés pró-trabalho não qualificado seria extremamente particular, uma vez que, no mundo, o viés seria para o trabalho qualificado, fato que explicaria as tendências à concentração de rendimentos nos países desenvolvidos. Ver, por exemplo, Acemoglu (2002)ACEMOGLU, D. Technical change, inequality and the labor market. Journal of Economic Literature, Nashville, v. 40, n. 1, p. 7-72, Mar. 2002.. Retomaremos essa discussão nos próximos parágrafos.
  • 17
    Esta relação não seria uma hipótese, senão que o resultado deduzido de uma firma cujo objetivo exclusivo seria a maximização de lucros. A condição de primeira ordem seria a igualdade entre a produtividade marginal e a remuneração real. A condição de segunda ordem estaria assegurada dada a hipótese de produtividades marginais decrescentes.
  • 18
    Logicamente, o capital humano não se reduz à escolaridade, podendo ser afetado por outras variáveis como a experiência profissional (on-the-job-learning) ou a saúde. Dados os nossos objetivos neste texto, trataremos só a escolaridade, uma vez que os artigos empíricos sobre pobreza e distribuição, pela disponibilidade de dados nas fontes estatísticas, só levam em consideração os "anos de estudo" (escolaridade).
  • 19
    Estamos falando do modelo padrão com suas hipóteses corriqueiras sobre mercados concorrenciais. No caso de algum grau de monopsônio do empregador sobre o emprego, o assalariado receberia um salário inferior ao valor de seu produto marginal. Nesse contexto, a fixação de um salário mínimo, dentro de um intervalo, pode elevar o nível de emprego e o salário recebido pelo assalariado. Assumir como hipótese que os empregadores possuem algum tipo de poder de monopsônio sobre uma vaga (em razão, por exemplo, de um problema de informação assimétrica com respeito aos assalariados) poderia, teoricamente, ser a justificativa para os impactos positivos que Card e Krueger (1994)CARD, D.; KRUEGER, A. B. Minimum wages and employment: A case study of the fast-food industry in New Jersey and Pennsylvania. The American Economic Review, Nahsville, v. 84, n. 4, p. 772-93, set 1994. encontraram quando analisaram a elevação do aumento do salário mínimo em New Jersey vis-à-vis à não mudança na vizinha Pensilvânia, em 1992. Contudo, além de ter originado ampla polêmica de pesquisa empírica, esses aumentos (que, no caso do artigo de Card e Krueguer, foi, em termos nominais, de pouco menos de 19%) não atingem à magnitude dos verificados no Brasil com posterioridade ao Plano Real.
  • 20
    Basicamente, esse seria o argumento da Teoria do Capital Humano. Logicamente, poderíamos sofisticar a análise e considerar o grau de substituição entre diferentes tipos (habilidades-conhecimentos) de mão de obra. Dados os nossos objetivos, porém, essa síntese respeita as principais proposições da mencionada escola, é usualmente utilizada como marco de referência para analisar os resultados empíricos e nos serve como contraponto com respeito ao paradigma concorrente que sintetizaremos nos próximos parágrafos.
  • 21
    Justamente essa é a limitação nos estudos comparativos internacionais da relação entre o capital humano de um país e o crescimento. Quando só se dispõem de séries sobre "anos de estudo" e estes são correlacionados com crescimento, a comparabilidade entre países deve ser observada com extremo cuidado. Os dados do PISA, que poderia servir para "corrigir" ou homogeneizar as séries de "anos de estudo", são recentes, e os impactos sobre o crescimento da qualidade só poderão ser realizados em um futuro distante. Por outro lado, as informações do PISA estão restritas aos alunos de ensino médio.
  • 22
    O Banco Mundial (2013)BANCO MUNDIAL. América Latina y el Caribe sin vientos a favor. Em busca de um crescimiento mayor. Informe Semestral, abril 2013. Disponível em: <Disponível em: http://zip.net/bmpmgJ >. Acesso em: dez. 2013.
    http://zip.net/bmpmgJ...
    estuda essa possibilidade (a redução da desigualdade salarial, produto de mudanças diferenciais na qualidade da educação), no caso da experiência recente na América Latina. Em realidade, a queda da qualidade, por ser um produto direto da massificação, uma vez que a incorporação ao sistema escolar de jovens oriundos de famílias de baixos rendimentos (baixa escolaridade), historicamente excluídos do sistema escolar (especialmente dos ensinos médio e superior), poderia contribuir para reduzir o nível médio de "conhecimentos e habilidades" (produtividade) de uma dada faixa de escolaridade.
  • 23
    Obviamente, a referência incontornável é Becker (1971)BECKER, G. S. The economics of discrimination. 2 edition. Chicago: University of Chicago Press, 1971. 178 p..
  • 24
    Nesta interpretação, especialmente relevante no caso dos pós-keynesianos, a distinção entre salário nominal e real é crucial, uma vez que no mercado de trabalho só seriam determinados os salários nominais. Assim, tendo em vista que o governo (no caso do salário mínimo) ou os próprios sindicatos só teriam algum tipo de controle sobre os valores nominais, o poder de barganha só será revelado quando alterações nominais resultem em mudanças no poder de compra.
  • 25
    Basicamente, é rejeitada porque é rejeitada a própria nação de função de produção e de produtividades marginais. Em Robinson (1953)ROBINSON, J. The production function and the Theory of Capital. Review of Economic Studies, Oxford, v. 21, n. 2, p. 81-106, 1953-54., o questionamento de toda a teoria da distribuição denominada de "neoclássica" está bem sintetizado.
  • 26
    Por exemplo, Robinson e Eatwell (1973)ROBINSON, J.; EATWELL, J. An introduction to modern economics. London: McGraw-Hill, 1973. 350 p. sustentam que a Teoria do Valor-Trabalho, categoria-chave na análise marxista, seria tão "metafísica" quanto a teoria subjetiva da utilidade ou as produtividades marginais na teoria marginalista. Ou seja, referentes dos pós-keynesianos colocariam quase em plano de igualdade conceitual a teoria marxista e a neoclássica. Contudo, tanto os pós-keynesianos como os marxistas rejeitam a correlação produtividade-salários e compartilham a perspectiva do conflito na distribuição de renda.
  • 27
    Em termos lógicos, a hierarquia do modelo padrão seria: dado o conjunto de preços relativos e supondo uma tecnologia totalmente diferenciável, as firmas (maximizadoras de lucros) escolheriam a combinação ótima de fatores e, assim, ficariam determinadas as produtividades marginais.
  • 28
    Dentro desse conjunto de paradigmas fora do mainstream, deveríamos mencionar uma em particular que, não obstante aceitar a correlação estatística entre escolaridade e salários, nega a ordem de causalidade. Para Thurow (1975)THUROW, L. C. Generating inequality. Mechanisms of distribution in the U. S. Economy. New York: Basic Books, 1975. 258 p., a produtividade está determinada pelo posto de trabalho, e não pela "qualidade" do trabalhador. Nesse caso, a escolaridade determinaria o lugar na fila para ocupar um posto de trabalho, fato que explicaria a mencionada correlação. Mais radicais, outras escolas olham a educação como mero mecanismo de reprodução da estrutura social (Bowles; Gintis, 1976BOWLES, S.; GINTIS, H. Schooling in capitalist America. Educational reform and the contradictions of economic lifeNew York: Basic Books, 1976. 340 p., por exemplo).
  • 29
    Ou, alternativamente, receberiam seguro-desemprego, com impacto nas contas públicas. Se o objetivo da política de elevação do salário mínimo era reduzir a pobreza, muito provavelmente essa se elevaria, aumentando o custo de sua redução (especialmente para o setor público).
  • 30
    Exceto por mero (espúrio) fenômeno estatístico. Suponhamos um conjunto de quatro indivíduos, com rendimentos de 100, 200, 300 e 400. O salário médio seria de 250. Assumamos que esses rendimentos do trabalho têm vínculo com a produtividade. Imaginemos, agora, que o governo fixa o salário mínimo nominal em 200. O trabalhador que ganhava 100 ficará desempregado (outra possibilidade é que fique na informalidade com salário de 100, mas vamos descartar esta última alternativa). Temos, agora, um conjunto de três indivíduos com salários de 200, 300 e 400, e o salário médio elevou-se para 300. Um analista, comparando a evolução do salário médio, pode chegar à conclusão de que a elevação do salário mínimo teve impacto positivo sobre os salários.
  • 31
    Logicamente, poder-se-ia arguir que tal teoria teria de explicar por que parece existir, na maioria dos países, correlação estreita e positiva entre "anos de estudo" e "rendimentos do trabalho". Contudo, o nosso objetivo neste artigo não está direcionado a verificar a correspondência entre o marco analítico e a série de dados.
  • 32
    Essa possibilidade também é levantada por outros autores. Por exemplo, Neri, Gonzaga e Camargo (1998, p. 16) NERI, M.; GONZAGA, G.; CAMARGO, J. M. Salário mínimo, Efeito-Farol e pobreza. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 78-90, abr./jun. 2001. sustentam que: "Surpreendentemente, a legislação do salário mínimo é mais efetiva no segmento ilegal do mercado de trabalho brasileiro do que no segmento legal [...]".
  • 33
    Sempre tendo como referência o debate dos anos 1960-1970, essa perspectiva que denominamos de "institucionalista", de Souza e Baltar, foi fortemente questionada por Macedo (1976)MACEDO, R. Uma revisão crítica da relação entre a política salarial pós-1964 e o aumento de concentração da renda na década de 1960., Estudos Econômicos São Paulo, v. 6, n. 1, p. 63-96, 1976., Macedo e Garcia (1978MACEDO, R.; GARCIA, M. Observações sobre a política brasileira de salário mínimo. Texto para Discussão n. 27. São Paulo: IPE/USP, jun. 1978., 1980MACEDO, R.; GARCIA, M. Salário mínimo e taxa de salários no Brasil: Comentário. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 1013-1044, dez. 1980.), que, na mesma linha de Langoni (1973)LANGONI, C. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1973. 315 p., identificavam, na interação da oferta e da demanda para cada tipo de qualificação, as raízes últimas do perfil distributivo dos salários.
  • 34
    Certas interpretações (Perry; Maloney, A; Fajnzylber, M. (2013)PERRY, G. E; MALONEY, A; FAJNZYLBER, M. Informality: Exit and exclusion. World Bank 2007. Disponível em: <Disponível em: http://zip.net/bmpmhw >. Acesso em: dez. 2013.
    http://zip.net/bmpmhw...
    chegam a identificar a intervenção estatal (mediante seus impostos, burocracia, etc.) como a origem da informalidade.
  • 35
    Por exemplo, Neri, Gonzaga e Camargo (1998, p. 7)NERI, M.; GONZAGA, G.; CAMARGO, J. M. Efeitos informais do salário mínimo e pobreza. Texto para Discussão n. 393. Rio de Janeiro: PUC, dez. 1998.: "No presente estudo, estamos supondo arbitrariamente que a elasticidade emprego-salário para os trabalhadores que recebem valores próximos ao salário é nula" (O negritado é nosso).
  • 36
    No que denominamos de "modelo padrão", uma firma maximizadora de lucros (e tomadora de preços no mercado de produto e de insumos) escolhe o nível de emprego (e, via função de produção, de oferta) no ponto em que o salário real é igual à produtividade marginal do trabalho. Aumentos (ou quedas, logicamente) nesta última traduzir-se-ão automaticamente em alterações do salário real. (A igualdade entre salário real e produtividade marginal de trabalho é a condição de primeira ordem, sendo a condição de segunda ordem assegurada pela hipótese de produtividades marginais decrescentes).
  • 37
    Nos EUA, o Gini (pós-impostos e transferências) passou de 0.36 em 1995 para 0.38 em 2010. Mesmo países historicamente preocupados com a questão da igualdade de renda registraram aumentos nesse coeficiente. Na Suécia, por exemplo, esse parâmetro passou de 0.21 (1995) para 0.27 (2010) (OCDE, Satat, 2013Stat-OCDE. (Disponível: Disponível: http://stats.oecd.org/ . Acesso em: dez de 2013)
    http://stats.oecd.org/...
    ). Na China, o Gini passou de 0.324 (1990) para 0.392 (1999), chegando a 0.43 (2010). Contudo, a pobreza (U$S 1.25 por dia PPP) caiu de forma radical, passando de 54,1% da população da China, em 1995, para 11,8% em 2009 (World Bank Data, 2013WORLD BANK DATA. 2013. (Disponível em Disponível em http://data.worldbank.org/ . Acesso em: dez 2013).
    http://data.worldbank.org/...
    ). Ou seja, na China, temos forte queda da pobreza e expressivo aumento na concentração.

Disponibilidade de dados

Citações de dados

IPEADATA. Disponível em: <Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br >. Acesso em: dez. 2013.

Stat-OCDE. (Disponível: Disponível: http://stats.oecd.org/ Acesso em: dez de 2013)

WORLD BANK DATA. 2013. (Disponível em Disponível em http://data.worldbank.org/ Acesso em: dez 2013).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    Mar 2014
  • Aceito
    Set 2014
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