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Os efeitos econômicos da compensação integral do crédito do ICMS sobre o investimento no Brasil: o papel da União

The economic effects of full ICMS credit compensation on investment in Brazil: the Federal Role

Resumo

Este artigo analisa o impacto da compensação imediata e integral do ICMS sobre o investimento através de um modelo de equilíbrio geral. Os resultados sugerem impactos positivos sobre a economia, porém com perda de arrecadação de 1,25% para os Estados no curto prazo. Uma alternativa é o aumento das transferências da União para Estados e Municípios. Nesse caso, as perdas no curto prazo se limitam a 0,5%, com ganhos de receitas no longo prazo de 0,1% para todos os entes federados. A retirada do ICMS pode resultar em ganhos de arrecadação no longo prazo mesmo sem qualquer aumento de tributo.

Palavras-chave
ICMS; investimento; bens de capital; transferências verticais

Abstract

This article analyzes the impact of the immediate and integral compensation of ICMS on the investment through a general equilibrium model. The results suggest positive impacts on the economy, but with a revenue loss of 1.25% for states in the short term. In order to avoid this loss, one solution is to increase transfers from the Union to states and municipalities. In this case, short-term losses are limited to 0.5%, with long-term revenue gains of 0.1% for all federated entities. Removing ICMS on investment may result in long term revenue gains even without any increase in taxation.

Keywords
ICMS; investment; capital goods; vertical transfers

1 Introdução

O Imposto sobre o valor Adicionado (IVA) é uma realidade em mais de 150 países do mundo (Varsano, 2014VARSANO, R. A tributação do valor adicionado, o ICMS e as reformas necessárias para conformá-lo às melhores práticas internacionais. Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Documento para Discussão IDB-DP-335, 2014.). Entre suas muitas vantagens, o IVA preconiza a tributação apenas do consumo, e não do investimento. Um IVA com ampla cobertura de bens e serviços e alíquota uniforme é um paradigma de eficiência para a tributação do consumo. O objetivo não é taxar a capacidade de produção, mas apenas aquilo que as famílias retiram da economia.

No Brasil, o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), um imposto estadual, é o principal tributo sobre o consumo do país. Porém, as características do ICMS o afastam de um moderno IVA. Regime especial para pequenas e médias empresas, substituição tributária, crédito físico, incidência sobre bens e alguns serviços, compensação lenta e parcial dos créditos sobre investimento e exportação são algumas das idiossincrasias do ICMS brasileiro que prejudicam a sua eficiência como tributo sobre o consumo.

Este artigo analisa o impacto da distorção causada pela dificuldade de compensação do ICMS pago no momento de se investir. Abstraindo-se de todos os demais problemas citados no ICMS, o foco do estudo será o de se buscar, isoladamente, estimativas de ganhos de eficiência econômica com a compensação imediata do ICMS sobre o investimento, ou dito de outra forma, eliminando-se, na prática, a tributação do ICMS sobre o investimento no Brasil.

O ICMS não permitia a compensação do imposto pago na aquisição de bens de capital até 1996, de forma que o investimento em máquinas e equipamentos era tributado como um bem de consumo. A aprovação da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, modernizou o ICMS no sentido de se permitir a compensação do imposto pago na aquisição de bens de capital. A legislação, porém, foi novamente alterada pela Lei Complementar nº 102, de 11 de julho de 2000, que estabeleceu um prazo de 48 meses para a compensação do ICMS pago na aquisição de bens para o ativo permanente, a serem pagos em parcelas mensais de 1/48 do imposto recolhido, sem correção.

Muitos autores alertaram sobre o retrocesso representado pelo esquema de devolução dos créditos do ICMS determinado pela Lei Complementar nº 102. Coelho (2014)COELHO, I. Um novo ICMS - Princípios para reforma da tributação do consumo. Revista Brasileira de Comércio Exterior, v. 28, n. 3, p. 30-49, 2014., Varsano (2014)VARSANO, R. A tributação do valor adicionado, o ICMS e as reformas necessárias para conformá-lo às melhores práticas internacionais. Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Documento para Discussão IDB-DP-335, 2014. e CNI (2014)CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA (CNI). O custo tributário dos investimentos: } as desvantagens do Brasil e as ações para mudar. CNI, 2014., por exemplo, apontam a dificuldade de compensação do ICMS sobre bens de capital como uma medida que prejudica a eficiência econômica e a competitividade das empresas brasileiras.

Por outro lado, os Estados preocupam-se com as perdas de receitas decorrentes da compensação rápida do ICMS sobre o investimento. A compensação em 48 meses do ICMS representa, na prática, uma tributação sobre o investimento. Silva et al. (2010)SILVA, M.M.; PESSÔA, L. C.; CAMPANARIO, M. A.; CHAGAS JÚNIOR, M. F. Custo tributário em projetos de investimento: o caso dos créditos de ICMS. XXXIV In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO (ANPAD), Rio de Janeiro, 2010. calculou em 4% o custo adicional ao investimento devido à mudança no ICMS promovida pela Lei Complementar nº 102. Trata-se, portanto, de uma efetiva taxação do investimento realizado no território nacional.

A literatura econômica sobre o impacto de mudanças tributárias na economia é ampla. Diversos autores já se debruçaram sobre o tema, normalmente de forma aplicada para algum país ou momento do tempo. Por exemplo, Fullerton et al. (1983)FULLERTON, D.; SHOVEN, J. B.; WHALLEY, J. Replacing the U.S. income tax with a progressive consumption tax: A sequenced general equilibrium approach. Journal of Public Economics, v. 20, n.1, p. 3-23, 1983., Auerbach e Kotlikoff (1987)AUERBACH, A.; KOTLIKOFF, L. Dynamic fiscal policy. Cambridge University Press, 1987., Altig et al. (2001)ALTIG, D.; AUERBACH A.; KOTLIKOFF L.; SMETTERS K.; WALLISER, J. Simulating fundamental tax reform in the United States. American Economic Review, v. 91, n. 3, p. 574-595, 2001. e McGrattan e Prescott (2005)McGRATTAN, E. R.; PRESCOTT, E. Taxes, regulations, and the value of U.S. corporations: A general equilibrium view. Review of Economic, v. 72, n. 3, p. 767-796, 2005. tratam de avaliar os efeitos econômicos de alteração dos impostos sobre a economia americana.

A literatura nacional também é extensa. Iniciando com Araújo e Ferreira (1999)ARAÚJO, C. H. V.; FERREIRA, P. C. G. Reforma tributária no Brasil: efeitos alocativos e impactos de bem-estar. Revista Brasileira de Economia, v. 53, n. 2, p. 87-101, 1999. interessados nos efeitos de propostas de emendas constitucionais para a reforma tributária na época, passando por Paes e Bugarin (2006)PAES, N. L.; BUGARIN, M. N. S. Reforma tributária: impactos distributivos, sobre o bem-estar e a progressividade. Revista Brasileira de Economia, v. 60, n. 1, p. 33-56, 2006. que incorporam temas distributivos a análise, Salami e Fochezatto (2009)SALAMI, C. R.; FOCHEZATTO, A. Avaliando os impactos de políticas tributárias sobre a economia brasileira com base em um modelo de equilíbrio geral de gerações sobrepostas. Revista Brasileira de Economia, v. 63, n. 3, p. 299-314, 2009. interessados no impacto entre gerações, e Paes (2011)PAES, N. L. Reforma tributária: os efeitos macroeconômicos e setoriais da PEC 233/2008. Estudos Econômicos, v. 41, n. 2, p. 276-302, 2011. em estudo sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 233/2008.

Um segundo ramo da literatura nacional trata de temas mais específicos no campo da tributação, e não de reformas tributárias amplas. Nesse segmento, é possível citar os trabalhos de Cavalcanti (2008)CAVALCANTI, T. V. Tributos sobre a folha ou sobre o faturamento? Efeitos quantitativos para o Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 62, n. 3, p. 249-261, 2008., Cavalcanti e Silva (2010)CAVALCANTI, M. A. F.; SILVA, N. L. C. Impactos de políticas de desoneração do setor produtivo: uma avaliação a partir de um modelo de gerações superpostas. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 40, n. 4, p. 943-966, 2010., Paes (2012)PAES, N. L. Os impactos da alteração da contribuição previdenciária patronal para a indústria. Estudos Econômicos, v. 42, n. 4, p. 773-799, 2012. e Silva, Paes e Ospina (2014)SILVA, W. B.; PAES, N. L.; OSPINA, R. A substituição da contribuição patronal para o faturamento: efeitos macroeconômicos, sobre a progressividade e distribuição de renda no Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 68, n. 4, p. 517-545, 2014., voltados para a troca da contribuição patronal sobre os salários por um imposto sobre o consumo.

Este artigo se enquadra na literatura nacional que trata de temas específicos no campo da tributação, uma vez que se propõe a analisar os efeitos da retirada da tributação do ICMS sobre o investimento. A grande contribuição do trabalho é a de colocar algumas estimativas na discussão acerca do custo econômico do ICMS sobre bens de capital. Com números e simulações é possível estimar os efeitos da política e propor alternativas.

Para tanto, foi utilizado um modelo neoclássico padrão na literatura de tributação, porém com dois tipos de investimentos e as três esferas de governo, local, estadual e federal, com transferências intergovernamentais. As duas mudanças tornam o modelo mais realista e adequado para o estudo do ICMS.

Foram realizadas duas simulações. Na primeira, a retirada da tributação sobre o investimento pelos Estados é financiada com uma redução dos gastos estaduais, enquanto na segunda simulação as perdas de arrecadação são repartidas proporcionalmente entre União, Estados e Municípios, de modo que todos são atingidos de forma mais equitativa.

Os resultados apontam que a eliminação do ICMS sobre o investimento através de uma compensação imediata é positiva para a economia, com crescimento do produto, consumo, capital e emprego em ambas as simulações. A questão da perda de arrecadação é relevante e justificam as duas simulações. Na primeira simulação, as perdas de arrecadação podem ser elevadas para os Estados, chegando a quase 1,5%, enquanto a União é beneficiada pela mudança, indicando que há espaço para reduzir as perdas dos Estados sem ter que recorrer a aumento de tributos. A segunda simulação trata exatamente dessa situação - a União aumenta as transferências para Estados e Municípios como forma de mitigar os custos da eliminação do ICMS sobre o investimento. Nesse caso, as perdas no curto prazo para cada um dos entes federados são limitadas em 0,5% e ainda há espaço para ganhos de receitas no longo prazo de 0,1% para todas as esferas de governo. Assim, a retirada do ICMS pode resultar em ganhos de arrecadação no longo prazo por conta da redução das distorções econômicas.

Este artigo está organizado em cinco seções. Após a Introdução, a seção 2 apresenta a metodologia, enquanto a seção 3 trata da calibragem. Na seção 4 os resultados são discutidos, e a seção 5 traz as conclusões e os comentários finais.

2 Metodologia

O modelo econômico adotado é um modelo neoclássico, padrão na literatura de tributação. Trata-se de uma versão modificada do modelo construído por Paes (2017)PAES, N. L. The economic effects of the elimination of taxation on investment: the case of ICMS in Brazil. Economics Bulletin, v. 37, n. 2, p. 1055-1067, 2017.. O diferencial deste modelo é que ele permite o investimento em dois tipos de capitais: máquinas e equipamentos e prédios e construções. O motivo é que o ICMS tributa de forma diferente cada um deles, o que agrava as distorções do imposto na economia. O modelo também contempla três esferas de governo, local, estadual e federal, com transferências intergovernamentais, o que ajuda a entender melhor os impactos da retirada do ICMS, principalmente sobre as receitas estaduais.

2.1 Famílias

São representadas por uma família representativa, que resolve o seguinte problema de maximização da utilidade sujeita a restrição orçamentária:

(1) U t = t = 0 β t c t 1 σ 1 σ + Α · ln 1 h t

(2) 1 + τ ct · c t + 1 + τ it b · k t + 1 b 1 δ b · k t b + + 1 + τ it m · k t + 1 m 1 δ m · k t m = = 1 τ ht · w t · h t + 1 τ kt · r t b · k t b + 1 τ kt · r t m · k t m + T t

onde β é a taxa de desconto intertemporal, ct é o consumo no tempo t, A é o parâmetro de preferência do lazer, ht são as horas de trabalho no tempo t, e τc o imposto sobre o consumo. Pelo lado do investimento, τbit é o imposto sobre o investimento em prédios e construções, kbt é o estoque de capital de prédios e construções no tempo t, δb é a taxa de depreciação de prédios e construções, τmit é o imposto sobre o investimento em máquinas e equipamentos, kmt é o estoque de capital de máquinas e equipamentos no tempo t, e δm é a taxa de depreciação de máquinas e equipamentos. As demais variáveis são o imposto sobre a renda do trabalho, τh, o salário no tempo t, wt, o imposto de renda sobre a renda do capital, τk, a taxa de retorno do capital de prédios e construções no tempo t, rbt, a taxa de retorno do capital de máquinas e equipamentos no tempo t, rmt, e as transferências, Tt.

Como resultado do problema de maximização, obtemos uma relação de não arbitragem entre as taxas de retorno do capital em prédios e construções e de máquinas e equipamentos, a equação intertemporal do consumo e a equação que relaciona consumo e lazer.

(3) r t + 1 m = 1 + τ it + 1 m · 1 δ m 1 τ kt + 1 + 1 + τ it m · 1 δ b · 1 + τ it + 1 b 1 τ kt + 1 · 1 + τ it b + 1 + τ it m 1 + τ it b r t + 1 b

(4) c t + 1 = β · 1 + τ ct 1 + τ ct + 1 · 1 + τ it + 1 m · 1 δ m + 1 τ kt + 1 · r t + 1 m 1 + τ it m 1 σ · c t

(5) h t = 1 Α · 1 + τ ct · c t 1 τ ht · w t

2.2 Firmas

Existe uma firma representativa que utiliza os dois tipos de capital numa função de produção Cobb-Douglas. A firma maximiza lucros:

(6) π t = k t m α · k t b γ · h t 1 α γ w t · h t r t b · k t b r t m · k t m

As condições de primeira ordem e a hipótese de que a firma é competitiva resultam nas seguintes equações:

(7) w t = 1 α γ · k t m α · k t b γ · h t α γ

(8) r t m = α · k t m α 1 · k t b γ · h t 1 α γ

(9) r t b = γ · k t m α · k t b γ 1 · h t 1 α γ

2.3 Governos

São três os níveis de governo no modelo - federal, estadual e municipal. O orçamento de cada um deles é mantido equilibrado. Apenas o governo federal faz transferências às famílias, e apenas o governo estadual tributa o investimento. O governo federal transfere recursos para os Estados e Municípios, e o governo estadual transfere recursos para os Municípios.

(10) G lt = τ ct l + a SL c · τ ct S + a FL c · τ ct f · c t + τ ht l + a SL h · τ ht S + a FL h · τ ht f · w t · h t + + τ kt l + a SL k · τ kt S + a FL k · τ kt f · r t b · k t b + r t m · k t m + a SL i · τ it b · k t + 1 b 1 δ b · k t b + τ it m · k t + 1 m 1 δ m · k t m + T FLt + T SLt T lt

(11) G st = 1 a SL c · τ ct S + a FS c · τ ct f · c t + 1 a SL h · τ ht S + a FS h · τ ht f · w t · h t + + 1 a SL k · τ kt S + a FS k · τ ht f · r t b · k t b + r t m · k t m + 1 a SL i · τ it b · k t + 1 b 1 δ b · k t b + τ it m · k t + 1 m 1 δ m · k t m + T FSt T SLt T st

(12) G ft = 1 a FS c a FL c · τ ct f · c t + 1 a FS h a FL h · τ ht f · w t · h t + + 1 a FS k a FL k · τ jt f · r t b · k t b + r t m · k t m T FLt T FSt T ft

onde Glt são os gastos dos governos municipais, Gst são os gastos do governo estadual, e Gft são os gastos do governo federal. As variáveis TFLt e TFSt representam transferências da União para Estados e Municípios, respectivamente, e TSLt transferências dos Estados para os Municípios, que não decorrem de repartições de receitas. Os parâmetros Tft, Tst e Tlt representam as transferências da União, Estados e Municípios, respectivamente, para as famílias, de modo que Tt = Tft + Tst + Tlt.

Os parâmetros relativos à repartição de receitas estão descritos na tabela a seguir:

2.4 Equilíbrio

No equilíbrio, as ofertas e demandas de trabalho e dos dois tipos de capital se igualam. Além disso, há equilíbrio no mercado de bens, representado pela seguinte equação:

(13) k t m α · k t b γ · h t 1 α γ = c t + G t + k t + 1 b 1 δ b · k t b + + k t + 1 m 1 δ m · k t m

onde Gt é a soma dos gastos públicos dos governos federal, estadual e municipal.

2.5 Solução do modelo

Substituindo-se as equações (5), (7), (8), (9), (10) e (11) nas expressões (3), (4) e (13), determina-se o sistema de equações dinâmicas que resolve o modelo:

(14) α k t + 1 m 1 + τ it m 1 + τ it b · γ k t + 1 b · k t + 1 m α · k t + 1 b γ · h t + 1 1 α γ = 1 + τ it + 1 m · 1 δ m 1 τ kt + 1 + 1 + τ it m · 1 δ b · 1 + τ it + 1 b 1 τ kt + 1 · 1 + τ it b

(15) 1 τ ht · 1 h t + 1 · k t + 1 m α · k t + 1 b γ · h t + 1 α γ = β · · 1 + τ it + 1 m · 1 δ m + 1 τ kt + 1 · α · k t + 1 m α 1 · k t + 1 b γ · h t + 1 1 α γ 1 + τ it m · · 1 τ ht · 1 h t · k t m α · k t b γ · h t α γ

(16) k t m α · k t b γ · h t 1 α γ = 1 + τ ct l + · τ ct S + a FS c + a SL c · τ ct f · 1 τ ht · 1 h t · k t m α · k t b γ · h t α γ 1 σ Α · 1 + τ ct 1 τ ht l + τ ht S · 1 α γ τ kt l + τ kt S · α + γ G ft + T FSt + T FLt T lt T ST + 1 + τ it b · k t + 1 b 1 δ b · k t b + + 1 + τ it m · k t + 1 m 1 δ m · k t m 1 1 α γ · τ ht l + τ ht S + a FS h + a SL h · τ ht f α + γ · τ kt l + τ kt S + a FS k + a SL k · τ kt f

A solução foi obtida numericamente pelo algoritmo de Broyden usando o software Matlab.

3. Calibragem

O modelo foi calibrado com os dados da economia brasileira para 2013. Foram utilizadas as equações obtidas anteriormente para o cálculo dos parâmetros do modelo.

3.1 Variáveis agregadas

As contas nacionais fornecem a relação consumo/Produto Interno Bruto - PIB (C/Y) = 0,6040, gastos dos governos/PIB (G/Y) = 0,1858, investimento em máquinas e equipamentos/PIB (Im / Y) = 0,0778, investimento em prédios e construções/PIB (Ib / Y) = 0,1324, e a participação da renda do capital no produto, q = 0,4258. Normalizou-se Y = 1.

3.2 Parâmetros tributários

Para o cálculo dos parâmetros tributários há necessidade de se desagregar a arrecadação por fato gerador (consumo, investimento, renda do capital, renda do trabalho) e por unidade da federação (Estados, Municípios e União). Uma dificuldade inicial é o cálculo da alíquota da tributação sobre o investimento. A legislação do ICMS prevê a incidência somente em máquinas e equipamentos, de forma que prédios e construções não são alcançados pelo imposto (τbi = 0). Para máquinas e equipamentos, o ICMS incide com sua alíquota nominal, e o valor do imposto é devolvido em 48 parcelas mensais para as empresas, sem correção. Portanto, a alíquota efetiva corresponde à diferença do valor pago de ICMS no momento da realização do investimento e o valor presente das 48 parcelas restituídas, dividido pelo valor do investimento. Como taxa de desconto, foi utilizada a taxa mensal de juros real equivalente à taxa de juros cobrada para crédito das pessoas jurídicas, o que, segundo o relatório de inflação do Banco Central, em dezembro de 2013, equivale a 0,74% ao mês. A alíquota encontrada foi (τmi = 1,76%). É preciso destacar que se trata de uma alíquota efetiva média. Essa alíquota pode variar entre cada unidade da federação e entre cada setor econômico, e mesmo entre cada firma. Não apenas a alíquota nominal varia, mas também o prazo de retorno dos créditos, além dos incentivos fiscais concedidos por cada unidade da federação. Mudanças nas taxas de juros também afetam a alíquota efetiva. Para os demais parâmetros, foi utilizada a tabela INC 01-B do estudo “Carga Tributária no Brasil - 2013”, da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB, 2014). A Tabela 2, a seguir, resume os resultados.

Tabela 1
Coeficientes de repartição das receitas tributárias
Tabela 2
Parâmetros tributários

3.3 Capital, depreciação e taxas de retorno

Inicialmente foram fixadas a taxa de retorno do investimento em prédios e construções como equivalente à taxa básica de juros para a economia (SELIC) em dezembro de 2013 ( rb = 4.09%) e a taxa anual de depreciação de prédios e construções (δb = 0.018)1 1 O que equivale a uma estimativa média de 55 anos de vida útil do bem imóvel. . O estoque de capital de prédios e construções pode então ser calculado por kb=Ib/Y/δb=7.3754. A taxa de retorno das máquinas e equipamentos pode ser obtida pela equação (3) em estado estacionário, rm = 7.48%. O estoque de capital em máquinas e equipamentos sai da equação (8) em estado estacionário, km = 1.6697. A depreciação de máquinas e equipamentos pode ser calculada por δm=Im/Y/km=0.0466.

3.4 Salário e horas de trabalho

O salário foi calculado pela equação (7) em estado estacionário (w = 1.8269), e as horas de trabalho pela equação (9), também em estado estacionário (h = 0.3143).

3.5 Parâmetros de preferência

A taxa de desconto intertemporal foi obtida da equação (4) em estado estacionário, (β = 0.9825), e o parâmetro de preferência do lazer saiu da equação (5) em estado estacionário, (A = 1.0770). O inverso da elasticidade de substituição intertemporal do consumo, σ, foi fixada em 0.7, mesmo valor de Cavalcanti (2010)CAVALCANTI, M. A. F.; SILVA, N. L. C. Impactos de políticas de desoneração do setor produtivo: uma avaliação a partir de um modelo de gerações superpostas. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 40, n. 4, p. 943-966, 2010..

3.6 Variáveis fiscais

Os gastos locais, estaduais e as transferências federais para as famílias foram calculados usando as equações (10), (11) e (12), respectivamente, (Gl = 0.0598; Gs = 0.0800; Tf = 0.1496). Os gastos federais foram calculados pela diferença entre os gastos públicos totais das contas nacionais, (G / Y) = 0,1858, e os gastos municipais e estaduais já calibrados, de modo que Gf = 0.0741. As transferências dos governos estaduais e municipais, Ts e Tl, representam os valores pagos a título de pensões e aposentadorias pelos respectivos governos e foram extraídos do Balanço Geral dos Estados e do FINBRA - Finanças do Brasil, ambos da Secretaria do Tesouro Nacional. Foram R$ 80,2 bilhões pagos pelos Estados e R$ 50,4 bilhões pagos pelos Municípios, o que dividindo pelo PIB fornece Ts = 0,0148 e Tl = 0,0093.

3.7 Transferências intergovernamentais decorrentes de repartição de receitas

Os parâmetros de transferências intergovernamentais relativos a repartições de receitas foram calculados através de dois relatórios da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Do Balanço Geral dos Estados verifica-se que as transferências da União para os Estados foram de R$ 146.494 milhões, com deduções de R$ 16.261 milhões, de forma que a transferência líquida da União para os Estados foi de R$ 130.233 milhões. Desse total, R$ 59.946 milhões refere-se à repartição de receitas tributárias da União, e R$ 70.287 milhões decorrentes de outras transferências da União. Do valor referente à repartição tributária, o Fundo de Participação dos Estados (FPE) representa R$ R$ 53.400 milhões, o Imposto Territorial Rural (ITR), R$ 34 milhões, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), R$ 3.857 milhões, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), R$ 55 milhões, o salário-educação R$ 2.557 milhões, e o Imposto sobre Operações Financeiras, IOF R$ 3 milhões. Como os recursos do FPE advêm do Imposto de Renda e do IPI na proporção de suas arrecadações, pode-se verificar que 12% do total do FPE são relativos ao IPI, 45% relativo ao Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e 43% relativo ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). Portanto, pode-se dividir esses valores entre as respectivas bases de incidência, de modo que do total repartido R$ 59.946 milhões, R$ 10.316 milhões referem-se à base consumo (IPI, CIDE, Parcela do IPI no FPE), R$ 26.705 milhões à base renda do trabalho (salário-educação e parcela do IRPF no FPE), e R$ 22.925 milhões à base renda do capital (ITR, IOF e parcela do IRPJ no FPE). Dividindo-se os valores pela arrecadação tributária da União na respectiva base, encontra-se acFS = 0,0207; ahFS = 0,0420; akFS = 0,1088. Já em relação às outras transferências da União para os Estados, dividiu-se o valor encontrado, R$ 70.287 milhões, pelo PIB, de modo que TFS = 0.0130.

Do mesmo Balanço Geral dos Estados, observa-se que as transferências dos Estados para os Municípios foram de R$ 108.991 milhões, dos quais R$ 78.049 milhões referem-se ao ICMS, R$ 12.857 milhões ao IPVA e R$ 18.083 milhões são relativos a outras transferências dos Estados para os Municípios. Dividindo-se os valores pela arrecadação tributária dos Estados na base tributária, consumo, renda do trabalho e renda do capital, encontra-se acSL = 0,1783; ahSL = 0; akSL = 0,3426. Quanto à participação dos Municípios nas receitas dos Estados sobre a tributação do investimento, adotou-se o mesmo percentual do consumo, haja vista que o ICMS é o principal imposto sobre o consumo e o investimento, de modo que a aiSL = acSL = 0,1783. Já em relação às demais transferências dos Estados para os Municípios, dividiu-se o valor encontrado, R$ 18.083 milhões pelo PIB, de modo que TSL = 0.0033.

Por fim, o FINBRA da STN mostra que a União transferiu para os Municípios o valor de R$ 180.058 milhões, que com deduções de R$ 27.256 milhões implica uma transferência líquida de R$ 152.801 milhões. Desse total, R$ 60.010 milhões decorrem do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), R$ 648 milhões do ITR, e R$ 92.115 milhões de outras transferências da União para os Municípios. A composição do FPM é a mesma do FPE - 12% IPI, 45% IRPF e 43% IRPJ. Assim, tem se que do total de receitas repartidas, R$ 60.010 milhões, R$ 7.190 milhões decorre, da base consumo (parcela do IPI no FPE), R$ 27.116 milhões decorre da base renda do trabalho (parcela do IRPF no FPE) e R$ 26.377 milhões da base renda do capital (ITR e parcela do IRPJ do FPE). Dividindo-se os valores pela arrecadação tributária da União na respectiva base, encontra-se acFL = 0,0145; ahFL = 0,0426; akFL = 0,1252. Finalmente, em relação às outras transferências da União para os Municípios, dividiu-se o valor encontrado, R$ 92.115 milhões, pelo PIB, de modo que TFL = 0.0170.

Resultados

Duas simulações foram realizadas, ambas com 120 períodos. Na primeira, a retirada da tributação sobre o investimento pelos Estados é financiada com uma redução dos gastos estaduais. Essa simulação é importante para se medir a magnitude das perdas que os Estados poderiam ter que enfrentar caso restituíssem rapidamente o ICMS sobre o investimento em máquinas e equipamentos. Na segunda simulação, as perdas de arrecadação são repartidas proporcionalmente entre União, Estados e Municípios, de modo que todos são atingidos de forma mais equitativa. A segunda simulação busca mostrar que é possível reduzir os custos quando ele se dilui entre todos os membros da federação.

4.1 Simulação 1 - Ajuste dos gastos dos governos estaduais

4.1.1 Resultados no longo prazo

A Tabela 3 apresenta os resultados no longo prazo quando a retirada do ICMS sobre o investimento é financiada pela redução dos gastos estaduais.

Tabela 3
Resultados no longo prazo

O ICMS sobre o investimento em máquinas e equipamentos não só distorce a escolha do investimento pelas firmas, mas também a escolha dos fatores de produção entre capital e trabalho. Com isso, a eliminação desse imposto torna o investimento em capital mais barato, fazendo com que o trabalho cresça menos do que a produção, como também favorece o investimento em máquinas e equipamentos, com crescimento bem superior ao do investimento em prédios e construções.

O consumo aumenta em linha com a produção, fazendo com que o bem-estar tenha um pequeno crescimento, já que houve pequena redução do lazer.

No lado das receitas públicas, a retirada do ICMS afeta diretamente a arrecadação dos Estados, mas também impacta os Municípios, pois parte do ICMS é compartilhada com eles. O efeito negativo, porém, é bem concentrado nas receitas estaduais. Já a arrecadação federal é beneficiada pelo aumento da produção e do consumo, sem ter qualquer redução nas suas receitas. Entre os entes federativos, a União é a grande beneficiária da medida.

4.1.2 Resultados com transição

Ao considerar a transição da economia para o seu novo estado estacionário, é possível analisar o comportamento das variáveis em toda a trajetória.

O Gráfico 1 apresenta a transição para os fatores de produção.

Gráfico 1
Transição: fatores de produção

O estoque de capital em máquinas e equipamentos cresce rapidamente após o fim da tributação sobre o investimento. Com o passar do tempo, as taxas de crescimento vão ficando cada vez menores e se estabilizam com elevação em torno de 2,2% acima do equilíbrio inicial da economia.

Já o estoque de capital em prédios e construções se reduz no curto prazo, reflexo do direcionamento dos investimentos para máquinas e equipamentos. Somente com o crescimento da economia é que o investimento em prédios e construções volta a se elevar, de forma que o estoque de capital desse tipo de investimento se recupera a partir do 12º ano, passando a apresentar crescimento no novo estado estacionário.

As horas de trabalho aumentam levemente durante toda a trajetória. Esse pequeno crescimento decorre de dois efeitos. Se por um lado, o capital ficou relativamente mais barato com o fim da tributação, fazendo com que a demanda por trabalho se reduzisse, de outro, com a diminuição das distorções na economia, a produção cresce e passa a demandar mais trabalho. O efeito líquido é um pequeno incremento na demanda por trabalho, um pouco maior nos anos iniciais da mudança.

O Gráfico 2 ilustra os resultados para o produto, consumo e bem-estar. Dada a redução das distorções na escolha dos insumos, a produção aumenta rapidamente no curto prazo e permanece se elevando durante toda a trajetória, mas com taxas decrescentes, estabilizando-se em torno de 0,5% acima do equilíbrio inicial.

Gráfico 2
Transição: produto, consumo e bem-estar

O consumo é afetado pela redução do custo do investimento, fazendo com que as famílias, no curto prazo, reduzam o consumo para aumentar o investimento. Esse impacto, porém, é limitado e, no 6º período após a reforma, o consumo retoma uma trajetória positiva de crescimento, atingindo novo equilíbrio estacionário, com cerca de 0,5% acima do equilíbrio inicial.

O bem-estar se reduz no curto prazo tanto pelo aumento das horas trabalhadas quanto pela diminuição do consumo. O aumento das horas é pequeno, mas permanente, ao passo que a redução do consumo é transitória. Assim, conforme o consumo aumenta, ele puxa a elevação do bem-estar, que entra em terreno positivo a partir do 10º período.

No que concerne às finanças públicas, o Gráfico 3 apresenta as trajetórias de transição. A compensação imediata do ICMS sobre o investimento pelos Estados tem impacto direto sobre as suas receitas. As perdas no curto prazo chegam a quase 1,5% da receita total. O impacto para os Municípios também é negativo, embora indireto. Como uma parte das receitas do ICMS é repassada para os Municípios, a perda de arrecadação também é compartilhada. Por outro lado, a União se beneficia da medida sem incorrer em custos de perda de arrecadação.

Gráfico 3
Transição: finanças públicas

Esta simulação foi interessante por mostrar o impacto que a simples eliminação da tributação do ICMS sobre os bens de capital teria sobre as finanças públicas. É possível identificar com clareza que Estados e Municípios têm perdas relativamente acentuadas, principalmente no curto prazo, enquanto a União se beneficia da medida. Essa configuração dificulta a aprovação da medida, já que alguns Estados e Municípios não conseguirão suportar uma redução de receitas relevantes no curto prazo. Porém, essa primeira simulação sugere que existe um caminho que poderia ser trilhado, com a União compensando, ainda que em parte, as perdas de Estados e Municípios.

Uma segunda simulação, na qual os entes federativos compartilhem de forma mais igualitária as perdas e ganhos, pode se constituir num cenário mais favorável para a aprovação da medida, que, como foi visto, tem impacto econômico razoável.

4.2 Simulação 2 - Aumento das transferências da União para Estados e Municípios

A proposta é que a União aumente o percentual dos valores repassados para Estados e Municípios do Fundo de participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), de forma que as perdas e ganhos sejam, percentualmente, iguais entre os entes da federação. O objetivo é mitigar as perdas que seriam elevadas para os Estados, diluindo esses custos, principalmente, com a União.

Para efeito de modelo, os coeficientes de transferências da União para os Estados (acFS, ahFS, akFS) foram elevados em 7,55%, e os coeficientes de transferências da União para os Municípios (acFL, akFL, akFL) aumentou em 0,66%, de modo a garantir que a eliminação do ICMS sobre o investimento tenha impacto similar entre todos os entes federativos.

Em termos financeiros, esse aumento dos coeficientes representa um adicional de R$ 400 milhões das transferências da União para os Municípios e de R$ 4,5 bilhões da União para os Estados. Como o FPM (líquido de deduções) foi de R$ 60,0 bilhões, e o FPE (líquido de deduções) de R$ 53,44 bilhões em 2013, os valores adicionais representam, portanto, incremento de 0,67% no FPM e de 8,46% no FPE.

Atualmente, o percentual do FPM é de 22,5% das receitas do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o percentual do FPE é de 21,5%. O incremento das transferências como proposto aqui, elevaria o percentual do FPM para 22,65%, e do FPE para 23,32%. Resultados no longo prazo - A retirada do imposto sobre o investimento, com aumento da repartição das receitas da União com Estados e Municípios, também tem impacto positivo na economia.

O aumento das transferências da União para Estados e Municípios elimina as perdas para os entes da federação. Dessa forma, a eliminação da tributação sobre o investimento acaba por aumentar a arrecadação da União, Estados e Municípios, no longo prazo, quando se altera a redistribuição de recursos.

Os resultados são também positivos para a economia como um todo. O fim das distorções causadas pelo investimento leva ao aumento do produto e, em menor escala, do consumo, pois, como o investimento se torna mais barato, parte da renda das famílias deixa de ser empregada em consumo e passa para o investimento.

Do lado dos fatores de produção, o impacto é maior em máquinas e equipamentos, já que esse insumo era o mais atingido pela tributação do investimento, mas também há efeitos positivos, embora bem menores, para o investimento em prédios e construções e no trabalho.

O bem-estar das famílias também aumenta em razão da maior elevação do consumo em relação às horas de trabalho.

4.2.1 Resultados com transição

O Gráfico 4 apresenta a transição para os fatores de produção.

Gráfico 4
Transição: fatores de produção

Os resultados são muito similares à primeira simulação. Basicamente, o preço do capital em máquinas e equipamentos se torna relativamente mais barato com a eliminação da tributação do ICMS e faz com que o estoque de capital em máquinas e equipamentos cresça substancialmente nos primeiros anos da mudança. O contrário acontece com o estoque de capital em prédios e construções, já que esse tipo de investimento ficou relativamente mais caro. Com isso, o estoque de capital de prédios se reduz no curto prazo, recupera-se lentamente, acompanhando o desenvolvimento da economia.

As horas de trabalho acompanham o comportamento do estoque de capital no curto prazo. Isso porque, dado o forte crescimento do investimento em máquinas e equipamentos, o estoque de capital como um todo cresce, puxando o aumento das horas de trabalho e do produto. Com o passar do tempo, e dado que o investimento em máquinas e equipamentos ficou mais barato, as firmas vão ajustando o seu mix de produção, passando a usar um pouco mais de capital e um pouco menos de trabalho. Mesmo assim, as horas de trabalho apresentam desempenho positivo em toda a sua trajetória.

O Gráfico 5 ilustra o comportamento do produto, consumo e bem-estar durante a transição.

Gráfico 5
Transição: produto, consumo e bem-estar

Os resultados são também similares aos da primeira simulação. O produto cresce, puxado pelo aumento do investimento, que se tornou relativamente mais barato do que o consumo, especificamente o investimento em máquinas e equipamentos. Com o passar do tempo, conforme o estoque de capital vai aumentando, o retorno do capital investido vai diminuindo, neutralizando o impacto inicial da redução da tributação e estabilizando o produto em pouco mais de 0,5% acima do equilíbrio inicial.

O inverso ocorre com o consumo, que diminui no curto prazo, por conta do aumento do investimento, mas conforme o produto aumenta e o retorno do capital se estabiliza boa parte da elevação do produto passa a ser direcionada ao consumo, que ao final apresenta taxa de crescimento apenas um pouco inferior ao da produção.

O bem-estar cai no curto prazo pela redução do consumo e com aumento do trabalho. Mas conforme o consumo se recupera e as horas de trabalho se estabilizam, o bem-estar passa a crescer. As famílias, portanto, perdem bem-estar nos primeiros anos da reforma, com recuperação somente a partir do 16º ano. Em termos de valor presente, o impacto sobre o bem-estar é bem razoável e positivo, (+2,23%).

Em relação ao setor público, objeto da maior mudança em relação à Simulação 1, o Gráfico 6 apresenta os resultados.

Gráfico 6
Transição: finanças públicas

Os aumentos na repartição das receitas da União para Estados e Municípios tornam o impacto da mudança praticamente igualitário entre os entes da federação. O maior impacto é sentido no curto prazo, quando as receitas caem 0,49% para a União, 0,35% para os Municípios e 0,46% para os Estados. As perdas vão se reduzindo com o passar do tempo devido ao crescimento da economia. As perdas de arrecadação da União cessam no período 33, para os Municípios as perdas se encerram no período 15, e para os Estados no período 34. A partir desses três períodos, a arrecadação começa a ser positiva, permanecendo em crescimento, até se estabilizar com um ganho de 0,1% para todos os três entes da federação em relação ao estado estacionário inicial.

A segunda simulação reduz substancialmente um grande problema da proposta de compensação rápida do ICMS sobre o investimento, que é a concentração de perdas de arrecadação nos Estados. Ao aumentar o compartilhamento de receitas, as perdas dos Estados no curto prazo se reduzem em quase 60%, porém com elevação da perda da União. Ainda assim, as perdas de receitas no curto prazo, em torno de 0,4% a 0,5% para União, Estados e Municípios, são muito mais administráveis do que as perdas de quase 1,5% concentradas nos Estados.

4.3 Análise de sensibilidade dos resultados

Dois parâmetros não foram calibrados diretamente pelo modelo: a depreciação de prédios e construções, δb = 0.018, correspondente a uma vida útil do bem imóvel de 55 anos e o inverso da elasticidade de substituição intertemporal do consumo, σ = 0,7. A Tabela 5 apresenta os resultados para valores razoáveis desses parâmetros. No caso da depreciação de prédios e construções, admitiram-se dois outros valores diferentes para a vida útil do imóvel - 40 anos (δb = 0.025) e 70 anos (δb = 0.0143). No caso do inverso da elasticidade de substituição intertemporal, seguiram-se os valores estimados por Liu e Sercu (2009)LIU, F.; SERCU, P. Estimating the intertemporal substitution elasticity. Disponível em <http://www.ckgsb.edu.cn/Userfiles/doc/ck_fmba_seminar_7071_LiuFang.pdf>. Acesso em: 19 fev. 2018.
http://www.ckgsb.edu.cn/Userfiles/doc/ck...
, de 0,272, para a Europa Continental e 0,443 para países emergentes.

Tabela 4
Resultados no longo prazo
Tabela 5
Análise de sensibilidade – resultados no longo prazo (em %)

Para valores dentro de uma faixa razoável dos parâmetros de depreciação e inverso da elasticidade de substituição, os resultados se mantêm com pequenas variações.

Conclusão

Este artigo analisou o impacto da eliminação da tributação do ICMS sobre o investimento. Atualmente os Estados dispõem de até 48 meses para devolverem, sem correção, os valores pagos a título de ICMS na aquisição de máquinas e equipamentos. Avaliam-se, neste trabalho, os efeitos econômicos da compensação imediata do ICMS nesse tipo de investimento. Para tanto foi utilizado um modelo econômico de equilíbrio geral com desagregação do investimento e do setor público.

Foram realizadas duas simulações: a) a eliminação do ICMS sobre bens de capital com redução de gastos dos governos estaduais; b) o custo da retirada do ICMS foi suportado de maneira igualitária entre todos os entes da federação. A primeira simulação sugeriu que as perdas de arrecadação podem ser elevadas para os Estados, chegando a quase 1,5%, enquanto a União é beneficiada pela mudança, pois não incorre em perdas de receitas e aproveita o crescimento da economia para aumentar a arrecadação. Esses resultados mostram que há espaço para reduzir as perdas dos Estados sem ter que recorrer a aumento de tributos. A segunda simulação trata exatamente dessa situação - a União aumenta as transferências para Estados e Municípios como forma de mitigar os custos da eliminação do ICMS sobre o investimento. Nesse caso, as perdas no curto prazo para cada um dos entes federados são limitadas em 0,5% e ainda há espaço para ganhos de receitas no longo prazo de 0,1% para todas as esferas de governo. Assim, a retirada do ICMS pode resultar em ganhos de arrecadação no longo prazo por conta da redução das distorções econômicas.

Em ambas as simulações, a mudança foi positiva para a economia, com aumento do produto, consumo e estoque de capital. O crescimento foi mais elevado para o estoque de capital em máquinas e equipamentos, por conta da redução do preço relativo causado pela retirada do ICMS, mas também houve pequeno aumento no estoque de capital em prédios e construções e no emprego. Já o consumo cresceu um pouco menos do que o produto, pois, como o investimento se tornou mais barato, as famílias reduziram um pouco o consumo e elevaram o investimento.

O maior risco para a reforma está no curto prazo com a queda da arrecadação dos Estados, que pode chegar a quase 1,5%. Dado o atual quadro fiscal, a compensação rápida do ICMS sobre o investimento parece distante. Porém, a alternativa de aumentar as transferências da União para Estados e Municípios reduziu substancialmente as perdas no curto prazo, para menos de 0,5% em todos os entes da federação, com ganhos de arrecadação no longo prazo, tornando a medida muito mais aceitável.

Abre-se, portanto, um caminho para a efetiva eliminação do ICMS sobre o investimento produtivo no país, sem sequer a necessidade de aumento de impostos, desde que seja possível aceitar pequenas perdas de arrecadação no curto prazo e aumentar as transferências da União para Estados e Municípios. Com isso, o ICMS se aproximará de um moderno imposto sobre o valor adicionado, reduzindo distorções e favorecendo o desenvolvimento da economia brasileira.

O enfoque adotado neste artigo limitou-se aos impactos macroeconômicos da mudança. Uma possibilidade que não foi explorada aqui envolve estimar os efeitos setoriais e/ou regionais dessa alteração tributária. Modelos de equilíbrio geral computável podem ser especialmente úteis nessa tarefa, como sugerem Domingues e Haddad (2003)DOMINGUES, E. P.; HADDAD, E. A. Política tributária e relocalização. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 57, n. 4, p. 849-871, 2003. e em Porsse, Palermo e Portugal (2011)PORSSE, A. A.; PALERMO, P. U.; PORTUGAL, M. S. Exercícios de reestruturação tributária para o Rio Grande do Sul: análise com um modelo de equilíbrio geral computável inter-regional. Textos para Discussão FEE, n. 89, jan. 2011..

Por fim, é importante ressaltar que as distorções do ICMS não se limitam à questão do investimento. Há graves problemas com benefícios fiscais distorcivos, “guerra fiscal”, distribuição das receitas entre os Estados (princípio do destino e princípio da origem), concentração da arrecadação em combustíveis, energia, telecomunicações e veículos, incentivos às importações e oneração das exportações.

Tais distorções podem afetar os resultados apresentados. Por exemplo, a eliminação dos incentivos fiscais à importação também teria efeito positivo sobre a economia. Se por um lado a retirada do ICMS sobre o investimento atuaria do lado da oferta, estimulando o aumento do estoque de capital na economia, o fim dos incentivos às importações atuaria no lado da demanda, direcionando parte do consumo hoje atendida por importados para a produção nacional. A retirada das demais distorções, regra geral, atuam no mesmo sentido e reforçam os resultados aqui apresentados.

  • 1
    O que equivale a uma estimativa média de 55 anos de vida útil do bem imóvel.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2017
  • Aceito
    05 Mar 2018
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