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Uma nota sobre dinheiro e dinheiro creditício: uma interpretação da teoria do valor de Marx

A note on money and credit money: an interpretation of Marx's value theory

Resumo

Este artigo propõe reconstituir, a partir de uma abordagem centrada na forma-valor, o desenvolvimento genético do dinheiro na teoria do valor de Marx. Em particular, argumenta-se que a teoria do dinheiro de Marx não se restringe à concepção do dinheiro como uma mercadoria específica, como o ouro. Assim, destaca-se que o dinheiro-mercadoria constitui, metodologicamente, apenas uma etapa no desenvolvimento sistemático da categoria dinheiro, que aponta para o dinheiro creditício, no âmbito do processo de valorização, como sua forma mais acabada. Nesse contexto, o presente artigo busca contribuir para a rica literatura marxista acerca da compreensão do dinheiro no capitalismo contemporâneo ao destacar a compatibilidade da teoria do dinheiro de Marx para o entendimento das formas atuais assumidas pelo dinheiro.

Palavras-chave:
valor; dinheiro; dinheiro creditício; capital; Marx

Abstract

The aim of this paper is to reconstruct the genetic development of money in Marx’s value theory from a value-form approach. In particular, we argue that Marx's theory of money is not limited to the conception of money as a specific commodity, such as gold. We highlight that, methodologically, commodity money is only a stage in the systematic development of money, which points to credit money within the process of capital valorization as its most finished form. Therefore, this paper aims to contribute to the rich Marxist literature on the understanding of money in contemporary capitalism by bringing forward the compatibility of Marx's theory of money for understanding the contemporary forms assumed by money.

Keywords:
value; money; credit money; capital; Marx

1 Introdução

O dinheiro apresenta papel de destaque na compreensão de Marx sobre a organização da sociedade capitalista. Com efeito, Marx dedica parte relevante de sua principal obra, O capital, ao exame da posição ocupada pelo dinheiro no tecido social capitalista. A interpretação usual acerca da teoria do dinheiro de Marx, no entanto, sugere que o dinheiro, para o autor, em sua forma acabada, trata-se apenas de uma mercadoria específica selecionada socialmente - no caso, o ouro - para cumprir, de modo exclusivo, funções monetárias. Se essa leitura está correta, a teoria do dinheiro de Marx seria capaz de apreender o desenvolvimento histórico do capitalismo no decorrer do século XX, que parece prescindir, concretamente, que o dinheiro assuma a forma de uma dada mercadoria - sobretudo a partir do colapso do padrão monetário internacional dólar-ouro, com o fim do Regime de Bretton Woods na década de 1970?

No Brasil, esse tema ocupou parcela significativa do debate marxista recente sobre a natureza do dinheiro. Parte dos autores, com destaque para contribuições mais recentes de Germer (2005GERMER, C. M. The commodity nature of money in Marx’s theory. In: MOSELEY, F. (Org.). Marx’s Theory of Money: Modern Appraisals. New York: Palgrave Macmillan, p. 21-35, 2005.; 2013) e Silva e Maldonado Filho (2017SILVA, G. de S.; MALDONADO FILHO, E. A. de L. Teorias marxistas da inflação: Uma revisão crítica. Nova Economia, v. 27, n. 2, 2017.), argumenta que o dinheiro, para Marx, é uma mercadoria específica, uma vez que apenas o dinheiro-mercadoria seria consistente com a teoria do valor de Marx, em especial ao considerar que o elemento que exerce as funções de dinheiro deve, ele mesmo, ser valor, como qualquer outra mercadoria. Contudo, diversos outros autores, ainda que de perspectivas distintas, discordam dessa posição ao destacar que a forma acabada do dinheiro em Marx não se reduz a uma mercadoria específica. Com efeito, Corazza (1995CORAZZA, G. A interdependência dos bancos centrais em relação ao governo e aos bancos privados. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, 1995.; 2002), Mollo (2008MOLLO, M. de L. The endogeneity of money: Marxian and Post-Keynesian concepts compared. In: ZAREMBKA, P. Economic theory of capitalism and its crises. Bingley, UK: Emerald, p. 3-26, 2008.), Belluzzo (2012BELLUZZO, L. G. M. O Capital e suas metamorfoses. São Paulo: Editora Unesp, 2012.), Paulani (2014PAULANI, L. Money in contemporary capitalism and the autonomisation of capitalist forms in Marx’s theory. Cambridge Journal of Economics, v. 38, n. 4, p. 779-795, 2014.; 2019) e Prado (2016PRADO, E. F. S. From gold money to fictitious money. Brazilian Journal of Political Economy, v. 36, n. 1, p. 14-28, 2016.) apontam que o dinheiro-mercadoria constitui tão somente uma etapa da exposição d’O capital, de modo que a teoria do dinheiro de Marx deve ser considerada de maneira abrangente, contemplando o capital em suas múltiplas formas, em particular aquelas relacionadas às finanças, como o capital portador de juros e o capital fictício. Em concordância com essas contribuições, este artigo procura demonstrar que ao longo da exposição d’O capital, a partir da consideração de seu caráter sistemático, já se encontram presentes elementos teóricos indicando que a forma mais acabada do dinheiro é o dinheiro creditício.

Nesse contexto, convém observar que a proposta de Marx n’O capital é reconstituir, de forma inteligível, os nexos internos que conformam a sociedade capitalista de modo a evidenciar sua “lei econômica do movimento” (Marx, 1890, p. xx). O dinheiro deve ser concebido a partir do desenvolvimento lógico-genético da própria relação capital, como desdobramento da forma-valor, cuja exposição se inicia com a mercadoria, com vistas à compreensão do modo de produção capitalista em sua totalidade.

Dessa forma, ao considerar o desdobramento dialético sistemático das categorias apresentadas por Marx, em sua versão mais acabada n’O capital, o presente artigo sustenta a interpretação de que, por um lado, o dinheiro creditício corresponde à forma mais acabada do dinheiro em Marx e, por outro, que seu movimento deva ser compreendido a partir da totalidade capitalista do qual faz parte. A cada sucessão de categorias no percurso lógico-genético sugerido por Marx n’O capital - que se inicia com a mercadoria, da qual se desdobra o dinheiro e, em seguida, o capital - deve-se considerar que a posição e, portanto, o significado de cada categoria na totalidade na qual está inserida são modificados à medida que compreendem novas determinações com o desenvolvimento da exposição.

Nessa direção, Saad-Filho (2002, p. 89, grifos no original) aponta que a exposição de Marx “involves not only the progressive transformation of some concepts into others, but also gradual shifts in the meaning of each concept”.1 1 Sobre o movimento de redefinição das categorias apresentadas por Marx ao longo da exposição que constitui O capital, veja-se, adicionalmente, Arthur (2008), Murray (2016) e Meaney (2014). Desse modo, este artigo sugere que o entendimento do dinheiro em Marx - e, assim, a avaliação de sua adequação à realidade capitalista atual - deva ser apreendido nessa perspectiva, com destaque ao caráter sistemático de sua exposição. Portanto, não se sugere que Marx tenha sido capaz de antecipar em seus escritos, de maneira completa, aquilo que viria a ser o dinheiro no capitalismo contemporâneo, mas argumenta-se que O capital constitui uma inescapável chave interpretativa para o seu entendimento.

Para tanto, além desta introdução, este artigo contará com quatro outras seções. A segunda seção, guiada pela contribuição de Christopher Arthur (2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004.), tratará do desenvolvimento das formas de expressão do valor até a forma-dinheiro e a forma-preço. A terceira seção será dedicada à apresentação das funções do dinheiro expostas no capítulo 3 do livro I d’O capital, concebidas como determinações do mesmo, argumentando que o dinheiro como dinheiro desdobra-se, na exposição de Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].) a partir das funções medida de valor e meio de circulação e, ao mesmo tempo, abre espaço para a consideração do dinheiro a partir da circulação do capital. A quarta seção, por sua vez, constitui uma introdução ao dinheiro creditício, apresentando-o como a forma mais acabada do dinheiro capitalista. Por fim, seguem-se as considerações finais, à guisa de conclusão.

2 Dinheiro como expressão do valor: da forma simples à forma-dinheiro e à forma-preço

Um dos temas que emerge de modo mais evidente na literatura marxista sobre o dinheiro refere-se à relação entre essa categoria e as categorias mercadoria, valor e valor de troca. Em particular, boa parte do debate marxista centra-se no exame da validade teórica e empírica do dinheiro-mercadoria (Foley, 2005FOLEY, D. Marx’s Theory of money in historical perspective. In: MOSELEY, F. (Org.). Marx’s Theory of Money: Modern Appraisals. New York: Palgrave Macmillan, p. 36-49, 2005.). Nesse contexto, duas questões parecem orientar a literatura sobre o tema: i) em que medida é necessário que o elemento que cumpre a função exclusiva de expressão do valor das mercadorias, isto é, o dinheiro, seja, ele mesmo, uma mercadoria?; ii) ainda que se assuma que a forma dinheiro-mercadoria representa um dos momentos lógicos necessários para a compreensão do dinheiro tal como Marx o apresenta n’O capital, em que medida ela constitui sua forma acabada?

Sem qualquer pretensão de fornecer respostas definitivas a essas questões e tampouco reconstituir de forma exaustiva a literatura de modo a fazer jus à sua riqueza e complexidade analíticas, a presente seção sugere, a partir de uma perspectiva centrada no caráter dialético sistemático da exposição das categorias em Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].), que o dinheiro emerge enquanto mercadoria, mas que esta constitui apenas sua forma transitória no processo de desenvolvimento genético das categorias n’O capital.2 2 Acerca do entendimento de que a exposição de Marx n’O capital seja expressão de uma abordagem fundada na dialética sistemática, veja-se Arthur (2008), Reuten (2014) e, em particular, Murray (2016).

O valor de uma mercadoria, formado pelo trabalho humano abstrato nela materializada, constitui, para Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013]., p. 125), uma objetividade “puramente social”. O valor, portanto, enquanto substância social “só pode se manifestar numa relação social entre mercadorias” (Marx, 1890, p. 125, grifos nossos). Com efeito, se é possível considerar que o valor é a essência social que confere unidade às mercadorias enquanto elementos básicos do processo de reprodução da sociedade capitalista - sua “forma econômica celular”, afirma Marx (1890, p. 78) -, também o é de que essa essência só está, de fato, posta quando necessariamente se manifesta na relação entre as mercadorias.

Com efeito, em manuscrito redigido entre dezembro de 1871 e janeiro de 1872, como parte do material preparatório à segunda edição d’O capital, Marx tece as seguintes considerações:

Um produto do trabalho, observado isoladamente para si, não é, portanto, valor, tampouco é mercadoria. Ele apenas se torna valor em sua unidade com outros produtos do trabalho ou na relação na qual os diferentes produtos do trabalho, como cristais da mesma unidade - o trabalho humano abstrato -, são equalizados uns aos outros. Segue-se disso: posto que o valor das mercadorias nada é além da sua relação com o trabalho enquanto sua substância comum ou sua relação entre si enquanto expressão dessa substância comum, esse valor de uma mercadoria também só pode aparecer em uma relação na qual ela se relaciona com uma outra mercadoria como valor, ou apenas na relação valor de distintas mercadorias. Assim, a expressão valor só pode ser encontrada, as mercadorias só podem possuir forma valor, na relação de distintas mercadorias. Isso nos mostra que a forma valor surge da própria natureza do valor (MEGA II.6, p. 31, grifos no original, apudLima; Heinrich, 2018LIMA, R.; HEINRICH, M. Objetividade valor e forma valor. Apontamentos de Marx para a segunda edição de O capital. Brazilian Journal of Political Economy, v. 38, n. 1, p. 201-214, mar. 2018., p. 205).

Nesse sentido, o dinheiro emerge geneticamente para ocupar essa posição, como forma unitária e, portanto, universal de expressão do valor das mercadorias - e, assim, sua forma mais adequada (Arthur, 2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004., p. 42). Em síntese, o valor somente encontra-se efetivamente posto na medida em que se expressa sob forma monetária, de modo que não é possível compreender o valor e sua forma de expressão acabada, o dinheiro, como elementos independentes. Não por outra razão, Murray (2016MURRAY, P. The mismeasure of wealth: Essays on Marx and social form. Leiden: Brill, 2016., p. 11) argumenta que, para Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].), sob inspiração de Hegel:

(…) value does not exist independently of price. Price is the necessary form of appearance of a commodity’s value without simply being that value itself. (...) Just as Hegel recognises that essence and appearance are inseparable, Marx argues in his theory of the value form that money is value’s necessary form of appearance.

Assim, torna-se compreensível que Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].) tenha explicitamente reconhecido seu distanciamento em relação à Economia Política Clássica quando se volta à gênese do dinheiro e busca “realizar o que jamais foi tentado pela economia burguesa” (Marx, 1890, p. 125): demonstrar como a forma-dinheiro surge a partir do desenvolvimento da expressão de valor que emerge das relações entre as mercadorias.

Uma breve exposição desse caminho, para o qual Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].) dedica a seção 3 do capítulo 1 d’O capital, parece conveniente para os propósitos deste artigo. Nesse sentido, reconstitui-se, a seguir, com base em Arthur (2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004.), o desenvolvimento da expressão do valor a partir de sua forma simples, individual ou ocasional, para sua forma total ou desdobrada, para, adiante, sua forma de valor universal e, em seguida, para sua forma-dinheiro.3 3 Veja-se, também, Robles-Báez (1997).

A forma simples (I)4 4 Arthur (2004) adota a numeração presente no apêndice da primeira edição d’O capital (I-IV), de 1867, em vez daquela apresentada por Marx no capítulo 1 da segunda edição de sua obra, de 1873, para as formas de expressão do valor (A-D). de valor é apresentada como a expressão de valor entre duas mercadorias quaisquer, na qual uma assume um papel ativo, na forma de valor relativo, e a outra um papel passivo, na forma de valor-equivalente. Essas formas são inseparáveis, inter-relacionadas e se determinam reciprocamente, ao mesmo tempo que se excluem mutuamente (Marx, 1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].).

Como sugere Arthur (2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004., p. 44), essa forma se apresenta da seguinte maneira:

z da mercadoria A expressa seu valor em y do valor de uso B; ou seja, o valor de zA é yB

Convém observar que o autor remove o símbolo “=” apresentado n’O capital (Marx, 1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013]., p. 125), pois sustenta que se a relação é mutuamente excludente ela não pode ser considerada simétrica, de forma que A não pode expressar seu valor no valor de uso de B e, ao mesmo tempo, expressar o valor de B em seu próprio valor de uso. O caráter de valor da mercadoria, que emana de sua relação recíproca com os demais produtos do trabalho humano enquanto mercadorias, só é expresso, portanto, quando considerada a partir de sua relação com o mundo das mercadorias (Arthur, 2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004., p. 50).

A forma desdobrada (II) do valor aparece como resultado das múltiplas expressões simples de valor de uma mercadoria, pelas quais ela evidencia sua comensurabilidade com o conjunto de todas as outras mercadorias. Seguindo o procedimento apresentado anteriormente, substitui-se o símbolo “=” pela expressão:

z da mercadoria A expressa seu valor em y de B ou x de C ou w de D, e assim por diante

Nessa forma, pela primeira vez, o valor da mercadoria A se manifesta efetivamente como “geleia de trabalho humano indiferenciado” (Marx, 1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013]., p. 139), pois ele se apresenta na série de relações com a totalidade do mundo das mercadorias. Contudo, aqui, o valor de dada mercadoria ainda se manifesta individualmente com cada mercadoria, uma vez que as relações entre produtos do trabalho humano enquanto valores consistem na série de expressões simples e relativas de valor e, portanto, não deixam de se apresentar como uma coleção de formas particulares. Em suma, não há, ainda, uma forma unitária de valor e, por conseguinte, universal.

Ao inverter a relação expressa na forma desdobrada, Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].) identifica a forma de valor universal (III), por meio da qual se demonstra que uma série de mercadorias pode expressar seu valor em uma única mercadoria:

y de B e x de C e w de D etc. expressam seus valores em z da mercadoria A

Importa notar que aqui o termo “ou” é substituído por “e”; trata-se, assim, de uma nova forma de valor, na qual a mercadoria A assume um papel passivo, e todas as demais mercadorias ativamente expressam nela seus valores. Nesse sentido, “[a] forma universal do valor só surge (...) como obra conjunta do mundo das mercadorias” (Marx, 1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013]., p. 142, grifos nossos). A polaridade da expressão passa a ter um sentido definido: o mundo das mercadorias expressa seus valores em uma única mercadoria, de modo que “[a] homogeneous dimension of value has been found” (Arthur, 2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004., p. 53, grifos nossos).

A forma de equivalente universal pode ser assumida por qualquer mercadoria dada, mas exige que apenas uma mercadoria ocupe o polo equivalente, de modo que esta mercadoria se encontre “na forma de permutabilidade direta por todas as outras mercadorias, ou na forma imediatamente social” (Marx, 1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013]., p. 143-144). Apenas após uma única mercadoria específica ser posta como equivalente universal é que a “forma de valor relativa unitária ganha solidez objetiva e validade social universal” (Marx, 1890, p. 144, grifos nossos). Tal determinação é diretamente social, e a partir do momento em que essa única mercadoria específica assume tal posição torna-se dinheiro, de modo que sua “forma corpórea é considerada a encarnação visível, a crisalidação social e universal de todo trabalho humano” (Marx, 1890, p. 142).

Por fim, a forma-dinheiro (IV) é apresentada simplesmente ao substituir a mercadoria A pela mercadoria ouro:

20 braças de linho; 1 casaco, 40 libras de café etc. expressam seus valores em 2 onças de ouro

Aparentemente, não há uma grande alteração da forma de valor universal para a forma-dinheiro: a mercadoria ouro assume a posição de equivalente universal, lugar antes ocupado por uma mercadoria A qualquer. As mercadorias expressam seus valores, agora, na mercadoria ouro, de modo que, exclusivamente, seu valor de uso é ser a existência imediata do próprio valor, ao lado das demais mercadorias. Como observado acima, tal posição é ocupada por uma única determinada mercadoria por meio do próprio desenvolvimento das relações entre mercadorias, ou seja, pelo desenvolvimento genético mesmo das relações que se estabelecem entre os produtos do trabalho humano em sua forma determinada; sendo assim, ao considerar a totalidade que abarca o mundo das mercadorias, torna-se compreensível a posição assumida por uma dada mercadoria como equivalente geral, cujo papel, segundo Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013]., p. 145) se fixou ao ouro “por meio do hábito social”.

A mercadoria que se situa no polo equivalente - no caso, o ouro - expressa os valores das demais sob forma monetária, isto é, seus preços. Ao mesmo tempo, a mercadoria que funciona como dinheiro não possui preço. Desse modo, como desdobramento da forma-dinheiro, Arthur (2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004.) indica a necessidade de explicitar a forma-preço que lhe é subjacente e que se desdobra na forma-preço equivalente (V) e na forma-preço relativa (VI). Nesse contexto, o autor sugere que o modo como Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].) apresenta a forma-preço parece demasiadamente abrupto, fato que acaba por obscurecer seu potencial significado para a compreensão do dinheiro:

Marx briefly notes that implicit in the money-form is price, since each commodity now has its value specified in gold coin. However, I believe there is much more to say about this. We can start from Marx’s observation that, since gold is money itself, it has no price. But has it value? Here Marx’s answer is defective. He says the same thing as he did with the universal equivalent when he stated that its value is given in the expanded form already treated earlier [II]. He says again: ‘The expanded relative expression of value, the endless series of equations, has now become the specific relative form of value of the money commodity (...) We have only to read the quotations of a price-list backwards, to find the magnitude of the value of money expressed in all sorts of commodities’. In effect he goes back behind money to the bare commodity status of gold, losing the peculiar status of immediate exchangeability it has as money (Arthur, 2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004., p. 57, grifos no original).

Arthur (2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004., p. 58) prossegue o argumento ao apontar que Marx, desse modo, acabou por ignorar dois traços importantes que derivam da forma-dinheiro. Em primeiro lugar, ao contrário das formas simples e desdobrada, nas quais os valores das mercadorias são expressos nos valores de uso de outras mercadorias, no caso da forma-dinheiro, o dinheiro-mercadoria, por ser imediatamente reconhecido como encarnação do valor, não tem nenhuma necessidade de expressar seu valor em alguma outra mercadoria: em outras palavras, seu próprio valor de uso apresenta-se diretamente como manifestação do valor, como destacado acima. Ademais, em segundo lugar, o dinheiro-mercadoria, uma vez posto, implica que a reversão da forma-dinheiro não resulta em um retorno à forma desdobrada, dado que a mercadoria que funciona como dinheiro “has the special property of expressing price.” (Arthur, 2008, p. 58). Uma vez que determinada mercadoria, como o ouro, monopoliza o papel de encarnação imediata do valor, a forma-preço, que resulta da forma-dinheiro, parece constituir um momento lógico subsequente no desenvolvimento das formas de expressão do valor para o qual pouca atenção tem sido dada na literatura.

A forma preço-equivalente apresenta-se do seguinte modo:

uma unidade de ouro é o preço de z de A e y de B e x de C, e assim por diante

Em verdade, a forma-preço equivalente permite compreender de que modo o dinheiro encerra todo o mundo das mercadorias como elementos de uma mesma unidade, diferente da forma desdobrada em que as mercadorias podiam se reconhecer em todas as mercadorias, mas apenas individualmente. Uma vez socialmente validado como encarnação do valor, o dinheiro permite que todas as mercadorias se reconheçam entre si como valores. “In this form the commodities are now explicitly posited as equivalents - not just of gold, but - of each other, through the mediation of money” (Arthur, 2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004., p. 58, grifos no original).

Adiante, Arthur (2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004.) demonstra que a forma-preço pode ser analisada também a partir de sua forma relativa. Nessa forma, as mercadorias podem, separadamente, apresentarem-se como valores em preços específicos:

Uma unidade de A custa z de dinheiro

Uma unidade de B custa y de dinheiro

Uma unidade de C custa x de dinheiro, e assim por diante

Essa forma permite que uma coleção heterogênea de valores de uso seja tratada como uma coleção homogênea de valor, de modo que o valor seja enfim posto como a substância social comum das mercadorias: “So we see now that in virtue of ideally serving as common expression of value, money serves materially as commutator of values” (Arthur, 2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004., p. 60).

A interpretação de que o dinheiro deva ser uma mercadoria específica aparece exatamente no movimento sutil que Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].) opera ao transitar da forma de valor universal para a forma-dinheiro. Do modo como se apresenta, essa passagem pode sugerir que o conjunto de mercadorias exige uma mercadoria específica para que seus valores encontrem uma forma de expressão adequada. Como observado anteriormente, essa transição, porém, traz implícita a forma-preço, que constitui um passo lógico necessário para a compreensão do dinheiro. Apenas nesse momento o valor como produto da abstração real operada socialmente é corporificado, objetivado, e é a partir desta forma que as mercadorias são efetivamente postas como equivalentes entre si, e não de modo individual com uma mercadoria específica.

Cabe ao dinheiro, desse modo, exercer o necessário papel social de garantir, efetivamente, que as mercadorias se relacionem entre si enquanto tais, de forma que, atingido esse ponto da exposição, já não se coloca mais a necessidade lógica de ele mesmo ser reduzido a uma mercadoria específica.

3 A emergência do dinheiro como dinheiro

Uma vez delineada a gênese do dinheiro a partir do desenvolvimento da expressão de valor das mercadorias e da relevância da forma-preço em evidenciar a posição ocupada pelo dinheiro na sociedade capitalista, é possível analisar o modo pelo qual Marx apresenta as funções do dinheiro, ao longo do capítulo 3 do livro I d’O capital.5 5 Para o tratamento de Marx ao dinheiro em escritos anteriores d’O capital, veja-se Arnon (1984).

Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].) inicia sua exposição do dinheiro a partir da circulação simples de mercadorias, ao analisar, de início, a relação das mercadorias com o ouro, uma mercadoria específica que cumpre funções monetárias, um dado valor, portanto. Parafraseando Brunhoff (1967BRUNHOFF, S. A Moeda em Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967 [1978]., p. 17), essa é uma “boa abstração”, por meio da qual Marx dá um primeiro passo para a construção de sua teoria monetária, recusando-se a iniciar sua exposição diretamente no circuito do crédito.6 6 Uma “boa abstração”, contudo, não no sentido atribuído pela autora, segundo o qual Marx (1890) buscava formular uma teoria geral do dinheiro abstraindo-se da forma capitalista de produção. Pelo contrário, trata-se, sim, de uma boa abstração, no sentido de que Marx (1890) considera a circulação simples de mercadorias como um momento do modo de produção capitalista, como uma dimensão abstrata deste (Campbell, 2017). Veja-se, adicionalmente, Paulani (1994). A circulação metálica, isto é, da mercadoria-dinheiro ouro é relevante, pois demonstra que o dinheiro emerge geneticamente da própria forma mercadoria e, como visto anteriormente, a compreensão da forma-dinheiro passa por expor dialeticamente como uma mercadoria específica se torna dinheiro.

No capítulo 3 do livro I d’O capital, denominado “O dinheiro ou a circulação de mercadorias”, a apresentação de Marx está organizada a partir das três funções clássicas do dinheiro, as quais denomina, respectivamente: medida de valor, meio de circulação e dinheiro. Cabe notar que não parece fortuito o fato de Marx (1890) ter designado a função que atualmente abarcaria aquela referida simplesmente como reserva de valor com o termo dinheiro, apenas. Com efeito, Marx (1890) parece sugerir, aqui, que é apenas ao final de sua exposição, como resultado de o dinheiro se apresentar como encarnação imediata do valor - e, portanto, conservar valor no tempo -, que o dinheiro se encontra determinado - finalmente, dinheiro como dinheiro.

A primeira função, medida de valor, é diretamente derivada do fato de o dinheiro se apresentar como equivalente universal e, assim, servir como medida geral de valor das mercadorias, por meio da qual os valores destas são expressos numa quantidade específica de dinheiro, apresentando-se sob a forma de preços. Em verdade, o dinheiro, aqui, é a expressão necessária da substância social cristalizada nas mercadorias posta: o trabalho abstrato (Campbell, 2017CAMPBELL, M. Marx’s transition to money with no intrinsic value in capital, chapter 3. Continental Thought & Theory, v. 1, n. 4, p. 207-230, 2017.).

Como medida do valor, o dinheiro relaciona as mercadorias umas com as outras enquanto valores expressos monetariamente, ou seja, preços. Ao mesmo tempo, por meio da consideração de quantidades determinadas daquilo que funciona como dinheiro, o mesmo serve como padrão de preços, permitindo a confrontação dessas mercadorias entre si enquanto valores quantitativamente diversos. Nenhuma dessas funções, contudo, garante a troca efetiva. Para Brunhoff (1967BRUNHOFF, S. A Moeda em Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967 [1978]., p. 27):

Só a circulação, em que a moeda substitui efetivamente mercadorias, dá à fixação dos preços toda a sua dimensão. A primeira função do dinheiro é a condição da segunda, mas a segunda completa necessariamente a primeira.

Convém notar que, ao tratar do dinheiro em sua função de meio de circulação, Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013]., p. 202-203) atenta para a possibilidade de que a mercadoria que serve como dinheiro seja substituída por signos destituídos de valor, abrindo espaço para que o papel-moeda emitido pelo Estado e de circulação compulsória assuma essa função.

Em Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].), apenas com a terceira função, que pressupõe as funções anteriores, das quais resulta dialeticamente (Paulani, 2014PAULANI, L. Money in contemporary capitalism and the autonomisation of capitalist forms in Marx’s theory. Cambridge Journal of Economics, v. 38, n. 4, p. 779-795, 2014.), e, ao mesmo tempo, de maneira contraditória, as completa, o dinheiro é apresentado realmente como dinheiro, ou real money, como aponta Heinrich (2012HEINRICH, M. An introduction to the three volumes of Karl Marx’s Capital. New York: Monthly Review Press, 2012., p. 68). De fato, para o cumprimento da função de medida de valor, o dinheiro ideal é suficiente, e para a função de meio de circulação, o dinheiro simbólico; “[o]nly as unity of magnitude of value and means of circulation is money really money, that is, an independent embodiment of value” (Heinrich, 2012, p. 68, grifos nossos).

O dinheiro como dinheiro se apresenta em três novas subfunções: entesouramento, meio de pagamento e dinheiro mundial, nas quais a característica fundamental é o fato de em todas elas o dinheiro se colocar como manifestação independente de valor. O dinheiro como dinheiro, portanto, pressupõe o exercício de tais funções, mas nenhuma delas exige necessariamente que uma mercadoria seja dinheiro.

O entesouramento significa retirar o dinheiro da circulação e mantê-lo fora dela por tempo indeterminado, pronto e disposto a ela retornar a qualquer momento. O dinheiro é capaz de se converter em tesouro precisamente por ser reconhecido como a “forma absolutamente social da riqueza” (Marx, 1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013]., p. 205), de modo que a possibilidade de seu retorno à circulação esteja permanentemente aberta ao seu detentor sem “perda de valor”. Com isso, destaca Marx (1890, p. 205), “surge a cobiça pelo ouro”, de modo que, mesmo que circunscrito à circulação simples de mercadorias, o dinheiro já se insinua como um fim em si mesmo.

Os processos de conversão e reconversão de dinheiro em circulação em tesouro constituem formas pelas quais as necessidades ditadas pelo processo de circulação de mercadorias são satisfeitas, garantindo que o dinheiro em circulação seja adequado ao volume de mercadorias, e seja preservada, na média, a relação de troca entre o dinheiro e todas as mercadorias (Campbell, 2017CAMPBELL, M. Marx’s transition to money with no intrinsic value in capital, chapter 3. Continental Thought & Theory, v. 1, n. 4, p. 207-230, 2017., p. 222). De fato, segundo Campbell (2017), é pela consideração do entesouramento que se torna possível interpretar o modo pelo qual Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].) trata da emissão de papel-moeda pelo Estado ainda na subseção dedicada ao dinheiro como meio de circulação. Ali, conforme trecho em que Marx (1890, p. 201-02) faz referência ao processo de ajuste que se opera caso o dinheiro assuma a forma de papel-moeda de curso forçado, o autor parece adotar uma abordagem semelhante à Teoria Quantitativa da Moeda. Com efeito, há a sugestão de que se o volume de papel-moeda em circulação, que expressa determinado valor, ultrapassa a soma de valor das mercadorias um aumento de preços irá ocorrer, desvalorizando-o e, assim, adequando-o à quantidade de valor das mercadorias em circulação.. Segundo Campbell (2017), no entanto, ainda que essa possa ser uma interpretação possível de Marx (1890), assumi-la como verdadeira significaria desconsiderar que Marx (1890), já aqui, busca apontar para o papel exercido pelo Estado e para o entesouramento como mecanismo que assegura a manutenção, na média, do poder de compra do dinheiro:

The idea that devaluation is caused by over-issue - the state’s action - comes from the quantity theory. Marx’s theory implies that the cause lies instead with the reason for refusing to hoard it. Marx hints at this: it is the unique feature of state-issued paper that it acquires its “objective social validity” from the state. It loses this if the state’s authority is called into question and, having lost it, the state’s money is in “danger of being universally discredited” - of ceasing to be money. On such occasions, state-issued paper wouldn’t be hoarded. But this is because its validity is questionable or, in other words, it isn’t clear that it is money. It is not because the state printed more than the ‘proper limit’. As long as the state’s authority is certain, its paper should move between circulation and hoards and maintain the standard of prices as a result (Campbell, 2017CAMPBELL, M. Marx’s transition to money with no intrinsic value in capital, chapter 3. Continental Thought & Theory, v. 1, n. 4, p. 207-230, 2017., p. 222-223).

Desse modo, a preservação da relação de troca entre o dinheiro e as mercadorias não exige que o próprio dinheiro seja uma mercadoria específica e, nos termos de Campbell (2017CAMPBELL, M. Marx’s transition to money with no intrinsic value in capital, chapter 3. Continental Thought & Theory, v. 1, n. 4, p. 207-230, 2017., p. 225), possua “valor intrínseco”.

Não por acaso, no momento de sua exposição dedicada ao entesouramento, Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013]., p. 206) observa que o valor do dinheiro se altera: “[1] seja em consequência de sua própria variação de valor, [2] seja em consequência da variação do valor das mercadorias.” Ao destacar que o valor do dinheiro pode se modificar em virtude da variação dos valores das mercadorias, Marx (1890) já parece sugerir uma concepção de dinheiro que transcende sua vinculação a uma determinada mercadoria. Esse ponto não passou despercebido a Campbell (2017CAMPBELL, M. Marx’s transition to money with no intrinsic value in capital, chapter 3. Continental Thought & Theory, v. 1, n. 4, p. 207-230, 2017., p. 221):

The first applies if money is gold with intrinsic value. The second cannot: the value of intrinsic value money - gold - does not vary with a change in the value of commodities (Marx does not say other commodities; money is not a commodity). The only sense in which the value of money can change in [2] is if ‘value’ means the expression that Marx spoke of in the section on measure - the ‘socially given fact in the shape of the prices of commodities.’

Na função de meio de pagamento, por sua vez, o dinheiro funciona como elemento através do qual contratos de dívida são liquidados. O dinheiro só pode fazê-lo, pois se apresenta como forma de manifestação independente de valor que, em vez de mediar a circulação das mercadorias, pode concluí-la de forma autônoma. A relação entre comprador e vendedor se converte numa relação entre devedor e credor. A mercadoria é entregue pelo vendedor, que se torna o credor, antes mesmo de que seu valor tenha sido realizado em dinheiro..

À medida que esse processo se consolida, os contratos de dívida passam a circular como dinheiro, até mesmo liquidando outras operações, a depender de sua aceitação geral, e convertem-se, assim, em dinheiro creditício:

O dinheiro creditício surge diretamente da função do dinheiro como meio de pagamento, quando certificados de dívida relativos às mercadorias vendidas circulam a fim de transferir essas dívidas para outrem. (Marx, 1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013]., p. 213).

Nesse caso, uma vez que se torna necessária a constituição de reservas para a liquidação das dívidas, o dinheiro se insinua, também aqui, enquanto um fim em si mesmo.

Posto que contratos de dívida passam a mediar as transações mercantis, a função do dinheiro como meio de pagamento sobressai e, assim, as múltiplas formas de dinheiro creditício se desenvolvem.

No entanto, embora o dinheiro creditício apareça ainda na primeira seção d’O capital, Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].) observa que tal forma não pode ser apresentada completamente naquele momento, uma vez que implica considerar “condições que nos são totalmente desconhecidas do ponto de vista da circulação simples de mercadorias” (Marx, 1890, p. 200). Conforme destaca Reuten (1988REUTEN, G. The money expression of value and the credit system: a value-form theoretic outline. Capital & Class, v. 12, n. 2, p. 121-141, 1988., p. 130), assim como as mercadorias não precisam necessariamente da presença do dinheiro para circular, a circulação do dinheiro também não necessita da presença das mercadorias, ou mesmo de sua produção prévia, para ocorrer. A primeira afirmação pode ser compreendida a partir do desenvolvimento da função meio de pagamento como exposta até aqui. Contudo, o entendimento da segunda necessita situar o dinheiro na relação capital, ou seja, no momento em que a circulação do capital, em suas múltiplas formas, é alçada ao centro da exposição -. de modo que se torne possível compreender o desenvolvimento pleno do dinheiro enquanto encarnação imediata do valor e sua manifestação sob a forma de dinheiro creditício no processo de valorização do valor.

4 Dinheiro creditício: a forma mais acabada do dinheiro capitalista

Se a apreensão do processo de exposição categorial de Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].) aqui sugerida está correta, é possível considerar que, para o autor, o dinheiro aparece em sua forma mais simples e abstrata na circulação simples de mercadorias e assume sua forma mais acabada apenas quando a circulação do capital está posta. Com efeito, antes da posição do circuito D-M-D’ [Dinheiro - Mercadoria (Meios de produção e Força de Trabalho) - Mais Dinheiro], a fórmula geral do capital “tal como ele aparece imediatamente na esfera da circulação” (Marx, 1890, p. 231) - e de sua forma abreviada D-D’, com o capital portador de juros e o capital fictício -, é possível afirmar que o valor não adquire forma adequada de existência, pois é apenas na relação capital que ele se torna o sujeito do processo econômico, início e objetivo final do circuito (Mau, 2018MAU, S. The transition to capital in Marx’s critique of political economy. Historical Materialism, v. 26, n. 1, p. 68-102, 2018.; Williams, 2000WILLIAMS, M. Why Marx neither has nor needs a commodity theory of money. Review of Political Economy, v. 12, n. 4, p. 435-451, 2000.). Nesse sentido, Evans (1997EVANS, T. Marxian theories of credit money and capital. International Journal of Political Economy, v. 27, n. 1, p. 7-42, 1997., p. 13) destaca que: “The important point here is that capital is characterized as value in the process of expansion, and money is one of the forms that capital adopts in the course of this process.”

Destarte, só se pode compreender o dinheiro em sua forma acabada quando expressa o valor na relação capital, ou seja, no interior da relação em que ele existe, de fato, como sujeito - sujeito este que só pode existir em movimento.7 7 “Within simple circulation, money is an independent and durable manifestation of value, but this independence and durability is nowhere to be seen; it cannot really exist at the level of simple circulation (...) Only as capital does the independent form of value finally find its adequate and appropriate expression, or, to put it another way, the permanent existence of value, encompassing the entire economy, is only possible when value executes the movement of capital, M-C-M'” (Heinrich, 2012, p. 85-86). Esse movimento incessante culmina, na superfície, em D-D’, como se o dinheiro, enquanto capital, possuísse a propriedade inata de gerar mais dinheiro (Vasudevan, 2017VASUDEVAN, R. The significance of Marx’s theory of money. Economic & Political Weekly, v. 52, n. 37, p. 70-82, 2017., p. 76).

Para Marx (1864-1865, p. 444), “[m]oney (...) can be transformed into capital, and through this transformation it is turned from a given, fixed value into a self-valorising value, capable of increasing its own value”. Como capital, o dinheiro adquire, portanto, novo valor de uso, o de produzir lucro, ou seja, potencialmente funcionar como capital, como valor que se valoriza. Dessa forma, o próprio capital se torna uma mercadoria; uma mercadoria sui generis, cujo processo de transação não se constitui pela atividade de compra e venda, mas pelo empréstimo. Esse movimento conforma aquilo que Marx (1864-1865) denominou de capital portador de juros, em que a circulação se apresenta simplesmente como D-D’, na qual o processo de mediação encontra-se oculto.

The owner of money who wants to valorise his money as interest-bearing capital parts with it to someone else, puts it into circulation, makes it into a commodity as capital; as capital not only for himself but also for others. It is not simply capital for the person who alienates it, but it is made over to the other person as capital, as value that possesses the use-value of creating surplus-value, profit; it is therefore handed over to him as capital, i.e., as a value that maintains itself in the movement and, after it has performed its function, returns to the person who originally gave it out, in this case the money’s owner. That is, it is removed from him only during a certain interval, only temporarily stepping out of the possession of its owner into the possession of the functioning capitalist. It is neither paid out nor sold, but simply lent, loaned out; it is only alienated on condition that it is, first, returned to its starting-point after a definite period of time, and second, returned as realised capital, so that it has realised its use-value of producing surplus-value (Marx, 1864-1865, p. 449).

Nesse sentido, os juros aparecem como atributo inerente à propriedade de uma soma de recursos monetários tomados como capital. O fato de seu valor de uso consistir na capacidade de gerar mais-valor confere ao seu proprietário o direito a uma remuneração sem que ele abra mão da propriedade da mercadoria capital, mas apenas apartando-se da possibilidade do uso de seus recursos cedidos como capital momentaneamente. Conforme destaca Marx (1864-1865, p. 459), “interest expresses the valorisation of moneyed capital, and therefore appears as the price the lender is paid for it”. A partir dessa concepção, deve-se entender que “[o] dinheiro enquanto forma universal da riqueza capitalista deixa de ser um intermediário das trocas já existentes e passa a ser uma antecipação em relação à produção futura” (Belluzzo, 2012BELLUZZO, L. G. M. O Capital e suas metamorfoses. São Paulo: Editora Unesp, 2012., p. 57).

Com o capital portador de juros, portanto, a mera propriedade da mercadoria capital confere um rendimento futuro sob a forma de juros ao seu proprietário (Marx, 1864-1865). Desse modo, toda soma de recursos sob forma monetária no presente, tomada como capital potencial, é considerada portadora de uma renda futura, de modo que, como desdobramento, todo fluxo esperado de renda se apresentará como resultado da aplicação específica, como capital, de uma soma de recursos sob forma monetária e, portanto, corresponderá a um valor capital no presente. É exatamente esse processo que marca o desenvolvimento do capital fictício, que se constitui por meio da conversão de um fluxo de renda futura, que poderá ou não se concretizar, em um valor capital no presente por meio do processo de capitalização (Palludeto, 2016PALLUDETO, A. W. A. Os derivativos como capital fictício: uma interpretação marxista. Tese (Doutorado em Teoria Econômica) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, 2016., cap. 4).

Segundo Prado (2016PRADO, E. F. S. From gold money to fictitious money. Brazilian Journal of Political Economy, v. 36, n. 1, p. 14-28, 2016.), essa caracterização é importante, pois indica que o dinheiro, em sua forma acabada, baseia-se na própria circulação do capital enquanto uma mercadoria - não uma mercadoria no sentido usualmente atribuído por aqueles que argumentam pelo dinheiro-mercadoria a partir de Marx.8 8 Veja-se, também, Foley (2005) e McNally (2011), que defendem a concepção de que o dinheiro contemporâneo está associado ao desenvolvimento do capital fictício. Segundo o autor, a concepção convencional do dinheiro-mercadoria na literatura marxista está associada à materialidade preexistente portadora de valor da mercadoria que cumpre a função de dinheiro, argumento que não comportaria o desenvolvimento da exposição que Marx opera quando apresenta que o próprio capital se torna mercadoria:

(...) this form as such represents only a possible value, not an effective value, an abstract labor that was already established by the social process. Therefore, could this matter be a mere paper? Yes, precisely, because it definitely could not be a gold piece. Because it must receive a form of capital that Marx designates as fictitious in order to show that it is just the present value of a promised flow of future value, which actually may or may not be generated, as time passes by (Prado, 2016PRADO, E. F. S. From gold money to fictitious money. Brazilian Journal of Political Economy, v. 36, n. 1, p. 14-28, 2016., p. 17).

Nesse contexto, a consideração do dinheiro em sua forma acabada exige situá-lo no sistema de crédito, a partir da circulação do capital, que busca incessantemente romper com os limites à sua contínua expansão. Assim é que, para Reuten (1988REUTEN, G. The money expression of value and the credit system: a value-form theoretic outline. Capital & Class, v. 12, n. 2, p. 121-141, 1988.) e Evans (1997EVANS, T. Marxian theories of credit money and capital. International Journal of Political Economy, v. 27, n. 1, p. 7-42, 1997.), a introdução do sistema bancário, de modo particular, e de crédito, de modo geral, ao amparar a acumulação de capital via superação das dificuldades de expansão do circuito de valorização, é o elemento que traz o último estágio da teoria do dinheiro de Marx.9 9 Veja-se, adicionalmente, Brunhoff e Foley (2006, p. 196-198). Não tanto pela capacidade de gerir débitos e créditos dos agentes em um processo de intermediação de recursos, mas, principalmente, porque essas instituições passam a ser as responsáveis por emitir dinheiro creditício, sem correspondência de valor já em circulação, antecipando a validação social que por ventura irá ocorrer na finalização autônoma do circuito na liquidação do contrato de dívida. Tais operações, no momento de sua origem, não têm necessidade nenhuma de ter presente o montante de dinheiro envolvido- ainda que sua existência pressuponha essa presença potencial -, pois o mero cancelamento de créditos recíprocos no sistema bancário terá o mesmo efeito (Evans, 1997, p. 17-18). Conforme destaca Milios et al. (2002MILIOS, J.; DIMOULIS, D; ECONOMAKIS, G. Karl Marx and the Classics: An essay on value, crises and the capitalist mode of production. Burlington: Ashgate Publishing Company, 2002., p. 53, grifos nossos):

Money is not the representative of a material or of a commodity, but the embodiment of the capital relation: It can thus be produced within the framework of the expanded reproduction of this relation (i.e. independently of any commodity or material), and this is exactly what happens when the bank opens an advance credit account for a businessman client.

O dinheiro creditício, portanto, baseia-se na emissão de certificados de dívidas e títulos que antecipam o processo de reprodução capitalista em seu conjunto. Segundo Prado (2016PRADO, E. F. S. From gold money to fictitious money. Brazilian Journal of Political Economy, v. 36, n. 1, p. 14-28, 2016.), a sua forma de existência no presente é fictícia, como capital fictício, visto que se fundamenta apenas em promessas de valorização, tornando o dinheiro creditício, para o autor, uma forma de “dinheiro fictício”.10 10 Convém notar que, embora Prado (2016) considere essa a forma típica do dinheiro no capitalismo contemporâneo, ela não constitui, para o autor, o equivalente geral. Ao contrário do que sustenta este artigo, portanto, o autor ainda atribui ao ouro o monopólio dessa função, argumentando que esta tem sido sistematicamente suprimida pelo desenvolvimento do sistema de crédito (Prado, 2016, p. 25, nota 9). Conforme destaca Belluzzo (2012BELLUZZO, L. G. M. O Capital e suas metamorfoses. São Paulo: Editora Unesp, 2012., p. 82), o desenvolvimento do dinheiro creditício é expressão da própria relação capital, “que busca de todas as formas expurgar as barreiras que limitam sua autoexpansão”.

Portanto, o debate acerca do dinheiro creditício, de modo particular, e do sistema de crédito, de modo geral, deve ser tocado a partir da compreensão destes como formas inerentes de socialização do processo de reprodução capitalista. O sistema de crédito possibilita a concentração e centralização de capital, além de potencializar a expansão da capacidade produtiva por meio da ampliação do poder de comando da classe capitalista (Brunhoff; Foley, 2006BRUNHOFF, S.; FOLEY, D. Karl Marx’s theory of money and credit. In: ARESTIS, P.; SAWYER, M. C. A Handbook of Alternative Monetary Economics. Bodmin: Cornwall, p. 188-204, 2006.; Belluzzo, 2012BELLUZZO, L. G. M. O Capital e suas metamorfoses. São Paulo: Editora Unesp, 2012.). Desse modo é que se pode afirmar que a circulação do dinheiro creditício se funda na confiança no caráter social do processo de reprodução capitalista (Marx, 1864-1865, p. 671). Assim, quando Marx (1864-1865; 1890) sugere que, caso o sistema de crédito se abale, evidencia-se sua inescapável base metálica, em verdade, parece destacar que não é possível que o sistema de crédito se desvencilhe do dinheiro enquanto manifestação social absoluta do valor - ainda que ele assuma a forma, por exemplo, de um passivo do Banco Central (Corazza, 2002CORAZZA, G. O dinheiro como forma de valor. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n. 11, p. 28-32, 2002.). A sociedade se volta, nesse momento, ao elemento que se coloca exclusivamente como encarnação imediata do valor - no caso da exposição de Marx (1864-1865; 1890) nesse contexto, o ouro e a prata:

Marx afirmou reiteradamente que o desenvolvimento (no sentido lógico-genético) do regime do capital reforça o caráter social da produção de mercadorias, e esse avanço da “socialização capitalista” torna a conversibilidade do dinheiro de crédito no dinheiro-mercadoria, seja qual for sua materialidade, “uma aspiração disparatada”. O dinheiro - a forma geral do valor e expressão universal da riqueza -, somente ele, realiza a riqueza individual como riqueza social; é o dinheiro este “objeto”. Há quem confunda essa objetividade com a corporeidade metálica, mas, na construção de O capital, a corporeidade metálica é apenas o passo “mercantil” para que a objetividade assuma a sua forma apropriada ao regime do capital plenamente constituído (Belluzzo, 2012BELLUZZO, L. G. M. O Capital e suas metamorfoses. São Paulo: Editora Unesp, 2012., p. 9).

A gestão do sistema de crédito por organizações políticas centralizadas, tais como o Estado, representa um momento essencial no desenvolvimento lógico-genético das relações mercantis-capitalistas ao garantir, por exemplo, maior estabilidade ao sistema de crédito, visto que assegura a liquidação dos contratos no dinheiro por elas emitidos, função particularmente evidente em períodos de turbulência. A criação endógena de dinheiro de crédito é protagonizada, sobretudo, pelo sistema bancário, e tem como função primordial a antecipação da circulação bem-sucedida do capital. Esse processo, quando guiado por instituições bancárias privadas, é denominado por Reuten (1988REUTEN, G. The money expression of value and the credit system: a value-form theoretic outline. Capital & Class, v. 12, n. 2, p. 121-141, 1988., p. 134) de pré-validação privada da circulação do capital, visto que tal circulação só é de fato validada quando se conclui, ou seja, quando o crédito é liquidado.

A partir disso, deve-se entender que o sistema de crédito é simultaneamente público e privado, e se conforma em uma hierarquia de circuitos de validações dos processos de criação e circulação de dinheiro creditício em suas múltiplas formas (Mollo, 2008MOLLO, M. de L. The endogeneity of money: Marxian and Post-Keynesian concepts compared. In: ZAREMBKA, P. Economic theory of capitalism and its crises. Bingley, UK: Emerald, p. 3-26, 2008.).

Assim, o sistema de crédito pode ser apreendido como uma relação entre as expectativas acerca de variações do patrimônio e dos fluxos de caixa dos bancos e dos tomadores em conjunção com a garantia dada pelo Estado, já que é o Estado que preserva e garante a variedade de formas de dinheiro creditício e a sua convertibilidade por meio do Banco Central. Portanto, é possível concluir, a partir de Vasudevan (2017VASUDEVAN, R. The significance of Marx’s theory of money. Economic & Political Weekly, v. 52, n. 37, p. 70-82, 2017., p. 79, grifos nossos) que “[t]he modern financial system, with its pyramid of debt obligations and the spectacular growth of fictitious capital, depends in the final analyses on the role of the state as the ultimate arbiter of these debt obligations”.11 11 Para uma perspectiva minskyana, veja-se Bell (2001).

Quanto ao papel do Estado, é importante destacar que o Banco Central, historicamente, teve funções diferentes no desenvolvimento do sistema monetário e financeiro. Segundo Prado (2016PRADO, E. F. S. From gold money to fictitious money. Brazilian Journal of Political Economy, v. 36, n. 1, p. 14-28, 2016.), o Estado - em particular o Banco Central - durante o século XIX estava, em geral, comprometido com a manutenção das condições de circulação associadas a um padrão monetário fundado em uma mercadoria particular - tal como o ouro ou a prata -, o que coincidia com um período no qual a acumulação de capital era restringida pela regulação da liquidez sob essa base. Além disso, nesse período, a política econômica não atuava sobre os acontecimentos rotineiros do mercado, de modo a regular o ciclo econômico capitalista, possibilitando que crises se tornassem grandes depressões com imensa destruição de capital.

A partir do século XX, ainda segundo Prado (2016PRADO, E. F. S. From gold money to fictitious money. Brazilian Journal of Political Economy, v. 36, n. 1, p. 14-28, 2016.), os Bancos Centrais e os Tesouros se tornaram partes fundamentais por meio do processo econômico, convertendo-se em protagonistas no funcionamento do sistema de crédito via emissão e gestão de capital fictício na forma de títulos públicos na intenção de garantir a reprodução capitalista pelo orçamento público e a gestão da liquidez. Portanto, a ascensão do “dinheiro fictício”, nos termos do autor, coincidiu com a necessidade do capital de ultrapassar os limites impostos pela “barreira metálica”. A organização do sistema monetário e financeiro protagonizada pelo Estado capacitou a superação desses limites via desenvolvimento do sistema de crédito e, assim, da própria reprodução do capital. Desse modo, convém observar que se constitui um movimento voltado ao processo de valorização, que aponta para o futuro, no qual o sistema de crédito se funda em “a future value representation” (Prado, 2016, p. 23).

Em países com sistemas monetários e financeiros desenvolvidos, o Banco Central desempenha função primordial na organização econômica. Essa instituição, via determinação estatal, tem o papel de arbitrar sobre as transações de todo o fragmentado sistema bancário privado. Esse papel é importantíssimo, pois, além de agir como garantidor das transações de crédito privadas, funciona como salvaguarda do próprio movimento de reprodução e expansão do capital. Ademais, é o Banco Central que materializa o dinheiro creditício como uma reserva completa de valor.

Therefore, the reproduction of money as general value equivalent and its conditions of existence as measure of value, means of circulation and store of value […] is further concretised as Central Bank money. The Central Bank derives not only from its being the banker's bank […] but also from its legally enforced status granted by the state (…) (Reuten, 1988REUTEN, G. The money expression of value and the credit system: a value-form theoretic outline. Capital & Class, v. 12, n. 2, p. 121-141, 1988., p. 135, grifos nossos).

Em princípio, o dinheiro creditício criado pelos bancos através de suas relações privadas não tem garantia de aceitação generalizada; é o Banco Central, ao garantir a paridade do dinheiro creditício assim criado com o seu dinheiro - também este, de fato, uma forma de dinheiro creditício -, que assegura a circulação geral dessas emissões. Desse modo, um sistema de crédito plenamente desenvolvido se constitui e o dinheiro creditício, em suas diversas formas, se torna dinheiro capitalista por excelência (Reuten, 1988REUTEN, G. The money expression of value and the credit system: a value-form theoretic outline. Capital & Class, v. 12, n. 2, p. 121-141, 1988.).

O dinheiro de crédito aparece como a forma mais adequada para cumprir as determinações mercantis do dinheiro na medida em que “aperfeiçoa” a execução das funções monetárias no capitalismo ao constituir uma esfera de valorização em que o capital monetário estabelece uma relação consigo mesmo, D-D’. Aqui a função de reserva de valor, isto é, a realização dos conceitos de substantivação do valor e de forma universal da riqueza, chega ao seu estágio supremo (Belluzzo, 2012BELLUZZO, L. G. M. O Capital e suas metamorfoses. São Paulo: Editora Unesp, 2012., p. 89, grifos no original).

O poder de validação do Banco Central não reside no fato de sua mera existência legal; o dinheiro por este emitido, embora não represente uma quantidade de valor dado, como no caso dos signos de ouro, funda-se em uma institucionalidade que estabelece uma rede hierárquica de obrigações financeiras que tem como polos principais o dinheiro emitido pelo Banco Central e o título de dívida pública, uma forma específica de capital fictício - cuja relevância está dada justamente pelo papel essencial que o Estado cumpre no processo de reprodução do capital.

Sendo assim, é possível concluir que o dinheiro creditício emitido pelo sistema bancário a partir de uma relação privada adquire, então, caráter social ao circular como condição e resultado da relação de capital, e é validado exatamente por essa relação, garantida pelo Estado.

A partir dessa teia de relações recíprocas é que o dinheiro se apresenta efetivamente como a forma necessária de manifestação do valor, sendo este não um atributo material dado, mas uma relação social (Milios et al., 2002MILIOS, J.; DIMOULIS, D; ECONOMAKIS, G. Karl Marx and the Classics: An essay on value, crises and the capitalist mode of production. Burlington: Ashgate Publishing Company, 2002., p. 53).

5 Considerações finais

Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].) apresenta o dinheiro, inicialmente, a partir da circulação simples de mercadorias, na qual emerge como resultado do processo de intercâmbio generalizado. Esse movimento é apresentado já nos primeiros capítulos d’O capital; mas, ali, até o capítulo 3, no qual comumente se considera acabada a exposição de Marx sobre o dinheiro, o capital não se encontra posto na exposição - ainda que pressuposto. Assim, uma vez que as categorias apresentadas por Marx (1890) são continuamente ressignificadas à medida que a exposição avança na reprodução da sociedade capitalista enquanto totalidade inteligível, não parece possível restringir a teoria do dinheiro de Marx à primeira seção do livro I d’O capital.

Com efeito, a teoria do dinheiro em Marx é constitutivamente vinculada à sua teoria do valor e esta, por sua vez, encontra-se plenamente desenvolvida apenas quando o valor adquire sua forma adequada de expressão e converte-se em sujeito do processo socioeconômico - ou seja, apenas na relação capital. De início, o dinheiro é posto como o elemento que expressa socialmente o trabalho abstrato cristalizado nas mercadorias e, desse modo, apresenta-se concretamente como a forma social exclusiva do valor. O dinheiro-mercadoria aparece exatamente como manifestação desse processo: a mercadoria, componente de valor, elegida como dinheiro, reflete a necessidade de expressão do valor das mercadorias em algo distinto de seus próprios corpos. Ao mesmo tempo, já aqui, com o desenvolvimento do dinheiro enquanto expressão universal do valor das mercadorias, não parece existir nenhuma necessidade lógica para que sua forma acabada se petrifique em uma mercadoria particular.

Com o prosseguimento da exposição, observa-se, a partir de Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].), que a relação capital confere nova posição ao dinheiro, pois ele deixa de ser expressão de valor no âmbito da circulação simples de mercadorias para cumprir esse papel enquanto ponto de partida e de chegada do processo de valorização do capital. Sendo assim, torna-se ainda mais evidente que o dinheiro-mercadoria deve ser concebido como um momento lógico no desenvolvimento completo da teoria do dinheiro n’O capital, até chegar àquela que parece ser sua forma mais acabada: o dinheiro creditício.

Como foi demonstrado, o dinheiro creditício funda-se no caráter social do processo de reprodução capitalista, tomando forma exatamente nos movimentos de valorização do valor. Então, a partir do exposto acima, sustenta-se que a interpretação aqui proposta possibilita o desenvolvimento de análises acerca do funcionamento do sistema monetário e financeiro contemporâneo, tais como o estudo do papel exercido pelo Estado na dinâmica econômica e os efeitos da emissão de dinheiro creditício pelo sistema bancário sobre o próprio ritmo da acumulação de capital em suas múltiplas formas e a instabilidade que lhe é inerente.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos pareceristas anônimos, cujos comentários e sugestões contribuíram para o aprimoramento deste trabalho. Eventuais equívocos e omissões remanescentes são de nossa inteira responsabilidade.

Referências

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  • Códigos JEL:

    B51, B24, B14.
  • JEL Codes:

    B51, B24, B14.
  • 1
    Sobre o movimento de redefinição das categorias apresentadas por Marx ao longo da exposição que constitui O capital, veja-se, adicionalmente, Arthur (2008ARTHUR, C. J. Systematic dialectic. In: OLLMAN, B.; SMITH, T. (Org.). Dialectics for the New Century. New York: Palgrave Macmillan, p. 211-221, 2008.), Murray (2016MURRAY, P. The mismeasure of wealth: Essays on Marx and social form. Leiden: Brill, 2016.) e Meaney (2014MEANEY, M. Capital breeds: Interest-bearing capital as purely abstract form. In: MOSELEY, F.; SMITH, T. Marx’s Capital and Hegel’s Logic: A reexamination. Leiden: Brill, p. 41-63, 2014.).
  • 2
    Acerca do entendimento de que a exposição de Marx n’O capital seja expressão de uma abordagem fundada na dialética sistemática, veja-se Arthur (2008ARTHUR, C. J. Systematic dialectic. In: OLLMAN, B.; SMITH, T. (Org.). Dialectics for the New Century. New York: Palgrave Macmillan, p. 211-221, 2008.), Reuten (2014REUTEN, G. An outline of the systematic-dialectical method: Scientific and political significance. In: MOSELEY, F.; SMITH, T. Marx’s Capital and Hegel’s Logic. Leiden: Brill, p. 241-268, 2014.) e, em particular, Murray (2016MURRAY, P. The mismeasure of wealth: Essays on Marx and social form. Leiden: Brill, 2016.).
  • 3
    Veja-se, também, Robles-Báez (1997).
  • 4
    Arthur (2004ARTHUR, C. J. Money and the form of value. In: BELLOFIORE, R.; TAYLOR, N. (Org.). The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital. New York: Palgrave Macmillan, p. 35-62, 2004.) adota a numeração presente no apêndice da primeira edição d’O capital (I-IV), de 1867, em vez daquela apresentada por Marx no capítulo 1 da segunda edição de sua obra, de 1873, para as formas de expressão do valor (A-D).
  • 5
    Para o tratamento de Marx ao dinheiro em escritos anteriores d’O capital, veja-se Arnon (1984ARNON, A. Marx’s theory of money: The formative years. History of Political Economy, v. 16, n. 4, p. 555-575, 1984.).
  • 6
    Uma “boa abstração”, contudo, não no sentido atribuído pela autora, segundo o qual Marx (1890MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 1890 [2013].) buscava formular uma teoria geral do dinheiro abstraindo-se da forma capitalista de produção. Pelo contrário, trata-se, sim, de uma boa abstração, no sentido de que Marx (1890) considera a circulação simples de mercadorias como um momento do modo de produção capitalista, como uma dimensão abstrata deste (Campbell, 2017CAMPBELL, M. Marx’s transition to money with no intrinsic value in capital, chapter 3. Continental Thought & Theory, v. 1, n. 4, p. 207-230, 2017.). Veja-se, adicionalmente, Paulani (1994PAULANI, L. Sobre dinheiro e valor: uma crítica às posições de Brunhoff e Mollo. Brazilian Journal of Political Economy, v. 14, n. 3, p. 67-77, 1994.).
  • 7
    “Within simple circulation, money is an independent and durable manifestation of value, but this independence and durability is nowhere to be seen; it cannot really exist at the level of simple circulation (...) Only as capital does the independent form of value finally find its adequate and appropriate expression, or, to put it another way, the permanent existence of value, encompassing the entire economy, is only possible when value executes the movement of capital, M-C-M'” (Heinrich, 2012HEINRICH, M. An introduction to the three volumes of Karl Marx’s Capital. New York: Monthly Review Press, 2012., p. 85-86).
  • 8
    Veja-se, também, Foley (2005FOLEY, D. Marx’s Theory of money in historical perspective. In: MOSELEY, F. (Org.). Marx’s Theory of Money: Modern Appraisals. New York: Palgrave Macmillan, p. 36-49, 2005.) e McNally (2011), que defendem a concepção de que o dinheiro contemporâneo está associado ao desenvolvimento do capital fictício.
  • 9
    Veja-se, adicionalmente, Brunhoff e Foley (2006BRUNHOFF, S.; FOLEY, D. Karl Marx’s theory of money and credit. In: ARESTIS, P.; SAWYER, M. C. A Handbook of Alternative Monetary Economics. Bodmin: Cornwall, p. 188-204, 2006., p. 196-198).
  • 10
    Convém notar que, embora Prado (2016PRADO, E. F. S. From gold money to fictitious money. Brazilian Journal of Political Economy, v. 36, n. 1, p. 14-28, 2016.) considere essa a forma típica do dinheiro no capitalismo contemporâneo, ela não constitui, para o autor, o equivalente geral. Ao contrário do que sustenta este artigo, portanto, o autor ainda atribui ao ouro o monopólio dessa função, argumentando que esta tem sido sistematicamente suprimida pelo desenvolvimento do sistema de crédito (Prado, 2016, p. 25, nota 9).
  • 11
    Para uma perspectiva minskyana, veja-se Bell (2001BELL, S. The role of the state and the hierarchy of money. Cambridge Journal of Economics, v. 25, n. 2, p. 149-163, mar. 2001.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2020
  • Aceito
    18 Fev 2021
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