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A gramática das trocas na obra de Adam Smith

The grammar of trade in Adam Smith’s work

Resumo

A complexa relação entre linguagem e ciência econômica ainda suscita muitos debates e reflexões. Este artigo explora essa interação na obra de Adam Smith a partir de seus ensaios sobre a formação das línguas (Considerações sobre a primeira formação das línguas) e a produção de conhecimento (principalmente, História da astronomia). Mais especificamente, apresentamos como a crítica de Smith às concepções de riqueza mercantilista e fisiocrática exposta em A riqueza das nações está ancorada nas ideias do autor a respeito da formação das palavras. Para tanto, apresentamos a perspectiva desses ensaios e, posteriormente, mostramos como ela está presente nas críticas de Smith aos outros dois sistemas de economia política e na elaboração do seu próprio conceito de riqueza.

Palavras-chave:
Adam Smith; linguagem; riqueza; trabalho comandado; valor de troca

Abstract

The complex relationship between language and economic science still raises many debates and reflections. This paper explores this interaction in Adam Smith's work through his essays on the formation of languages (Considerations on the first formation of languages) and the production of knowledge (mainly, History of Astronomy). More specifically, we show that the way Smith criticizes, in The Wealth of Nations, the mercantilist and physiocratic conceptions of wealth is anchored in the author's ideas regarding the formation of words. To do so, we present the perspective of these essays and afterwards show how it is present in Smith's criticism of the other two systems of political economy and in the elaboration of his own concept of wealth.

Keywords:
Adam Smith; language; wealth; commanded labor; exchangeable value

1 Introdução

A relação entre a produção do conhecimento econômico e o uso da linguagem suscitou diversas reflexões ao longo do tempo. Mais recentemente, economistas como Dreidre McCloskey (1994; 1998), Warren Samuels (1990SAMUELS, W. J. Introduction. In: W. J. Samuels (Org.). Economics as Discourse: An Analysis of the Language of Economics, Springer Science+Business Media, LLC, 1990.; 2011), Willie Henderson (1995HENDERSON, W. Economics as Literature. London; New York: Routledge, 1995.; 2001) e Keith Tribe (2015TRIBE, K. The Economy of the Word: Language, History, and Economics. Oxford: Oxford University Press, 2015.) buscaram pensar como a prática da ciência econômica está atrelada às escolhas da linguagem e à construção de um discurso.1 1 Para uma perspectiva mais recente do desenvolvimento desse debate desde McCloskey, ver Longaker (2019). Como bem pergunta Samuels, “É possível analisar considerações epistemológicas como parte de um empenho humano mais abrangente, a saber, a teoria e a prática do discurso (...)?” (1990, p. 3). Este artigo colabora com essa reflexão a partir de uma perspectiva da história do pensamento econômico, ao sustentar que a formulação do conceito de riqueza apresentado por Adam Smith em A riqueza das nações está ancorada em uma concepção do próprio autor acerca do papel da linguagem na produção de conhecimento. Expomos, primeiramente, que a aquisição de conhecimento está fortemente atrelada à formação da linguagem na obra de Smith. Posteriormente, examinamos como essa concepção transparece em A riqueza das nações a partir das críticas às noções de riqueza propostas pelos mercantilistas e pela fisiocracia, e pela maneira como o autor formula sua própria ideia de riqueza.

O debate em torno dessa complexa interação entre conhecimento e linguagem já estava fortemente presente, embora com outros termos, nos séculos XVII e XVIII2 2 Sobre a importância da linguagem no século XVIII, ver também Rosenfeld (2001). . Como aponta Marcelo Dascal (2006DASCAL, M. Adam Smith’s Theory of Language. In: BROADIE, A. (Org.). The Cambridge Companion to Adam Smith. Cambridge: Cambridge University Press, 2006., p. 81, 82), a principal questão em voga era se a linguagem seria apenas um reflexo das operações da mente, sem lhe exercer impactos ou, ao contrário, se o processo de formação das palavras seria parte fundamental do próprio pensamento. Smith se coloca dentro desse debate com o seu ensaio Considerações sobre a primeira formação das línguas (Formação das línguas),3 3 O nome completo do ensaio é Considerações, sobre a primeira formação das línguas e sobre a diferença de gênio entre as línguas originais e compostas (Considerations, Concerning the First Formation of Languages and the Different Genious of Original and Compounded Languages). Posteriormente, o texto é adicionado como um apêndice de Teoria dos sentimentos morais a partir da terceira edição, em 1767 (Bryce, 1983, p. 26-28). publicado primeiramente em 1761 na revista Philological Miscelany. O texto provê elementos para compreender como, para Smith, a linguagem exerce papel ativo na constituição do conhecimento, o que também transparece em seu sistema de economia política.

Algumas valiosas contribuições no tocante à teoria da linguagem na obra de Smith apontam que o estudo sobre a origem das línguas é fundamental para compreender o método empregado em obras como A riqueza das nações e Teoria dos sentimentos morais (Berry, 1974BERRY, C. Adam Smith’s Considerations on Language. Journal of the History of Ideas, University of Pennsylvania Press, v. 35, n. 1, pp. 130-138, 1974.; Plank, 1992PLANK, F. Adam Smith: grammatical economist. In: JONES, P.; SKINNER, A. (Ed.). Adam Smith Reviewed. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1992.; Land, 1977LAND, Stephen. Adam Smith’s “Considerations Concerning the First Formation of Languages.” Journal of the History of Ideas, v. 38, n. 4, p. 677-690, 1977.; Dascal, 2006DASCAL, M. Adam Smith’s Theory of Language. In: BROADIE, A. (Org.). The Cambridge Companion to Adam Smith. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.). Entretanto, o foco desses primeiros trabalhos estava mais em explicar e apresentar as principais ideias contidas em Formação das línguas do que já estabelecer relações com as demais obras. Apesar de a importância do ensaio já ter sido bastante reconhecida, a maior parte dos estudos sobre linguagem em A riqueza das nações se debruçara sobre a retórica da obra, não mobilizando as próprias concepções de Smith apresentadas em Formação das línguas (Brown, 1994BROWN, V. Adam Smith’s Discourse: Canonicity, Commerce, and Conscience. London: Routledge, 1994.; Mckenna, 2005MCKENNA, S. J. Adam Smith: The Rhetoric of Property. Albany; New York: State University of New York Press, 2005.; Yoon, 2018YOON, H. The Rhetoric of Tenses in Adam Smith’s The Wealth of Nations. Leiden; Boston: Brill, 2018.; Trincado, 2019TRINCADO, E. The Birth of Economics Rhetoric: Communication, Arts and Economic Stimules in David Hume and Adam Smith. Cham, Switzerland: Palgrave Macmillan, 2019.). Outros exploraram as ideias de Smith sobre retórica, mas sem entrar em questões mais epistemológicas (Skinner, 1983SKINNER, A. 1983. Adam Smith: Rhetoric and Communication of Ideas. In: COATS, A. W. (Ed.). Methodological Controversies in Economics: Historical Essays in Honor of T. W. Hutchinson. Greenwhich, Conn: JAI Press, 1983.; Swearinger, 2013SWEARINGER, J.C. Adam Smith on Language and Rhetoric: The Ethics of Style, Character, and Propriety. In: BERRY, C.; PIA, M.P.; SMITH, C. Oxford Handbook for Adam Smith. Oxford: Oxford University Press, 2013.). Esses trabalhos buscavam principalmente empreender uma análise do discurso de A riqueza das nações ou apresentar as ideias de Smith sobre retórica de maneira mais geral, mas não almejavam examinar questões epistemológicas da obra a partir de uma noção de linguagem.

Por outro lado, o método empregado em A riqueza das nações já foi bastante explorado, principalmente com base no ensaio História da Astronomia (Campbell, 1971CAMPBELL, T.D. Adam Smith’s Science of Morals. London: George Allen and Unwin, 1971.; Cremaschi, 1989CREMASCHI, S. Adam Smith: Skeptical Newtonianism, Disenchanted Republicanism and the Birth of Social Science. In: DASCAL, M.; GRUENGARD, O. (Ed.). Knowledge and Politics: Case Studies in the Relationship between Epistemology and Political Philosophy. Boulder; San Francisco; London: [s.n.], 1989.; Schliesser, 2005SCHLIESSER, E. Some Principles of Adam Smith’s Newtonian Methods in the Wealth of Nations. Research in the History of Economic Thought and Methodology, v. 23A, p. 33-74, 2005.; Cerqueira, 2005CERQUEIRA, H. G. A. Para ler Adam Smith: novas abordagens. Síntese. Belo Horizonte, v. 32, n. 103, 2005.; 2006; Montes, 2013MONTES, L. Newtonianism and Adam Smith. In: BERRY, C.; PIA, M.P.; SMITH, C. Oxford Handbook for Adam Smith. Oxford: Oxford University Press, 2013.; Paganelli, 2017PAGANELLI, M. P. We are not the Center of the Universe: The Role of Astronomy in the Moral Defense of Commerce in Adam Smith. History of Political Economy, v. 49, n. 3, p. 451-468, 2017.). Nesse sentido, poucos trabalhos mobilizaram o ensaio Formação das línguas para analisar aspectos mais epistemológicos de A riqueza das nações, embora essa relação já tenha sido mencionada por Dugald Stewart (próximo a Smith e responsável por escrever sua biografia logo após sua morte em 1790). Stewart aponta que o melhor exemplo de “história conjectural” - método que teria sido amplamente empregado por Smith - seria o ensaio sobre as línguas (Stewart, II.44-48).4 4 As citações de Adam Smith e de Dugald Stewart seguem o formato proposto em The Glasgow Edition of the Works and Correspondence of Adam Smith. Seguindo a própria deixa de Stewart, autores como Phillipson (2000PHILLIPSON, N. Language, Sociability, and History: Some Reflections on the Foundantions of Adam Smith’s Science of Man. In: COLLINI, S.; WHATMORE, R.; YOUNG, B. (Ed.). Economy, Polity, and Society: British Intellectual History 1750-1950. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.) e Berry (2006BERRY, C. Smith and Science. In: BROADIE, A. (Org.). The Cambridge Companion to Adam Smith. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.) examinaram conexões marcantes entre a teoria da história e o progresso das línguas descritos por Smith. Entretanto, a principal questão para esses autores era compreender a concepção de história de Smith, e não o papel da linguagem na constituição do conhecimento.

Este artigo contribui com a literatura focada na epistemologia de A riqueza das nações ao fornecer uma nova chave - a linguagem - para compreender como Smith constrói seu conceito de riqueza. Como será mostrado adiante, essa chave traz novos elementos que reforçam analises já empreendidas com base em outros ensaios, como História da Astronomia. Ademais, o artigo apresenta uma perspectiva bastante diferente dos estudos sobre o discurso de A riqueza das nações, focando mais em aspectos epistemológicos do que propriamente retóricos ou lexicais. De maneira mais geral, esperamos colaborar com a discussão acerca do papel da linguagem na prática da ciência econômica por meio da história do pensamento econômico.

Para tanto, partimos de uma breve análise do processo de formação de palavras a partir do ensaio Formação das línguas. Em seguida, mobilizamos três ensaios de Smith publicados postumamente no ano de 1795 - História da Astronomia, História da Metafísica e História da Física -, a fim de examinar as fortes relações estabelecidas por Smith entre conhecimento e linguagem. Após expor esses aspectos metodológicos, a terceira parte examina como a noção de riqueza formulada em A riqueza das nações é a proposta de um signo mais geral e simples para compreender o acúmulo material nas mais diferentes sociedades. Com isso, espera-se revelar a importância da classificação para a criação de uma economia política e, além do mais, mostrar como as relações de troca podem ser interpretadas enquanto uma espécie de língua dentro da obra de Smith.

2 Sobre a origem das palavras

No ensaio Formação das línguas, Smith discorre sobre o uso da língua ao analisar os mecanismos imanentes no processo de elaboração dos signos. Essa análise busca estabelecer a essência comum a todas as línguas; isto é, procurar as semelhanças entre as diversas formas de comunicação. Com base em exemplos históricos e observações do comportamento humano, Smith empenha-se em traçar os princípios gerais da formação da linguagem no geral, independentemente se for latim, francês ou inglês. Seu objetivo com tal abordagem é examinar o funcionamento das próprias faculdades humanas, a fim de compreender como se constitui o processo de desenvolvimento de ideias e palavras dentro da sociedade.

Essa diferença de abordagem fica bastante clara ao olharmos o verbete “Gramática”, escrito por Nicolas Beauzée para a Enciclopédia,5 5 Gramático francês e colaborador da Enciclopédia editada por Diderot e D’Alembert. Plank enfatiza que, a despeito das semelhanças, Smith não teria lido o verbete (publicado em 1765) antes de escrever o ensaio, publicado primeiramente em 1761 (Plank, 1992, p. 22). Apesar da diferenciação de Beauzée ser ilustrativa, há diferenças consideráveis entre sua compreensão da linguagem e a de Smith (Berry, 1974, p. 132- 133). no qual o estudo sobre os mecanismos imanentes à linguagem é denominado de Gramática geral, compreendida enquanto uma ciência, pois seu objetivo se resume à especulação razoada dos princípios imutáveis e gerais da fala” (Beauzée, 2015, p. 331). A Gramática geral se contrapõe à Gramática particular, “uma arte, pois considera a aplicação prática das instituições arbitrárias e usuais de uma língua particular aos princípios gerais da fala” (Beauzée, 2015, p. 331). Logo, a primeira corresponde à análise dos mecanismos que originam e conformam qualquer língua, já a segunda é o estabelecimento de regras gramaticais para o uso de uma língua específica. Em Formação das línguas, Smith não está propondo uma gramática específica para o inglês, e sim buscando destacar os “princípios imutáveis” da linguagem.

Com o objetivo de compreender como as línguas surgem e transformam-se, Smith realiza uma investigação a partir de um relato lógico, partindo do exemplo hipotético de “dois selvagens que não tivessem aprendido a falar, mas fossem criados longe da sociedade” (Formação das línguas, 1) a fim de imaginar o funcionamento dos mecanismos da linguagem em uma circunstância simples. Assim, é possível explicar a origem das primeiras palavras.6 6 A semelhança com a descrição de Condillac (2012, p. 192) sobre a origem das línguas no Ensaio sobre a origem do conhecimento humano é notável. Cf. Phillipson (2000, p. 78) e Dascal (2006, p. 85-86). Segundo seu raciocínio, cada parte do discurso (verbo, substantivo, adjetivo, pronome e etc.7 7 As partes do discurso mobilizadas por Smith em Formação das línguas são, principalmente, substantivo, adjetivo, preposição, verbo, pronome e numeral. Segundo David Spadafora (1990, p. 179), a escola de Gramática de Port-Royal, liderada por Claude Lancelot e Antoine Arnaud, teria iniciado os estudos da linguagem pelas partes do discurso, isto é, categorias comuns a todas as línguas. ) compreende um grau de abstração que requer certo desenvolvimento das operações da mente, em particular as capacidades de comparação, generalização e abstração. Devido às suas vivências limitadas, os selvagens, segundo Smith, não teriam grande aprimoramento de suas habilidades mentais, consequentemente as primeiras palavras empregadas por eles seriam as menos abstratas, caso dos substantivos próprios e dos verbos impessoais. Essas duas partes do discurso apresentam maior concretude, pois denotam objetos ou fenômenos específicos, estabelecendo total correspondência entre signo e objeto,8 8 Apesar de Smith apresentar primeiro o desenvolvimento da língua a partir dos substantivos, e depois por meio dos verbos, é possível interpretar que os verbos impessoais seriam anteriores aos substantivos em sua teoria, pois corresponderiam a um todo maior em relação a um objeto e, portanto, não haveria necessidade de realizar nenhum tipo de distinção. Inclusive, na carta enviada a George Baird em 1761, Smith explica que "se eu fosse tratar do mesmo assunto eu deveria me empenhar a começar com a consideração dos verbos; sendo estes, na minha compreensão, a parte original do discurso, primeiramente inventada para expressar em uma palavra todo um evento" (Correspondências, 69). Em Formação das línguas, Smith não teria começado pelos verbos, pois, segundo Bryce (1983, p. 25), editor das Lições de retórica e belas letras, o sistema lexical do substantivo ilustraria melhor seu entendimento da formação da linguagem. como se fosse um nome próprio.

Portanto, as línguas para Smith começariam por nomes próprios, seja de objetos seja de fenômenos. A partir deles, surgiriam os signos associados a ideias mais gerais. Por exemplo, Smith conjectura a maneira pela qual, nos princípios da sociedade, os termos rio e caverna fariam referência a um rio ou uma caverna, em particular, e os verbos impessoais como pluit (chove, em português) e nevit (neva, em português) representariam todo um evento.9 9 Smith fornece diversos exemplos a partir de expressões em latim. Optamos por citá-las como no original. No primeiro caso, a palavra rio passa a significar todo um conjunto pelo aumento da experiência - ou seja, o contato com vários rios -, pois o ser humano, ao deparar um objeto similar a outro já conhecido, tende a utilizar a mesma expressão para se referir ao novo e “aquelas palavras, as quais eram originalmente os nomes próprios de indivíduos, cada uma delas torna-se, insensivelmente, o nome comum de uma multidão” (Formação das línguas, 1). No caso dos verbos, Smith descreve uma conjectura com base na palavra latina venit (vem, em português). Esta poderia denotar, a princípio, a aproximação de um leão, referindo-se ao evento como um todo. Quando outros animais perigosos, como ursos, acercassem-se, a primeira palavra a vir à mente dos selvagens seria venit, devido à semelhança entre as aproximações do leão e do urso. Aos poucos, conforme a experiência dos selvagens aumenta, a palavra venit deixaria de denotar apenas a chegada do leão para se referir à aproximação de qualquer animal selvagem (Formação das línguas, 29). Dessa forma, Smith descreve como a experiência de um conjunto de objetos e eventos singulares semelhantes, seja rios, seja a aproximação de animais perigosos, origina um nome abstrato e geral.

Para Smith, o ser humano passa a usar palavras devido à vontade de comunicar suas necessidades - compreendidas num sentido amplo tanto daquilo que envolve a plena sobrevivência quanto outros desejos - aos seus semelhantes (Formação das línguas, 1). Cada palavra, entretanto, estabelece-se em determinado grupo somente conforme seu uso é reiterado e intensificado. A constituição de tal hábito depende de os signos expressarem de maneira simples as interações com a natureza, porque quanto mais simples for tal conexão mais fácil para as pessoas se familiarizarem. Apesar de o ímpeto inicial ser bastante subjetivo, os signos somente são reiterados conforme conseguem expressar as observações de, pelo menos, parte significativa dos indivíduos daquele grupo. Portanto, a aceitação de um termo depende de certa intersubjetividade dessas observações. Consequentemente, as expressões, de acordo com Smith, não podem ser complemente aleatórias e independentes da própria natureza, pois possuem certo grau de escolha por parte da mente.

Esse processo de desenvolvimento das línguas é o que corresponde a uma Gramática geral. A importância desta fica explícita na crítica ao gramático Sanctius,10 10 Sanctius (1523-1600), nascido na Espanha com o nome de Francisco Sánches de la Brozas, foi um importante gramático, sendo relacionado com a escola de Port Royal. Sobre Sanctius, ver Breva-Claramonte (1983). o qual propõe que todos os verbos devam vir acompanhados de sujeitos. Segundo Smith, o gramático não estaria atentando-se à lógica da formação das línguas e confundido um caso particular com o caso geral.11 11 Segue a nota de rodapé: "Como a maior parte dos verbos expressa, atualmente, não um evento, mas o atributo de um evento, consequentemente requer um sujeito ou um caso para completar seu sentido. Alguns gramáticos, por não se atentarem a esse progresso da natureza, desejosos em tornar suas regras comuns universais sem qualquer exceção, insistiram que todos os verbos demandassem um nominativo, seja expresso seja subentendido; torturaram-se para encontrar estranhos nominativos para aqueles poucos verbos os quais ainda expressam um evento completo e claramente não admitem nenhum caso nominativo. Pluit, por exemplo, segundo Sanctius, significa pluvial pluit, ou seja, a chuva chove" (Formação das línguas, 30). Como os verbos impessoais surgem antes dos pronomes, não faria sentido atribuir um sujeito a um verbo impessoal (Formação das línguas, 30). O argumento principal dessa crítica não é se os verbos impessoais devem ou não ter um sujeito - uma questão de Gramática particular - e sim que as regras gramaticais de cada língua podem tornar-se inadequadas sem a devida atenção aos mecanismos de funcionamento da linguagem.

Entretanto, as vantagens de investigar a formação e a origem das línguas vai muito além de poder determinar as regras gramaticais mais adequadas, pois a própria construção das palavras é, segundo Smith, um processo análogo ao desenvolvimento de um sistema. Essa comparação permite explorar aspectos importantes da constituição do entendimento humano sobre o mundo ao redor, pois a linguagem tanto é a base sobre a qual todos os conhecimentos erguem-se quanto apresenta um modelo de funcionamento da mente. Inclusive, em carta para George Baird, Smith, ao comentar sobre um resumo de William Ward12 12 William Ward of Broughton é o autor de An Essay on Grammar, as It may Be Applied to the English (…) (Correspondências, 68). a respeito da elaboração de uma gramática racional, escreve que essa seria “não apenas o melhor Sistema de Gramática [System of Grammar], (...) como também a melhor História do progresso natural da mente humana sobre a formação das mais importantes abstrações sobre as quais todo entendimento [reasoning] depende” (Correspondências, 68). Pelo trecho destacado, percebe-se como o conhecimento humano para Smith está imbricado à linguagem.

A descrição de Smith sobre a origem da linguagem representa, portanto, o caminho também percorrido pelo entendimento. Nesse sentido, nós conhecemos a partir de um processo que é, em última instância, classificatório. Ele é marcado pela busca de similaridades de forma a desvendar aquilo que nos é desconhecido. Além disso, mostra que o ser humano possui um papel ativo na construção da própria linguagem. É esse mesmo ser humano que encontra as semelhanças, é sua imaginação que consegue conectar objetos distintos. Em suma, a maneira pela qual nós constituímos uma língua representa, para Smith, o funcionamento da própria mente humana. Esse procedimento classificatório não é apenas a base para a nossa comunicação, mas também para todos os outros tipos de conhecimento, como a astronomia e a economia política.

3 Sobre a origem do entendimento

Com a finalidade de expor os princípios das investigações filosóficas, Smith escreveu três ensaios ilustrados pela história de algum ramo da filosofia natural. Tais estudos, direcionados a compreender como o ser humano constrói o próprio conhecimento, foram publicados em 1795, após a morte do autor, na coletânea denominada Ensaios sobre temas filosóficos (Essays on Philosophical Subjects). O maior entre eles é a História da Astronomia, obra que “deve ser enxergada não como uma história ou relato da teoria astronômica do Sir Isaac Newton” (HA, p. 105), conforme esclarece a nota dos editores, Joseph Black e James Hutton, da primeira edição, “mas principalmente como uma ilustração adicional dos Princípios da Mente Humana, os quais o Sr. Smith apontou como os motivos universais da Investigação Filosófica” (HA, p. 105). Ademais, os outros dois pequenos ensaios já têm seu objetivo explícito em seus próprios títulos: Os Princípios que guiam e dirigem as investigações filosóficas: ilustrados pela história da Física Antiga (História da Física) e Os Princípios que guiam e dirigem as investigações filosóficas: ilustrados pela história da Lógica Antiga e da Metafísica (História da Metafísica). Nesses três ensaios, Smith denota os principais fundamentos da construção do conhecimento científico13 13 Os termos ciência e filosofia aparecem como sinônimos na maior parte dos escritos de Smith. e evidencia a relevância da linguagem para o entendimento humano.

Nesses ensaios, percebemos que os mais diversos modelos, como da física e da astronomia, são concebidos enquanto propostas de sistemas, os quais têm a finalidade de criar uma ordem para os mais distintos fenômenos da natureza. Sua origem e seu progresso são ocasionados por três diferentes sentimentos: admiração, surpresa e espanto (Admire, Surprise e Wonder, respectivamente). Algo grandioso e belo é digno de admiração, já o inesperado suscita surpresa e, por último, o desconhecido causa espanto. Apesar de não se alongar muito sobre a admiração em História da Astronomia, Smith explica que a surpresa e o espanto são ocasionados por uma interrupção no andamento das relações estabelecidas pela imaginação. A imaginação, para Smith, tem a capacidade de estabelecer uma conexão entre dois ou mais fenômenos, como se fosse “uma ponte, [a qual] pode, ao menos, unir aqueles objetos aparentemente distantes, tornando a passagem do pensamento entre eles suave, natural e tranquila” (HA, II.8). Tal processo - muito similar ao modo como a palavra caverna passa a denominar todo um conjunto - acarreta a contínua construção de sistemas com o objetivo de conectar os mais diversos elementos observados pelos indivíduos, promovendo o aperfeiçoamento da ciência.

Independentemente do seu grau de complexidade, um sistema torna-se cada vez mais aprimorado conforme diminui o número de princípios em sua organização. Uma vez que o estímulo do ser humano para investigar os padrões entre as mais diversas ocorrências são os sentimentos de espanto, admiração e surpresa, um número menor de princípios conectores torna a ligação entre diferentes fenômenos mais simples. Por conseguinte, a mente é tranquilizada, pois a passagem de uma observação para outra torna-se mais suave e dotada de menos interrupções abruptas.14 14 Diversas passagens ressaltam a importância de uma conexão simples a fim de tranquilizar a mente, cf. HP, 2; HA, IV.13; IV.15 e IV.19. Essa simplicidade é o que configura, segundo Smith, em tão belo e superior o sistema de Newton baseado no princípio da gravidade (HA, IV.67). Aliás, é perceptível que Smith, ao longo de suas obras, procura elaborar um sistema simples, reduzindo ao máximo o número de princípios.15 15 A importância da simplicidade é notada por diversos comentadores das obras de Smith, inclusive com referências a diferentes partes, cf. Land (1977, p. 690), Reisman (1976, p. 41-43) e Belivacqua (1965, p. 49). Tal processo está fortemente associado à ideia de buscar uma palavra que pode se referir a uma multiplicidade de objetos: “Onde pode-se observar apenas uma única qualidade que é comum a uma grande variedade de objetos, por outro lado muito distintos, essa única circunstância será suficiente para conectá-los todos juntos, para reduzi-los a uma classe comum, e para chamá-los por um nome geral” (HA, II.1).

Assim, cada indivíduo, segundo Smith, procura combinar os objetos mais familiares no esforço de decifrar o desconhecido. Esse movimento proporciona a redução no número dos elos criados pela mente para conectar as diferentes observações, pois possibilita pensar uma grande variedade de fenômenos pela combinação de poucos elementos. Em História da Física, Smith descreve que os modelos físicos da Grécia Antiga foram formados com base nas características de quatro elementos, extremamente familiares aos seres humanos: fogo (seco e quente), água (úmido e frio), terra (seco e frio) e ar (úmido e quente) (HP, 5). Por meio das combinações entre eles, compreendiam-se os diversos objetos da natureza. Por exemplo, o vapor corresponderia à mistura de certa proporção entre a água e o fogo (HP, 7). A elaboração de um sistema, pois, é resultado da combinatória das percepções de objetos bastante conhecidos a fim de aproximar-se do novo. Além de prover ligações para as mudanças sofridas na natureza, os efeitos desses quatro elementos fornecem as bases para organizar e classificar, em certos grupos, os mais diferentes indivíduos: “as grandes divisões dos objetos próximos à superfície da Terra são entre quente e frio, seco e úmido, e leve e pesado” (HP, 5).

A aquisição de conhecimento, dentro dessa perspectiva, equivale à construção de sistemas a partir da combinatória de fenômenos ou objetos mais familiares. Ou seja, a classificação das espécies é feita pelo discernimento de características comuns entre as mais variadas manifestações da natureza. Percebe-se que a constituição de um sistema é análoga à formação de uma linguagem, pois - além de estabelecer uma conexão entre diversos fenômenos - ambos são contínuas combinações entre o familiar a fim de compreender o novo. É, portanto, pelo processo de combinação que a sociedade compõe as mais diversas espécies a fim de organizar as representações da natureza, criando diversas abstrações (HA, II.1).

Como o conhecimento, conforme aponta Smith, é criado com base no familiar, o hábito e a observação têm funções imprescindíveis nesse processo. É somente a partir de certo grau de repetição que as coisas se tornam familiares. Todavia, essa reiteração é parcial, porque as experiências são singulares e individuais (HM, 3). Até as percepções do mesmo objeto apresentam diferenças entre si. É sempre, portanto, a comparação entre particulares que conforma a espécie. Ou seja, a espécie não pode preceder aos indivíduos. Conforme essa perspectiva, o conhecimento é empírico. Advém somente da observação e dos consequentes processos de comparação, classificação e generalização. Em suma, encontrar certas regularidades naquilo que é comum a uma espécie a partir da observação corresponde ao caminho da investigação filosófica.

Esse esforço de classificação e abstração na construção do conhecimento científico é análogo ao processo que Smith descreve sobre a formação da linguagem. Smith enfatiza o caráter imaginativo dos elos criados para explicar a realidade como se tais relações fossem apenas expressões que não existem, de fato, na natureza. Em História da Astronomia, o autor afirma que a elaboração de sistemas é “como meras invenções da imaginação” (HA, IV.76), a qual acaba nos “levando imperceptivelmente a fazer uso da linguagem ao expressar os princípios conectores (...) como se fossem os verdadeiros ligamentos utilizados pela Natureza para unir suas diversas operações” (HA, IV.76).

O peso da imaginação na linguagem abre margem para considerar a construção dos saberes na obra Smith como algo fortemente subjetivo e relativo. Essa abertura origina um amplo debate sobre se, na visão de Smith, as conexões formadas pela imaginação entre diversos objetos seriam produto exclusivo da própria mente humana e completamente subjetivas, ou se elas estariam de fato presentes na natureza para serem encontradas.16 16 Berry (2006, p. 121-126) sintetiza essa oposição entre as interpretações de caráter antirrealista e realista das obras de Smith. As primeiras são fundamentadas na ideia de que os sistemas são produtos exclusivos da imaginação, enquanto as segundas enfatizam a importância da realidade na sua conformação. Para o autor, é o prazer de obter padrões - em decorrência de sentimentos de cunho individual - que impulsiona a mente a criá-los. A centralidade desse deleite enfatiza o aspecto subjetivo do conhecimento, pois a origem deste está fundada na satisfação de anseios individuais, o que poderia levar à conclusão de que os modelos seriam adotados por critérios completamente subjetivos.

Porém um sistema - seja um modelo astronômico seja uma palavra - somente é estabelecido conforme seu uso é intensificado em determinado grupo, segundo Smith. A constituição de tal hábito depende de os signos expressarem de maneira simples as interações com a natureza, porque quanto mais simples for tal conexão, mais fácil para as pessoas se familiarizarem. Apesar de o primeiro ímpeto ser bastante subjetivo, os signos somente são reiterados conforme podem expressar as observações de, pelo menos, parte significativa dos indivíduos do grupo. Consequentemente, a aceitação de um termo depende de certa intersubjetividade dessas observações.

As expressões, portanto, não podem ser complemente aleatórias e independentes das manifestações da natureza dentro da concepção de linguagem exposta por Smith. Análogo ao signo, um modelo astronômico é adotado conforme provê uma conexão mais coerente para as diversas observações dos movimentos dos astros (HA, IV.68). Portanto, apesar de serem, de fato, produto da imaginação, palavras ou sistemas passam a ser adotados somente se tiverem capacidade de conectar os diferentes fenômenos observados por várias pessoas de maneira convincente, sendo consolidados pelo costume.17 17 Cf. HA, IV.58 Eles são sempre, em última instância, provisórios, pois estão igualmente sujeitos a novas observações e, ainda, ao aumento da capacidade de abstração.

Ao seguir na relação entre signo e sistema, é possível compreender a produção de conhecimento como a continuidade do processo de criação de signos. Ambos são componentes abstratos - seja a expressão caverna seja o princípio de gravidade - que conectam diversos elementos singulares a partir de características comuns. Logo, ao analisar o progresso da linguagem, Smith também está investigando os princípios do conhecimento humano enquanto um processo de abstração e constituição de sistemas. Dentro dessa perspectiva, a criação de espécies e classes com base em certos princípios gerais corresponde tanto ao processo de formação da linguagem como de sistemas astronômicos, explorados por Smith em História da Astronomia. Tais classes são meramente expressões verbais, isto é, apenas existem devido às conexões feitas pela imaginação, entretanto são engendradas à medida que conseguem expressar de maneira mais simples as semelhanças na natureza percebidas pelos diversos indivíduos de um grupo. Como veremos mais adiante, a crítica de Smith de que os metais não podem ser a medida universal de riqueza está fundada no argumento de que eles não são uma abstração capaz de dar conta de medir a afluência de diferentes sociedades.

A produção de conhecimento conforme apresentada por Smith é, em suma, um problema de representação. Nesta está involucrada a capacidade de conseguir conectar diferentes manifestações a partir de um signo que se refere ao que há de comum entre elas. Nesse sentido, o problema da classificação torna-se central para formular uma ciência. E tal classificação deve respeitar os princípios da gramática geral, da própria lógica de constituição das línguas, da própria comunicação. A linguagem é crucial para o cultivo de qualquer ciência, e o mesmo vale para a economia política. Essa importância transparece claramente na discussão de Smith em torno de um signo fundamental: a riqueza.

4 Sobre o signo riqueza

Ao olhar A riqueza das nações à luz das concepções epistemológicas apresentadas por Smith ao longo de seus mais diversos ensaios, é possível interpretar a obra enquanto a proposição de um sistema de economia política. Essa proposta tem o objetivo de elaborar um modelo simples - com o menor número possível de princípios - e geral - presente nas mais diversas circunstâncias. De forma análoga aos sistemas sobre o movimento dos astros apresentados em História da Astronomia, um sistema de economia política corresponde a um modelo de compreensão do processo de enriquecimento. Ou seja, é o estabelecimento de poucos princípios capazes de explicar os mecanismos do acúmulo de riquezas em diversas situações. Como vimos anteriormente, encontrar o que há de comum entre diversas situações corresponde ao processo de formação de palavras. Nessa parte, buscamos mostrar como essa visão de linguagem aparece em A riqueza das nações no que tange à própria definição de riqueza.

O sistema exposto em A riqueza das nações se contrapõe explicitamente aos modelos mercantilista e fisiocrático.18 18 Smith utiliza, respectivamente, os termos sistema de comércio e sistema da agricultura (WN, IV.2). Ambas as teorias são apresentadas no Livro IV da obra, ressaltando-se os efeitos, muitas vezes negativos, gerados por suas aplicações (WN, I.8 e IV.2). Smith designa como mercantilista o sistema que associa a riqueza aos metais, principalmente o ouro e a prata, e como fisiocrata, “o sistema que representa o produto da terra como a única fonte de riqueza” (WN, IV.ix.2). É interessante notar como ambos os sistemas são caracterizados principalmente pela definição de riqueza, o que revela a centralidade da definição desse signo para o estabelecimento de um sistema de economia política. No cerne dessa crítica está um problema de linguagem, mais especificamente a forma de julgar a construção de um termo, nesse caso, riqueza.

As noções de riqueza apresentadas pelos mercantilistas e pelos fisiocratas seriam, segundo Smith, insuficientes, pois não dão conta daquilo que há de comum entre as diferentes formas de riqueza. No caso dos primeiros, Smith aponta que os metais não podem ser um padrão de medida para avaliar a riqueza em diferentes circunstâncias, pois seus valores variam ao longo do tempo. Aliás, o ouro, a prata e outros metais são estabelecidos como padrão de medida em certas sociedades devido, principalmente, à sua beleza e à facilidade de determinar com precisão seu peso e seu conteúdo, sendo algo mais ligado ao costume e, portanto, particular de uma sociedade. A alusão aos metais como medida de riqueza geral seria, portanto, atribuir a uma construção social o caráter de universal, de maneira não muito diferente da qual Sanctius - segundo Smith em Formação das línguas - considera sempre imperativo o atrelamento de um sujeito ao verbo, algo necessário no caso dos verbos pessoais, mas não dos impessoais.

A confusão de metais como a principal fonte de riqueza para Smith é causa de uma dupla função do dinheiro: medida de valor e instrumento de comércio. Como os indivíduos calculam o valor dos bens desejados - medida de valor - e o adquirem pela troca com o dinheiro - instrumento de comércio - seria comum associar a pessoa rica ou a nação soberba com a quantidade de dinheiro acumulado. Smith cita o exemplo dos tártaros que “costumavam perguntar-lhe [ao Plano Carpino, monge enviado como embaixador da França] se havia muitas ovelhas e bois no reino da França” (WN, IV.i.2) de forma análoga aos espanhóis perguntando sobre os metais nas Américas. Portanto, os metais, assim como o trigo e os animais, por terem seu valor alterado pelas determinações do mercado e dos costumes, não podem ser o padrão de medida geral nem fornecer o valor real das mercadorias ou da riqueza. Eles não são, pois, a medida de valor em todas as sociedades, isto é, não são uma regularidade na história do progresso humano, mas uma manifestação circunstancial da forma de barganhar e persuadir proveniente dos costumes encontrados na Europa do século XVIII. O problema está, como já mencionado, em confundir o particular com o geral.

Já o sistema fisiocrático é bastante elogiado no Livro IV de A riqueza das nações. Ele é considerado superior em comparação ao sistema mercantilista por avaliar a riqueza como bens consumíveis, mesmo que apenas os agrícolas, e não unicamente os metais, não passíveis de consumo. Entretanto, ao apontar diversas críticas ao sistema baseado na agricultura, Smith destaca o erro de não considerar o trabalho dos produtores de manufaturas enquanto trabalho produtivo, pois um artífice que produz o equivalente a 10 libras em poder de compra fornece bens de consumo correspondente a 10 libras, assim como um agricultor que colhe 10 libras em cereais (WN, IV.ix.32).19 19 Smith diferencia os produtores de manufaturas e os prestadores de serviço (menial servants), pois estes últimos não acrescentariam valor ao fundo de riquezas da sociedade (WN, II.iii.1). Nesse caso, o termo riqueza estaria representando somente parte daquilo que gera, de fato, riqueza para a sociedade: “o erro capital desse sistema (...) parece estar em representar a classe de artesões, fabricantes e mercadores como estéril e improdutiva” (WN, IV.ix.29). Pelas passagens percebemos que o problema da representação e da classificação passa por toda crítica de Smith.

Como resposta às concepções mercantilista e fisiocrática, Smith define riqueza principalmente como “o valor de troca [excheangeable value] do produto anual da terra e do trabalho” (WN, IV.iii.c.498).20 20 Ver, também, WN.II.iii.13; IV.ii.9-12; e IV.iii.c.15. Para nosso argumento, não é necessário examinar mais detalhadamente se Smith compreende o produto anual enquanto um fluxo (cf. Hollander, 1973, p. 204), um estoque (cf. O’Donnell, 1990, p. 30-32) ou ainda ambos (Aspromourgos, 2009, p. 30-31), pois podemos analisar sua tentativa de encontrar uma definição mais geral independentemente dessa precisão. Para uma análise mais detalhada sobre o emprego do termo riqueza (wealth) por Smith, cf. Aspromourgos, 2009. Para compreender como essa noção é mais geral e adequada nos próprios termos colocados por Smith em Formação das línguas, é necessário mostrar como o autor concebe valores de troca ao longo do primeiro livro de A riqueza das nações. De forma análoga ao conceito de riqueza, Smith empenha-se em encontrar a origem e o que há de comum ao longo da história no processo de trocas de mercadorias. Com esse objetivo, a primeira resposta dada pelo autor é que o valor de troca está fundado na capacidade de comandar trabalho.

Para examinar o valor de troca, Smith parte de um exemplo hipotético dos primeiros escambos em uma sociedade rudimentar (WN, I.vi.1),21 21 Smith também mobiliza exemplos de selvagens ou sociedades de caçadores para pensar a origem das trocas (WN, I.ii.3). de maneira bastante similar à descrição dos dois selvagens começando a se comunicar em Formação das língua. Nessa sociedade, o único princípio para estabelecer relações de troca seria o trabalho: “Se em uma nação de caçadores, o trabalho por matar um castor é duas vezes o trabalho de matar um cervo, naturalmente um castor deverá ser trocado ou valer dois cervos” (WN, I.vi,1). Um castor, nesse caso, passa a valer, enquanto mercadoria, o trabalho de matar dois cervos.22 22 Por conta do escopo do artigo, não analisaremos a relação entre trabalho contido e trabalho comandado, dando atenção apenas ao último enquanto um princípio mobilizado por Smith para definir valor de troca. Sobre o tema, Hueckel (2000, p. 318-320) e Naldi (2013, p. 293-296) argumentam que Smith não sustenta uma equidade entre trabalho comandado e embutido, enquanto Peach (2009, p. 392-400), defende o contrário. Consequentemente, o valor de troca, como bem explica Maurício Coutinho (1990COUTINHO, M. C. Lições de Economia Política Clássica. Tese (Livre-Docência) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1990., p. 116- 117), deve remeter à faculdade que as mercadorias têm, na troca, de comandarem trabalho. Por conta disso, o trabalho, conforme expõe Smith, é uma medida mais geral que os metais e os bens agrícolas, pois “o trabalho foi o primeiro preço, a moeda de compra original que foi empregada para pagar todas as coisas. Não foi pelo ouro ou pela prata, mas pelo trabalho, que toda a riqueza do mundo foi originalmente comprada” (WN, I.v.2). No trecho citado, já é possível notar a crítica à noção mercantilista de riqueza.

Considerando que a riqueza é constituída dos valores de troca, e estes correspondem ao trabalho que uma mercadoria pode comandar, a riqueza para Smith, nesse primeiro momento, pode ser compreendida como a capacidade de comandar trabalho de um conjunto de mercadorias. Por isso, como apontado por Smith, o trabalho é o significado correto, “a verdadeira medida de afluência”, pois “apenas o trabalho nunca tem seu valor alterado e, portanto, é a medida única e real pela qual o valor de todos os bens pode ser estimado e comparado em qualquer tempo e lugar” (WN, I.v.7).23 23 Diferentes interpretações foram dadas para o significado de “real medida de valor”, mas não examinares esse ponto. Para uma síntese das diferentes interpretações, ver Naldi, 2013, p. 298 e Hueckel, 2000, p. 318-321. Mesmo que, posteriormente, Smith encontre dificuldades para utilizar o trabalho como medida de valor, o trecho ilustra muito bem como há uma busca pelo que é válido nas mais diferentes circunstâncias, uma preocupação de não tomar o particular pelo geral.

Embora Smith associe, primeiramente, o valor de troca de qualquer mercadoria com o trabalho comandado, a explicação torna-se mais complexa ao incluir a renda da terra e o lucro como partes constituintes do preço real (e do valor de troca) de uma mercadoria.24 24 Preço real, segundo Smith, corresponde à “real medida do valor de troca” (WN, I.iv.15). Por conta disso, Aspromourgos (2009ASPROMOURGOS, T. The Science of Wealth: Adam Smith and the Framing of Political Economy. New York: Routledge, 2009., p. 33) aponta que a concepção última de riqueza para Smith é a capacidade de comandar mercadorias, e não apenas trabalho. Ou seja, os valores de troca passariam a envolver o comando não apenas sobre o trabalho, mas também sobre capital e terra. Essa passagem abriu margem para diferentes interpretações a respeito do lugar que trabalho comandado ocupa na obra como um todo.25 25 Por exemplo, Coutinho (1990, p. 122), Peach (2009, p. 404-405), Hueckel (1998, p. 216) e O’Donnel (1990, p. 65-67) - mesmo que de maneiras diferentes - sustentam que a capacidade de comandar trabalho, em última instância, permanece enquanto “real medida de valor durante toda A riqueza das nações, enquanto Naldi (2013, p. 298-300), Fleischacker (2004, p. 125-129) e Aspromourgos (2009, p. 95-97) enfatizam as ambiguidades e dificuldades que a teoria encontra no restante da obra. Sem entrar nos meandros desse debate, o empenho por encontrar um termo geral e válido em diversas circunstâncias está claro. Isto é, o real valor de troca precisa ser estabelecido a partir da comparação e da análise histórica, de maneira a representar o caso geral, e não uma situação particular.

Para além da discussão do trabalho na determinação do valor de troca, queremos chamar mais a atenção para a noção de comando empregada por Smith para definir valor de troca e, consequentemente, riqueza. É essa relação de comando, de poder, que está subjacente a todo o processo de troca de mercadorias para o autor. Afinal, conforme o próprio menciona, a “riqueza, segundo Hobbes, é poder” (WN, I.v.3).26 26 Aspromougos (2009, p. 33) também utiliza essa citação para defender sua ideia de riqueza como poder de compra. Portanto, a nação para Smith, seria mais ou menos rica conforme sua capacidade de comandar todos os recursos envoltos na produção de mercadorias, isto é, trabalho, capital e terra. Essa é a classificação mais adequada, em vez de apenas os produtos agrícolas ou os metais, pois leva em consideração as regras da gramática geral da riqueza, isto é, aquilo que há de comum na riqueza nos mais diversos períodos.

A vinculação entre a determinação de riqueza e linguagem na obra de Smith, entretanto, pode ir mais longe ao considerarmos o próprio paralelo feito pelo autor entre a troca de mercadorias e a persuasão. Como o valor de troca de um bem equivale ao trabalho e aos recursos produtivos que pode comandar, esse valor poder ser visto como o poder de persuasão de convencer o outro a fazer algo por nós. Essa relação é bastante explicitada na breve explicação sobre a propensão à troca. Smith escreve sobre a grande probabilidade de a origem dela ter sido em outra propensão humana: a de persuadir. Ora, quando se quer algo de um semelhante, tenta-se persuadi-lo ou convencê-lo, sendo a troca de mercadorias apenas uma forma de persuasão específica elaborada conforme o desenvolvimento da sociedade. As trocas surgem enquanto forma de comandar o trabalho alheio, de convencer o outro a realizar uma tarefa para nós: “Dê-me aquilo que eu quero e você terá o que você quer é o significado de qualquer oferta dessa espécie, e é dessa maneira que obtemos uns dos outros a maior parte dos ofícios os quais tanto precisamos” (WN, I.ii.2). Seguindo essa perspectiva, interpretamos a noção de Smith das trocas como o estabelecimento de uma linguagem de barganha, pela qual pode-se obter objetos de desejo a partir do trabalho alheio.

Considerando as trocas enquanto uma forma de comunicação, o paralelo entre a gramática e a economia política torna-se mais intenso. Voltando para a distinção entre Gramática geral e Gramática particular feita por Bauzzé, o projeto de economia política empreendido por Smith poderia ser compreendido enquanto a elaboração de uma gramática geral para estabelecer os princípios que regem diferentes línguas de fazer troca, isto é, sociedades que utilizam diferentes instrumentos de comércio. Assim como a palavra caverna, a noção de riqueza apenas se realiza nessa comunicação particular chamada de trocas de mercadorias. Para a filosofia conseguir precisar o termo, é necessário recorrer aos princípios da gramática geral das trocas, entender como essa linguagem foi constituída e progrediu ao longo do tempo em suas mais diferentes circunstâncias.

A ideia dos metais ou dos produtos agrícolas como única fonte de riqueza, portanto, não se atentam, segundo Smith, à gramática geral das trocas. Para tanto, é imprescindível o estudo do progresso do enriquecimento de várias nações. Sem tal comparação, não há como destacar o que é regular nesse processo. A obra A riqueza das nações pode, portanto, ser interpretada enquanto uma tentativa de sintetizar todo um conjunto de fenômenos da maneira mais simples possível, de forma a pensar uma língua que esteja de acordo com a gramática geral das trocas.

5 Considerações finais

A partir da análise empreendida até aqui, podemos retornar à questão de Samuels apontada no início do artigo acerca de a epistemologia da ciência econômica ser parte integrante da prática do discurso de maneira mais ampla. Smith, como buscamos argumentar, enxerga a construção do conhecimento como continuidade da formação da linguagem. Tanto o conhecimento quanto a comunicação resultam do enorme esforço da mente humana de comparar diferentes observações e fenômenos de maneira a abstrair certas regularidades que possam conectá-los. Portanto, não é surpreendente encontrar reflexos de suas considerações sobre linguagem no momento em que o autor está elaborando seu sistema de economia política.

Ao longo deste artigo, constamos como a noção de riqueza proposta por Smith em A riqueza das nações e sua análise em torno do valor de troca vão de encontro com as considerações do autor sobre linguagem. Dentro dessa perspectiva, as trocas de mercadorias podem ser compreendidas também como um modo de comunicação. Logo, elaborar um sistema de economia política equivale aqui a estabelecer uma gramática geral dessa linguagem, a qual adquire diferentes formas particulares em distintos lugares e períodos. É essa ideia que está por trás da crítica de Smith às noções de riqueza mercantilista e fisiocrática, as quais tomaram o particular pelo geral, tal como Sanctius. Assim como a gramática do inglês precisa se atentar à lógica da formação das línguas, as políticas de uma sociedade comercial devem considerar os princípios gerais das trocas.

Agradecimentos

Como este artigo é resultado da pesquisa da dissertação, gostaria de agradecer imensamente ao meu então orientador, Rolf Nelson Kuntz, e aos membros da banca, que tanto colaboraram com meu trabalho, Maurício Coutinho, Hugo da Gama Cerqueira e Pedro Paulo Pimenta. Também agradeço ao grupo de estudos de História do Pensamento Econômico do Cedeplar/UFMG a discussão em torno do artigo. Por último, aos editores e pareceristas da revista Nova Economia, os quais contribuíram para o texto e viabilizaram sua publicação. Obviamente, as opiniões expressas aqui e toda e qualquer imprecisão são de minha exclusiva responsabilidade.

Referências

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  • Códigos JEL:

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  • 1
    Para uma perspectiva mais recente do desenvolvimento desse debate desde McCloskey, ver Longaker (2019).
  • 2
    Sobre a importância da linguagem no século XVIII, ver também Rosenfeld (2001).
  • 3
    O nome completo do ensaio é Considerações, sobre a primeira formação das línguas e sobre a diferença de gênio entre as línguas originais e compostas (Considerations, Concerning the First Formation of Languages and the Different Genious of Original and Compounded Languages). Posteriormente, o texto é adicionado como um apêndice de Teoria dos sentimentos morais a partir da terceira edição, em 1767 (Bryce, 1983, p. 26-28).
  • 4
    As citações de Adam Smith e de Dugald Stewart seguem o formato proposto em The Glasgow Edition of the Works and Correspondence of Adam Smith.
  • 5
    Gramático francês e colaborador da Enciclopédia editada por Diderot e D’Alembert. Plank enfatiza que, a despeito das semelhanças, Smith não teria lido o verbete (publicado em 1765) antes de escrever o ensaio, publicado primeiramente em 1761 (Plank, 1992, p. 22). Apesar da diferenciação de Beauzée ser ilustrativa, há diferenças consideráveis entre sua compreensão da linguagem e a de Smith (Berry, 1974, p. 132- 133).
  • 6
    A semelhança com a descrição de Condillac (2012, p. 192) sobre a origem das línguas no Ensaio sobre a origem do conhecimento humano é notável. Cf. Phillipson (2000, p. 78) e Dascal (2006, p. 85-86).
  • 7
    As partes do discurso mobilizadas por Smith em Formação das línguas são, principalmente, substantivo, adjetivo, preposição, verbo, pronome e numeral. Segundo David Spadafora (1990, p. 179), a escola de Gramática de Port-Royal, liderada por Claude Lancelot e Antoine Arnaud, teria iniciado os estudos da linguagem pelas partes do discurso, isto é, categorias comuns a todas as línguas.
  • 8
    Apesar de Smith apresentar primeiro o desenvolvimento da língua a partir dos substantivos, e depois por meio dos verbos, é possível interpretar que os verbos impessoais seriam anteriores aos substantivos em sua teoria, pois corresponderiam a um todo maior em relação a um objeto e, portanto, não haveria necessidade de realizar nenhum tipo de distinção. Inclusive, na carta enviada a George Baird em 1761, Smith explica que "se eu fosse tratar do mesmo assunto eu deveria me empenhar a começar com a consideração dos verbos; sendo estes, na minha compreensão, a parte original do discurso, primeiramente inventada para expressar em uma palavra todo um evento" (Correspondências, 69). Em Formação das línguas, Smith não teria começado pelos verbos, pois, segundo Bryce (1983, p. 25), editor das Lições de retórica e belas letras, o sistema lexical do substantivo ilustraria melhor seu entendimento da formação da linguagem.
  • 9
    Smith fornece diversos exemplos a partir de expressões em latim. Optamos por citá-las como no original.
  • 10
    Sanctius (1523-1600), nascido na Espanha com o nome de Francisco Sánches de la Brozas, foi um importante gramático, sendo relacionado com a escola de Port Royal. Sobre Sanctius, ver Breva-Claramonte (1983).
  • 11
    Segue a nota de rodapé: "Como a maior parte dos verbos expressa, atualmente, não um evento, mas o atributo de um evento, consequentemente requer um sujeito ou um caso para completar seu sentido. Alguns gramáticos, por não se atentarem a esse progresso da natureza, desejosos em tornar suas regras comuns universais sem qualquer exceção, insistiram que todos os verbos demandassem um nominativo, seja expresso seja subentendido; torturaram-se para encontrar estranhos nominativos para aqueles poucos verbos os quais ainda expressam um evento completo e claramente não admitem nenhum caso nominativo. Pluit, por exemplo, segundo Sanctius, significa pluvial pluit, ou seja, a chuva chove" (Formação das línguas, 30).
  • 12
    William Ward of Broughton é o autor de An Essay on Grammar, as It may Be Applied to the English (…) (Correspondências, 68).
  • 13
    Os termos ciência e filosofia aparecem como sinônimos na maior parte dos escritos de Smith.
  • 14
    Diversas passagens ressaltam a importância de uma conexão simples a fim de tranquilizar a mente, cf. HP, 2; HA, IV.13; IV.15 e IV.19.
  • 15
    A importância da simplicidade é notada por diversos comentadores das obras de Smith, inclusive com referências a diferentes partes, cf. Land (1977, p. 690), Reisman (1976, p. 41-43) e Belivacqua (1965, p. 49).
  • 16
    Berry (2006, p. 121-126) sintetiza essa oposição entre as interpretações de caráter antirrealista e realista das obras de Smith. As primeiras são fundamentadas na ideia de que os sistemas são produtos exclusivos da imaginação, enquanto as segundas enfatizam a importância da realidade na sua conformação.
  • 17
    Cf. HA, IV.58
  • 18
    Smith utiliza, respectivamente, os termos sistema de comércio e sistema da agricultura (WN, IV.2).
  • 19
    Smith diferencia os produtores de manufaturas e os prestadores de serviço (menial servants), pois estes últimos não acrescentariam valor ao fundo de riquezas da sociedade (WN, II.iii.1).
  • 20
    Ver, também, WN.II.iii.13; IV.ii.9-12; e IV.iii.c.15. Para nosso argumento, não é necessário examinar mais detalhadamente se Smith compreende o produto anual enquanto um fluxo (cf. Hollander, 1973, p. 204), um estoque (cf. O’Donnell, 1990, p. 30-32) ou ainda ambos (Aspromourgos, 2009, p. 30-31), pois podemos analisar sua tentativa de encontrar uma definição mais geral independentemente dessa precisão. Para uma análise mais detalhada sobre o emprego do termo riqueza (wealth) por Smith, cf. Aspromourgos, 2009.
  • 21
    Smith também mobiliza exemplos de selvagens ou sociedades de caçadores para pensar a origem das trocas (WN, I.ii.3).
  • 22
    Por conta do escopo do artigo, não analisaremos a relação entre trabalho contido e trabalho comandado, dando atenção apenas ao último enquanto um princípio mobilizado por Smith para definir valor de troca. Sobre o tema, Hueckel (2000, p. 318-320) e Naldi (2013, p. 293-296) argumentam que Smith não sustenta uma equidade entre trabalho comandado e embutido, enquanto Peach (2009, p. 392-400), defende o contrário.
  • 23
    Diferentes interpretações foram dadas para o significado de “real medida de valor”, mas não examinares esse ponto. Para uma síntese das diferentes interpretações, ver Naldi, 2013, p. 298 e Hueckel, 2000, p. 318-321.
  • 24
    Preço real, segundo Smith, corresponde à “real medida do valor de troca” (WN, I.iv.15).
  • 25
    Por exemplo, Coutinho (1990, p. 122), Peach (2009, p. 404-405), Hueckel (1998, p. 216) e O’Donnel (1990, p. 65-67) - mesmo que de maneiras diferentes - sustentam que a capacidade de comandar trabalho, em última instância, permanece enquanto “real medida de valor durante toda A riqueza das nações, enquanto Naldi (2013, p. 298-300), Fleischacker (2004, p. 125-129) e Aspromourgos (2009, p. 95-97) enfatizam as ambiguidades e dificuldades que a teoria encontra no restante da obra.
  • 26
    Aspromougos (2009, p. 33) também utiliza essa citação para defender sua ideia de riqueza como poder de compra.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2021
  • Aceito
    31 Mar 2022
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