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A pandemia de Covid-19 e a política fiscal: o que há de novo na visão do mainstream?

Fiscal policy and the Covid-19 pandemics: What’s new in the mainstream view?

Resumo

Este artigo tem como objetivo mapear os debates da visão convencional sobre política fiscal engendrados pela crise associada à pandemia de Covid-19. Apresentam-se discussões em torno das seguintes questões: (a) a política fiscal num contexto de taxas de juros baixas; (b) as métricas para avaliar a situação fiscal de uma jurisdição; (c) o espaço para ações discricionárias semiautônomas ou para arcabouços guiados por princípios; e (d) a concepção consolidada nas publicações mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI). Argumenta-se que a aceitação de expansões fiscais em contextos de taxas de juros baixas - especialmente, aquelas focadas em investimentos públicos não geradores de despesas de custeio - e a adoção de maior flexibilidade no arcabouço de regras fiscais nos países centrais reaparecem como elementos importantes na “nova” concepção do mainstream. Contudo, quanto às economias em desenvolvimento, persiste inalterada uma concepção fiscalista e contrária ao endividamento, continuando “arraigadas as velhas convicções”.

Palavras-chave:
Covid-19; política fiscal; regras fiscais; novo consenso fiscal

Abstract

In this paper we map the debates on fiscal policy in the Economics mainstream that resulted from the Covid-19 crisis. We present the discussions around the following topics: (a) fiscal policy in a context of low interest rates; (b) the metrics for assessing the fiscal situation of a jurisdiction; (c) alternative fiscal frameworks such as semi-autonomous discretionary fiscal architecture or fiscal standards; and (d) the fiscal agenda in the most recent International Monetary Fund (IMF) publications. We argue that the acceptance of fiscal expansions in contexts of low interest rates - especially those focused on public investments that do not generate current expenditures - and the adoption of greater flexibility in the framework of fiscal rules in central countries reappear as important elements in the “new” framework of the mainstream. However, as far as developing economies are concerned, fiscalism persists and the “old convictions remain rooted” in the mainstream view.

Keywords:
Covid-19; fiscal policy; fiscal rules; new fiscal consensus

1 Introdução

A pandemia de Covid-19 trouxe de volta aos holofotes o debate sobre o papel da política fiscal. As tradicionais preocupações do mainstream com o déficit público, com o aumento do endividamento e com a sustentabilidade da dívida pública foram temporariamente deixadas de lado para que os Estados pudessem fornecer uma resposta à altura dos desafios impostos pela disseminação de um vírus sobre o qual pouco se conhecia.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) escrevia em abril de 2021:

Na emergência da Covid-19, os governos usaram o orçamento de forma rápida e decisiva. Nos últimos doze meses, países anunciaram US$ 16 trilhões em medidas fiscais. Estas medidas permitiram o funcionamento dos sistemas de saúde e forneceram boias salva-vidas a famílias e empresas. Ao fazê-lo, a política fiscal também mitigou a contração na atividade econômica (IMF, 2021, p. ix).

Esse conjunto de ações fiscais ao redor do mundo reacendeu a discussão sobre as possibilidades e os limites da política fiscal. O próprio FMI passou a adotar uma posição mais leniente, privilegiando o estímulo ao crescimento e ao emprego, e as despesas necessárias para vencer a pandemia. Movimento similar foi testemunhado no imediato pós-crise financeira internacional de 2008-2009, no entanto, aquelas mudanças parecem ter sido mais aparentes do que estruturais, com a persistência de controvérsias sobre a utilização da política fiscal para superar as crises (Fiebiger; Lavoie, 2017FIEBIGER, B.; LAVOIE, M. The IMF and the New Fiscalism: Was There a U-turn? European Journal of Economics and Economic Policies: Intervention, v. 14, n. 3, p. 314-32, 2017. DOI: https://doi.org/10.4337/ejeep.2017.03.04.
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).

Este artigo tem como objetivo mapear os debates da visão convencional sobre política fiscal trazidos pela crise de Covid-19. Apresentam-se as discussões em torno das seguintes questões: (a) a política fiscal num contexto de taxas de juros baixas; (b) as métricas mais adequadas para avaliar a situação fiscal de uma jurisdição; (c) o espaço para ações discricionárias semiautônomas ou para arcabouços guiados por princípios, em vez de regras fiscais rígidas; e (d) a concepção consolidada nas publicações mais recentes do FMI. A metodologia empregada consiste na realização de um levantamento compreensivo da literatura econômica recente sobre as temáticas apontadas. Quando possível, fontes primárias, como os documentos editados pelo FMI, são utilizadas de forma complementar.

Além desta Introdução, o texto conta com mais sete seções. Primeiro, apresenta-se uma síntese da visão convencional sobre política fiscal, destacando, em seguida, na segunda seção, como a crise financeira de 2008-2009 influenciou a evolução do arcabouço analítico do mainstream. Cada um dos quatro temas elencados no parágrafo anterior será discutido em uma seção específica. Por fim, as considerações finais fazem um balanço das principais mudanças trazidas e discutem sua aproximação com uma visão heterodoxa da política fiscal pautada na demanda efetiva.

2 A visão convencional da política fiscal: entre a crise e a austeridade

As prescrições de política econômica do chamado Novo Consenso Macroeconômico (NCM) tinham como elemento fundamental a atuação dos bancos centrais através do sistema de metas de inflação, com pouca ou nenhuma relevância para a política fiscal, especialmente a discricionária. Taylor (2000aTAYLOR, J. B. Teaching Modern Macroeconomics at the Principles Level. The American Economic Review, v. 90, n. 2, p. 90-94, 2000a., p. 90) traduziu as ideias centrais do NCM em cinco pilares:

  1. o produto potencial, no longo prazo, é determinado pelas condições de oferta;

  2. a curva de Phillips é negativamente inclinada no curto prazo - implicando um trade-off entre inflação e desemprego -, porém vertical no longo prazo;

  3. esse trade-off é consequência da rigidez de preços e salários no curto prazo;

  4. as expectativas de inflação são endógenas;

  5. a política monetária deve ser pautada por regras, sendo a taxa de juros nominal a principal variável sob influência do banco central.

O principal objetivo da autoridade monetária é o controle inflacionário, sendo a manipulação da taxa de juros de curto prazo o principal instrumento para atingir aquele objetivo. À política fiscal caberia um papel coadjuvante. Nesse aspecto, a ênfase mais importante do NCM é na estabilidade da dívida pública e na confiança dos agentes em uma trajetória sustentável das contas públicas. Esses seriam elementos fundamentais para a estabilidade macroeconômica - evitando situações de dominância fiscal1 1 Dominância fiscal consiste numa situação em que, em face de uma inflação crescente, o Banco Central não é capaz de elevar a taxa de juros, sob pena de amplificar o desequilíbrio fiscal e afetar a inflação no sentido contrário ao pretendido (Lopreato, 2006, p. 11). que porventura prejudicassem a estabilidade de preços.

Taylor (2000aTAYLOR, J. B. Teaching Modern Macroeconomics at the Principles Level. The American Economic Review, v. 90, n. 2, p. 90-94, 2000a.) afirma que o NCM teria sido o resultado do processo evolutivo gradual da macroeconomia oriunda da revolução trazida pelas expectativas racionais. Essa hipótese foi introduzida pelos novo-clássicos nos anos de 1970, particularmente com base nas ideias de Kydland e Prescott (1977KYDLAND, F. E.; PRESCOTT, E. C. Rules Rather than Discretion: The Inconsistency of Optimal Plans. Journal of Political Economy, v. 85, n. 3, p. 473-492, 1977.) sobre inconsistência intertemporal da política econômica e uma visão dominante de que a política fiscal produz efeitos distorcivos ou até mesmo inflacionários sobre a economia, devendo ser utilizada apenas em situações muito específicas.

A tese da sustentabilidade da dívida ou das “finanças saudáveis” ganha força no NCM por meio da exogeneidade do produto potencial às condições demanda, da aceitação da Crítica de Lucas2 2 A crítica de Lucas afirma que os agentes reagem tanto ao anúncio de política quanto às tentativas sistemáticas de adoção de políticas inconsistentes intertemporalmente. e da aceitação da tese de inconsistência intertemporal da política de Kydland e Prescott. Além dos fundamentos teóricos, a maior mobilidade de capitais internacionais teria feito da sustentabilidade das contas públicas uma espécie de farol para os fluxos internacionais de recursos. Não por acaso, nos anos de 1980, aparece o termo bond vigilantes,3 3 O termo “vigilantes de títulos” foi cunhado por Ed Yardeni na década de 1980 para descrever investidores em títulos públicos que reagem diante de elevação da dívida pública, exigindo maiores prêmios de risco. referindo-se a grandes investidores internacionais que “ameaçariam” os países endividados com crises cambiais, forçando-os a ofertarem maiores prêmios de riscos em suas dívidas. Por tais razões a busca de um orçamento equilibrado torna-se central para garantir o crescimento e a estabilidade a longo prazo.

A crença de que essa abordagem esgotara o aprendizado necessário sobre o funcionamento da macroeconomia e sobre a melhor forma de conduzir a política econômica era tão disseminada entre os anos de 1980 e o período pré-crise de 2008 que Robert Lucas certa vez afirmou: “[the] central problem of depression prevention has been solved, for all practical purposes, and has in fact been solved for many decades” (Lucas, 2003, p. 1). Na visão do mainstream, a “nova política”, ou a política do NCM, estaria obtendo sucesso em manter a inflação baixa desde os anos de 1980, com a economia mais estável e recessões brandas. Os anos de política fiscal discricionária, estabilizadora da economia, eram coisa do passado (Taylor, 2000bTAYLOR, J. B. Reassessing Discretionary Fiscal Policy. Journal of Economic Perspectives, v. 14, n. 3, p. 21-36, 2000b., p. 35).

3 A primeira virada: a crise de 2008

A crise de 2008 colocou em xeque as convicções do NCM sobre a Grande Moderação. No estopim da débâcle global, Bernanke (2008BERNANKE, B. The Economic Outlook. Depoimento perante a Comissão do Orçamento da Câmara dos Deputados dos EUA, jan. 2008. Disponível em: <https://www.federalreserve.gov/newsevents/testimony/bernanke20080117a.htm>. Acesso em: 01 set. 2021.
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) reconhecia que a política fiscal poderia ter algum papel a desempenhar em circunstâncias adversas:

I agree that fiscal action could be helpful in principle, as fiscal and monetary stimulus together may provide broader support for the economy than monetary policy actions alone. But the design and implementation of the fiscal program are critically important. A fiscal initiative at this juncture could prove quite counterproductive, if (for example) it provided economic stimulus at the wrong time or compromised fiscal discipline in the longer term. [...] any program should be explicitly temporary, both to avoid unwanted stimulus beyond the near-term horizon and, importantly, to preclude an increase in the federal government's structural budget deficit (Bernanke, 2008BERNANKE, B. The Economic Outlook. Depoimento perante a Comissão do Orçamento da Câmara dos Deputados dos EUA, jan. 2008. Disponível em: <https://www.federalreserve.gov/newsevents/testimony/bernanke20080117a.htm>. Acesso em: 01 set. 2021.
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, p. 1, grifos nossos).

A possibilidade do uso ativo e discricionário da política fiscal não significou um abandono da estrutura teórica anteriormente descrita. Tanto que Bernanke afirma que a política discricionária deveria ser utilizada com cautela, apenas por curtos períodos e, principalmente, com atenção à disciplina fiscal de longo prazo.

Na prática, porém, a crise financeira internacional de 2008-2009 demandou ação enérgica dos governos para socorrer o sistema financeiro, restabelecer a demanda agregada e restaurar o nível de emprego. As taxas de juros próximas a zero sinalizavam a perda da capacidade da política monetária em gerenciar a demanda agregada. Coube, então, à política fiscal fixar as diretrizes da recuperação econômica, e esse pragmatismo dos governos na crise reacendeu velhos debates.

Abriu-se uma avenida para que houvesse questionamentos teóricos na abordagem convencional, destacando-se os seguintes pontos: (i) o tamanho do multiplicador e a eficácia da política fiscal; (ii) a relação entre expansão do endividamento e crescimento; (iii) a validade da tese de contração fiscal expansionista; (iv) as opções de política e a velocidade da consolidação fiscal pós-crise; e (v) o uso de regras fiscais e o espaço fiscal (Lopreato, 2014LOPREATO, F. L. C. Crise econômica e política fiscal: os desdobramentos recentes da visão convencional. (Texto para discussão, Instituto de Economia, Unicamp, n. 236, jun. 2014).).

Num mundo de taxas de juros baixas e com a presença de histerese - “persistência” -, a política fiscal em momentos de recessão passou a poder ir além das fronteiras dos estabilizadores automáticos e das regras fiscais. Porém, a austeridade fiscal não foi abandonada como norte, uma vez que caberia a ela criar o espaço orçamentário necessário - uma espécie de “colchão” - para lidar com as crises. Nas palavras de Lopreato (2014LOPREATO, F. L. C. Crise econômica e política fiscal: os desdobramentos recentes da visão convencional. (Texto para discussão, Instituto de Economia, Unicamp, n. 236, jun. 2014)., p. 23, grifos nossos):

O avanço teórico talvez se limite à aceitação de que o uso da expansão fiscal é viável como instrumento nos raros momentos em que a economia global se encontra em situações excepcionais. No restante do tempo continuam arraigadas as velhas convicções.

Na mesma linha, Fiebiger e Lavoie (2017FIEBIGER, B.; LAVOIE, M. The IMF and the New Fiscalism: Was There a U-turn? European Journal of Economics and Economic Policies: Intervention, v. 14, n. 3, p. 314-32, 2017. DOI: https://doi.org/10.4337/ejeep.2017.03.04.
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) apontam que a crise não foi suficiente para superar as controvérsias sobre a utilização da política fiscal. Os autores fizeram um extenso trabalho sobre as posições do FMI a respeito do uso dessa política. Segundo eles, em 2008 o FMI prescrevia o uso da política fiscal a fim de conter os efeitos da crise por meio de uma estratégia dupla: apoio ao setor financeiro e implemento de estímulo fiscal de curto prazo, especialmente através de investimento público. Essa posição teria marcado uma “primeira virada” no debate feito pelo FMI sobre política fiscal discricionária, o que autores como Seccareccia (2012SECCARECCIA, M. Understanding Fiscal Policy and the New Fiscalism. International Journal of Political Economy, v. 41, n. 2, p. 61-81, 2012.) encaravam como um “Novo Fiscalismo”.

Porém, o Fundo não abandonou de todo a posição defendida pelo NCM. O uso da política fiscal discricionária deveria ser temporário, sem abandonar os princípios das finanças sadias e com compromisso de médio prazo com a estabilidade da relação dívida/PIB. A experiência de austeridade europeia, em especial, serviu para jogar um balde de água fria naqueles que projetavam mudanças mais substanciais na concepção teórica da economia convencional.

Com efeito, a preocupação com o crescimento da relação dívida/PIB de diversos países após a crise financeira de 2008 levou os “guardiões” das finanças saudáveis a se posicionarem e defenderem a austeridade a despeito de uma parca recuperação econômica. São exemplos Reinhart e Rogoff (2010REINHART, C. M.; ROGOFF, K. S. Growth in a Time of Debt. The American Economic Review, v. 100, n. 2, p. 573-578, 2010.), Alesina e Ardagna (2010ALESINA, A.; ARDAGNA, S. Large Changes in Fiscal Policy: Taxes versus Spending. Tax Policy and the Economy, v. 24, n. 1, p. 35-68, 2010.) e Alesina, Favero e Giavazzi (2019).

Reinhart e Rogoff (2010REINHART, C. M.; ROGOFF, K. S. Growth in a Time of Debt. The American Economic Review, v. 100, n. 2, p. 573-578, 2010.) afirmaram em um famoso estudo que países com relação dívida/PIB acima de 90% experimentavam crescimento médio reduzido em relação àqueles com menores patamares de dívida.4 4 Ver Herndon, Ash e Pollin (2014) para uma análise crítica. Já as contribuições de Alesina e seus coautores têm como foco discutir, sob o argumento da necessidade da retomada da austeridade, qual seria a melhor forma de executar a consolidação fiscal a fim de garantir a retomada do crescimento, em linha com a tese da “austeridade expansionista”.5 5 Nesse caso também sabemos que os próprios autores reconheceram posteriormente que os ajustes fiscais são contracionistas (Alesina; Favero; Giavazzi, 2019). Na prática, a tese da contração fiscal expansionista foi revista, passando a incorporar análises das narrativas históricas de programas plurianuais de austeridade e abarcando outros elementos e políticas para sustentar de forma ad hoc sua validade.

As estimações de multiplicadores fiscais elevados em diferentes fases do ciclo (Auerbach; Gorodnichenko, 2012AUERBACH, A. J.; GORODNICHENKO, Y. Measuring the Output Responses to Fiscal Policy. American Economic Journal: Economic Policy, v. 4, n. 2, p. 1-27, 2012. DOI: http://dx.doi.org/10.1257/pol.4.2.1.
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) foram dando lugar a métricas que indicavam valores mais modestos, próximos e/ou inferiores à unidade, retomando a hipótese de ineficácia da política fiscal (Ramey, 2019RAMEY, V. A. Ten Years After the Financial Crisis: What Have We Learned from the Renaissance in Fiscal Research? Journal of Economic Perspectives, v. 33, n. 2, p. 89-114, 2019.). A despeito das fragilidades da literatura sobre dívida e crescimento, manteve-se no imaginário dos economistas a ideia de um número mágico acima do qual o endividamento governamental poderia afetar o crescimento e levaria à instabilidade macroeconômica (Saungweme; Odhiambo, 2018SAUNGWEME, T.; ODHIAMBO, N. M. The Impact of Public Debt on Economic Growth: A Review of Contemporary Literature. The Review of Black Political Economy, v. 45, n. 4, p. 339-57, 2018. DOI: https://doi.org/10.1177/0034644619833655.
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).

Além disso, a flexibilização de algumas regras fiscais, com cláusulas de escape conforme o ciclo, teve como contrapartida a criação de uma nova institucionalidade de política fiscal, pautada em Conselho Fiscais e instituições que pudessem contribuir para assegurar a aderência das políticas aos velhos mantras do orçamento equilibrado e da sustentabilidade da dívida pública (Lopreato, 2014LOPREATO, F. L. C. Crise econômica e política fiscal: os desdobramentos recentes da visão convencional. (Texto para discussão, Instituto de Economia, Unicamp, n. 236, jun. 2014).; IMF, 2013).

Enfim, se houve um “novo fiscalismo” em 2008, ele não durou muito. E brevemente retornou-se às convicções anteriores.

4 Covid-19, juros baixos e política fiscal

Em linha com o que aconteceu na crise de 2008, Blanchard, Felman e Subramanian (2021BLANCHARD, O; FELMAN, J.; SUBRAMARIAN, A (2021). Does the New Fiscal Consensus in Advanced Economies Travel to Emerging Markets? PIIE - Peterson Institute for International Economics, Mar. 2021. Disponível em: <https://www.piie.com/publications/policy-briefs/does-new-fiscal-consensus-advanced-economies-travel-emerging-markets>. Acesso em: 13 ago. 2021.
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) sugerem que há atualmente um “novo consenso fiscal”, que gira em torno de três proposições principais. Primeiro, que políticas macroeconômicas são necessárias para aumentar a demanda agregada, uma vez que a demanda do setor privado está cronicamente fraca - ainda mais após a pandemia de Covid-19. Segundo, a política fiscal precisa ser a principal ferramenta anticíclica, uma vez que as possibilidades da política monetária se exauriram. Terceiro, há espaço para usar a política fiscal nesse sentido porque, embora a dívida pública esteja elevada, ela parece ser sustentável.

Por trás das duas últimas proposições está a constatação de que os países centrais vivem hoje num mundo de taxas de juros baixas e que essa configuração irá perdurar. A discussão sobre a política fiscal com juros baixos foi detalhada também por Furman e Summers (2020FURMAN, J.; SUMMERS, L. A Reconsideration of Fiscal Policy in the Era of Low Interest Rates. Mimeo, 30 nov. 2020. Disponível em: <https://www.piie.com/system/files/documents/furman-summers2020-12-01paper.pdf>. Acesso em 12 ago. 2021.
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) no seminário “Conselhos para Joe Biden e o Congresso sobre política fiscal”, realizado em dezembro de 2020. Os argumentos da dupla remontam a publicações anteriores, que ressaltavam a noção de histerese, abrindo espaço teórico para a ideia de que ajustes fiscais podem ser autodestrutivos, e indicavam a necessidade de uma política fiscal direcionada a resultados de médio prazo (Delong; Summers, 2012DELONG, B.; SUMMERS, L. Fiscal Policy in a Depressed Economy. Brookings Papers on Economic Activity, p. 233-297, Spring 2012. Disponível em: <https://www.brookings.edu/wp-content/uploads/2012/03/2012a_DeLong.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2021.; Fatás; Summers, 2018FATÁS, A.; SUMMERS, L. The Permanent Effects of Fiscal Consolidations. Journal of International Economics, v. 112, p. 238-250, May 2018. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jinteco.2017.11.007.
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). Tudo isso, obviamente, caso se verificasse a hipótese prévia de que as taxas de juros ficariam em patamares baixos ou próximos a zero.

Os autores argumentam também que as baixas taxas de juros invalidam a ideia de crowding-out dos gastos públicos. Por fim, aceitam a ideia de equidade intergeracional, mas rejeitam a tese de que déficits implicarão necessariamente um maior fardo para a geração futura, defendendo, entre outros argumentos, que investimentos em infraestrutura podem beneficiar também as próximas gerações.

Furman e Summers (2020FURMAN, J.; SUMMERS, L. A Reconsideration of Fiscal Policy in the Era of Low Interest Rates. Mimeo, 30 nov. 2020. Disponível em: <https://www.piie.com/system/files/documents/furman-summers2020-12-01paper.pdf>. Acesso em 12 ago. 2021.
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) argumentam que a redução nas taxas de juros em economias centrais ao longo da década de 2010 resulta de fatores estruturais, como mudanças demográficas e estagnação secular (Rachel; Summers, 2019RACHEL, Ł.; SUMMERS, L. On Secular Stagnation in the Industrialized World. Brookings Papers on Economic Activity, p. 1-54, 2019.). Nesse contexto, a preocupação da teoria convencional com os déficits e o aumento do endividamento em recessões estaria fora de lugar: com taxas de juros baixas - inferiores às taxas de crescimento da economia, na famosa condição (rg)<0 -, seria difícil que a trajetória da dívida pública fosse explosiva. Como apontam os autores:

At a minimum, countries can always come back later to raise revenues or reduce spending in order to get debt trajectories back on a desired course. More importantly, this may not even be needed as fiscal support may help fiscal sustainability by increasing output more than it raises debt, thus reducing the debt-to-GDP ratio (Furman; Summers, 2020FURMAN, J.; SUMMERS, L. A Reconsideration of Fiscal Policy in the Era of Low Interest Rates. Mimeo, 30 nov. 2020. Disponível em: <https://www.piie.com/system/files/documents/furman-summers2020-12-01paper.pdf>. Acesso em 12 ago. 2021.
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, p. 13; grifos nossos).

À medida que uma política fiscal estimuladora consiga elevar a taxa de crescimento da economia relativamente às taxas de juros, seu efeito líquido sobre a trajetória da dívida/PIB será favorável. Os agentes não precisariam se preocupar com um aumento do fardo da dívida futura, muito em linha com o raciocínio de Domar (1944DOMAR, E. D. The “Burden of the Debt” and the National Income. The American Economic Review, v. 34, n. 4, p. 798-827, 1944.). Além disso, os autores argumentam que os governos poderiam empregar estratégias de expansão da despesa atreladas a um aumento da carga tributária ou da progressividade do sistema tributário, pautando-se na ideia de que mesmo um orçamento equilibrado pode gerar efeitos multiplicadores relevantes, à laHaavelmo (1945HAAVELMO, T. Multiplier Effects of a Balanced Budget. Econometrica, v. 13, n. 4, p. 311-318, 1945.).

Além disso, o mix de instrumentos de política fiscal importa, uma vez que os diferentes multiplicadores associados a cada tipo de despesa e receita podem facilitar o controle da dívida e de seu serviço financeiro ao longo do tempo. Despesas com multiplicadores mais elevados deveriam ser privilegiadas, com os investimentos públicos cristalizando-se como a principal forma de intervenção dos governos a médio prazo.

A literatura indica que os investimentos, em particular, aqueles em infraestrutura, apresentam multiplicadores mais elevados e persistentes em diferentes fases do ciclo econômico - ainda que a evidência empírica seja inconclusiva acerca da eficácia relativa desses gastos para reativar a economia no curto prazo (Auerbach; Gorodnichenko, 2012AUERBACH, A. J.; GORODNICHENKO, Y. Measuring the Output Responses to Fiscal Policy. American Economic Journal: Economic Policy, v. 4, n. 2, p. 1-27, 2012. DOI: http://dx.doi.org/10.1257/pol.4.2.1.
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; Ramey, 2019RAMEY, V. A. Ten Years After the Financial Crisis: What Have We Learned from the Renaissance in Fiscal Research? Journal of Economic Perspectives, v. 33, n. 2, p. 89-114, 2019.).

Nessa toada, Furman e Summers (2020FURMAN, J.; SUMMERS, L. A Reconsideration of Fiscal Policy in the Era of Low Interest Rates. Mimeo, 30 nov. 2020. Disponível em: <https://www.piie.com/system/files/documents/furman-summers2020-12-01paper.pdf>. Acesso em 12 ago. 2021.
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, p. 34) argumentam que: “public investment can […] offset some, all or even more than all of its cost if it has a sufficiently high rate of return in expanding the economy’s potential itself”. Mais que isso, os autores sustentam que os investimentos que possuem retornos que excedam a taxa de juros seriam capazes de se pagarem por si próprios em termos do valor presente. Destacam-se aqui as despesas com investimentos em pesquisa, infraestrutura e educação, que podem trazer benefícios maiores do que os custos em termos do acúmulo adicional de dívida (e.g.Hendren; Sprung-Keyser; 2020HENDREN, N.; SPRUNG-KEYSER, B. A Unified Welfare Analysis of Government Policies. Quarterly Journal of Economics, v. 135, n. 3, p. 1209-1318, 2020.).

Em especial, os investimentos que não geram despesas imediatas e substanciais de custeio, como alguns investimentos em infraestrutura, acabam prevalecendo segundo essa lógica de custo-benefício. Abre-se espaço, portanto, para uma discussão sobre a composição dos planos e das medidas fiscais: “Wasteful and poorly designed spending programs or tax cuts […] are not justified by this logic” (Furman; Summers, 2020FURMAN, J.; SUMMERS, L. A Reconsideration of Fiscal Policy in the Era of Low Interest Rates. Mimeo, 30 nov. 2020. Disponível em: <https://www.piie.com/system/files/documents/furman-summers2020-12-01paper.pdf>. Acesso em 12 ago. 2021.
https://www.piie.com/system/files/docume...
, p. 35).

Por fim, destaca-se que não só os gastos discricionários têm papel contracíclico nas crises, mas também há um importante papel a ser desempenhado pelos estabilizadores automáticos - mecanismos acionados automaticamente, seja via aumento de receita ou corte nos impostos, por exemplo, o seguro-desemprego. Furman e Summers (2020FURMAN, J.; SUMMERS, L. A Reconsideration of Fiscal Policy in the Era of Low Interest Rates. Mimeo, 30 nov. 2020. Disponível em: <https://www.piie.com/system/files/documents/furman-summers2020-12-01paper.pdf>. Acesso em 12 ago. 2021.
https://www.piie.com/system/files/docume...
, p. 16) ressaltam que os estabilizadores automáticos podem ser mais ágeis se comparados a políticas discricionárias sujeitas a defasagens de reação dos policy makers ou a limitações políticas. Além disso, eles podem ser desenhados de forma mais apropriada às necessidades de cada local.

As baixas taxas de juros, então, sustentam as possibilidades - e mesmo a necessidade - de utilizar uma política fiscal expansionista e realizar investimentos públicos, estabelecendo como objetivo de política o crescimento econômico e a estabilidade financeira. A prevenção de recessões e a promoção de uma taxa de crescimento de longo prazo mais elevada integrariam esse objetivo.

Como diretrizes, Furman e Summers (2020FURMAN, J.; SUMMERS, L. A Reconsideration of Fiscal Policy in the Era of Low Interest Rates. Mimeo, 30 nov. 2020. Disponível em: <https://www.piie.com/system/files/documents/furman-summers2020-12-01paper.pdf>. Acesso em 12 ago. 2021.
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, p. 39-41) sugerem que emergências temporárias sejam cobertas a partir do endividamento (“should not be paid for”), que os custos de programas permanentes sejam arcados via tributação (“should be paid for”) e que a composição do orçamento seja aprimorada para que o governo seja mais eficiente e capaz de fornecer maior suporte à demanda agregada.

Além disso, a política monetária pode auxiliar a política fiscal com o emprego de medidas não convencionais. Elenev et al. (2021ELENEV, V.; LANDVOIGT, T.; SHULTZ, P. J.; VAN NIEUWERBURGH, S. Can Monetary Policy Create Fiscal Capacity? NBER Working Paper Series, n. 29.129, Aug. 2021.) sugerem que a criação de condições acomodatícias da política monetária por meio de programas de compra de ativos (quantitative easing) e do uso da prescrição futura (forward guidance) contribuem para reduzir a razão dívida/PIB e o risco fiscal num ambiente em que há expansão no gasto discricionário do governo.

A visão de Furman e Summers, entretanto, não é integralmente consensual no mainstream. Reis (2021REIS, R. The Constraint on Public Debt When r < g but g < m. BIS Working Papers, n. 939, May 2021.) e Cochrane (2021COCHRANE, J. H. r < g. Mimeo, 2021. Disponível em: <https://www.johnhcochrane.com/s/rvsg.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2021.
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) argumentam que as baixas taxas de juros não resolvem o problema do déficit e da dívida pública: o primeiro sustenta que, mesmo no caso de r<g, há um limite em relação a quanto o governo pode gastar; o segundo destaca que as baixas taxas de juros podem ser suficientes para que déficits pequenos sejam “autofinanciados”, mas não déficits elevados - estes aumentariam inexoravelmente o fardo da dívida.6 6 Romer (2018, p. 666) propõe também que é impossível a manutenção da condição r<g no longo prazo. Dentro dos modelos de equilíbrio geral dinâmico estocástico, essa condição estaria associada a uma situação “dinamicamente ineficiente”, que, para o autor, deveria ser tratada apenas como uma “curiosidade teórica”.

Na mesma linha, Mauro e Zhou (2021MAURO, P.; ZHOU, J. r - g < 0: Can We Sleep More Soundly? IMF Economic Review, v. 69, p. 197-229, 2021.) destacam que, ao analisar eventos históricos, vários episódios de default (dívida externa) ocorreram após períodos de diferenciais negativos entre a taxa de juros e a taxa de crescimento, sublinhando que os custos marginais de endividamento do governo podem subir rapidamente. Além disso, há também questionamentos, como o de Rogoff (2021ROGOFF, K. Fiscal Sustainability in the Aftermath of the Great Pause. Journal of Policy Modeling, v. 43, n. 4, p. 783-793, 2021. DOI: Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.jpolmod.2021.02.007>.
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), em relação à persistência de baixas taxas de juros, o que, com o aumento da inflação entre o final de 2021 e 2022, trouxe uma dose adicional de dúvidas em relação à nova posição.

A despeito das vozes dissonantes apresentadas acima, parece prevalecer uma abordagem mais leniente em relação à política fiscal e a seu protagonismo. As mudanças, porém, não se restringem a avaliação sobre a eficácia das políticas, mas também podem ser constatadas na própria maneira de avaliar a “sustentabilidade fiscal” dos governos, como veremos a seguir.

5 Novas métricas da situação fiscal

Na teoria convencional, o controle do nível de dívida pública em relação ao PIB é central. Ainda que a situação fiscal não seja medida única e exclusivamente a partir desse indicador, em várias análises é a trajetória dessa razão que acaba por sinalizar aos agentes o provável comportamento futuro do “fardo da dívida” e a situação fiscal de determinada jurisdição (Blanchard et al., 1990BLANCHARD, O.; CHOURAQUI, J. C.; HAGEMANN, R. P.; SARTOR, N. The Sustainability of Fiscal Policy: New Answers to an Old Question. OECD Economic Studies, n. 15, 1990.). Essa perspectiva ganhou fôlego, ainda, com a discussão de Reinhart e Rogoff (2010REINHART, C. M.; ROGOFF, K. S. Growth in a Time of Debt. The American Economic Review, v. 100, n. 2, p. 573-578, 2010.) sobre a relação entre a razão dívida/PIB e o crescimento, a despeito das controvérsias que rondam a questão (Saungweme; Odhiambo, 2018SAUNGWEME, T.; ODHIAMBO, N. M. The Impact of Public Debt on Economic Growth: A Review of Contemporary Literature. The Review of Black Political Economy, v. 45, n. 4, p. 339-57, 2018. DOI: https://doi.org/10.1177/0034644619833655.
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). Por fim, esse indicador é também objeto de regras que orientam as políticas fiscais, como, por exemplo, no caso do Tratado de Maastricht para a Zona do Euro (Furman; Summers, 2020FURMAN, J.; SUMMERS, L. A Reconsideration of Fiscal Policy in the Era of Low Interest Rates. Mimeo, 30 nov. 2020. Disponível em: <https://www.piie.com/system/files/documents/furman-summers2020-12-01paper.pdf>. Acesso em 12 ago. 2021.
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, p. 17-18).

Furman e Summers (2020FURMAN, J.; SUMMERS, L. A Reconsideration of Fiscal Policy in the Era of Low Interest Rates. Mimeo, 30 nov. 2020. Disponível em: <https://www.piie.com/system/files/documents/furman-summers2020-12-01paper.pdf>. Acesso em 12 ago. 2021.
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) passaram a argumentar que a métrica dívida/PIB precisa ser reavaliada num contexto em que as taxas de crescimento da economia excedam as taxas de juros. Para eles há três principais problemas de usar essa métrica para avaliar a situação fiscal de um país. Primeiro, ela ignora o fato de que a dívida pode ser paga ao longo do tempo - e não num único ponto do tempo. Portanto, não faria sentido comparar a dívida - um estoque - com o PIB - um fluxo. Segundo, ela ignora os diferentes níveis de juros entre os países: para um mesmo nível de dívida, taxas de juros mais baixas implicarão menor fardo da dívida. Terceiro, é um indicador que reflete o passado, mas não as políticas a serem adotadas no futuro.

Devido a esses problemas, Furman e Summers sugerem que métricas alternativas, como a dívida sobre o PIB a valor presente ou o pagamento de juros reais da dívida sobre o PIB, seriam mais adequadas, em especial, quando consideradas sob uma perspectiva de consistência entre fluxos e estoques. No primeiro caso, calcula-se o valor presente dos PIBs futuros a partir de estimativas para um horizonte infinito, criando uma medida de estoque comparável ao estoque de dívida. No segundo caso, a referência são os pagamentos de juros realizados a cada período, calculados em termos reais, de modo que os efeitos da inflação sobre a situação fiscal sejam captados de forma mais apropriada.

Entretanto, em ambos os casos, as medidas alternativas não são capazes de capturar o comportamento futuro da política fiscal. Assim, uma terceira medida é apresentada: o hiato fiscal (fiscal gap), que tem como objetivo refletir a situação orçamentária de longo prazo do governo. Ele é calculado a partir da restrição orçamentária intertemporal do governo, medindo o valor presente da diferença entre os gastos e as receitas futuras do setor público para dado período de tempo - portanto, sinalizando a mudança imediata e permanente no superávit primário necessária para manter a razão dívida/PIB inalterada (Kotlikoff, 2018). Esse cálculo demanda informações sobre as taxas de juros, o PIB e os superávits futuros (Auerbach; Gale; Krunpkin, 2019AUERBACH, A. J.; GALE, W.; KRUPKIN, A. Revisiting the Federal Budget Outlook. Tax Notes Federal, p. 813-29, 5 Aug. 2019.).

Contudo, essa medida traz outros problemas a serem considerados. Em primeiro lugar, ela não permite uma comparação objetiva entre países ou mesmo ao longo do tempo, pois depende de estimativas que estão sujeitas, invariavelmente, a um elevado nível de incerteza (Furman; Summers, 2020FURMAN, J.; SUMMERS, L. A Reconsideration of Fiscal Policy in the Era of Low Interest Rates. Mimeo, 30 nov. 2020. Disponível em: <https://www.piie.com/system/files/documents/furman-summers2020-12-01paper.pdf>. Acesso em 12 ago. 2021.
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, p. 28). Em segundo lugar, as medidas de hiato fiscal apresentam, comumente, intervalos de erro muito grandes, devido às dificuldades de estimação levantadas anteriormente. Por fim, a medida de dívida/PIB corrente pode ser considerada arbitrária, podendo não informar de forma apropriada os objetivos de política fiscal que serão perseguidos.

Nesse contexto, Furman e Summers sugerem que é inevitável encarar um trade-off entre o que seria uma métrica “objetiva, mas não informativa” e uma métrica “subjetiva, mas informativa” sobre a sustentabilidade de determinada política fiscal. Pesando os prós e os contras das métricas apresentadas, os autores privilegiam a adoção do serviço da dívida como referência: “we think that debt service ratios projected out over a period of about a decade are a better way to minimize uncertainty and put context on the best fiscal targets” (Furman; Summers, 2020, p. 33).

Os policy makers, nesse caso, não precisariam se preocupar com a situação fiscal caso a expectativa sobre a razão Serviço (Real) da dívida/PIB se mantivesse dentro do padrão histórico ao longo de determinado período de tempo, e.g., na próxima década. O limite superior sugerido pelos autores, considerando a experiência americana, seria de cerca de 2% do PIB. Caso os valores pagos em juros se aproximassem desse teto, Furman e Summers consideram que seria necessário promover políticas direcionadas a reduzir a razão dívida/PIB; do contrário, haveria “espaço fiscal” para promover políticas associadas a um maior déficit ou gasto públicos.

A mudança da métrica também não muda a orientação geral da política fiscal, que deve, em última análise, buscar o equilíbrio orçamentário intertemporal como meio de sinalizar a “solvência” do governo - vide, por exemplo, os argumentos de Bacha (2020BACHA, E. The Furman-Summers Fiscal Sustainability Metric: A Note on the Case of Brazil. (Texto para discussão IEPE/CdG, n. 65, Dec. 2020).) para o caso brasileiro. Porém, ao deixar de lado a discussão sobre o nível da dívida em si, a mudança das métricas pode passar a conferir maior flexibilidade à política fiscal, especialmente, em momentos de crise.

6 O retorno à discricionariedade?

No mainstream, as regras são relevantes para manter uma política consistente intertemporalmente com a trajetória de longo prazo da economia (Kydland; Prescott, 1977KYDLAND, F. E.; PRESCOTT, E. C. Rules Rather than Discretion: The Inconsistency of Optimal Plans. Journal of Political Economy, v. 85, n. 3, p. 473-492, 1977.), para conter déficits excessivos ou “desnecessários” e para criar/preservar o “espaço fiscal” necessário aos governos para lidar com recessões (IMF, 2009). Desde a crise financeira internacional de 2008, as regras fiscais passaram a contemplar uma maior flexibilidade, por exemplo, por meio da introdução de cláusulas de escape predeterminadas ou de ajustes numéricos conforme o ciclo econômico. Seus formuladores passaram a buscar uma combinação entre simplicidade, flexibilidade e capacidade de observância de modo a sinalizar a consistência temporal das políticas fiscais (Eyraud et al., 2018EYRAUD, L.; DEBRUN, X.; HODGE, A.; LLEDÓ, V.; PATTILLO, C. Second-Generation Fiscal Rules: Balancing Simplicity, Flexibility, and Enforceability. IMF Staff Discussion Notes, n. 18/04, Apr. 2018.).

A pandemia de Covid-19, porém, foi uma experiência que exigiu uma boa dose de discricionariedade nas políticas adotadas. A inadequação de regras rígidas e cláusulas de escape que se revelaram insuficientes para lidar com o impacto macroeconômico da pandemia levaram a uma discussão sobre a flexibilização dos regimes fiscais, reacendendo o debate regras vs. discricionariedade, que permeia a macroeconomia há décadas. A diferença aqui é que não se trata de adaptar às regras fiscais, mas sim pensar em arcabouços alternativos pautados na discricionariedade ou em regimes intermediários com definição das variáveis ex-post - portanto, abrindo espaço para “inconsistências” temporais no sentido convencional.

Duas contribuições destacam-se nessa área: Orszag, Rubin e Stiglitz (2022ORSZAG, P. R.; RUBIN, R. E.; STIGLITZ, J. E. Fiscal Resiliency in a Deeply Uncertain World: The Role of Semiautonomous Discretion. Industrial and Corporate Change, v. 31, n. 2, p. 281-300, 2022.) e Blanchard, Leandro e Zettelmeyer (2021BLANCHARD, O; FELMAN, J.; SUBRAMARIAN, A (2021). Does the New Fiscal Consensus in Advanced Economies Travel to Emerging Markets? PIIE - Peterson Institute for International Economics, Mar. 2021. Disponível em: <https://www.piie.com/publications/policy-briefs/does-new-fiscal-consensus-advanced-economies-travel-emerging-markets>. Acesso em: 13 ago. 2021.
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). O primeiro grupo de autores critica abertamente a ideia de âncoras fiscais que conformam a política fiscal a partir de uma regra imposta de cima para baixo (top-down anchor), como o limite de 3% do PIB para os déficits previstos no Tratado de Maastricht na Zona do Euro ou os limites de dívida/PIB a que se sujeitam algumas jurisdições, como o Reino Unido e a Suécia. Para eles, os valores numéricos adotados são, em geral, arbitrários e podem variar significativamente de país para país ou ao longo do tempo.

A tecnologia de comprometimento oferecida pelas regras, porém, só traz benefícios na ausência de incerteza forte, pois somente nesses casos os compromissos assumidos são passíveis de serem observados. Um arcabouço de política fiscal apropriado deve, então, ser capaz de refletir a incerteza inerente ao processo econômico e fornecer ferramentas adequadas para os gestores de política administrarem as questões fiscais. A rejeição de um extremo - as regras - não implica a aceitação cega do outro - a discrição -, até porque num mundo em que a incerteza prevalece isso equivaleria a sobrecarregar os formuladores da política fiscal. Com isso, Orszag, Rubin e Stiglitz (2022ORSZAG, P. R.; RUBIN, R. E.; STIGLITZ, J. E. Fiscal Resiliency in a Deeply Uncertain World: The Role of Semiautonomous Discretion. Industrial and Corporate Change, v. 31, n. 2, p. 281-300, 2022.) propõem uma abordagem em que a discrição na política fiscal é uma opção, mas só há espaço para exercê-la após o ajuste automático do orçamento em áreas onde há amplo consenso em relação aos resultados para a sociedade.

Essa “arquitetura fiscal de discricionariedade semiautônoma”7 7 Tradução livre do inglês: semiautonomous discretionary fiscal architecture. seria composta por cinco elementos fundamentais: estabilizadores automáticos reforçados; um novo programa de infraestrutura; a extensão da maturidade da dívida pública; a indexação de programas fiscais de longo prazo às variáveis que os determinam; e uma maior ênfase na discricionariedade residual (Orszag; Rubin; Stiglitz, 2022ORSZAG, P. R.; RUBIN, R. E.; STIGLITZ, J. E. Fiscal Resiliency in a Deeply Uncertain World: The Role of Semiautonomous Discretion. Industrial and Corporate Change, v. 31, n. 2, p. 281-300, 2022., p. 282).

O primeiro elemento consiste na expansão e no fortalecimento de estabilizadores automáticos anticíclicos, que levem a uma suavização ao longo do ciclo, especialmente durante as recessões, incluindo mecanismos de transferências entre o governo federal e os estados e municípios, o seguro-desemprego, isenções fiscais vinculadas à folha de pagamento, transferências monetárias diretas e mesmo transferências em espécie.

O segundo elemento diz respeito à criação de um novo estabilizador automático relativo a investimentos em infraestrutura. Os autores reconhecem a relevância desses investimentos na atual conjuntura, especialmente quando se consideram os riscos climáticos e a necessidade para transição a uma economia de baixo carbono. Tipicamente as despesas em infraestrutura são procíclicas, aspecto que o novo arcabouço fiscal busca enfrentar, propondo um programa de financiamento a investimentos em infraestrutura que funcione de forma anticíclica. As fontes de financiamento, a médio-longo prazo, viriam de aumentos de impostos ou tarifas.

O terceiro elemento dessa nova arquitetura tem como objetivo isolar, na medida do possível, o orçamento de movimentos nas taxas de juros. O endividamento e as despesas com juros podem aumentar bastante nos próximos anos, pois as taxas de juros próximas a zero acabam trazendo riscos assimétricos, tornando mais provável a elevação das taxas no futuro. Notadamente: “If sufficiently large, spikes in federal debt yields can engender abrupt and costly adjustments to fiscal policy (whether in the form of tax increases or spending cuts)” (Orszag; Rubin; Stiglitz, 2022ORSZAG, P. R.; RUBIN, R. E.; STIGLITZ, J. E. Fiscal Resiliency in a Deeply Uncertain World: The Role of Semiautonomous Discretion. Industrial and Corporate Change, v. 31, n. 2, p. 281-300, 2022., p. 296). Os autores, então, propõem um alongamento dos vencimentos da dívida pública americana a taxas prefixadas, com a emissão de títulos de cinquenta e cem anos de maturidade, aproveitando o momento histórico de baixas taxas de juros.

O quarto elemento consiste em indexar os programas fiscais às variáveis que os condicionam. Os gastos com previdência, saúde e as receitas, respectivamente, dependem essencialmente da evolução da produtividade, da demografia e da desigualdade. A proposta dos autores é que o ajuste nessas variáveis seja automatizado.

Por fim, o quinto elemento diz respeito à discricionariedade residual da política fiscal. Os elementos anteriores contribuem para ajustes automáticos no orçamento, mas podem ser insuficientes para lidar com recessões como a vivenciada na pandemia de Covid-19. Os autores sugerem que as decisões de política adicionais devem ser deixadas nas mãos dos gestores em vez de seguirem metas e regras predefinidas. Em outras palavras:

Policymakers should be able to focus more on the core decisions they face, with a streamlined dashboard because the budget responds in a timely and facile way to economic distress (through stronger automatic stabilizers) and also to long-term fiscal pressures […] Policymakers can then gradually take any necessary additional actions on a discretionary basis (Orszag; Rubin; Stiglitz, 2022ORSZAG, P. R.; RUBIN, R. E.; STIGLITZ, J. E. Fiscal Resiliency in a Deeply Uncertain World: The Role of Semiautonomous Discretion. Industrial and Corporate Change, v. 31, n. 2, p. 281-300, 2022., p. 298).

Essa arquitetura, portanto, fornece um arcabouço significativamente distinto das regras predefinidas privilegiadas pela visão convencional, conferindo grande flexibilidade à política fiscal e estabelecendo um amplo espaço para discricionariedade dos formuladores e gestores de política.

Outra abordagem que também questiona o status quo das regras fiscais é a apresentada por Blanchard, Leandro e Zettelmeyer (2021BLANCHARD, O; FELMAN, J.; SUBRAMARIAN, A (2021). Does the New Fiscal Consensus in Advanced Economies Travel to Emerging Markets? PIIE - Peterson Institute for International Economics, Mar. 2021. Disponível em: <https://www.piie.com/publications/policy-briefs/does-new-fiscal-consensus-advanced-economies-travel-emerging-markets>. Acesso em: 13 ago. 2021.
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). Os autores focam no caso europeu e argumentam que os esforços para desenhar regras que englobem todo tipo de contingência adicionarão complexidade à política fiscal, sem, contudo, impedir que recessões como a vivenciada durante a pandemia levem a violações ou à necessidade de suspensão das regras. Em última análise, este segundo grupo de autores também considera a incerteza subjacente às decisões de política fiscal, mas, diferentemente do primeiro grupo, sua crítica deriva diretamente da situação conjuntural das baixas taxas de juros e da dinâmica do endividamento público.

Ao analisar o caso europeu e as diferentes teorias macroeconômicas que orientam a discussão - inclusive a tese de finanças funcionais de Lerner (1943) -, eles chegam a cinco conclusões: (i) não há um número mágico, único, invariável no tempo e conforme a jurisdição, para o déficit ou para a dívida públicos; (ii) a sustentabilidade da dívida é uma questão probabilística, isto é, há trajetórias mais prováveis e menos prováveis, mas não uma única direção; (iii) é preciso pensar não só na dívida/PIB, mas também no resultado orçamentário, em particular, o resultado primário; (iv) para um mesmo nível de dívida, o resultado primário necessário é altamente sensível à diferença entre taxa de crescimento e taxa de juros; e (v) o resultado primário que um país pode alcançar depende de um conjunto grande de fatores.

A alternativa proposta pelos autores seria a estruturação de um arcabouço que substitua as regras com metas quantitativas e numéricas por “padrões”, “normas” ou princípios8 8 Os autores utilizam o termo fiscal standards, cuja tradução literal seria padrões ou normas fiscais; como normas e regras têm significado similar em português, optou-se pelo uso do termo “princípios”, em linha com a nomenclatura neozelandesa. fiscais que sejam simples e capazes de serem cumpridas. Por princípios entende-se uma declaração de objetivos gerais, em conjunto com um processo de avaliação acerca do desempenho dos países em termos de sua observância.

A diferença entre regras e princípios é o grau em que o conteúdo legal é definido ex-post, na interpretação da observância à norma. Hoje, a maior parte das regras fiscais define ex-ante, numericamente, os objetivos ou os limites a serem observados, não deixando margem para interpretações. Entretanto, todos os arcabouços jurídicos contemplam tanto regras como princípios em seus dispositivos - mesmo no caso europeu, foco da análise. Os autores advogam que a abordagem pautada em princípios é preferível quando as autoridades não forem capazes de conceber regras gerais por causa da falta de informações ou da própria “incerteza”.

A experiência utilizada como referência é a da Nova Zelândia, cujo arcabouço criado pela Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece “princípios para uma gestão fiscal responsável”. A generalidade desses princípios fica clara ao analisarmos como a lei é construída. São objetivos do arcabouço: “alcançar e manter níveis prudentes de endividamento público”, “assegurar que, na média, as despesas operacionais não excedam as receitas operacionais”, “considerar o impacto provável da estratégia fiscal nas gerações presente e futuras”, entre outros. Blanchard, Leandro e Zettelmeyer (2021BLANCHARD, O; FELMAN, J.; SUBRAMARIAN, A (2021). Does the New Fiscal Consensus in Advanced Economies Travel to Emerging Markets? PIIE - Peterson Institute for International Economics, Mar. 2021. Disponível em: <https://www.piie.com/publications/policy-briefs/does-new-fiscal-consensus-advanced-economies-travel-emerging-markets>. Acesso em: 13 ago. 2021.
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, p. 20) associam esses objetivos à doutrina lerneriana das finanças funcionais.

Quanto à implementação de princípios no arcabouço europeu:

The crux of implementing a fiscal standard is of course how to recognize ‘excessive’ (or conversely, ‘prudent’) debt and deficit levels. In the absence of a long body of case law (or universally accepted definitions of these terms), these terms would need to be defined and the definitions elaborated in EU law. […] we argue for fiscal standards accompanied by criteria, procedures, and methods that describe how to apply them. (Blanchard; Leandro; Zettelmeyer, 2021BLANCHARD, O; FELMAN, J.; SUBRAMARIAN, A (2021). Does the New Fiscal Consensus in Advanced Economies Travel to Emerging Markets? PIIE - Peterson Institute for International Economics, Mar. 2021. Disponível em: <https://www.piie.com/publications/policy-briefs/does-new-fiscal-consensus-advanced-economies-travel-emerging-markets>. Acesso em: 13 ago. 2021.
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, p. 21).

O arcabouço se baseia na aplicação das leis e numa governança diferenciada que atribui papéis importantes às várias instituições envolvidas na formulação e implementação da política fiscal. Com isso, confere grande flexibilidade às regras, mas sem excluí-las como forma de assegurar uma política compatível com a visão convencional acerca da necessidade de pautar a política fiscal pela sustentabilidade dos déficits e da dívida públicos.

As duas alternativas às regras apresentadas nessa seção têm em comum o fato de fornecerem maior flexibilidade ou discricionariedade aos gestores da política fiscal. Porém, diferem bastante na concepção dos arcabouços fiscais: Orszag, Rubin e Stiglitz preconizam o estabelecimento de estabilizadores automáticos e a criação de espaço para a discricionariedade dos policy makers em tempos de crise, porém limitando-a em tempos normais; já Blanchard, Leandro e Zettelmeyer buscam criar um espaço para a ação discricionária dentro de um conjunto de princípios, que permite contemplar contingências e tratar da incerteza, mas sem abrir mão de um norte acerca da sustentabilidade do resultado fiscal.

É difícil hoje afirmar qual dessas visões poderá prevalecer no futuro - se é que alguma delas terá um futuro -, mas elas sinalizam que a pandemia reabriu o debate sobre os arcabouços fiscais. A cristalização dessas alternativas, porém, depende de uma economia política própria, ligada à adoção e disseminação desses arrazoados teórico-institucionais pelos países. Nessa esfera, instituições supranacionais, como o FMI, cumprem um papel central. A próxima seção se dedica a analisar esse ponto.

7 Um novo Consenso de Washington? Um novo FMI?

Teria o “novo consenso fiscal” apresentado nas seções anteriores influenciado diretamente a visão de organismos internacionais como o FMI? A mudança na apreciação de alguns elementos teóricos seria capaz de modificar a prescrição dessas entidades quanto à institucionalidade da política fiscal? O FMI foi central na difusão de regras fiscais e no monitoramento das políticas fiscais, em linha com um receituário mais geral de políticas e reformas institucionais associadas à alcunha “Consenso de Washington”. Com as mudanças pós-pandemia seria o caso de questionar se há um Novo novo Consenso de Washington alinhado ao “novo consenso fiscal”.

Sandbu (2021SANDBU, M. Há um novo Consenso de Washington, e ele é bem menos fiscalista. Mundo, Valor Econômico, 12 abr. 2021.) sugere que sim: há um novo consenso e ele é menos fiscalista do que no passado. Na visão desse autor, houve uma reorientação do discurso de organismos como o FMI e o Banco Mundial em prol da expansão dos gastos públicos, embora esses devam ser focados em áreas que deem maio retorno:

Eis o novo Consenso de Washington: Gaste muito com saúde pública. O equilíbrio fiscal por muito tempo muito foi o centro da receita do FMI [...] Agora não se trata mais de conter o gasto público e sim de empregar bem o dinheiro - e gastar mais onde se extrai mais valor (Sandbu, 2021SANDBU, M. Há um novo Consenso de Washington, e ele é bem menos fiscalista. Mundo, Valor Econômico, 12 abr. 2021.).

O receituário abarca despesas não só com saúde ou com vacinas, mas com outros gastos em áreas relevantes como educação - uma forma não só de obter retornos elevados, mas também de compensar as perdas trazidas pela pandemia em termos de aprendizagem e da necessidade de reestruturação do mercado de trabalho. Nesses casos, Sandbu advoga que os economistas dos organismos multilaterais “parecem estar muito tranquilos” com os elevados montantes de gastos nos países mais ricos, ainda que preguem prudência. Além disso, medidas antes fora do cardápio, como a taxação da riqueza para reduzir desigualdades, passaram a estar sobre a mesa.

Com efeito, numa entrevista ao Financial Times em janeiro de 2021, Vitor Gaspar, Diretor do Departamento de Finanças Públicas do FMI, sugeriu que o principal papel da política fiscal no futuro imediato seria estimular a economia e ajudar a restaurar o crescimento econômico, reduzir o desemprego e vencer a Covid-19 (Giles, 2021GILES, C. Rethink Public Finance Rules and Live with Much Higher Debt, IMF Says. Financial Times, 28 Jan. 2021.). Maiores níveis de endividamento seriam inevitáveis, mas seriam menos problemáticos em função da redução nas taxas de juros. Seria desejável pensar em algum tipo de âncora para o endividamento, mas somente no longo prazo: o pior cenário econômico é justamente não ter a pandemia superada.

Uma análise pormenorizada das publicações relacionadas à política fiscal do FMI e do Banco Mundial - como a realizada por Fiebiger e Lavoie (2017FIEBIGER, B.; LAVOIE, M. The IMF and the New Fiscalism: Was There a U-turn? European Journal of Economics and Economic Policies: Intervention, v. 14, n. 3, p. 314-32, 2017. DOI: https://doi.org/10.4337/ejeep.2017.03.04.
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) - certamente transcende o escopo deste texto, mas é possível sublinhar alguns elementos. No Monitor Fiscal de abril de 2021, o FMI chamava atenção para os objetivos imediatos da política fiscal durante a pandemia: até que a pandemia seja controlada, a política fiscal deve se manter flexível e dar suporte aos sistemas de saúde e à recuperação econômica (IMF, 2021, p. 103). Isso sintetiza a visão presente em uma série de textos de autores ligados ao Fundo, que defendiam - e defendem - a proteção dos meios de subsistência de famílias e empresas (Dell’Ariccia et al., 2020; Gaspar; Lam; Raissi, 2020aGASPAR, V.; MAURO, P. Fiscal Policies to Protect People During the Coronavirus Outbreak. IMF Blog, 5 Mar. 2020.), o reforço dos gastos com saúde (Gaspar; Mauro, 2020) e a realização de investimentos públicos para assegurar a retomada econômica (Gaspar; Lam; Raissi, 2020b).

A questão da desigualdade também foi alvo de consideração, uma vez que a recuperação em relação à fase mais grave da crise econômica associada à pandemia foi bastante desbalanceada em favor das classes mais ricas. Ao estudar episódios de epidemia anteriores, Furceri et al. (2021FURCERI, D.; LOUNGANI, P.; OSTRY, J. D.; PIZZUTO, P. The Rise in Inequality After Pandemics: Can Fiscal Support Play a Mitigating Role? Industrial and Corporate Change, v. 30, n. 2, p. 445-457, 2021.) mostram que os eventos seguidos por consolidações fiscais tiveram como resultado maior desigualdade. Nesse sentido, surgem como políticas alternativas para atenuar as desigualdades a promoção de mudanças na estrutura tributária que adicionem maior progressividade e ampliem a capacidade arrecadatória por meio de impostos sobre a riqueza ou da taxação de carbono (IMF, 2021, p. 15-8).

Se, de um lado, a abordagem dos organismos internacionais em relação aos gastos parece ser mais leniente, por outro lado, não abandona a retórica fiscalista convencional, especialmente para o caso de países considerados pobres ou em desenvolvimento. A necessidade de criar, a todo momento, “espaço fiscal” e de aderir a regras fiscais para sinalizar o comprometimento com o objetivo de manter as finanças “sadias” se mantém como peças centrais do arcabouço, colocando em xeque a aplicabilidade das mudanças institucionais apontadas na última seção:

Securing resources for human capital priorities can involve finding space within budgets, pursuing cost-effective reforms, and reprogramming budgets toward priorities while shielding critical spending lines from fiscal adjustment (World Bank, 2021, p. 9).

To avoid undermining the credibility of rules-based fiscal frameworks, countries should clearly communicate pathways for reinstating the rules […] and reducing deficits and debt below the required limits (IMF, 2021, p. 15).

É difícil, portanto, sustentar a tese de que há um Consenso de Washington efetivamente “novo”: as condições conjunturais - baixas taxas de juros - parecem prevalecer na definição das prioridades de política, imperando certo pragmatismo na visão de organismos internacionais face à gravidade da crise de Covid-19. Contudo, a médio-longo prazo, quando tratamos de aspectos mais estruturais da política fiscal, não parece haver mudanças substanciais na visão desses organismos.

Nas economias em desenvolvimento, mesmo que as taxas de juros se encontrem baixas e os diferenciais juros-crescimento estejam favoráveis à luz dos padrões históricos, a concepção desses organismos não é “bem menos” fiscalista; na realidade, pouco se altera:

There is no question that favorable interest-growth differentials make any public debt situation less worrisome, for both advanced economies and emerging markets. But there are still limits to how high debt can go, and these limits are tighter in EMs [Emerging Markets]. Prospects for growth and interest rates are more uncertain. The scope for fiscal adjustment in the face of higher rates or lower growth is more limited. Consequently, one should be careful in importing wholesale the new fiscal consensus from advanced economies to emerging-market economies (Blanchard; Felman; Subramanian, 2021BLANCHARD, O; FELMAN, J.; SUBRAMARIAN, A (2021). Does the New Fiscal Consensus in Advanced Economies Travel to Emerging Markets? PIIE - Peterson Institute for International Economics, Mar. 2021. Disponível em: <https://www.piie.com/publications/policy-briefs/does-new-fiscal-consensus-advanced-economies-travel-emerging-markets>. Acesso em: 13 ago. 2021.
https://www.piie.com/publications/policy...
, p. 13).

Segundo esse trio de autores, o “novo consenso” confere à política fiscal o papel de estabilizar a demanda em um contexto de juros baixos. Nesse caso, mesmo com dívidas elevadas, uma relação r < g confere maior sustentabilidade para a evolução do endividamento. No entanto, ao analisarem a possibilidade de esse consenso ser aplicável para economias em desenvolvimento, os autores fazem três perguntas: (i) se as condições macro são as mesmas; (ii) se há mais “incerteza” sobre os saldos primários; (iii) e se há mais “incerteza” sobre o diferencial entre crescimento e juros nas economias subdesenvolvidas. Os autores respondem “não” para a primeira questão e “sim” para as outras duas, defendendo que o novo consenso não teria a mesma aplicabilidade para países em desenvolvimento. Dessa forma, a aplicabilidade do “novo consenso fiscal”, quando sustentada, mantém-se restrita aos países ricos, sem que haja maiores desdobramentos para uma agenda em prol da retomada do desenvolvimento econômico sustentável em nível global.

8. Considerações finais

Que a pandemia de Covid-19 trouxe mudanças e algo novo à discussão de política fiscal convencional é inegável. O mesmo ocorreu com a crise financeira internacional de 2008-2009. Porém, numa avaliação preliminar, é difícil imaginar que essas mudanças serão radicais a ponto de a política fiscal tornar-se alinhada a uma abordagem compatível com o princípio da demanda efetiva ou com as finanças funcionais, especialmente no longo prazo, mesmo que autores como Furman e Summers (2020FURMAN, J.; SUMMERS, L. A Reconsideration of Fiscal Policy in the Era of Low Interest Rates. Mimeo, 30 nov. 2020. Disponível em: <https://www.piie.com/system/files/documents/furman-summers2020-12-01paper.pdf>. Acesso em 12 ago. 2021.
https://www.piie.com/system/files/docume...
) ou Blanchard, Leandro e Zettelmeyer (2021BLANCHARD, O; FELMAN, J.; SUBRAMARIAN, A (2021). Does the New Fiscal Consensus in Advanced Economies Travel to Emerging Markets? PIIE - Peterson Institute for International Economics, Mar. 2021. Disponível em: <https://www.piie.com/publications/policy-briefs/does-new-fiscal-consensus-advanced-economies-travel-emerging-markets>. Acesso em: 13 ago. 2021.
https://www.piie.com/publications/policy...
) remetam a trabalhos dessa tradição.

Os avanços teóricos do mainstream se limitam à aceitação de expansões fiscais em contextos de taxas de juros baixas e recessões severas - especialmente quando causadas por fatores “exógenos”, como foi o caso da pandemia. A expansão fiscal privilegiaria despesas em investimentos públicos não geradores de despesas de custeio e em áreas cuja “taxa de retorno” dos gastos superasse seus custos. Aceita-se que, nos países centrais, há espaço para adoção de maior flexibilidade no arcabouço de regras fiscais ou nas próprias regras.

Entretanto, ainda está em aberto a discussão se há um “novo consenso fiscal” e se ele seria aplicável a países não ricos, a despeito de condições favoráveis para a dinâmica da dívida pública também nessas jurisdições. No mundo das prescrições de política, o fiscalismo característico da abordagem do mainstream prevalece: economias emergentes se mantêm entre a cruz a espada, ou melhor, entre a crise e a austeridade. Nesse sentido, “continuam arraigadas as velhas convicções” da política fiscal convencional.

Com a retomada de políticas monetárias mais restritivas para fazer face à escalada inflacionária global, resultante dos desequilíbrios oriundos da pandemia e, mais recentemente, do conflito entre Rússia e Ucrânia, abre-se espaço, inclusive, para o questionamento da manutenção de uma relação favorável entre taxa de juros e crescimento. Na prática, nos países centrais, ainda que as taxas de juros subam um pouco, elas se manterão em patamares baixos para os padrões históricos, deixando espaço para o debate. Em países emergentes como o Brasil, porém, taxas de juros baixas já parecem fazer parte do passado, colocando em xeque as novas propostas do mainstream.

Agradecimentos

Os autores agradecem os comentários e sugestões dos colegas do Grupo de Economia do Setor Público do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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  • Códigos JEL:

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  • 1
    Dominância fiscal consiste numa situação em que, em face de uma inflação crescente, o Banco Central não é capaz de elevar a taxa de juros, sob pena de amplificar o desequilíbrio fiscal e afetar a inflação no sentido contrário ao pretendido (Lopreato, 2006LOPREATO, F. L. C. O papel da política fiscal: um exame da visão convencional. (Texto para discussão, Instituto de Economia, Unicamp, n. 119, fev. 2006)., p. 11).
  • 2
    A crítica de Lucas afirma que os agentes reagem tanto ao anúncio de política quanto às tentativas sistemáticas de adoção de políticas inconsistentes intertemporalmente.
  • 3
    O termo “vigilantes de títulos” foi cunhado por Ed Yardeni na década de 1980 para descrever investidores em títulos públicos que reagem diante de elevação da dívida pública, exigindo maiores prêmios de risco.
  • 4
    Ver Herndon, Ash e Pollin (2014HERNDON, T.; ASH, M.; POLLIN, R. Does High Public Debt Consistently Stifle Economic Growth? A Critique of Reinhart and Rogoff. Cambridge Journal of Economics, v. 38, n. 2, p. 257-279, 2014.) para uma análise crítica.
  • 5
    Nesse caso também sabemos que os próprios autores reconheceram posteriormente que os ajustes fiscais são contracionistas (Alesina; Favero; Giavazzi, 2019ALESINA, A.; FAVERO, C.; GIAVAZZI, F. Austerity: When It Works and When It Doesn’t. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 2019.). Na prática, a tese da contração fiscal expansionista foi revista, passando a incorporar análises das narrativas históricas de programas plurianuais de austeridade e abarcando outros elementos e políticas para sustentar de forma ad hoc sua validade.
  • 6
    Romer (2018ROMER, D. Advanced Macroeconomics. 5. ed. New York: Mc-Graw Hill Education, 2018., p. 666) propõe também que é impossível a manutenção da condição r<g no longo prazo. Dentro dos modelos de equilíbrio geral dinâmico estocástico, essa condição estaria associada a uma situação “dinamicamente ineficiente”, que, para o autor, deveria ser tratada apenas como uma “curiosidade teórica”.
  • 7
    Tradução livre do inglês: semiautonomous discretionary fiscal architecture.
  • 8
    Os autores utilizam o termo fiscal standards, cuja tradução literal seria padrões ou normas fiscais; como normas e regras têm significado similar em português, optou-se pelo uso do termo “princípios”, em linha com a nomenclatura neozelandesa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2021
  • Aceito
    29 Abr 2022
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