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Dominância fiscal e dominância monetária para o Brasil: uma análise empírica a partir de projeções locais no período de 1999 a 2022

Fiscal dominance and monetary dominance in Brazil: An empirical analysis using Local Projections from 1999 to 2022

Resumo

Este artigo avalia sob quais condições a economia brasileira esteve sob dominância fiscal ou monetária no período de janeiro de 1999, início do Regime de Metas de Inflação, até novembro de 2022. A definição de dominância fiscal utilizada foi a de Blanchard (2004), pela qual o Brasil está sob dominância fiscal quando a política monetária não é capaz de controlar a taxa de câmbio. Os resultados alcançados neste artigo, por meio de análises impulso resposta baseado em Projeções Locais, permitem concluir que no período de alto endividamento houve dominância monetária. Tal resultado é condizente com ampliação do superávit fiscal associado à elevação dos juros e à valorização do câmbio real. Porém quando a dívida líquida interna esteve relativamente baixa observou-se dominância fiscal e a ausência de resposta do superávit fiscal ao crescimento dos juros não permitiu que a política monetária afetasse a trajetória do câmbio.

Palavras-chaves:
dominância fiscal; dívida pública; taxa de câmbio; projeções locais

Abstract

This article addresses the conditions under which the Brazilian economy was under fiscal or monetary dominance from January 1999, the beginning of the Inflation Targeting Regime, to November 2022. The definition of fiscal dominance used was that of Blanchard (2004), by which Brazil is in fiscal dominance when monetary policy is not able to move the exchange rate. Estimating impulse response functions using Local Projections, allow us to conclude that in the period of high indebtedness there was monetary dominance. This result is consistent with the growth of the fiscal surplus linked to the evolution of interest and appreciation of the real exchange rate. However, when the net domestic debt was relatively low, fiscal dominance was observed, the absence of a fiscal surplus response to interest growth did not allow monetary policy to affect the exchange rate trajectory.

Keywords:
fiscal dominance; public debt; exchange rate; local projections

1 Introdução

A partir de 1999, a economia brasileira adotou o Regime de Metas de Inflação (RMI) com o intuito de manter a estabilidade do nível de preços, sendo o RMI parte do tripé macroeconômico, composto pelo regime de câmbio flutuante e metas para superávit primário e inflação. O Banco Central do Brasil (BACEN) busca controlar a inflação por meio da taxa de juros, um dos instrumentos de política monetária, com objetivo de cumprir a meta de inflação estabelecida.

Após o ano de 2002, o novo governo eleito, liderado pelo presidente Lula, manteve o tripé macroeconômico em relação à condução das políticas macroeconômicas. Em geral, a inflação se manteve sob controle; em 2006 atingiu sua menor taxa de 3,14% a.a.; e em 2013 e 2014, foi de 5,91% a.a. e 6,41% a.a., respetivamente. Posteriormente, o cenário econômico brasileiro apresentou acréscimos da taxa de inflação, em 2015, foi de 10,67% a.a. Para estabilizar o nível dos preços houve aumento da taxa de juros, que no mesmo ano incorreu numa taxa SELIC de 14,15% a.a.

No lado fiscal, entre 2002 a 2015, o governo adotou medidas de austeridade e reduziu a dívida líquida do setor público (DLSP) de 40,9% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2002, para níveis inferiores a 20% entre 2014 a 2015.1 1 BACEN. Dívida Líquida do Setor Público (% PIB) - Total - Governo Federal e Banco Central - %. Série 4.503. Disponível em: <https://www4.bcb.gov.br/pec/series/port/aviso.asp?frame=1>. Acesso em: 19 jan. 2023. Porém, a partir de 2016, houve forte aumento da DLSP, que passou para 42,4% do PIB em dezembro de 2019. Também ocorreu depreciação cambial, a taxa efetiva real de câmbio ponderada pelas exportações desvalorizou-se, em termos acumulados, 24% entre janeiro de 2017 a dezembro de 2019.

Em 2020, houve manutenção do aumento dos gastos públicos em razão do enfretamento da pandemia de Covid-19, a DSLP cresceu sistematicamente e atingiu o valor de 47,8% do PIB em novembro de 2022. Entre janeiro de 2020 e novembro de 2022 houve desvalorização real do câmbio em 6,76%; em 2020, período auge da pandemia, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado foi 4,52%; e em 2021 10,06%. Em 2022, mesmo com a taxa Selic em 13,75%, o IPCA foi 5,79%, o que manteve a inflação fora do centro da meta, entre 2% a 5%.

A partir dos dados apresentados, depreende-se que a economia brasileira tem apresentado, desde 2016, o crescimento contínuo do endividamento público, da desvalorização real do câmbio e dificuldades para o BACEN manter a taxa de inflação no centro da meta, mesmo com a elevação dos juros.

Nesse cenário, Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) sugere que a coexistência do descontrole fiscal e a elevação dos juros podem conduzir a uma relação endógena em que o aumento do risco de default, representado pela variável Emerging Market Bond Index (EMBI), e da desvalorização cambial acarretam o descontrole do crescimento da dívida pública e da inflação. No extremo, a política monetária passa a ser subordinada à política fiscal e o descontrole da dívida pública faz com que a autoridade imprima papel moeda para pagamento da dívida, prática esta denominada senhoriagem. Esse desequilíbrio macroeconômico, em que a autoridade monetária perde o controle da inflação devido aos efeitos da política fiscal, é denominado dominância fiscal (DF). Para Blanchard (2004) o Brasil esteve sob DF entre o processo de implementação da RMI, em 1999, até 2003.

Ainda não há um consenso no debate acadêmico sobre o predomínio entre dominância fiscal ou monetária no Brasil. Para o período recente, entre 2000 a 2017, é possível observar diferentes conclusões sobre o tema. Durante o período de 2000 a 2015, Palma e Althaus (2015PALMA, A.; ALTHAUS, F. Choques estruturais e teoria fiscal do nível de preços no Brasil: uma análise empírica para o período pós-metas de inflação. Ensaios FEE, v. 36, n. 1, p. 33-58, 2015.) concluíram que não houve evidências de DF no Brasil; já Mendonça et al. (2017MENDONÇA, M.; MOREIRA, T.; SACHSIDA, A. Regras de políticas monetária e fiscal no Brasil: Evidências empíricas de dominância monetária e dominância fiscal. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).(Texto para discussão, n. 2.310, 2017).) e Souza e Dias (2016SOUZA, J.; DIAS, M. H. Dominância fiscal e os seus impactos na política monetária: uma avaliação para a economia brasileira. In: ENCONTRO DE ECONOMIA DA REGIÃO SUL, XIX., Florianópolis, SC, 2016.) concordam que houve dominância fiscal no mesmo período de análise. Tais discrepâncias de resultados dependem dos diferentes períodos utilizados pelos autores. Observa-se, ainda, que os modelos econométricos mais comuns nessa literatura são os de Vetores Autorregressivos (VAR) e de Vetores de Correção de Erros (VEC).

Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) e Favero e Giavazzi (2004FAVERO, C. A.; GIAVAZZI, F. Inflation targeting and debt: Lessons from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.390, 2004.) sugerem que análise empírica para a presença da DF ou Dominância Monetária (DM) seja realizada a partir de modelos não lineares no que diz respeito ao tamanho da DSLP/PIB. Segundo os autores, quando a DLPS/PIB é considerada alta tende-se a se observar a presença de DF, para o caso que a DLSP/PIB é relativamente baixa, tende-se a se observar a DM. Assim, inicialmente, a hipótese do presente trabalho é de que as divergências observadas na literatura de DF para o Brasil decorram de dois motivos: (i) o uso de modelos lineares; e (ii) o período de análise escolhido para a modelagem econométrica.

Por fim, este trabalho contribui com a literatura ao avaliar a possibilidade de DF ou DM em diferentes regimes relativos ao tamanho da DLSP/PIB. Para tanto, propõe-se o uso de um modelo de Projeções Locais (PL), desenvolvido por Jordà (2005JORDÀ, Ò. Estimation and inference of impulse responses by local projections. American Economic Review, v. 95, n. 1, p. 161-182, 2005.), no período de janeiro de 1999 a novembro de 2022. As variáveis utilizadas foram: EMBI, o diferencial do juro real entre Brasil e EUA, o câmbio real, o Superávit Primário/PIB e a DLSP/PIB. A principal vantagem das PL é a possibilidade de se diferenciar as análises impulso resposta entre diferentes regimes da dívida interna pública.

Este trabalho está estruturado em outros três tópicos, além desta Introdução. O segundo item apresenta a revisão de literatura, com autores que apresentam diferentes definições de dominância fiscal, além de evidências empíricas de DF para o caso da economia brasileira. O terceiro tópico apresenta a metodologia proposta, com a discussão da estimativa de PL; as variáveis que serão utilizadas e a fonte de dados. No quarto item estão as análises impulso resposta e a discussão dos resultados; por fim, são apresentadas as conclusões do trabalho.

2 Referencial teórico

Para os teóricos monetaristas, sob a hipótese da neutralidade da moeda, a política monetária possui papel relevante no controle da inflação, tendo a política fiscal função menos importante, de modo a manter o equilíbrio orçamentário no longo prazo. Assim, qualquer desajuste fiscal é compensado por impostos e tributos, não tendo impacto sobre a inflação (Nunes; Portugal, 2009NUNES, A. F. N.; PORTUGAL, Marcelo S. Active and passive fiscal and monetary policies: An analysis for Brazil after the inflation targeting regime. In: BRAZILIAN ECONOMICS MEETING, 37th .,.,, 2009. Proceedings...).

Nesse sentido, diferentes autores passaram a questionar se apenas a política monetária é capaz de garantir a estabilidade do nível de preços e a estudar a interação entre as políticas fiscal e monetária. Sargent e Wallace (1981SARGENT, T. J.; WALLACE, N. Some unpleasant monetarist arithmetic. Quarterly Review, Federal Reserve Bank of Minneapolis, v. 5, n. 3, p. 1-17, 1981.) foram pioneiros ao apontar o tema de dominância fiscal e a discordar do pensamento de Friedman (1948FRIEDMAN, M. A Monetary and fiscal framework for economic stability. American Economic Review, v. 38, n. 3, p. 245-264, 1948.), qual seja, que apenas a autoridade monetária possui influência sobre a inflação e que esta pode ser controlada permanentemente por meio do controle do volume de moeda condicionada à elevação real do produto. Tal ideia remete à clássica equação quantitativa da moeda, em que a velocidade da demanda por moeda é estável ou previsível.

Especificamente para Sargent e Wallace (1981SARGENT, T. J.; WALLACE, N. Some unpleasant monetarist arithmetic. Quarterly Review, Federal Reserve Bank of Minneapolis, v. 5, n. 3, p. 1-17, 1981.) existem dois tipos de regime de dominância: a Dominância Fiscal (DF) e a Dominância Monetária (DM). A DM ocorre quando a política monetária domina a política fiscal. A autoridade monetária define a política monetária de forma independente, fixa a taxa de crescimento monetário para o período atual e futuro, e determina a quantidade de senhoriagem que será ofertada para a autoridade fiscal. Desse modo, a autoridade fiscal enfrenta as restrições impostas pela autoridade monetária em que os déficits orçamentários devem ser financiados pela combinação de senhoriagem e venda de títulos. A autoridade monetária possui o controle permanente da inflação, e a autoridade fiscal deve manter um orçamento fiscal consistente com a política monetária anunciada.

Situação oposta ocorre quando a política fiscal domina a política monetária. Nesse caso, a autoridade fiscal anuncia seu orçamento, todos os déficits e superávits atuais e futuros, e determina a quantidade de receita que deve ser gerada pela venda de títulos e senhoriagem para manter o equilíbrio orçamentário. A autoridade monetária, que está sujeita às restrições impostas pela demanda por títulos, é forçada a financiar os déficits orçamentários por meio de senhoriagem e, consequentemente, deve aceitar o aumento da inflação. Ao contrário do primeiro regime, a autoridade monetária perde a capacidade de controlar a taxa de crescimento monetário e a inflação. Sargent e Wallace (1981SARGENT, T. J.; WALLACE, N. Some unpleasant monetarist arithmetic. Quarterly Review, Federal Reserve Bank of Minneapolis, v. 5, n. 3, p. 1-17, 1981.) nomearam esse segundo regime de “aritmética desagradável”.

Leeper (1991LEEPER, E. Equilibria under ‘active’ and ‘passive’ monetary and fiscal policies. Journal of Monetary Economics, North-Holland, v. 27, p. 129-147, 1991.) estende a proposta teórica feita por Sargent e Wallace (1981SARGENT, T. J.; WALLACE, N. Some unpleasant monetarist arithmetic. Quarterly Review, Federal Reserve Bank of Minneapolis, v. 5, n. 3, p. 1-17, 1981.) a partir da sugestão de quatro regras de políticas monetárias e fiscais, as quais o autor denominou de combinações de políticas ativas e passivas. No primeiro conjunto a política monetária é ativa e a política fiscal é passiva. Nesse caso, a política monetária é eficaz na estabilidade do nível de preços e a regra monetária de taxa de juros reage aos choques da inflação. A política fiscal obedece às restrições impostas pela política monetária, e a regra fiscal de impostos reage aos choques da dívida pública. Ou seja, a política fiscal aumenta os impostos caso ocorra um déficit orçamentário para que a dívida pública se torne sustentável, e os choques da dívida pública não possuem influência nos preços de equilíbrio, nas taxas de juros ou saldos monetários reais.

No segundo conjunto, a política fiscal é ativa e a política monetária é passiva e ocorre DF. A regra fiscal não responde fortemente aos choques da dívida pública, e não há um ajuste dos impostos diretos, o déficit orçamentário não é financiado pelos impostos futuros. A autoridade monetária não consegue estabilizar a inflação e a regra monetária reage aos choques da dívida pública e obedece às restrições impostas pela política fiscal. Desse modo, os choques da dívida pública geram um crescimento inflacionário, os preços dependem do passivo do governo e as taxas de juros nominais dependem da relação entre moeda e dívida.

No terceiro e quarto conjuntos as políticas fiscal e monetária se comportam ao mesmo tempo ora de maneira passiva, ora de maneira ativa. No terceiro conjunto, as políticas monetária e fiscal são passivas e ambas se preocupam com sustentabilidade da dívida pública. Não há uma restrição imposta pela autoridade ativa nem a preocupação com a estabilidade do nível de preços. Há crescimento da oferta monetária para que o orçamento seja equilibrado e, consequentemente, ocorre aumento da inflação. No quarto conjunto, ambas as políticas são ativas e não levam em consideração a restrição orçamentária. Ambas buscam a estabilidade do nível de preços e não há garantia da elevação da oferta monetária suficiente para financiar a dívida pública.2 2 Em resumo, no terceiro conjunto as autoridades fiscal e monetária são passivas quanto ao controle da inflação, porém ativas na estabilidade da dívida pública. No quarto conjunto, ambas as autoridades são ativas no controle da inflação, e passivas quanto à estabilidade da dívida pública.

Outra hipótese teórica para a ocorrência da DF, que se distancia das propostas de Sargent e Wallace (1981SARGENT, T. J.; WALLACE, N. Some unpleasant monetarist arithmetic. Quarterly Review, Federal Reserve Bank of Minneapolis, v. 5, n. 3, p. 1-17, 1981.) e Leeper (1991LEEPER, E. Equilibria under ‘active’ and ‘passive’ monetary and fiscal policies. Journal of Monetary Economics, North-Holland, v. 27, p. 129-147, 1991.), é a Teoria Fiscal do Nível de Preços (TFNP), desenvolvida por Woodford (1994WOODFORD, M. Monetary policy and price-level determinacy in a cash-in-advance economy. Economic Theory, v. 4, p. 345-380, 1994.; 1995). Nesse modelo a política monetária, a partir do controle da oferta monetária, não é suficiente para o controle do nível de preços. Segundo Mendonça (2003MENDONÇA, H. F. Teoria fiscal da determinação do nível de preços: uma resenha. Revista Economia Contemporânea, v. 7, n. 2, p. 307-332, 2003.), diferentemente do pensamento de Sargent e Wallace (1981), em que a inflação é um fenômeno monetário, a determinação do nível de preços para a TFNP é um fenômeno puramente fiscal, determinado pela taxa de crescimento dos títulos públicos, e não possui relação com a elevação do estoque de moeda.

Para Woodford (1995WOODFORD, M. Price level determinacy without control of a monetary aggregate. NBER WP, Massachusetts, n. 5.204, 1995.), mesmo que um banco central seja independente, não é suficiente para que a política monetária mantenha a estabilidade do nível de preços, faz-se necessária uma política fiscal apropriada capaz de evitar a inflação. Em outras palavras, se a política monetária aumentar a taxa de juros para o controle do nível de preços, o custo da dívida pública também se eleva, o que pode acelerar a inflação na ausência do crescimento de superávit fiscal.

Por sua vez, a versão sobre dominância fiscal desenvolvida por Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.), a partir da proposta de Sargent e Wallace (1981SARGENT, T. J.; WALLACE, N. Some unpleasant monetarist arithmetic. Quarterly Review, Federal Reserve Bank of Minneapolis, v. 5, n. 3, p. 1-17, 1981.), analisou a DF como resultado do efeito da probabilidade de default da dívida pública sobre a taxa de juros e o câmbio. Na teoria econômica tradicional, um aumento da taxa de juros deveria levar a uma apreciação cambial, devido ao maior fluxo de capitais no país, com consequente redução da inflação. Porém, quando se considera o risco de default e que os investidores são avessos ao risco, a elevação da taxa de juros pode implicar maior probabilidade de default e redução do fluxo de capital, incorrendo em depreciação cambial e aceleração da inflação.

Conforme Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.), o efeito da taxa de juros sobre a inflação ocorre por meio do canal da demanda agregada e da taxa de câmbio, no entanto, em seu modelo especificamente sugerido para o Brasil, o autor considera apenas o canal da taxa de câmbio. Blanchard (2004) advoga que durante o período analisado a taxa de juros real da economia brasileira era muito alta, e desse modo, a demanda das empresas e dos consumidores por empréstimos não aumentaria mediante a redução da taxa Selic pelo BACEN.

O modelo proposto por Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) tem como resultado duas equações principais que explicam esse tipo específico de DF:

C F = C ( ( 1 + r ) ϵ ϵ ( 1 + r * ) ( 1 λ ) θ * p ) + N ( ϵ ) = 0 (1)

p = ψ ( ( 1 + r 1 p + λ θ * p 1 p ) [ μ ϵ + ( 1 μ ) ] D X ) (2)

para a equação (1), tem-se que CF é o fluxo de capital; C é o capital financeiro internacional medido em dólares; r a taxa de juros real; ϵ a expectativa da taxa de câmbio para o próximo período; ϵ a taxa real de câmbio; r*a taxa de juros real dos títulos americanos; λ a relação entre a aversão ao risco dos investidores domésticos e estrangeiros; θ* a aversão ao risco dos investidores estrangeiros; p a probabilidade de default da dívida pública; N(ϵ) as exportações líquidas. A equação (2) mede a probabilidade de default, p, as variáveis adicionais são o ψ que representa uma distribuição de probabilidade acumulada, que muda conforme o valor da dívida; D a dívida pública; X o superávit primário; μ a proporção da dívida estrangeira em relação à dívida total para uma dada taxa de câmbio de equilíbrio no longo prazo.

A equação (1) quantifica o fluxo de capital, em que o aumento da probabilidade de default diminui o fluxo de capital externo. Se houver crescimento na probabilidade de default, o grau de aversão ao risco também se eleva, reduzindo o fluxo de capital externo com consequente aceleração da inflação, resultado da depreciação cambial. O aumento na taxa de juros eleva o fluxo de capital e a redução da taxa de câmbio. Mas, considerando a alta probabilidade de default, o acréscimo da taxa de juros pode não ser suficiente para valorizar o câmbio.

A equação (2) calcula o risco de default e indica que, se acaso a dívida em dólar não for nula, a taxa de câmbio terá efeito sobre o default, o que leva a uma relação positiva e não linear entre a probabilidade de default e a dívida total. Em resumo, Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) sugere que em DF um aumento na taxa de juros pode levar a uma depreciação cambial por meio: (i) de uma elevada dívida inicial, (ii) da maior proporção da dívida em dólares, ou (iii) do maior grau de aversão ao risco dos investidores.

Especificamente, existe um valor ótimo de endividamento (DLSP/PIB), a partir desse valor crítico, o crescimento da dívida tende a elevar a probabilidade de default mais do que proporcionalmente. Em outras palavras, ψ comporta-se como uma função de probabilidade acumulativa, plana para baixos valores da dívida, porém que cresce rapidamente ao ultrapassar um valor crítico de DLSP/PIB, tornando-se plana novamente quando a dívida alcança um patamar elevado (Marques Jr., 2010). Nessa conjuntura, o acréscimo dos juros não é capaz de valorizar a taxa de câmbio, tampouco reduzir a inflação.

A partir das definições sobre a DF apresentadas é possível observar que há diferentes motivos para que a política monetária perca sua eficiência e o controle do nível de preços. Para Sargent e Wallace (1981SARGENT, T. J.; WALLACE, N. Some unpleasant monetarist arithmetic. Quarterly Review, Federal Reserve Bank of Minneapolis, v. 5, n. 3, p. 1-17, 1981.), tal situação ocorre quando há aumento da receita de criação de moeda para financiar a dívida pública o que implica aceleração da inflação. Por sua vez, para Leeper (1991LEEPER, E. Equilibria under ‘active’ and ‘passive’ monetary and fiscal policies. Journal of Monetary Economics, North-Holland, v. 27, p. 129-147, 1991.), a política monetária se comporta de maneira passiva devido às restrições impostas pela política fiscal ativa, e a regra monetária reage aos choques da dívida pública, assim, a política monetária passiva não consegue estabilizar o nível de preços. Para Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.), diante de uma situação de alto endividamento, uma maior taxa de juros implica crescimento da probabilidade de default, o que gera depreciação cambial e aceleração da inflação.

2.1 Evidências empíricas para o Brasil

A literatura recente sobre DF no Brasil conta com variados autores que se dedicaram a esse tema que ganhou atenção após a adoção do RMI conforme o levantamento bibliográfico apresentado na Tabela 1. Cabe ressaltar que Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) e Favero e Giavazzi (2004FAVERO, C. A.; GIAVAZZI, F. Inflation targeting and debt: Lessons from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.390, 2004.) deram início a essa análise empírica para o Brasil.

Os resultados de Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) indicaram que o aumento nos juros em 1% acarretou uma depreciação do câmbio real em 2,58%, o que levou o autor a concluir que de janeiro de 1999 a janeiro de 2004 o Brasil esteve sob DF. Favero e Giavazzi (2004FAVERO, C. A.; GIAVAZZI, F. Inflation targeting and debt: Lessons from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.390, 2004.), a partir de especificações não lineares em Mínimos Quadrados em dois estágios e dados mensais de fevereiro de 1999 a dezembro de 2003, observaram que aumentos no déficit orçamentário geraram crescimento do prêmio de risco, mensurado pela variável EMBI. Como resultado, houve depreciação cambial, ampliação da dívida pública e do déficit orçamentário. Assim, diante do aumento da inflação o BACEN foi incapaz de controlar o nível de preços, o que evidenciou o estado de DF da economia brasileira.

Na Tabela 1, a partir de cada estudo, visualizam-se a indicação de DF ou DM no período avaliado, os diferentes pressupostos teóricos e os métodos de análises utilizados. Verifica-se que os modelos mais comuns nessa literatura para explicar a possível ocorrência de DF ou DM para o Brasil são os Vetores Autorregressivos (VAR) e o Vetor de Correção de Erros (VEC).

Marques Jr. (2010) reproduziu a metodologia econométrica proposta por Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.), inicialmente estimou apenas o período entre fevereiro de 1995 e janeiro de 2004, com intuito de reproduzir os resultados do autor supracitado. Posteriormente, repetiu as estimativas para dados entre março de 2003 e dezembro de 2008 e observou que o efeito de DF foi significativamente menor, aproximadamente 16% do verificado entre 1999 a 2004.

Deve-se ressaltar, contudo, alguns elementos críticos na abordagem empírica usada em Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) e repetida em Marques Jr. (2010). A primeira delas é concernente ao uso de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) e do modelo Autorregressivo de Ordem 1 (AR(1)), com hipóteses fortes de causalidades entre as variáveis. Em outras palavras, não são usados métodos para controle da endogeneidade referente a omissão de variáveis nos modelos econométricos estimados, não satisfazendo, portanto, à crítica de Sims (1980SIMS, C. Macroeconomics and reality. Econometrica, v. 48, n. 1, p. 1-48, 1980.)3 3 A crítica de Sims (1980) decorre de restrições “incríveis” destinadas à identificação de modelos econométricos que se baseiam em teorias econômicas não consensuais ou em escolhas arbitrárias (Fonseca; Sánchez-Rivero, 2020). .

Dos trabalhos pesquisados e apresentados na Tabela 1, e que utilizaram os modelos VAR e VEC, Zoli (2005ZOLI, E. How does fiscal policy affect monetary policy in emerging market countries? BIS Working Papers, n. 174. 2005.), Gruben e Welch (2005GRUBEN, W. C.; WELCH, J. H. Is tighter fiscal policy expansionary under fiscal dominance? hypercrowding out in Latin-America. Federal Reserve Bank of Dallas. Working Paper, n. 205, 2005.) e Souza e Dias (2016SOUZA, J.; DIAS, M. H. Dominância fiscal e os seus impactos na política monetária: uma avaliação para a economia brasileira. In: ENCONTRO DE ECONOMIA DA REGIÃO SUL, XIX., Florianópolis, SC, 2016.) encontraram DF para o Brasil. Zoli (2005) e Gruben e Welch (2005) avaliaram, respectivamente, os períodos de 1991 a 2004 e 1995 a 2004. Dada a inclusão de grande parte da década de 1990, período de forte ajustamento fiscal, os resultados observados de DF são esperados e ultrapassam o escopo de discussão deste trabalho.

Tabela 1
Trabalhos sobre dominância fiscal na economia brasileira

Artigos que concentram suas análises na década de 2000 em diante, usando modelos VAR e VEC, tendem a observar ausência de DF, como Gadelha e Divino (2008GADELHA, S. R. B; DIVINO, J. A. Dominância fiscal ou dominância monetária no Brasil? Uma análise de causalidade. Revista de Economia Aplicada, v. 12, n. 4, p. 659-675, 2008.), Araújo e Besarria (2014ARAÚJO, J. M; BESARRIA, C. N. Relações de dominância entre as políticas fiscal e monetária: uma análise para economia brasileira no período de 2003 a 2009. Revista de Economia, v. 40, n. 1, p. 55-70, 2014.), Palma e Althaus (2015PALMA, A.; ALTHAUS, F. Choques estruturais e teoria fiscal do nível de preços no Brasil: uma análise empírica para o período pós-metas de inflação. Ensaios FEE, v. 36, n. 1, p. 33-58, 2015.) e Pastore (2015PASTORE, A. C. Inflação e crises: o papel da moeda. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2015.), contrariando, portanto, os achados de Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) e Marques Jr. (2010).

Referente à Tabela 1, Souza e Dias (2016SOUZA, J.; DIAS, M. H. Dominância fiscal e os seus impactos na política monetária: uma avaliação para a economia brasileira. In: ENCONTRO DE ECONOMIA DA REGIÃO SUL, XIX., Florianópolis, SC, 2016.), a partir de um modelo VEC, sugerem DF para o período de 2001 a 2015. Os autores consideraram um modelo do tipo VEC, em que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo foi utilizado como variável dependente para análise do vetor de cointegração de longo prazo.

Na análise impulso resposta, Souza e Dias (2016SOUZA, J.; DIAS, M. H. Dominância fiscal e os seus impactos na política monetária: uma avaliação para a economia brasileira. In: ENCONTRO DE ECONOMIA DA REGIÃO SUL, XIX., Florianópolis, SC, 2016.) estimaram que a desvalorização cambial aumentou o nível de preços; e que um choque na Taxa Selic teve como resultado a valorização cambial, o que corresponde a DM. Tais resultados, considerando o modelo teórico de Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) adotado, apontam que Souza e Dias (2016) se equivocaram em concluir DF no período analisado, entre 2001 e 2015, uma vez que os resultados obtidos indicaram DM.

Dos trabalhos analisados apenas Mendonça et al. (2017MENDONÇA, M.; MOREIRA, T.; SACHSIDA, A. Regras de políticas monetária e fiscal no Brasil: Evidências empíricas de dominância monetária e dominância fiscal. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).(Texto para discussão, n. 2.310, 2017).), a partir da proposta de Leeper (1991LEEPER, E. Equilibria under ‘active’ and ‘passive’ monetary and fiscal policies. Journal of Monetary Economics, North-Holland, v. 27, p. 129-147, 1991.), procuram avaliar a presença da DF ou DM em diferentes regimes de políticas fiscal e monetária. A partir de um modelo Markov Switching os autores estimaram separadamente uma função de reação de política fiscal em que o resultado primário do setor público (PRIM) dependeu das variáveis DLSP/PIB, da taxa de inflação medida no período de 12 meses (INFLA12) e da taxa de crescimento do PIB real nos últimos 12 meses (TXPIB12); e uma função de reação de política monetária, pela qual a Taxa Selic dependeu da INFLA12 e da TXPIB12.

No caso da política de reação fiscal, os autores observaram dois regimes distintos: no regime 1, a variável DLSP/PIB não foi significativa no nível de 10% de probabilidade para explicar PRIM; já no regime 2, o crescimento de DLSP/PIB elevou o resultado primário do setor público. Por sua vez, na função de reação da política monetária, os autores estimaram três regimes, nos quais em todos houve a reação da Taxa Selic diante da INFLA12 e da TXPIB12, porém em magnitudes distintas.

Mendonça et al. (2017MENDONÇA, M.; MOREIRA, T.; SACHSIDA, A. Regras de políticas monetária e fiscal no Brasil: Evidências empíricas de dominância monetária e dominância fiscal. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).(Texto para discussão, n. 2.310, 2017).) utilizaram os coeficientes obtidos para classificar, segundo as condições propostas por Leeper (1991LEEPER, E. Equilibria under ‘active’ and ‘passive’ monetary and fiscal policies. Journal of Monetary Economics, North-Holland, v. 27, p. 129-147, 1991.), em que situações o Brasil esteve em DF e DM. Segundo os autores, ocorreu DF em 2010, e entre 2013 e 2014. A DM ocorreu em boa parte de 2003 e no período de 2005 a 2007. No período restante, eles observaram que as políticas monetária e fiscal atuaram ora como ativas - 2015 -, ora como passivas - final de 2003, 2004, 2008, 2009, 2011 e 2012.

A partir dos resultados obtidos por Mendonça et al. (2017MENDONÇA, M.; MOREIRA, T.; SACHSIDA, A. Regras de políticas monetária e fiscal no Brasil: Evidências empíricas de dominância monetária e dominância fiscal. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).(Texto para discussão, n. 2.310, 2017).) cabem algumas observações analíticas. Os resultados apresentados, a partir da definição de Leeper (1991LEEPER, E. Equilibria under ‘active’ and ‘passive’ monetary and fiscal policies. Journal of Monetary Economics, North-Holland, v. 27, p. 129-147, 1991.), trazem a questão da DF como uma escolha por parte do BACEN. Em outras palavras, de acordo com os autores, os períodos em que o país esteve em DF decorreram da resposta passiva do BACEN diante do crescimento da inflação, enquanto a política fiscal foi ativa por não perseguir uma elevação do superávit fiscal diante de acréscimos da DLSP/PIB.

Contudo, a situação de DF sugerida por Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) é aquela em que o BACEN está impedido de realizar a política monetária, conforme já discutido, enquanto a questão fiscal não for devidamente ajustada. Em outras palavras, os resultados de DF e DM observados em Mendonça et al. (2017MENDONÇA, M.; MOREIRA, T.; SACHSIDA, A. Regras de políticas monetária e fiscal no Brasil: Evidências empíricas de dominância monetária e dominância fiscal. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).(Texto para discussão, n. 2.310, 2017).) não são diretamente comparáveis com as definições de DF e DM sugeridas em Blanchard (2004).

Em resumo, tomando como ponto de partida os trabalhos apresentados na Tabela 1 é possível observar um padrão de resultados: os artigos que avaliaram o período pós-década de 2000 até o ano de 2015, a partir de modelos VAR e VEC, encontraram DM para o Brasil, sendo tal período de análise dominado pela redução da DLSP/PIB. Portanto, cabe ainda verificar se após o forte crescimento da DLSP/PIB, a partir de 2016, a observação de DM ainda permanece válida para a economia brasileira.

3 Metodologia

A partir da revisão de literatura apresentada, considera-se que há necessidade de se comparar estimativas entre métodos lineares e não lineares tomando DLSP/PIB como variável-chave para análise de uma possível DF. Conforme sugerido por Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.), espera-se que, num ambiente de forte endividamento da DLSP/PIB, a capacidade do banco central em usar a taxa de juros para atuar sobre a inflação, pela via cambial, seja limitada ou indisponível. Portanto, a proposta aqui apresentada é de se comparar a metodologia tradicional VAR, considerado o modelo puramente linear, a uma alternativa não linear para dois regimes da DLSP/PIB: Regime de alta dívida e de baixa dívida.

Uma vez que as funções de impulso resposta são objetos-chave de interesse desta pesquisa, optou-se em estimar os parâmetros a partir do método de Projeções Locais (PL) (Jordà, 2005JORDÀ, Ò. Estimation and inference of impulse responses by local projections. American Economic Review, v. 95, n. 1, p. 161-182, 2005.). Tal método, ainda não utilizado para avaliar a DF para a economia brasileira, tem-se popularizado entre macroeconomistas empíricos (ver, por exemplo, Ramey, 2016RAMEY, V. A. Macroeconomic shocks and their propagation. Handbook of Macroeconomics, ed. by J. B. Taylor and H. Uhlig, Elsevier, v. 2, chap. 2, 71-162, 2016.; Angrist et al., 2018ANGRIST, J. D.; JORDÀ, Ò.; KUERSTEINER, G. M. Semiparametric estimates of monetary policy effects: string theory revisited. Journal of Business & Economic Statistics, 36, 371-387, 2018.; Nakamura; Steinsson, 2018NAKAMURA, E.; STEINSSON, J. Identification in macroeconomics. Journal of Economic Perspectives, v. 32, p. 59-86, 2018.; Stock; Watson, 2018STOCK, J. H.; WATSON, M. W. Identification and estimation of dynamic causal effects in macroeconomics using external instruments. Economic Journal, 128, 917-948, 2018.) segundo Montiel e Plagborg-Møller (2021MONTIEL, J. L. O; PLAGBORG-MØLLER, M. Local projection inference is simpler and more robust than you think. Econometrica, 89: 1.789-1.823, 2021.) devido à simplicidade das estimativas a partir de regressões lineares e da interpretação direta e intuitiva das funções impulso resposta.

Segundo Jordà (2005JORDÀ, Ò. Estimation and inference of impulse responses by local projections. American Economic Review, v. 95, n. 1, p. 161-182, 2005.), as principais vantagens das estimações com projeções locais são: (i) podem ser estimadas por meio de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO); (ii) as inferências das projeções locais não requerem aproximação assintótica para o seu cálculo; (iii) são robustas a erros de especificação do processo de geração de dados; e (iv) acomodam experimentações com especificações não lineares e flexíveis que podem ser impraticáveis em um contexto multivariado.

A primeira etapa para a estimação das projeções locais é por MQO para cada horizonte de previsão:

y t + s = α s + B 1 s + 1 y t 1 + B 2 s + 1 y t 2 + + B p s + 1 y t p + u t + s s s = 0,1,2, , h (3)

onde αs é um vetor de constantes, n×1, Bis+1 são matrizes de coeficientes para cada defasagem i e horizonte de previsãos+1. Os elementos do vetor ut+ss são uma média móvel dos erros de previsão autocorrelacionados e/ou heterocedásticos, desse modo, segundo Ramey e Zubairy (2014RAMEY, V. A.; ZUBAIRY, S. Government spending multipliers in good times and in bad: Evidence from U.S. historical data. NBER WP, Massachusetts, n. 20.719, 2014.), o erro padrão é estimado utilizando a correção de Newey-West para autocorrelação. Todas as coleções de regressões h são chamadas de projeções locais.

As funções impulso resposta das projeções locais lineares são:

I R ^ ( t , s , d i ) = B 1 s ^ d i (4)

onde, com a normalização, B10=I. E a função impulso resposta é obtida pelo produto entre os coeficientes B1s e os choques experimentais di.

A probabilidade de a economia estar em um regime de alta ou baixa é representada pela função logística:

F ( z t ) = e γ z t ( 1 + e γ z t ) , (5)

onde zt é a variável de estado que possui variância constante (var(zt)=1) e média zero (E(zt)=0), e o valor de γ deve ser maior que zero. Quando F(zt) se aproxima de um valor próximo a zero, para o presente caso, indica períodos de redução da DLSP/PIB. Ao contrário, quando F(zt) é próximo de 1, há indícios de crescimento da DLSP/PIB.

A função impulso resposta para projeções locais não lineares é estimada como:

I R ^ R 1 ( t , s , d i ) = B 1, R 1 s ^ d i , I R ^ R 2 ( t , s , d i ) = B 1, R 2 s ^ d i , (6)

As estimativas de projeções locais não lineares são consistentes e robustas para a especificação do processo de geração de dados, sendo uma opção alternativa ao VAR, desde que os autovalores da matriz dos coeficientes estimados estejam dentro do círculo unitário (Jordà, 2005JORDÀ, Ò. Estimation and inference of impulse responses by local projections. American Economic Review, v. 95, n. 1, p. 161-182, 2005.).

Ademais, Plagborg-Møller e Wolf (2021) demonstram que, em termos lineares, as PL e o VAR estimam as mesmas respostas ao impulso. Os autores também ressaltam que os estimadores de PL e VAR não são procedimentos conceitualmente separados; em vez disso, eles pertencem a um espectro de técnicas de redução de dimensão com estimativas comuns, mas diferentes propriedades de viés-variância. Assim, a estimativa estrutural baseada em VAR pode ser realizada de forma equivalente usando PL lineares.

Montiel e Plagborg-Møller (2021MONTIEL, J. L. O; PLAGBORG-MØLLER, M. Local projection inference is simpler and more robust than you think. Econometrica, 89: 1.789-1.823, 2021.) provam ainda que as PL com variáveis defasadas e valores críticos normais são assintoticamente válidas para dados estacionários e não estacionários e também sobre ampla gama de horizontes de respostas. Além disso, os autores demonstram que a inferência em PL é mais robusta do que a inferência autorregressiva padrão.4 4 Por sua vez, a demonstração das PL, em Jordà (2005), prevê que a consistência do modelo está sujeita aos autovalores da matriz dos coeficientes estimados dentro do círculo unitário (como também acontece no VAR tradicional). Além disso, a derivação da matriz de variância-covariância das PL não depende da estacionariedade dos dados. Caso necessitasse, as PL não trariam nenhuma novidade em relação ao VAR tradicional.

De acordo com Adämmer (2019ADÄMMER, P. Lpirfs: An R Package to estimate impulse response functions by local projections. The R Journal, v. 11, n. 2, 2019.), a identificação dos choques deve ser por meio da decomposição de Cholesky; nesse procedimento, os choques ortogonais são calculados pela decomposição da matriz de covariância dos resíduos. Também é necessário impor restrições para estimar sua forma estrutural, sendo a matriz de covariância igual à matriz identidade, e o ordenamento das variáveis deve ser feito da variável mais exógena para a mais endógena.

As variáveis utilizadas, bem como o seu ordenamento, fundamentam-se nos modelos econométricos de Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) e de Favero e Giavazzi (2004FAVERO, C. A.; GIAVAZZI, F. Inflation targeting and debt: Lessons from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.390, 2004.), em que a taxa de câmbio foi definida pelas variações da taxa de juros real e o prêmio de risco a partir da variável EMBI. Ainda, seguindo as hipóteses de Blanchard (2004) e de Favero e Giavazzi (2004), não foram utilizadas variáveis para avaliar o efeito sobre a inflação. Blanchard (2004) considera apenas o câmbio como determinante para a inflação, enquanto Favero e Giavazzi (2004) propõem que apenas as expectativas de inflação são relevantes para a determinação da taxa de juros; a taxa de juros determina o câmbio e, por sua vez, o câmbio determina a inflação5 5 Há uma grande literatura que observa a relação direta entre a desvalorização cambial e o crescimento da inflação. Para um survey sobre o tema, veja Santolin e Carvalho (2019). .

O ordenamento da variável mais exógena para a mais endógena foi realizado da seguinte forma: variável EMBI - mais exógena -, uma vez que tal variável é determinada internacionalmente pelas agências de risco e não está sob controle diretamente da política fiscal e monetária interna; variável diferencial do juro real entre Brasil e EUA (Dif. Juros), que recebe influência de EMBI em razão do fluxo internacional de capital externo, mas é escolhida pelo BACEN de acordo com a condução da política monetária interna; Câmbio real que é diretamente impactado por EMBI e pela taxa Selic. Finalmente, as variáveis de política fiscal, seguindo a proposta de Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) e Woodford (1995WOODFORD, M. Price level determinacy without control of a monetary aggregate. NBER WP, Massachusetts, n. 5.204, 1995.), são endógenas em relação a Dif. Juros, uma vez que o juro determina o custo de rolagem da dívida púbica impactando, portanto, o Superávit Primário/PIB, que, por sua vez, determina DLSP/PIB, variável mais endógena do modelo.

Nesses termos, a hipótese de DF utilizada no contexto deste trabalho consiste em avaliar a capacidade de o crescimento dos juros estar associado à valorização do câmbio. Considera-se que a economia está sob DF se na hipótese de aumento dos juros não ocorrer valorização cambial. Para avaliar o número adequado de defasagens para a especificação do modelo de Projeções Locais serão utilizados os critérios de informação de Akaike (AIC) e Schwarz (SC) em um modelo VAR convencional.

3.1 Dados

As variáveis utilizadas para as análises possuem periodicidade mensal no intervalo de janeiro de 1999 a novembro de 2022. O diferencial de juros (Dif. Juros) é a taxa de juros real ex post entre Brasil e EUA, no Brasil calculada a partir da Selic e do IPCA6 6 Dados disponíveis no sítio IPEADATA, <http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx>, capturados em janeiro de 2023. ; e nos Estados Unidos, a partir da taxa básica fixada pelo Federal Funds e do IPC.7 7 Dados disponíveis no sítio do Economic Research Federal Reserve Bank of St Louis: <https://fred.stlouisfed.org/>, capturados em janeiro de 2023. A dívida pública é representada pela dívida líquida total do setor público, como porcentagem do Produto Interno Bruto (DLSP/PIB), publicada pelo Banco Central do Brasil (BACEN).8 8 Dados disponíveis no sítio BACEN, <https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais>, capturados em janeiro de 2023. O superávit primário será representado pelo Resultado Primário em relação ao PIB (Superávit Primário/PIB) publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN).9 9 Dados disponíveis no sítio STN, <https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/boletim-resultado-do-tesouro-nacional-rtn/>, capturados em janeiro de 2023. A taxa de câmbio real será a taxa de câmbio efetiva real publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEADATA), com os dados log-linearizados. O risco país será representado pelo Emerging Markets Bond Index (EMBI), publicado pelo JP Morgan, e disponibilizado pelo IPEADATA.

4 Resultados e discussão

A Figura 1 dispõe as trajetórias das séries utilizadas nas estimativas de PL lineares, equivalente ao VAR, e PL não lineares. As variáveis aparentam ser não estacionárias, o que conforme já discutido na metodologia deste trabalho, não é um problema para a metodologia de PL.

Figura 1
Comportamento das variáveis utilizadas nas estimativas econométricas. Dados mensais, jan. 1999 a nov. 2022.

Observa-se que a variável de DSLP/PIB apresentou trajetória descendente entre 2004 a 2016, e ascendente entre 1999 a 2003, e entre 2016 a 2022, esse mesmo movimento foi acompanhado pelo câmbio real. O crescimento de DLSP/PIB também esteve associado à redução do Superávit Primário em relação ao PIB, que após 2020, devido ao aumento dos gastos primários como resultado da política de enfretamento à pandemia de Covid-19, apresentou déficit de 9,7% em janeiro de 2021, o maior da série histórica desde 1999, mas passou a ser superavitário em 2022.

O diferencial de juros entre Brasil e EUA (Dif. Juros) apresentou sua variação mais forte no início da implantação do RMI, enquanto a variável EMBI incorreu em alta variabilidade no início do primeiro mandato do Governo Lula, em 2003, alcançando 20%. Após 2005, a variável EMBI permaneceu entre 1,5% a 5%.

Para a estimativa do modelo de PL foram usados os critérios de informação Akaike (AIC) e Schwarz (SC), os quais indicaram três e duas defasagens, respectivamente. Tomando o modelo mais parcimonioso, foram utilizadas duas defasagens. Conforme discutido anteriormente, segundo Jordà (2005JORDÀ, Ò. Estimation and inference of impulse responses by local projections. American Economic Review, v. 95, n. 1, p. 161-182, 2005.), os autovalores dos coeficientes devem estar dentro do círculo unitário. Considerando um modelo VAR com duas defasagens, com constante e tendência, as raízes características obtidas (os autovalores) foram inferiores a 1, o que permitiu estimativas estáveis de PL.

A Figura 2 mostra os resultados dos choques estruturais nas variáveis EMBI, Dif. Juros, Câmbio Real, Superávit Primário/PIB, DLSP/PIB com intervalo de confiança (IC) de 90% de probabilidade. O choque de um desvio padrão da variação percentual do Dif. Juros, implicou aumento de 0,1% na variável EMBI no sexto mês. O choque em Dif. Juros e EMBI foi significativo no IC adotado, respectivamente, para a valorização e desvalorização sobre o câmbio, conforme esperado. Além disso, o choque na variável Dif. Juros aumentou o superávit primário em até 0,07% no quarto e quinto mês, porém a DLSP/PIB não evidenciou resposta significativa em relação a Dif. Juros.

Figura 2
Função impulso resposta a partir de Projeções Locais (Lineares). Dados mensais, jan. 1999 a nov. 202210 10 Nota: As áreas sombreadas representam o intervalo de confiança (IC) das estimativas impulso resposta a 90% de probabilidade.

Assim, as estimativas obtidas de PL lineares, na Figura 2, assemelham-se aos resultados já observados em Gadelha e Divino (2008GADELHA, S. R. B; DIVINO, J. A. Dominância fiscal ou dominância monetária no Brasil? Uma análise de causalidade. Revista de Economia Aplicada, v. 12, n. 4, p. 659-675, 2008.), Araújo e Besarria (2014ARAÚJO, J. M; BESARRIA, C. N. Relações de dominância entre as políticas fiscal e monetária: uma análise para economia brasileira no período de 2003 a 2009. Revista de Economia, v. 40, n. 1, p. 55-70, 2014.), Palma e Althaus (2015PALMA, A.; ALTHAUS, F. Choques estruturais e teoria fiscal do nível de preços no Brasil: uma análise empírica para o período pós-metas de inflação. Ensaios FEE, v. 36, n. 1, p. 33-58, 2015.) e Pastore (2015PASTORE, A. C. Inflação e crises: o papel da moeda. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2015.). Mais especificamente, observa-se que houve DM no período avaliado, mesmo com a notória ampliação da DLSP/PIB a partir de 2016, conforme apresentado na Figura 1. Tal afirmação pode ser realizada uma vez que a elevação dos juros foi capaz de valorizar o câmbio, ao mesmo tempo que esteve associada ao acréscimo do superávit fiscal. Em ambiente de DF, de acordo com Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.), espera-se que o crescimento dos juros implique desvalorização cambial, elevação da EMBI e aumento da DLSP/PIB.

Porém, alguns resultados contraditórios emergem da Figura 2. Observam-se respostas significativas da política monetária não condizentes ao regime de DM diante da elevação de Superávit Primário/PIB e DLSP/PIB no médio prazo. Por exemplo, um choque de um desvio padrão sobre Superávit Primário/PIB denota efeito positivo e significativo sobre o crescimento em Dif. Juros.

Não obstante, curiosamente, o acréscimo do endividamento público nesse modelo tende a apontar que as variáveis relativas ao mercado externo (Câmbio e EMBI) não respondam de forma consistente. Isto é, ao contrário do se esperava inicialmente, a variável EMBI não responde por um choque no endividamento público. Outro resultado inusitado foi que a desvalorização cambial esteve associada à redução de EMBI.

Para melhor interpretar os resultados observados no modelo de PL lineares, foi realizada uma nova estimativa, conforme detalhado na metodologia deste trabalho, considerando a hipótese de que os resultados modificam-se de acordo com o tipo de regime de uma baixa ou alta DLSP/PIB. Para tanto, optou-se em estimar os diferentes regimes atribuindo o valor 1 para variável γ referente à equação (5)11 11 Uma forma de avaliar como as PL com threshold apresentam diferentes resultados em termos de análise impulso resposta é atribuir diferentes valores para variável γ como 1, 5 e 10; em que o menor valor apresenta mudanças de regimes suaves, enquanto o maior valor apresenta mudanças de regimes com alta volatilidade. No presente caso, não houve mudanças nas análises impulso resposta nos diferentes valores para γ. Além disso, é condizente supor que o reconhecimento da mudança entre regimes de baixa e alta dívida pública não possuem forte variabilidade, o que, portanto, implica a escolha de γ igual a 1. . A Figura 3 apresenta os resultados obtidos a partir das estimativas das PL com threshold definido pela equação (5).

Figura 3
Função impulso resposta a partir de Projeções Locais (não lineares). Dados Mensais, jan. 1999 a nov. 202212 12 Nota: As áreas sombreadas representam o intervalo de confiança (IC) das estimativas impulso resposta a 90% de probabilidade.

Ao se observar o regime de baixo endividamento da DLSP/PIB, verifica-se que o crescimento do diferencial de juros esteve associado ao crescimento do endividamento público. Mais especificamente, após o choque de um desvio padrão em Dif. Juros estima-se que há contínua elevação em DLSP/PIB, que alcança o valor de 1,4% no décimo segundo mês. Por outro lado, para o caso do regime de alto endividamento da DLSP/PIB evidencia-se movimento contrário. O choque de um desvio padrão em Dif. Juros esteve correlacionado com a elevação do superávit primário em torno de 0,25% no nono mês, já em relação DLSP/PIB o acréscimo dos juros internos esteve associado a uma redução de DLSP/PIB em 0,7% no décimo mês.

Em termos gerais, os resultados da Figura 3 sugerem as seguintes evidências empíricas quanto à coordenação das políticas fiscais e monetárias:

(i) no regime de baixo endividamento, o aumento de Dif. Juros desvaloriza o câmbio e eleva EMBI, ambos no décimo mês; ocorre ampliação de DLSP/PIB como resultado do crescimento dos juros. O aumento de DLSP/PIB está correlacionado com a elevação dos juros e EMBI; e desvalorização do câmbio. A variável Superávit Primário/PIB não responde a choques de Dif. Juros.

(ii) no regime de alto endividamento, o aumento de Dif. Juros valoriza o câmbio, reduz EMBI e acarreta a elevação da relação Superávit Primário/PIB, de forma significativa partir do oitavo mês; ao mesmo tempo Dif. Juros reduz DLSP/PIB. A redução de DLSP/PIB diminui os juros, porém também reduz o Superávit Primário/PIB, ambos a partir do oitavo mês, o que deve levar a um novo ciclo de crescimento da DLSP/PIB.

Sumariamente, percebe-se uma espécie de ciclos entre regimes de alto e baixo endividamento com diferentes impactos na taxa de câmbio. No regime de baixo endividamento, o aumento dos juros não esteve associado ao acréscimo do Superávit Primário/PIB, e por isso houve a elevação da DLSP/PIB. Nesse ambiente, o choque dos juros desvalorizou o câmbio no décimo mês. A falta de compromisso com a política fiscal no regime de baixa DLSP/PIB, diante do acréscimo dos juros, leva ao regime de alta DLSP/PIB. Contudo, no regime de alta DLPS/PIB nota-se o compromisso da política fiscal: o choque na taxa de juros implica tanto a elevação do Superávit Primário/PIB quanto a valorização da taxa de câmbio.

Em termos da proposta teórica de Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.), pode-se indicar que em nenhum dos dois regimes o país encontrou-se em DF. Conforme já salientado, a DF, no sentido de Blanchard (2004), ocorre quando, devido a um elevado endividamento interno, o banco central fica impedido de afetar a trajetória do câmbio a partir da política monetária, o que não foi observado nos resultados da Figura 3.

Em outras palavras, diante de um alto endividamento público, o Brasil foi capaz de coordenar as políticas monetárias e fiscais, de modo que o aumento da taxa Selic, em relação aos juros do FED, pode valorizar a taxa de câmbio, e ao mesmo tempo reduzir a variável EMBI. Tal resultado esteve condicionado ao crescimento do Superávit Primário/PIB e à redução de DLSP/PIB diante da elevação dos juros internos. Portanto, os achados neste trabalho contrariam as evidências de DF apontadas por Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.), que avaliou a presença de DF para a economia brasileira entre janeiro de 1999 e janeiro de 2004.13 13 Os resultados alcançados são consistentes a variações da amostra; por exemplo, quando a amostra foi reduzida até o período de 2014, extraindo, portanto, o recente crescimento do endividamento público, o resultado observado se manteve. Outras variações nas estimativas também foram realizadas, além de manter a amostra até 2015, foi escolhida exogenamente uma DLSP/PIB igual a 30; para caracterizar o período observado por Blanchard (2004), os resultados não são alterados em relação ao observado neste trabalho.

Em relação a outros trabalhos que analisaram empiricamente o comportamento de DF e DM para o Brasil, os resultados aqui obtidos convergem para o trabalho de Mendonça et al. (2017MENDONÇA, M.; MOREIRA, T.; SACHSIDA, A. Regras de políticas monetária e fiscal no Brasil: Evidências empíricas de dominância monetária e dominância fiscal. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).(Texto para discussão, n. 2.310, 2017).), os quais sugerem que no período de 2010, 2013 e 2014 (período majoritariamente de baixo endividamento) houve DF; enquanto no período de 2003, 2005 a 2007 (período majoritariamente de alto endividamento) houve DM.

Evidencia-se que a sustentação teórica que melhor explica a relação entre a política fiscal e monetária remonta às quatro regras de políticas monetárias e fiscais propostas em Leeper (1991LEEPER, E. Equilibria under ‘active’ and ‘passive’ monetary and fiscal policies. Journal of Monetary Economics, North-Holland, v. 27, p. 129-147, 1991.). No presente caso, verifica-se que quando a relação DLSP/PIB foi baixa, ocorreu uma política monetária ativa, uma vez que houve crescimento dos juros mediante choque de desvalorização cambial até o quarto mês, referente à Figura 3. Porém, a política fiscal também foi ativa e aparentemente independente da monetária, uma vez que não houve elevação do superávit fiscal diante do aumento dos juros, e consequentemente, incorreu na elevação de DLSP/PIB.

Portanto, para o caso do regime de baixo endividamento, observam-se evidências de uma DF, no sentido de Leeper (1991LEEPER, E. Equilibria under ‘active’ and ‘passive’ monetary and fiscal policies. Journal of Monetary Economics, North-Holland, v. 27, p. 129-147, 1991.), em razão de o aumento dos juros estar correlacionado com uma desvalorização cambial. Tal resultado é consistente com uma descoordenação entre a política fiscal e monetária quando a dívida pública esteve relativamente menor, por exemplo no intervalo entre os anos de 2010 até 2015, conforme se observa na Figura 1. O contrário é observado para o regime de alto endividamento, a política fiscal esteve subordinada à política monetária, uma vez que o crescimento da taxa de juros esteve associado tanto com a valorização cambial quanto com a elevação do Superávit Primário/PIB.

5 Conclusões

Este trabalho analisou a interação entre as políticas fiscal e monetária para a economia brasileira, com a estimação de um modelo de Projeções Locais (PL) para o período de janeiro de 1999 a novembro de 2022. A partir de análises impulso resposta foram comparadas estimativas lineares e não lineares, considerando regimes de baixa e alta DLSP/PIB, e avaliaram-se os efeitos das políticas monetária e fiscal em possíveis condições de dominância fiscal (DF) ou dominância monetária (DM).

Sargent e Wallace (1981SARGENT, T. J.; WALLACE, N. Some unpleasant monetarist arithmetic. Quarterly Review, Federal Reserve Bank of Minneapolis, v. 5, n. 3, p. 1-17, 1981.) estabeleceram que a DM ocorre quando a autoridade define a política monetária de forma independente, sem a preocupação de financiar a dívida pública, já a autoridade fiscal é responsável por manter um superávit primário consistente com a política monetária preanunciada. Por sua vez, Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.) sugeriu que para o caso específico do Brasil ocorre dominância fiscal quando acréscimos da taxa juros implicam a percepção de que o custo da dívida pública tende a aumentar. Nesse caso, o acréscimo nos juros desvaloriza o câmbio, em decorrência do crescimento da probabilidade de default, e ocorre elevação dos preços internos via transferência da depreciação cambial para a inflação.

Os resultados obtidos neste trabalho permitem concluir que no regime de alto endividamento houve evidências de dominância monetária, e não de dominância fiscal como sugeriu Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.). Esse resultado decorre do esforço de superávit primário realizado pela economia brasileira nos períodos de alto endividamento público.

Nos períodos em que a DLSP/PIB esteve relativamente baixa as evidências obtidas indicam regime de dominância fiscal, no sentido de Leeper (1991LEEPER, E. Equilibria under ‘active’ and ‘passive’ monetary and fiscal policies. Journal of Monetary Economics, North-Holland, v. 27, p. 129-147, 1991.), isto é, o aumento dos juros não foi capaz de valorizar o câmbio, isso ocorreu porque o crescimento dos juros não foi acompanhado pela ampliação do Superávit Primário/PIB.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos pareceristas da versão preliminar do artigo as sugestões e os comentários. Os autores também agradecem à Universidade Federal de Ouro Preto o suporte financeiro. Como usual, os erros remanescentes são de responsabilidade dos autores.

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  • 1
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  • 2
    Em resumo, no terceiro conjunto as autoridades fiscal e monetária são passivas quanto ao controle da inflação, porém ativas na estabilidade da dívida pública. No quarto conjunto, ambas as autoridades são ativas no controle da inflação, e passivas quanto à estabilidade da dívida pública.
  • 3
    A crítica de Sims (1980SIMS, C. Macroeconomics and reality. Econometrica, v. 48, n. 1, p. 1-48, 1980.) decorre de restrições “incríveis” destinadas à identificação de modelos econométricos que se baseiam em teorias econômicas não consensuais ou em escolhas arbitrárias (Fonseca; Sánchez-Rivero, 2020).
  • 4
    Por sua vez, a demonstração das PL, em Jordà (2005JORDÀ, Ò. Estimation and inference of impulse responses by local projections. American Economic Review, v. 95, n. 1, p. 161-182, 2005.), prevê que a consistência do modelo está sujeita aos autovalores da matriz dos coeficientes estimados dentro do círculo unitário (como também acontece no VAR tradicional). Além disso, a derivação da matriz de variância-covariância das PL não depende da estacionariedade dos dados. Caso necessitasse, as PL não trariam nenhuma novidade em relação ao VAR tradicional.
  • 5
    Há uma grande literatura que observa a relação direta entre a desvalorização cambial e o crescimento da inflação. Para um survey sobre o tema, veja Santolin e Carvalho (2019SANTOLIN, R; CARVALHO, F. Uma avaliação econométrica da trajetória do pass-through da taxa de câmbio e das pressões de demanda e oferta sobre a inflação no período 1999-2017. Economia Ensaios, v. 34, n. 1, p. 144-179, 2019.).
  • 6
    Dados disponíveis no sítio IPEADATA, <http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx>, capturados em janeiro de 2023.
  • 7
    Dados disponíveis no sítio do Economic Research Federal Reserve Bank of St Louis: <https://fred.stlouisfed.org/>, capturados em janeiro de 2023.
  • 8
    Dados disponíveis no sítio BACEN, <https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais>, capturados em janeiro de 2023.
  • 9
    Dados disponíveis no sítio STN, <https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/boletim-resultado-do-tesouro-nacional-rtn/>, capturados em janeiro de 2023.
  • 10
    Nota: As áreas sombreadas representam o intervalo de confiança (IC) das estimativas impulso resposta a 90% de probabilidade.
  • 11
    Uma forma de avaliar como as PL com threshold apresentam diferentes resultados em termos de análise impulso resposta é atribuir diferentes valores para variável γ como 1, 5 e 10; em que o menor valor apresenta mudanças de regimes suaves, enquanto o maior valor apresenta mudanças de regimes com alta volatilidade. No presente caso, não houve mudanças nas análises impulso resposta nos diferentes valores para γ. Além disso, é condizente supor que o reconhecimento da mudança entre regimes de baixa e alta dívida pública não possuem forte variabilidade, o que, portanto, implica a escolha de γ igual a 1.
  • 12
    Nota: As áreas sombreadas representam o intervalo de confiança (IC) das estimativas impulso resposta a 90% de probabilidade.
  • 13
    Os resultados alcançados são consistentes a variações da amostra; por exemplo, quando a amostra foi reduzida até o período de 2014, extraindo, portanto, o recente crescimento do endividamento público, o resultado observado se manteve. Outras variações nas estimativas também foram realizadas, além de manter a amostra até 2015, foi escolhida exogenamente uma DLSP/PIB igual a 30; para caracterizar o período observado por Blanchard (2004BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lesson from Brazil. NBER WP, Massachusetts, n. 10.389, 2004.), os resultados não são alterados em relação ao observado neste trabalho.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2022
  • Aceito
    28 Fev 2023
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