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Economia mineira em um mundo em transformação: atraso tecnológico e dilemas recentes

The economy of the State of Minas Gerais (BR) in a changing world: Technological gap and recente dilemas

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar as implicações para a economia mineira de sua especialização em commodities e produtos de baixa intensidade tecnológica, tendo como pano de fundo um contexto internacional em rápida transformação produtiva. Para tanto, com base na apresentação das características da economia mineira a partir dos anos 2000, testamos a hipótese de que empresas e setores de maior intensidade tecnológica têm a capacidade de dinamizar a economia do estado de forma mais efetiva, fundamentando-nos na premissa de que essas empresas geram uma massa salarial mais elevada do que aquelas ligadas a outras atividades econômicas. O modelo econométrico testado reforça e confirma a hipótese de que as firmas com maior intensidade tecnológica pagam um prêmio salarial mais elevado, induzindo um efeito positivo na atividade econômica em geral. A base de dados utilizada e o período analisado para a economia mineira, salvo melhor juízo, não foram ainda testados.

Palavras-chave:
Minas Gerais; recursos naturais; mudança estrutural; desenvolvimento regional

Abstract

The aim of this paper is to analyze the implications for Minas Gerais of its specialization in commodities and products of low technological intensity, against the backdrop of an international context in rapid productive transformation. To this end, based on a presentation of the characteristics of the economy of Minas Gerais from the 2000s onwards, we tested the hypothesis whether firms and sectors of greater technological intensity have the capacity to boost the state's economy more effectively, based on the premise that these companies generate a higher salary mass than those linked to other economic activities in Minas Gerais. Econometric results reinforce and confirm the hypothesis that the most technologically advanced firms pay a higher wage premium, inducing a positive effect on economic activity in general. The database used and the period analyzed for the economy of Minas Gerais, except for better judgement, have not yet been tested.

Keywords:
Natural resources; regional rconomics; Minas Gerais; structural change

1 Introdução

O objetivo deste artigo é de analisar as implicações para a economia mineira de sua especialização em commodities e produtos de baixa intensidade tecnológica, tendo como pano de fundo um contexto internacional em rápida transformação produtiva. Para tanto, a partir de uma apresentação das características da economia mineira a partir dos anos 2000, testamos a hipótese de que empresas e setores de maior intensidade tecnológica têm a capacidade de dinamizar a economia do estado de forma mais efetiva com base na premissa de que essas empresas geram uma massa salarial mais elevada do que aquelas ligadas a outras atividades econômicas de Minas Gerais.

O modelo econométrico testado reforça e confirma a hipótese de que as firmas com maior conteúdo tecnológico pagam um prêmio salarial mais elevado, induzindo um efeito positivo na atividade econômica em geral. O trabalho contribui para a literatura de economia regional ao introduzir a análise do grau de intensidade tecnológica da indústria no nível das firmas e conectando-a com a qualidade do emprego. Embora essa relação seja sobejamente conhecida na literatura, a estimação dessa relação na economia mineira, salvo melhor juízo, é inédita, servindo como coadjuvante na formulação de políticas públicas.

Desde meados dos anos de 1980 a economia mineira vem aumentando a dependência dos movimentos de preços de commodities no exterior, particularmente como consequência de uma perda do papel relativo da tecnologia na estrutura produtiva estadual. Ainda que qualquer estado da federação dependa das relações com o país e o resto do mundo, o fato é que Minas Gerais guarda uma relação de maior dependência da dinâmica dos preços das commodities agropecuárias e minerais - notadamente o minério de ferro no cenário internacional.

A economia mundial, desde a década de 2000, registrou uma elevação em sua taxa de crescimento estimulada, principalmente, por Índia e China. O rápido processo de urbanização e desenvolvimento ocorrido nessas economias desencadeou uma mudança de patamar no consumo mundial de alguns insumos básicos, o que gerou um efeito em cadeia nas economias em desenvolvimento, particularmente na alta demanda chinesa por produtos primários e alimentícios. As implicações para a economia mineira foram importantes, uma vez que estimulou a demanda por minério de ferro.

Tendo como pano de fundo as transformações produtivas e o aumento da demanda internacional de produtos primários, pretendemos investigar a dinâmica da estrutura produtiva de Minas Gerais a partir de sua composição por grau de intensidade tecnológica. Utilizaremos informações de exportação e importação oriundas da base estatística de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Comex Stat), organizadas segundo a CIIU/ISIC versão 4 e classificadas conforme o nível de intensidade tecnológica adaptado à Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE) 2.0 a partir da proposta de Galindo-Rueda e Verger (2016).

Este artigo é dividido em cinco seções, além desta introdução e as conclusões. A próxima seção se incumbe de discutir e analisar brevemente a evolução da economia brasileira na década de 2010, as implicações da recessão de 2015/2016 e da pandemia sobre a política econômica. Do mesmo modo, seus efeitos sobre os conflitos federativos dela decorrente.

A terceira seção se dedica a uma breve análise da economia mineira, tendo como pano de fundo a discussão macro e internacional prévia. Do mesmo modo, apresenta as características mais evidentes da economia mineira, particularmente as implicações da especialização em minério de ferro. A quarta seção apresenta uma discussão acerca da importância da tecnologia para estimular uma mudança estrutural com implicações importantes sobre comércio exterior e emprego de maior qualificação. O objetivo é de identificar os elementos centrais para estimar as implicações econômicas da estrutura produtiva por grau de intensidade tecnológica da economia mineira.

A quinta seção testa a hipótese de que as firmas de maior conteúdo tecnológico pagam um prêmio salarial mais elevado, induzindo um efeito positivo na atividade econômica em geral. O estímulo a uma estrutura produtiva mais diversificada e com maior conteúdo tecnológico gera aumento de competitividade internacional, além de mitigar a vulnerabilidade da economia mineira aos movimentos da demanda internacional por commodities primárias.

As conclusões ressaltam a necessidade de uma mudança estrutural na economia mineira para se inserir economicamente com menor vulnerabilidade em níveis nacional e internacional, espaço perdido com o crescimento dos setores exportadores especializados em recursos naturais e baixa tecnologia.

2 A economia brasileira em crise na segunda metade da década de 2010

A chegada da pandemia ao Brasil, em março de 2020, encontrou o país com crescimento médio de 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB no triênio 2017-2019, após a recessão de 2015-2016, que derrubou o PIB em quase 7%. Mais do que isso, sob um modelo de desenvolvimento que privilegiava o corte e desvinculação constitucional de gasto público, com efeitos diretos sobre públicas distributivas. A queda no PIB per capita do Brasil foi inédita na história econômica recente do país. Entre 2011 e 2020, o PIB per capita recuou em aproximadamente 0,6%.1 1 Instituto Brasileiro de Economia (IBRE)/Fundação Getulio Vargas (FGV) (vários anos). Com efeito, a crise fiscal, agravada a partir de 2012, contribuiu ainda mais para a queda do PIB e PIB per capita.

Em 2020 a economia brasileira ainda estava longe de recuperar o nível do PIB de 2014 e assistíamos à mais lenta recuperação pós-recessão da história recente do Brasil e a pandemia apresentou desafios ainda maiores. As medidas de bloqueio total ou parcial para retardar a disseminação da Covid-19 afetaram grande parte da força de trabalho, principalmente aquelas do setor de serviços. O desafio exigiria uma estratégia muito além da injeção de liquidez na economia e da ajuda emergencial aos mais vulneráveis. Uma situação como esta essa requer a formulação e a execução de políticas de desenvolvimento econômico voltadas ao pós-pandemia, ou seja, em uma perspectiva de longo prazo. A crise revelou as fragilidades do modelo de desenvolvimento que se calca no princípio, já largamente superado empírica e teoricamente, da austeridade, da desindustrialização, do trabalho informal camuflado pelo empreendedorismo e na especialização da produção de bens primários para exportação.

Diante da hecatombe sanitária, o governo foi impelido, via pressão do Congresso Nacional, a tomar medidas para aliviar o efeito drástico da paralisação das atividades econômicas. Merece destaque o auxílio emergencial e o programa emergencial de manutenção do emprego e da renda.2 2 O auxílio emergencial garantia uma renda, inicialmente durante três meses, de R$ 600,00 (seiscentos reais) para cada cidadão acima de 18 anos sem emprego formal ativo, microempreendedor individual e não titular de nenhum benefício assistencial, como seguro-desemprego ou bolsa-família. No caso de mulher provedora uniparental, o valor chegava a R$ 1.200,00. O auxílio emergencial foi estendido até dezembro de 2020 no valor de R$ 300,00. O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda garantia aos empregadores manter o emprego de trabalhadores durante três meses, mas também foi estendido até o final do ano.

O auxílio emergencial permitiu mitigar os efeitos da paralisação das atividades econômicas no início da pandemia e a perda de empregos e pequenos negócios. Cardoso et al. (2021CARDOSO, D. F.; DOMINGUES, E.; MAGALHÃES, A.; SIMONATO, T.; MIYAJIMA, D. Pandemia de Covid-19 e famílias: impactos da crise e da renda emergencial. Boletim de Política Social IPEA, n. 28, 2021.) demonstraram efeitos positivos do referido auxílio diante da corrosão profunda do poder de compra das famílias da base da distribuição de renda no Brasil. De fato, tratando-se de uma parcela da população com elevada propensão a consumir e com maior participação informal no mercado de trabalho, políticas mitigadoras dos efeitos deletérios da pandemia acabam amortecendo fortemente os resultados da recessão e gerando um efeito redistributivo. Os resultados demonstraram que houve queda significativa no nível de pobreza e da pobreza absoluta durante o período de vigência do auxílio em 2020, além de atenuar a queda no PIB no período. Mesmo assim, ele caiu 4,1% naquele ano (IBGE, vários anos).

Muito além dos efeitos sociais sobre a população vulnerável, o auxílio emergencial produz resultados econômicos positivos, pois garante a demanda de bens de consumo, o que tem um efeito na atenuação da queda do PIB.

O fato é que o governo federal, embora tenha sido impelido a retomar o auxílio emergencial em 2021 como resposta à segunda onda da pandemia, previu um valor no orçamento muito menor e com impactos muito mais reduzidos sobre a renda e a distribuição. O crescimento da economia em 2021, de 4,6%, foi bastante modesto, principalmente tendo em vista que a queda foi de 4,1% em 2020. De fato, bem abaixo da média da América Latina e Caribe - 6,4% segundo a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) - e longe de recuperar o nível anterior à recessão de 2015/2016.

Não bastasse isso, a inflação iniciou uma trajetória de crescimento no segundo semestre de 2020 com impactos sobre a população de menor rendimento muito maiores do que a média dos rendimentos mais altos. A elevação da taxa de inflação teve como consequência a forte desvalorização do real e o aumento dos preços dos combustíveis e da energia. Basicamente ocorreu um choque adverso de oferta, cuja consequência é a estagflação, ou seja, a combinação de crescimento de preços com aumento de desemprego.

A estagflação em meio à maior pandemia dos últimos 100 anos gera contornos ainda mais dramáticos, particularmente porque a economia brasileira já vinha convivendo com estagnação do PIB per capita entre 2011 e 2013 e queda nesse indicador desde 2014. Os efeitos sobre o desemprego foram altos. Para agravar ainda mais a situação, a variação acumulada em 12 meses da inflação até abril de 2022, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA IBGE), revelava que as famílias com renda baixa e muito baixa conviviam com uma inflação mais elevada do que a média e ainda maior do que as rendas mais altas.3 3 Conforme IPEA (Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/category/inflacao/>). As famílias com renda baixa e muito baixa, em geral, são lideradas por mulheres e estão submetidas a maiores taxas de desemprego e de trabalho precário. Ou seja, os efeitos são ainda mais ruinosos.

As ações de política econômica adotadas desde então foram paliativas e muitas delas em direção oposta ao que se espera em tempos de crise. Com exceção de determinados círculos, muitos desses presentes quase que exclusivamente no Brasil, há muito se sabe que a praticidade da política econômica requer mais do que boas intenções. Em países em desenvolvimento, isso significa ação estatal. Contudo, no período em análise no Brasil, o que se observou foi justamente o contrário, com a reedição de um debate já superado sobre como lidar com a crise econômica.

Não bastasse a estagnação na economia brasileira que se seguiu à pior recessão da história, a resposta do governo federal à pandemia acirrou conflitos federativos dificultando uma resposta mais eficiente e adequada à crise sanitária. Ainda que a Constituição de 1988 tenha garantido melhor distribuição dos recursos tributários e definido a estrutura de gastos entre União, estados e municípios, conflitos federativos de alguma maneira sempre permaneceram latentes. A resposta federal à pandemia, no entanto, trouxe acirramento dos conflitos federativos verticais.

Conforme destacam Peres et al. (2022PERES, ÚRSULA D.; SANTOS, F. P.; LEITE, CRISTIANE K. S. Descoordenação e desigualdades federativas no Brasil com a pandemia de Covid-193. In: VALENTIN, A et al. (Org.). Políticas públicas e Covid-19: a experiência brasileira. São Paulo: EACH, 2022. Disponível em: <https://redepesquisasolidaria.org/wp-content/uploads/2022/06/livro-oipp-1-1.pdf#page=61)>. Acesso em:13/09/2023
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), a dinâmica da agenda nacional, por vezes distinta das agendas dos estados, vinha acirrando conflitos federativos desde os anos de 1990, particularmente em resposta à descentralização de políticas sociais em eventuais conflitos com a agenda federal de controle de gastos. A emenda do Teto de Gastos acabou por agravar ainda mais essas tensões. A pandemia levou esse conflito ao seu paroxismo. Escolhas políticas deliberadas do governo federal desarticularam estruturas de coordenação anteriores, não promoveram a coordenação federativa necessária e tentaram restringir o aumento de gastos sociais como reação à crise sanitária (Peres et al., 2022).

Em função da pressão da sociedade e dos governos locais, o Congresso Nacional aprovou, e o governo federal foi obrigado a executar, um socorro fiscal a estados e municípios em 2020. Essa ajuda, no entanto, incorporou critérios de transferência de recursos que reproduzem as desigualdades horizontais e verticais do nosso federalismo.

Com efeito, enquanto em outros países a estratégia dominante foi a de articulação entre os entes federativos no controle da pandemia, no Brasil houve um acirramento de um conflito, gerando assimetria e heterogeneidade entre os entes federados. Estados mais ricos, e o caso de São Paulo é lapidar, conseguiram lidar melhor com a pandemia, ao passo que os estados mais pobres assistiram ao aumento de problemas com parco apoio federal, sendo o caso do Amazonas o exemplo mais trágico.

Peres et al. (2022PERES, ÚRSULA D.; SANTOS, F. P.; LEITE, CRISTIANE K. S. Descoordenação e desigualdades federativas no Brasil com a pandemia de Covid-193. In: VALENTIN, A et al. (Org.). Políticas públicas e Covid-19: a experiência brasileira. São Paulo: EACH, 2022. Disponível em: <https://redepesquisasolidaria.org/wp-content/uploads/2022/06/livro-oipp-1-1.pdf#page=61)>. Acesso em:13/09/2023
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) mostram que, como não houve a criação de mecanismos indutores específicos para as políticas de mitigação dos efeitos da pandemia do governo federal, não foi possível garantir que todos os estados mantivessem o investimento mínimo de recursos, nem que apresentassem ação coordenada, garantindo equidade de tratamento à população nos diferentes territórios nacionais. O quadro de descoordenação federativa em vários níveis gerou uma situação particular: condições de exercício de autonomia política e administrativa dos entes subnacionais (que organizaram ações coletivas sem a participação do governo federal na organização das respostas à pandemia), mas fragilizados do ponto de vista financeiro. Dado o imenso desafio imposto pela pandemia, a ausência de cooperação federativa, principalmente entre governo federal e estados, acabou por agravar as desigualdades regionais.

Em face do desafio em lidar com a pandemia, e sem o devido apoio federal, a resposta dos estados foi suficientemente organizada para minorar efeitos da crise. Com efeito, ainda que os resultados sociais e econômicos tenham sido enormes, a atuação das subunidades federativas certamente atenuou um cenário que poderia ainda ser pior, dada a postura do governo federal e seu Ministério da Saúde.

Em 2021 as receitas dos estados se recuperaram, obviamente de maneira heterogênea, permitindo a reorganização das políticas públicas em um cenário de grave crise.

Como se não bastasse, a pandemia e a própria dinâmica da economia mundial e os atritos geopolíticos em curso, agravada com a pandemia, ao lado das tensões políticas e federativas latentes e efetivas no país, aumentam os desafios para a economia de Minas Gerais. Este é o tema do próximo item.

3 A reprimarização da pauta de exportações em Minas Gerais nos anos 2000

Minas Gerais tem sua história intrinsecamente relacionada à mineração, sendo sua urbanidade, economia e cultura gestadas em torno das minas de ouro e pedras preciosas e, posteriormente, das minas de minério de ferro. O complexo minero-metalúrgico encontra-se na raiz do desenvolvimento produtivo do estado, como atestado por vários estudos sobre o tema, e influencia a vida das populações de 70% dos municípios mineiros que têm algum tipo de exploração mineral ou atividade metalúrgica.

Recentemente, essa importância foi acentuada em razão do rápido crescimento da demanda mundial por produtos desse complexo. Mais ainda, Minas Gerais foi se “reprimarizando” desde o início do século XXI com o aumento da demanda chinesa por minério de ferro e outras commodities primárias. Se, por um lado, essa reprimarização foi uma resposta ao aumento da demanda internacional, por outro, acentuou uma dependência da mineração até hoje incapaz de se articular com uma estratégia de desenvolvimento mais inclusiva e com melhor perfil distributivo.

Com efeito, entre 2003 e 2013 o estado de Minas Gerais não aproveitou a bonança para diversificar seu parque produtivo em setores de maior intensidade tecnológica. Isso contribuiu para o aumento da dependência externa da economia mineira. Mais ainda, conectou de maneira mais estrutural a saúde fiscal do estado à atividade mineradora.4 4 Isso fica evidente com o atual período de evolução das receitas estaduais no período 2021-2022. Como apontam Campolina e Cavalcante (2016CAMPOLINA, B.; CAVALCANTE, A. Economia minerária e seu impacto urbano: desafios e contradições na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Redes, 22(1), p. 12-39, 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.17058/redes.v22i1.8546>. Acesso em: 10/09/2023
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), o debate acerca da importância da mineração para o desenvolvimento de uma região é tema amplamente discutido na literatura internacional.

De um lado, a pujança na escala da produção mineral traz oportunidades para o estado e para os municípios mineradores - tais como a interiorização do desenvolvimento e da desconcentração econômica; a demanda derivada por bens de capital; a elevação no saldo comercial exterior, a demanda por serviços minerários de alto valor agregado e mão de obra.

De outro, impõe grandes desafios. O primeiro relaciona-se ao fato de que muitas das novas minas ou das expansões de minas estão ocorrendo próximas a áreas urbanas ou em áreas muito sensíveis ambiental e socialmente. Em muitos casos, a rápida expansão das atividades minerárias, sem obter previamente a licença social de operação pelas comunidades a serem afetadas, tem levado ao exacerbamento dos conflitos entre as comunidades e as empresas (Campolina; Cavalcante, 2016CAMPOLINA, B.; CAVALCANTE, A. Economia minerária e seu impacto urbano: desafios e contradições na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Redes, 22(1), p. 12-39, 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.17058/redes.v22i1.8546>. Acesso em: 10/09/2023
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).

O segundo relaciona-se ao fato de que, como os depósitos mais ricos já se esgotaram, a exploração de minérios mais pobres é mais impactante porque requer o processamento de um volume maior de materiais, maior utilização de ativos ambientais (como água, terra etc.) e a produção de maior volume de rejeitos para produzir a mesma quantidade de minérios.

O terceiro desafio relaciona-se com o desconhecimento sobre o futuro dos territórios em que as minas se localizam, vale dizer, como será o território pós-mineração. Em muitos casos, a decadência socioeconômica e o abandono têm sido o resultado. Isto está intrinsecamente associado ao fato de que os impactos socioambientais no território (na biodiversidade, nos recursos hídricos, nas amenidades paisagísticas, no patrimônio material e imaterial, na identidade cultural) e nas comunidades (cultura, saúde e segurança) não são claramente explicitados e mensurados ao longo da vida útil da mina.

Não há indicadores que meçam o desenvolvimento ao longo do tempo, tampouco que monitorem as transformações que ocorrem no território vinculadas à atividade minerária. Em particular, o caráter dicotômico da indústria mineral - que gera a maior parte de seus impactos negativos no nível local/regional, enquanto no nível estadual/nacional/internacional são apropriados os principais benefícios (saldo comercial, arrecadação tributária, lucros, remuneração do capital etc.) - impõe desafios ainda maiores para a geração de sistemas de indicadores de sustentabilidade, que subsidiem políticas públicas de aproximação multiescalar do desenvolvimento nos territórios.

O quarto desafio relaciona-se com a natureza de enclave exportador que a maior parte dos grandes projetos minerários tem assumido. Isso significa que: (i) o enraizamento e a integração desses enclaves no território são limitados, com governança determinada a partir de fora (de sua matriz localizada em outra região do estado/país ou do mundo); (ii) os encadeamentos a jusante e a montante são limitados, o que resulta em pequeno efeito de arraste sobre a economia local e regional; (iii) o considerável extravasamento de renda e emprego para o exterior (uma vez que a transformação industrial, etapa da cadeia produtiva de maior agregação de valor, portanto, de maior geração de emprego e renda) é realizada no exterior; (iv) a drenagem de recursos humanos e naturais (não só minerais, mas também hídricos, energéticos etc.) por grandes empreendimentos minerários (em geral, os mercados de trabalho e de recursos locais são dominados por uma grande empresa) acaba por comprometer o desenvolvimento de outras atividades no território, notadamente naqueles locais mais pobres e vulneráveis; (v) a excessiva dependência da economia local em relação ao empreendimento minerário - na medida em que a limitada circulação de renda local, a drenagem dos recursos humanos e naturais e o restrito efeito de arraste sobre outras atividades - não contribui e pode mesmo comprometer a diversificação produtiva para outras atividades; (vi) a sobreutilização da infraestrutura local (vias, energia elétrica, comunicações) e dos serviços públicos (saneamento, segurança, saúde e educação) impõe elevados gastos às prefeituras para a recuperação e/ou manutenção dessa infraestrutura e desses serviços, comprometendo principalmente a execução fiscal dos municípios; e (vii) a alta lucratividade do setor minerário prejudica as atividades não minerárias.

Se, de um lado, a atividade minerária pode beneficiar outros setores da economia, por exemplo o de transportes ou serviços nas regiões de mineração, por outro lado - exatamente por se constituir em um enclave exportador -- inviabiliza outras atividades produtivas, como agricultura e pecuária, ou mesmo atividades industriais, ao absorver parcela significativa da mão de obra disponível nessas regiões. Em parte, esse fenômeno é consequência da ausência do planejamento nessas áreas, mas em parte é resultado da "maldição" desse recurso natural, principalmente devido à demanda internacional, que direciona toda a atividade produtiva para a mineração e seus derivados em determinadas regiões (Enríquez, 2008ENRÍQUEZ, M. A. Mineração: maldição ou dádiva? Os dilemas do desenvolvimento sustentável a partir de uma base mineira. São Paulo: Signus Editora, 2008.).

Finalmente, e não menos importante, a atividade minerária caracteriza-se por significativos impactos ambientais em nível local/regional, associados à sua baixa eficiência de conversão; alta intensidade energética e de uso de recursos hídricos, emissões de resíduos e poluição do ar, impactos negativos sobre a biodiversidade e sobre a saúde e segurança dos trabalhadores, haja vista o elevado número de acidentes de trabalho e de morbidade associada a essa atividade. Em nível mundial, seus impactos se fazem sentir através da emissão de gases de efeito estufa, contribuindo para as mudanças climáticas. Os desastres de Mariana e Brumadinho, a despeito da negligência criminosa, confirmam essa hipótese.

Os desafios apontados anteriormente comprometem a capacidade das atividades minerárias em contribuir para a qualidade de vida das comunidades onde se localizam e em ancorar um modelo de desenvolvimento sustentável integrado. Muitas vezes os efeitos negativos dessas atividades nos territórios se sobrepõem aos efeitos positivos, levando à chamada “maldição dos recursos naturais” (Enríquez, 2008ENRÍQUEZ, M. A. Mineração: maldição ou dádiva? Os dilemas do desenvolvimento sustentável a partir de uma base mineira. São Paulo: Signus Editora, 2008.; Campolina; Cavalcante, 2016CAMPOLINA, B.; CAVALCANTE, A. Economia minerária e seu impacto urbano: desafios e contradições na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Redes, 22(1), p. 12-39, 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.17058/redes.v22i1.8546>. Acesso em: 10/09/2023
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). Particularmente, a excessiva dependência da economia local/regional em relação ao dinamismo e aos ciclos da mineração, combinada com a dificuldade de promover alternativas produtivas mais inclusivas socialmente e capazes de gerar desenvolvimento sustentável de longo prazo - mesmo considerando os importantes benefícios econômicos (como exportações, arrecadação de royalties) -, restringe o alcance dos benefícios para a sociedade e para o meio ambiente. Em outras palavras, seus efeitos ambientais e sociais são consideráveis, comprometendo a capacidade de gerar um desenvolvimento que seja sustentável e generalizado para todos.

Para que a mineração possa contribuir para o desenvolvimento sustentável e seja em si mesma uma atividade sustentável e para o reconhecimento das especificidades locais e de sua história, são premissas: a governança participativa em escala local/regional - que coordene e represente os interesses dos diferentes agentes (stakeholders) - o seu princípio de tomada de decisão; a distribuição equânime dos ganhos propiciados pela atividade minerária e o uso sustentável da renda mineral como princípios estratégicos.

Precisamente, a sustentabilidade da indústria mineral passa, em última instância, pela necessidade de entender e valorizar as expectativas das comunidades locais e respondê-las com base na construção de confiança mútua. A governança participativa dela resultante significa conferir o direito, de fato, das comunidades impactadas em participar das decisões que afetam as suas vidas e seus interesses.

A longa discussão sobre os impactos econômicos e sociais da mineração em Minas Gerais é tópico essencial para apresentar diagnósticos e propostas para a economia do Estado. Ainda que, por óbvio, Minas Gerais possua uma atividade agrícola pujante, principalmente no Triângulo Mineiro e no Sul de Minas, além de atividades de serviços e indústrias em algumas regiões, como a metropolitana, é impossível discutir hoje estratégias e propostas econômicas para o estado sem a discussão dos desafios da mineração.

4 Desenvolvimento tecnológico, estrutura produtiva e comércio exterior em Minas Gerais

A compreensão da dinâmica e possibilidades de desenvolvimento em Minas Gerais e sua dependência de atividades com baixa tecnologia e commodities primárias, inclusive à luz da corrida tecnológica em curso, requer uma análise da estrutura produtiva e de comércio exterior a partir de um recorte por intensidade tecnológica da produção estadual.

O debate sobre a maldição dos recursos naturais, ou mesmo sobre desindustrialização, é antigo e vem sendo tratado com atenção desde, pelo menos, a década de 1940. Especificamente em Minas Gerais, os trabalhos conduzidos pela comissão mista Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES/Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe/CEPAL foram importantes fontes de inspiração para a industrialização mineira. A visão de que a indústria seria o elemento central do processo de desenvolvimento econômico encontrou amplo apoio em uma vasta literatura e teve ampla repercussão em Minas Gerais.

Foram esses elementos teóricos que estiveram na base do I Diagnóstico da Economia Mineira de 1968 (BDMG, 1968). Um conjunto de ações foram derivadas daquele plano, como salienta Diniz (2018DINIZ, C. C. Minas Gerais e a economia nacional Cadernos do Desenvolvimento, Rio de Janeiro, v. 13, n. 23, p. 205-221, jul.-dez. 2018.), com destaque para a atração da Fiat através da concessão de incentivos fiscais pelo Estado. A discussão sobre a estrutura econômica mineira, o esforço de diversificação, os instrumentos e seus efeitos sobre a economia do estado ao longo das últimas décadas tem sido amplamente tratada na literatura econômica de Minas Gerais, o que reforça a necessidade de discussão do tema (Figueiredo e Diniz, 2000FIGUEIREDO, A. T. L; Diniz, C. C. Distribuição regional da indústria mineira. Nova Economia, v. 10, n. 2, dez. 2000.; Gonçalves et al. 2003GONÇALVES, E; MEDEIROS, T. R; OLIVEIRA, A. S; CASTRO, C. M. B. Competitividade industrial de Minas Gerais no período 1985-2000: um enfoque econométrico. Nova Economia v. 13, n. 2, 2003.; Haddad et al. 2005HADDAD, E; PEROBELLI, F. S; SANTOS, R. A. C. Inserção econômica de Minas Gerais: uma análise estrutural Nova Economia, v. 15, n. 2, 2005.; Diniz, 2018).

Entretanto, como assinalado na seção três, as transformações ora em curso colocam em discussão o mundo pós-industrial. É possível fazer a transição para uma economia de serviços sem dominar os ciclos industriais ou mesmo prescindir da indústria? Pike (2022PIKE, A. Coping with deindustrialization in the global North and South. International Journal of Urban Sciences, v. 26, n. 1, p. 1-22, 2022.) procura apontar que o fenômeno não é homogêneo na escala global, apresentando natureza e feitos muitos diferentes entre os países. A discussão merece atenção na medida em que suscita várias perguntas: qual o futuro para regiões mineradoras? Qual o papel da política pública no que diz respeito ao setor industrial e à inovação? É possível articular ciência, tecnologia e P&D garantindo condições de competição em regiões periféricas? Há possibilidade de algum tipo de catch up no desenvolvimento econômico?5 5 O conceito de catch up em desenvolvimento econômico refere-se à capacidade e velocidade com que economias periféricas conseguem alcançar o desenvolvimento tecnológico de países líderes (Nelson, 1996). Diniz (2018DINIZ, C. C. Minas Gerais e a economia nacional Cadernos do Desenvolvimento, Rio de Janeiro, v. 13, n. 23, p. 205-221, jul.-dez. 2018.) aponta as virtudes do estado de Minas Gerais e como é possível utilizar a base e a capacidade existentes para induzir um novo ciclo de desenvolvimento. A pandemia da Covid-19 e as múltiplas crises geradas a partir dela tornaram esse processo mais turbulento e desafiador.

Sarra et al. (2019) apresentam uma longa discussão sobre o tema em relação aos países da União Europeia. Igualmente, apontam para a necessidade de uma nova discussão sobre política industrial e tecnológica que deve partir de um diagnóstico adequado da realidade industrial dos países europeus. Eles demonstram que as políticas de estímulo horizontal ao setor industrial foram pouco efetivas no aumento da complexidade e dos ganhos de produtividade nos países da União Europeia.

O desafio brasileiro e de Minas Gerais ficará mais evidenciado ao cotejarmos alguns dos resultados observados para o estado com aquele dos países europeus. O relatório da Technological intensity of industries in European non-financial corporations from 2005 to 2017 apresenta um diagnóstico detalhado da importância dos setores industriais. Nesse documento, fica evidente a importância das firmas de alta e média alta intensidade tecnológica no valor adicionado da indústria de transformação. As atividades econômicas são classificadas em: baixa intensidade tecnológica, média intensidade tecnológica e alta intensidade tecnológica.6 6 Adotamos a proposta metodológica de Galindo-Rueda e Verger (2016) para classificação produtiva segundo a intensidade tecnológica. Os autores apresentam uma proposta que enquadra os códigos do Sistema Internacional de Classificações das Nações Unidas (CIIU/ISIC rev. 4) à quantidade de P&D (pesquisa e desenvolvimento) associados a cada um dos setores. Utilizam a classificação a 3 dígitos e propõem o enquadramento tecnológico das atividades econômicas em duas classes: a indústria de transformação e as atividades não manufatureiras. A correspondência com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0), ao nível de 3 dígitos, é quase direta e poucas reorganizações são necessárias. Alguns setores necessitam de adaptação como a produção de biocombustíveis, que é tratada na classificação internacional como parte da indústria química e na classificação brasileira como parte da indústria de coque, refino de petróleo, derivados e biocombustíveis. Outro exemplo, que aqui foi desconsiderado, diz respeito à produção de software que na classificação brasileira é tratada como parte dos serviços de tecnologia da informação e computação.

No tocante à estrutura produtiva, o que verificamos é uma elevada importância de produtos e serviços de baixa intensidade tecnológica. Há também uma estabilidade do padrão ao longo do tempo, com praticamente nenhuma variação. Importante destacar que o setor governamental de saúde e educação não faz parte das atividades econômicas classificadas, ficando o foco restrito às atividades econômicas produtivas (Figura 1).

Figura 1
Minas Gerais e Brasil: distribuição da massa salarial e do emprego segundo a intensidade tecnológica, 2010 e 2019

O padrão tecnológico do estado pode também ser verificado observando-se apenas o perfil da indústria de transformação. Nesse caso, a classificação fica restrita apenas a quatro perfis tecnológicos, pois na indústria não há nenhuma atividade classificada de baixa intensidade tecnológica.

Chama atenção que, entre 2010 e 2019, segundo os dados da Pesquisa Industrial Anual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), a participação das indústrias consideradas de padrão médio-baixo experimentou crescimento no total do Valor da Transformação Industrial (VTI). No sentido inverso, a indústria de médio-alto padrão tecnológico experimentou uma retração na sua participação em termos de Valor da Transformação Industrial.

A Figura 2 apresenta a participação das indústrias de alta intensidade tecnológica em Minas Gerais, que, apesar de praticamente ter dobrado entre 2007 e 2019, ainda é muito baixa. Se tomadas conjuntamente, as indústrias de média-baixa e média intensidades tecnológicas responderam em 2019 por 78% do Valor da Transformação Industrial (VTI) total, o que demonstra a dificuldade da estrutura produtiva do estado de Minas Gerais de se localizar em circuitos tecnológicos mais complexos.

Ainda observando a Figura 2, comparativamente ao Brasil, a situação de Minas Gerais é pior do que a média nacional. As indústrias de média-alta e de alta intensidades tecnológicas perderam participação relativa entre 2007 e 2019, tanto no Brasil, quanto em Minas Gerais. No entanto, apenas 22% do total do VTI em Minas Gerais pertenciam a esse perfil, ao passo que no Brasil são 30% da indústria. Importante ressaltar, no entanto, que esses dados se referem apenas ao setor industrial. Como a indústria vem perdendo participação relativa no país e no estado em relação ao setor de serviços, agropecuário e intensivos em recurso natural (como a mineração), o perfil tecnológico setorial do país e do estado é ainda mais problemático, e isso pode ser observado pelo perfil do comércio exterior, que será visto mais adiante.

Figura 2
Minas Gerais e Brasil: distribuição do Valor da Transformação Industrial segundo a intensidade tecnológica, 2007, 2012 e 2019

A perda de importância nos produtos de média-alta intensidade tecnológica precisa ser compreendida, particularmente porque é nessa faixa da produção industrial que se encontram setores importantes para ganhos de produtividade e choques tecnológicos, pois abarcam a indústria de máquinas e equipamentos. Vale dizer, a indústria de bens de capital, como a automotiva e de equipamentos de transporte, notadamente equipamentos ferroviários, veículos militares e de transporte. Foram esses os seguimentos que mais perderam posição relativa.

A maior perda foi observada no setor automotivo e no setor de máquinas e equipamentos. A reversão da política implementada no setor ao longo dos anos de 1980 e na década de 1990 se deu com uma perda importante dos elos na cadeia do setor automobilístico em Minas Gerais. A perda na indústria automotiva é tão significativa que há redução no valor nominal e real. No caso da indústria de bens de capital, a concorrência com produtos importados, associada a uma taxa de câmbio valorizada, foi central para compreender a perda de importância relativa da indústria de maior conteúdo tecnológico em Minas Gerais.

A discussão sobre a estrutura produtiva tem sido evidenciada ao longo dos últimos anos por diversos autores. Notadamente a discussão sobre cadeias globais de valor e redes, que ganhou espaço na literatura internacional nos últimos anos com a discussão de complexidade econômica, ressalta a importância daquilo que é produzido e exportado, pois no limite essa inserção e as conexões geradas por ela criam as condições para os saltos tecnológicos futuros (Haussman et al., 2007).

A China se consolidou como o principal destino das exportações de Minas Gerais. Em 2021, 42% das exportações foram direcionadas àquele país. Em seguida aparecem os países europeus com cerca de 18% do total. Individualmente, no entanto, a parcela importada por cada um dos países europeus é baixa, mostrando uma diversificação maior dos destinos. Os Estados Unidos são o segundo maior destino das exportações mineiras.

Essa elevada importância da China foi algo que se estabeleceu ao longo dos últimos 20 anos e revela um aspecto preocupante, qual seja, a elevada dependência de apenas um parceiro comercial. Ainda mais significativo é o fato de que essa importância relativa cresceu ao longo dos últimos anos.

Minas Gerais se destaca por se um estado que contribui bastante para a corrente de comércio brasileira. Em 2021 respondeu por cerca de 10% do fluxo da balança comercial brasileira. No caso das exportações essa participação chegou a 14% em 2021, ao passo que as importações representaram uma participação de apenas 6% do total das importações brasileiras. Isso garante um saldo comercial positivo para o estado da ordem de US$ 25 bilhões de dólares. Minas Gerais, o Pará e o Mato Grosso respondem, já há alguns anos, pela maior parcela do resultado positivo da balança comercial do país, pois são os principais exportadores de produtos minerais e agropecuários do país.

Entre 2010 e 2019 houve queda em termo reais nas exportações, o que provocou redução de 32% no valor exportado pelo estado vis-à-vis ao valor de 2010. Analisando-se os dados para o Brasil, também se observa queda em termos reais, mas de magnitude bem inferior, apenas 7% entre 2010 e 2019.

A análise por intensidade tecnológica também mostra saldos muito diferentes, resultado das variações de preço maiores entre as commodities. O saldo em 2020 está abaixo dos valores de 2010, o que pode ser explicado principalmente para interrupção de parte dos fluxos de comércio na pandemia.

Em 2021 há recuperação muito forte tanto em termos de valores exportados quanto em termos de volume. A elevação dos preços das comodities no mercado internacional tem provocado um efeito positivo nas exportações brasileiras, notadamente a de estados cujas pautas de exportação são relacionadas a commodities agropecuárias e minerais. No entanto, observa-se inflexão no valor das exportações de produtos de maior intensidade tecnológica em Minas Gerais no ano de 2021.

Do ponto de vista da atividade econômica, a desvalorização do real frente ao dólar aquece a economia do estado, mas possui um efeito contraditório. Se de um lado o câmbio favorável à produção local é importante para a indústria, podendo ter efeitos positivos sobre ela, o aumento dos preços das commodities primárias no mercado internacional tem efeito inverso, estimulando ainda mais a exportação de produtos primários e direcionando investimentos a esses setores e atividades.

O efeito cambial tem, por outro lado, a possibilidade de estimular a indústria local e regional gerando algum efeito substitutivo de importações. Entretanto, esse estímulo depende da preservação e manutenção desse estímulo no médio e longo prazo. Não bastaria apenas uma taxa de câmbio favorável, mas um conjunto de políticas visando estimular o setor produtivo e voltadas à incorporação e ao aumento da intensidade tecnológica.

A evolução dos últimos 11 anos mostra uma pauta exportadora que permanece estável em termos da importância dos bens e serviços de alta intensidade tecnológica. A estabilidade da participação dos bens de baixa e média-baixa intensidade tecnológica é notável, o que indica o desafio que o estado enfrenta na busca por reduzir a dependência das suas exportações (Figura 3).

De fato, interfere diretamente no crescimento econômico, e nas políticas públicas, porque torna a economia do estado excessivamente dependente da dinâmica do mercado internacional. A especialização produtiva é, ao mesmo tempo, salvação no curto prazo e decadência no longo prazo.

Figura 3
Minas Gerais: distribuição das exportações segundo a intensidade tecnológica, 2010 a 2021.

No caso das importações ocorre quadro inverso. Uma estabilidade na importância dos bens de média-alta e alta intensidade tecnológica, revelando a dependência das importações, em termos de produtos com maior valor agregado, reforçando o círculo vicioso anteriormente referido (Figura 4).

Figura 4
Minas Gerais: distribuição das importações segundo a intensidade tecnológica, 2010 a 2021

5 Material e métodos

Nesta seção testamos as hipóteses previamente identificadas para a economia mineira a partir dos anos de 1990, especialmente a característica de especialização em setores de baixa tecnologia e, consequentemente, um sistema produtivo de baixo valor agregado, competitividade e dinamismo de longo prazo.

Na ausência de dados mais completos de valor agregado, utilizamos os dados de emprego e massa salarial da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), para os anos de 2010 a 2019, portanto, antes da pandemia para evitar viés. Uma atenção especial é dada à indústria de transformação. Nesse caso classificamos o Valor da Transformação Industrial segundo a intensidade tecnológica, de forma a compreender o desempenho desse setor específico.

Os dados de exportação e importação são oriundos da base estatística de comércio exterior do Ministério da Economia (Comex Stat), organizados segundo a CIIU/ISIC versão 4 e classificados conforme o nível de intensidade tecnológica adapatado à CNAE 2.0 a partir da proposta de Galindo-Rueda e Verger (2016) (Quadro A.1 do Anexo 1).

Utilizando os microdados da RAIS de 2019, testamos a hipótese de que empresas e setores de maior intensidade tecnológica têm a capacidade de dinamizar a economia do estado de forma mais efetiva, com base na premissa de que essas empresas geram uma massa salarial mais elevada do que aquelas ligadas a outras atividades econômicas. A literatura de economia regional e urbana, que tem entre seus objetivos explicar a escolha locacional da firma, identifica quais os aspectos influenciam na decisão locacional das atividades econômicas (Glaser et al., 1992GLASER, E. L; KALLAL, H. D; SCHEINKMAN, J. A; SHLEIFER, A. Growth in cities. Journal of Political Economy, v. 100, Issue 6, p. 1.126-1.152, 1992.; Fujita; Thisse, 2002FUJITA, M; THISSE, J. F. Economics of agglomeration cities, industrial location, and regional growth. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.).

A hipótese inicial é a de que a escolha e a oferta salarial são uma decisão da firma e encontra apoio na literatura da área de inovação, como aponta o trabalho clássico de Teece (2010TEECE, D. J. Technological innovation and the theory of the firm: The role of enterprise-level knowledge, complementarities and (dynamic) capabilities. In: HALL, B. H.; ROSENBERG, N. (Ed.). Handbook of Economics of Innovation. Elsevier, 2010, cap. 16.). O salário pago depende de um conjunto de característica: setor de atividade dessa firma, o grau tecnológico da atividade, o ambiente interno à firma (tamanho, capital, tecnologia), o ambiente externo (densidade populacional e do mercado de trabalho, diversidade econômica local/regional, economias urbanas). A proposta procura articular dois corpos teóricos distintos. De um lado, o debate sobre economia regional e urbana e, de outro, as discussões ligadas à teoria da firma, e, em especial, a inovação (Chein, 2003CHEIN, F. Espaço, desenvolvimento e o papel da firma: qual contribuição do pensamento econômico? In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA. 31º., Salvador, Bahia, 2003. Anais [...]; Teece, 2010). A estratégia difere dos modelos tradicionais que testam a massa salaria média em função de algumas características dos indivíduos e locais/regionais, como é o caso do trabalho de Simões e Freitas (2014SIMÕES, R; FREITAS, E. Urban attributes and regional differences in productivity: Evidence from the external economics of Brazilian micro-regions from 2000-2010. International Journal of Economics, v. 1, p. 30-44-44, 2014.), que incorpora a questão tecnológica, mas não analisa as características das firmas, ou mesmo de trabalhos que testam as especializações regionais, como o trabalho de Gonçalves et al. (2019GONÇALVES, E; SALDANHA, R. F; ALMEIDA, E; SILVA A. S. Crescimento do emprego industrial local no Brasil: o grau de especialização por intensidade tecnológica importa: Nova Economia, Belo Horizonte, v. 29, n. 1, 2019.).

A estratégia utilizada para testar as hipóteses foi a de estimar um modelo hierárquico linear (MHL) com intercepto aleatório, tomando como variável explicada a massa salarial (MS) das firmas com os dados agrupados em três níveis analíticos, quais sejam, o nível básico com dados das firmas, o segundo nível considerando o agrupamento das firmas por nível tecnológico conforme a taxonomia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o terceiro nível considerando a distribuição microrregional das firmas.

A inclusão do nível de intensidade tecnológica, além de controlar o efeito da heterogeneidade das firmas nessa dimensão, ainda nos permite analisar de que maneira o intercepto da massa salarial das firmas varia para cada uma das categorias. Apesar de a dimensão espacial não ser tratada explicitamente no modelo, a inclusão do nível hierárquico das microrregiões serve para controlar parte dos efeitos espaciais. Além da estrutura hierárquica, o modelo inclui um conjunto de variáveis explicativas para o nível das firmas, que serão descritas mais adiante.

Os modelos hierárquicos lineares, também conhecidos como modelos de regressão hierárquica ou modelos multiníveis, são uma extensão dos modelos de regressão linear tradicionais que levam em conta a estrutura hierárquica dos dados organizados em diferentes níveis de agrupamento, como setores e regiões.

Não levar em consideração a estrutura hierárquica de um conjunto de dados pode causar distorções na análise estatística. Em particular, na utilização de regressões lineares simples, não considerar a correlação entre as observações de um mesmo grupo (correlação intraclasse) pode violar a hipótese de independência dos resíduos. Quando a correlação intraclasse é positiva, é comum ocorrer subestimação dos desvios padrões e superestimação das estatísticas de teste, o que aumenta a probabilidade de erros tipo 1, ou seja, a estimativa dos efeitos dos preditores tende a ser considerada mais significativa do que realmente seria caso fosse levada em conta a correlação entre as observações de um mesmo grupo (Steenbergen; Jones, 2002STEENBERGEN, M. R.; JONES, BRADFORD S. Modeling multilevel data structures. American Journal of Political Science, p. 218-237, 2002.).

Outra vantagem analítica possibilitada por modelos hierárquicos é a exploração da heterogeneidade causal. Ao especificar iterações entre os níveis, é possível determinar se os efeitos dos preditores de nível inferior são condicionados ou moderados pelos efeitos de nível superior. Ou seja, a consideração da dimensão hierárquica permite explorar se existe uma dinâmica causal uniforme ou heterogênea entre os diferentes níveis.

Nos modelos hierárquicos também é possível incluir diferentes tipos de efeitos aleatórios para acomodar a variação e a estrutura hierárquica dos dados. Esses efeitos aleatórios podem ser categorizados como interceptos aleatórios, coeficientes aleatórios (também chamados de inclinações aleatórias) e estruturas de covariância mais complexas.7 7 Para detalhamento de modelos hierárquicos, confira Steenberg; Jones (2002).

Neste estudo decidimos optar por utilizar MHL com intercepto aleatório. Essa escolha é justificada tendo em vista o aumento do custo computacional gerado pela inclusão de estruturas de covariância mais complexas, uma vez que estamos lidando com um grande número de observações organizadas em três níveis hierárquicos. Além disso, do ponto de vista conceitual, o modelo com intercepto aleatório já seria suficiente para explorarmos nossa hipótese de interesse, isto é, verificarmos se, tudo o mais constante, firmas com nível tecnológico mais alto remuneram melhor e, portanto, possuem maior capacidade de dinamização.

Além dos três níveis hierárquicos, nível básico da firma, segundo nível agrupando firmas por classificação de intensidade tecnológica e terceiro nível agrupando firmas por microrregião, o modelo também inclui um conjunto de variáveis explicativas de primeiro nível, descritas no Quadro 1.

Quadro 1
Variáveis explicativas do modelo

As duas equações (1) e (2) do modelo básico podem ser descritas como:

M S i = β 0, t , m + β 1 l o g ( i d a d e i ) + β 2 p m u l h e r e s i + β 3 p e n s f i + β 4 p e n s m i + β 5 p e n s s i + β 6 l o g ( t e m p i ) + β 7 l o g ( t e x i s i ) + β 8 l o g ( d e n s i i ) + β 9 l o g ( p i b p c m i ) + β 10 l o g ( Q L i ) + β 11 l o g ( I D i ) + β 12 l o g ( vab _ pub _ mun i ) + l o g ( D M T a m a n h o i ) + θ l o g ( D M N a t u r e z a i ) (1)

β 0, s , m = γ + u t + e m (2)

A primeira equação descreve o nível das firmas, que inclui a variável dependente (MS) e as variáveis explicativas descritas no Quadro 1. A segunda descreve a maneira como o intercepto β0,s,mé modelado pode variar entre os níveis tecnológicos e as microrregiões, γ é o intercepto médio geral da massa salarial para todas as firmas, ut é o desvio para o nível tecnológico t em torno da média geral e em é o desvio para a microrregião m em torno da média geral.

Além do modelo básico, foram estimadas três outras especificações. Na primeira incluímos todas as firmas com mais de um trabalhador registradas na RAIS 2019, ao passo que na segunda especificação foram excluídas as firmas de natureza pública. Na terceira especificação foram excluídas, além das empresas públicas, todas as outras firmas classificadas como não empresariais no nível tecnológico. A Tabela 1 apresenta os resultados das estimações.

Tabela 1
Resultado das estimações

Optamos por estimar diferentes especificações do modelo devido à hipótese de que empresas públicas e entidades tecnológicas não empresariais podem empregar diferentes racionalidades no processo de tomada de decisão salarial. Portanto, é relevante investigar se as relações entre as variáveis independentes do modelo e a variável dependente seriam alteradas com a retirada de empresas dessas categorias.

Os modelos 1 e 2, tanto aquele que inclui todas as empresas como o que exclui apenas as empresas públicas, apresentaram resultados bastante similares. No entanto, o modelo 3, que exclui empresas públicas e não empresariais, revelou resultados divergentes. Além disso, o coeficiente de determinação (R²) e o critério de informação de Akaike (AIC) calculados para essa especificação apresentaram uma redução significativa em comparação com as outras duas especificações. Esses resultados sugerem que a exclusão das entidades não empresariais ocasiona problemas de especificação no modelo.

Nos modelos 1 e 2 somente a variável dummy para identificar firmas extraterritoriais teve um coeficiente estimado não significativo. Todas as outras variáveis apresentaram coeficientes estimados significativos a 1%, enquanto os valores estimados apresentaram os sinais esperados.

Os coeficientes estimados para a idade média da força de trabalho nos modelos 1 e 2 apresentaram valores próximos a 0,11, ou seja, tudo mais constante, um aumento de 1% na idade média dos trabalhadores de uma firma acarreta um aumento de cerca de 0,11% na massa salarial paga.

Os coeficientes estimados para a proporção de mulheres na força de trabalho da firma nos modelos 1 e 2 apresentaram valores próximos à -0,40, evidenciando a discriminação salarial presente no mercado de trabalho brasileiro.

Os coeficientes estimados para as proporções de trabalhadores em diferentes níveis educacionais nos modelos 1 e 2 apresentaram valores significativos e positivos para todos os níveis educacionais. Importante notar que os coeficientes estimados para os níveis fundamental e médio não tiveram diferença tão grande, ou seja, aparentemente o mercado de trabalho mineiro não valoriza de maneira tão diferente trabalhadores com ensino médio e trabalhadores somente com o fundamental. Entretanto para a proporção de trabalhadores com ensino superior, os coeficientes estimados apresentaram valores bem maiores, mostrando que esses profissionais são mais valorizados pelas firmas.

As variáveis de tempo de existência da firma e tempo médio de contrato dos trabalhadores apresentaram coeficientes positivos para os modelos 1 e 2.

As variáveis de densidade populacional e PIB per capita do município têm por objetivo controlar por efeitos de economias de aglomeração de forma geral, assim como as variáveis de quociente locacional e índice de diversidade têm por objetivo controlar efeitos de economias de aglomeração relacionados à especialização produtiva e diversificação, respectivamente. Os coeficientes estimados para essas variáveis foram significativos e positivos, resultado esperado segundo a literatura.

A variável da proporção do VAB municipal devida à atividade pública foi incluída no modelo como forma de controlar o efeito do setor público no comportamento das firmas. Os coeficientes foram positivos e significativos. No caso da identificação do tipo jurídico da firma, captada pelas variáveis dummy, há evidência de existência de bônus salarial nas firmas públicas e sem fins lucrativos.

Como esperado, as variáveis para identificação do tamanho da firma, com base no número de trabalhadores, apresentaram coeficiente positivo e crescente com o avanço de tamanho da categoria.

Como já salientado, uma das principais vantagens analíticas possibilitadas pela estimação de um modelo hierárquico com intercepto aleatório é a verificação da maneira pela qual o intercepto varia entre as diferentes categorias da hierarquia. Na nossa aplicação, portanto, é possível verificar as diferenças no intercepto estimado para a massa salarial entre os diferentes níveis tecnológicos. Esses resultados estão expostos na Tabela 2, a qual mostra para cada nível tecnológico o desvio em torno do intercepto geral estimado.

Tabela 2
Variação do intercepto para os níveis tecnológicos

Analisando os resultados, podemos perceber que as firmas enquadradas dentro das categorias de manufatureiras de nível tecnológico alto e médio-alto apresentaram os maiores interceptos estimados, confirmando a intuição da propensão dessas firmas a remunerar melhor os maiores salários. O contrário ocorre nos níveis tecnológicos médio e médio-baixo.

Em relação às firmas não manufatureiras, somente a categoria de nível tecnológico alto apresenta resultado positivo, o que se deve em parte às dificuldades na compatibilização entre a taxonomia tecnológica da OCDE e a divisão da CNAE, uma vez que muitas firmas que deveriam ser categorizadas como pertencentes a níveis tecnológicos mais baixos acabam permanecendo nos níveis tecnológicos mais altos, portanto podendo gerar distorções nos coeficientes estimados.

As conclusões indicam que as firmas com maior nível tecnológico pagam salários mais elevados, sejam elas manufatureiras ou não manufatureiras. O modelo corrobora a necessidade de apoiar o desenvolvimento tecnológico e a inovação, o que melhora a capacidade competitiva dessas empresas, garantindo, por um lado, maior diversificação e melhor inserção econômica do estado e, por outro, a redução da dependência da pauta de exportação, inclusive reduzindo a capacidade de importação.

6 Conclusões

A estagnação econômica brasileira vem se prolongando no tempo. Por razões diferentes da crise dos anos de 1980, o Brasil vem experimentando uma década de estagnação. A instabilidade internacional da última década é cada vez maior. Crises de diferentes naturezas vêm se sucedendo e gerando transformações no panorama internacional, que se mostram cada vez mais desafiadoras. As oscilações na demanda internacional, nos preços, a interrupção e a reorganização das cadeias globais de valor aumentam a volatilidade financeira, exigindo e desafiando estados e empresas em uma perspectiva cada vez maior.

As múltiplas crises que se sucedem geram desafios. A capacidade de absorver os choques, a resiliência e a capacidade da sociedade e dos setores econômicos para absorver novos paradigmas são elementos centrais importantes para a competitividade da economia brasileira.

Torna-se patente como a baixa diversificação econômica do estado de Minas Gerais representa um problema, com impactos de curto, médio e longo prazos. O estado vem perdendo relevância na produção industrial do país. De um lado, a dependência econômica de atividades mineradoras e de uma indústria de baixa intensidade tecnológica dificultam a transição e o aumento da resiliência econômica do estado. De outro, a ausência de uma política de ciência e tecnologia articulada com o setor produtivo. Em parte, por conta das dificuldades no plano nacional, mas também, e não menos importante, pela ausência e pela incapacidade do estado de estruturar e preservar uma política de ciência e tecnologia mais autônoma e que dê folego e independência relativa ao estado, criando as condições para estimular o desenvolvimento tecnológico nacional e sua incorporação ao setor produtivo, um dos desafios mais complexos.

A perda de competividade no médio e longo prazos fica dependente quase exclusivamente de algumas poucas empresas e setores industriais. Essa característica retrata o caráter dependente da estrutura produtiva do estado à dinâmica do mercado internacional, reforçando um círculo vicioso difícil de ser revertido, sem uma clara opção do governo estadual em estimular o sistema regional de inovação. Do mesmo modo, a saúde fiscal e financeira do estado é também dependente dessa estrutura produtiva e limita as políticas públicas à dinâmica do mercado externo.

As estimativas aqui apresentadas confirmam a hipótese de que as firmas produtoras de bens de média e alta tecnologia demandam mão de obra mais qualificada, induzindo um efeito positivo na atividade econômica em geral. O setor público possui papel relevante nesse processo, ainda que precise de melhor qualificação. Do mesmo modo, confirma a intuição de que firmas com maior conteúdo tecnológico pagam melhores salários e, em consequência, têm maior capacidade de dinamizar a economia mineira e torná-la menos dependente das variações na demanda internacional por commodities primárias.

Agradecimentos

Á Associação dos Funcionários Fiscais de Minas Gerais (AFFEMG), nas pessoas de Lucas Rodrigues Espechit e Sara Costa Felix Teixeira, e aos dois pareceristas anônimos pela leitura cuidadosa e sugestões. Os resultados são de nossa inteira responsabilidade. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o apoio através da concessão da bolsa de Pesquisa em Produtividade e de Pós-Doutorado, respectivamente.

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  • Código JEL:

    F63, R11, C01
  • JEL Codes:

    F63, R11, C01
  • 1
    Instituto Brasileiro de Economia (IBRE)/Fundação Getulio Vargas (FGV) (vários anos).
  • 2
    O auxílio emergencial garantia uma renda, inicialmente durante três meses, de R$ 600,00 (seiscentos reais) para cada cidadão acima de 18 anos sem emprego formal ativo, microempreendedor individual e não titular de nenhum benefício assistencial, como seguro-desemprego ou bolsa-família. No caso de mulher provedora uniparental, o valor chegava a R$ 1.200,00. O auxílio emergencial foi estendido até dezembro de 2020 no valor de R$ 300,00. O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda garantia aos empregadores manter o emprego de trabalhadores durante três meses, mas também foi estendido até o final do ano.
  • 3
  • 4
    Isso fica evidente com o atual período de evolução das receitas estaduais no período 2021-2022.
  • 5
    O conceito de catch up em desenvolvimento econômico refere-se à capacidade e velocidade com que economias periféricas conseguem alcançar o desenvolvimento tecnológico de países líderes (Nelson, 1996NELSON, R. The sources of economic growth. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1996.).
  • 6
    Adotamos a proposta metodológica de Galindo-Rueda e Verger (2016) para classificação produtiva segundo a intensidade tecnológica. Os autores apresentam uma proposta que enquadra os códigos do Sistema Internacional de Classificações das Nações Unidas (CIIU/ISIC rev. 4) à quantidade de P&D (pesquisa e desenvolvimento) associados a cada um dos setores. Utilizam a classificação a 3 dígitos e propõem o enquadramento tecnológico das atividades econômicas em duas classes: a indústria de transformação e as atividades não manufatureiras. A correspondência com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0), ao nível de 3 dígitos, é quase direta e poucas reorganizações são necessárias. Alguns setores necessitam de adaptação como a produção de biocombustíveis, que é tratada na classificação internacional como parte da indústria química e na classificação brasileira como parte da indústria de coque, refino de petróleo, derivados e biocombustíveis. Outro exemplo, que aqui foi desconsiderado, diz respeito à produção de software que na classificação brasileira é tratada como parte dos serviços de tecnologia da informação e computação.
  • 7
    Para detalhamento de modelos hierárquicos, confira Steenberg; Jones (2002).

Anexo

Quadro A.1
Intensidade tecnológica de produtos manufatureiros e não manufatureiros

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2023
  • Aceito
    11 Set 2023
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