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Oferta e demanda por economistas no governo brasileiro: histórico, sociologia da profissão e capacidades estatais

The professionalization of public economists in Brazil and their demand and supply movements: History, sociology of the profession, and state capacities

Resumo

Este artigo apresenta a aplicação de um modelo interpretativo para o estudo da presença de economistas no governo, com especial atenção ao caso brasileiro. Baseando-se em teorias e conceitos da sociologia e do chamado “campo de públicas”, elabora-se um modelo de oferta e demanda de economistas no governo. Para isso, mobilizam-se a sociologia do sistema de profissões de Andrew Abbott e o conceito de capacidades estatais. Esse modelo interpretativo é aplicado para a análise de três momentos da história dos economistas no governo brasileiro: o surgimento da demanda pelo conhecimento econômico no Estado burocrático brasileiro a partir dos anos de 1930 e 1940; a construção de um sistema e de uma comunidade mais sofisticada de economistas ao redor dos anos de 1960; e os debates sobre desigualdade e inflação nos anos de 1970 e 1980.

Palavras-chave:
economistas no governo; capacidades estatais; sociologia do sistema de profissões

Abstract

The paper presents the use of an interpretative model to study the presence of economists in government, with special attention to the Brazilian case. Based on theories and concepts from sociology and policy analysis, a model of supply and demand for economists in government is devised. To this end, we use Andrew Abbott's sociology of the system of professions and the concept of state capacities. This interpretive model is applied to the analysis of three moments in the history of economists in the Brazilian government: the emergence of the demand for economic knowledge in the Brazilian bureaucratic state in the 1930s and 1940s, the building of a more sophisticated system and community of economists around the 1960s, and the debates about inequality and inflation in the 1970s and 1980s.

Keywords:
economists in government; state capacities; sociology of the system of professions

1 Introdução

É de conhecimento geral que há algum tempo os economistas se estabeleceram com destaque como conselheiros, estrategistas, burocratas, policy makers, avaliadores, operadores e implementadores de políticas públicas. Esses profissionais também são influentes na mídia tradicional, como colunistas e comentaristas de impressos e telejornais, e mesmo nas novas formas de comunicação, como em canais de vídeos na internet, em blogs, podcasts, entre outros. Na academia, o conhecimento econômico é utilizado não somente em problemas propriamente econômicos, como desemprego, crescimento e desigualdade de renda, mas também em áreas como segurança pública e violência, educação e saúde, equidade de gênero e raça, isso para ficar em alguns exemplos. Em uma obra marcante sobre os economistas e os efeitos dessa ciência no mundo, a socióloga Marion Fourcade marca: “[o]s economistas estão em todos lugares” (Fourcade, 2009FOURCADE, M. Economists and societies. Princeton: Princeton University Press, 2009., p. 1).

Contudo, embora essa seja uma profissão global, presente em países mais e menos desenvolvidos, em sociedades com formas e regimes de governo diversos, em culturas diferentes, a economia e os economistas têm histórias locais, usos, práticas e inserções nos setores público e privado particulares, com características e evoluções específicas. Sociólogos, como Marion Fourcade, cientistas políticos e historiadores da economia e da ciência econômica, cada qual à sua maneira, com focos de interesse diferentes e a partir de perspectivas teóricas e empíricas distintas, se debruçam sobre o caso da influência e da presença dos economistas em diferentes sociedades. A sociologia da profissão de economista, a visão desses profissionais como parte das elites dirigentes, seu conhecimento e presença como instrumento de poder político e burocrático e sua influência na elaboração de políticas públicas são evidentes pontos de interesse. Para os historiadores da economia, mesmo que os assuntos teóricos e metodológicos sejam o foco principal de atenção, a questão dos economistas no governo é, sem dúvida, um dos temas de importância para a área. O influente historiador do pensamento econômico Bob Coats, já nos anos de 1970, pedia para que os historiadores da economia se dedicassem ao assunto (Coats, 1978).

Dito isso, este artigo pretende apresentar um arcabouço de análise da evolução e da presença, do papel e da influência dos economistas no governo, voltado para o caso brasileiro, estudando esse fenômeno social através da oferta e da demanda de economistas e de seu conhecimento. Particularmente, para entender a oferta do trabalho e do conhecimento dos economistas para o governo, recorremos à sociologia das profissões de Andrew Abbott. Esse autor propõe uma teoria para explicar a criação e o controle de espaços de expertise por diferentes grupos profissionais. Por outro lado, a demanda por economistas é bem estabelecida nos governos, com o conhecimento dessa área constituindo uma parte relevante das chamadas capacidades estatais.

Para ilustrar o uso desses conceitos e teorias, apresenta-se uma análise de três momentos da história da economia e dos economistas no governo do Brasil. Primeiro, trata-se do impulso para a formação de economistas com origens nas reformas do Estado brasileiro, ocorridas a partir do final dos anos de 1930 e na década de 1940. Depois, analisa-se a construção da comunidade mais sofisticada de economistas no entorno da década de 1960, com eventos como a criação da Associação Nacional de Centros de Pós-Graduação em Economia (ANPEC). E, finalmente, estuda-se a especialização e a monopolização de grandes temas nacionais pelos economistas, como ocorrido com os debates sobre desigualdade e inflação nas décadas de 1970 e 1980.

Em resumo, o exercício aqui realizado busca apontar que principalmente a sociologia do sistema das profissões de Abbott aporta um modelo interpretativo interessante para a história da economia e dos economistas no Brasil, isso aliado à ideia da constituição de capacidades estatais no país durante o século XX. A aplicação das ideias do sociólogo norte-americano adiciona rigor conceitual, como pedia Coats (1978COATS, A. W. Economists in government: A research field for the historian of Economics. History of Political Economy, v. 10, n. 2, p. 298-314, 1978.), para o estudo da profissão de economista, e pode ser aplicada tanto para interpretações mais gerais, como feito aqui, quanto para o estudo de episódios específicos da história da profissão no Brasil.

2 Um arcabouço de demanda e oferta por economistas

No que segue, como dito anteriormente, apresenta-se um modelo interpretativo para a oferta e demanda de economistas no governo.

2.1 Capacidades estatais e a demanda por economistas

Conceitualmente, as capacidades estatais estão relacionadas ao poder de agir do Estado, produzindo ações de gestão cotidianas necessárias, produzindo, e executando políticas públicas de áreas diversas. Não obstante os diferentes desenvolvimentos e aplicações do conceito, o que se busca com sua utilização é traduzir como os Estados possuem ou desenvolvem meios para implementar decisões e alcançar fins determinados (Giraudy, 2012GIRAUDY, A. Conceptualizing state strength: Moving beyond strong and weak states. Revista de Ciência Política, v. 32, n. 3, p. 599-611, 2012.; Grin, 2012GRIN, E. J. Notas sobre a construção e a aplicação do conceito de capacidades estatais. Revista Teoria & Sociedade, v. 1, n. 2, 148-176, 2012.; Gomide et al., 2018GOMIDE, A. A.; Pereira, A. K.; MACHADO, R. Burocracia e capacidade estatal na pesquisa brasileira. In: PIRES, R.; LOTTA, G.; OLIVEIRA, V. E. (Org.). Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas. Brasília: IPEA, 2018.).1 1 Uma revisão exaustiva do modo como o conceito de capacidades estatais surgiu, tem sido definido, mensurado e aplicado, pode ser encontrada nos trabalhos de Jessop (2001), Addison (2009) e Cingolani (2013). Para a literatura latino-americana e brasileira, veja-se Gomide (2016), Gomide et al. (2018), Aguiar e Lima (2019) e Souza e Fontanelli (2020). Dentro disso, as capacidades estatais envolvem tanto elementos que dizem respeito às técnicas e habilidades necessárias para a execução de tarefas e políticas, quanto seus aspectos políticos, isto é, a capacidade de negociar e legitimar decisões e cursos de ação (Soifer, 2008SOIFER, H. State infrastructural power: Approaches to conceptualization and measurement. Studies in Comparative International Development, v. 43, n. 3-4, p. 231-251, 2008.; Addison, 2009ADDISON, H. J. Is administrative capacity a useful concept? Review of the application, meaning and observation of administrative capacity in political science literature. LSE Research Paper, p. 1-21, 2009.; DeRouen Jr. et al., 2010; Hendrix, 2010HENDRIX, C. S. Measuring state capacity: Theoretical and empirical implications for the study of civil conflict. Journal of Peace Research, v. 47, n. 3, p. 273-285, 2010.; Kocher, 2010KOCHER, M. A. State capacity as a conceptual variable. Yale Journal of International Affairs, v. 5, p. 137-145, 2010.; Savoia; Sen, 2012SAVOIA, A.; SEN, K. Measurement and evolution of state capacity: exploring a lesser known aspect of governance. Effective States and Inclusive Development Research Centre Working Paper, v. 10, 2012.). Como conceito amplo, algumas análises focam mais nas capacidades administrativas e de transformação, em termos de maior intervenção na economia, como em Skocpol e Finegold (1982SKOCPOL, T.; FINEGOLD, K. State capacity and economic intervention in the early New Deal. Political Science Quarterly, v. 97, n. 2, p. 255-278, 1982.), Geddes (1990GEDDES, B. Building “State” autonomy in Brazil, 1930-1964. Comparative Politics, v. 22, n. 2, p. 217-235, 1990.) e Sikkink (1991SIKKINK, K. Ideas and Institutions: developmentalism in Brazil and Argentina. Ithaca: Cornell University Press, 1991.). Enquanto outra vertente da literatura, por sua vez, estuda as capacidades em termos de proteção ao indivíduo e delimitação ao espaço de ação do Estado em uma economia de mercado, como em Acemoglu (2005ACEMOGLU, D. Politics and economics in weak and strong states. Journal of Monetary Economics, v. 52, n. 7, p. 1.199-1.226, 2005.; 2010) e Besley e Person (2009BESLEY, T.; PERSSON, T. The origins of state capacity: Property rights, taxation, and politics. American Economic Review, v. 99, n. 4, p. 1.218-1.244, 2009.).

Apesar da multidimensionalidade da concepção de capacidades estatais, este trabalho foca nas dimensões administrativa e de produção de políticas públicas. Ancoradas na racionalidade weberiana de concepção do Estado, é a construção de uma burocracia técnica qualificada e informada, por meio de princípios meritocráticos e impessoais, numa estrutura hierarquizada, e com algum grau de insulamento a pressões sociais que nos interessa aqui (Cockerham, 2015COCKERHAM, W. C. Max Weber: Bureaucracy, formal rationality and the Modern Hospital. In: COLLYER, F. (Ed.). The Palgrave Handbook of Social Theory in Health, Illness and Medicine. London: Palgrave Macmillan, 2015.; Kim, 2017). Trata-se, então, do conjunto de organizações, instrumentos e, principalmente, de profissionais capacitados, fundamentais para que governos sejam efetivos no alcance de seus propósitos. Em complemento, ao se tomar o conhecimento como um componente primordial dessas capacidades, tem-se que a burocracia pública deve possuir e desenvolver competências técnico-científicas para coletar, organizar, analisar dados e evidências, diagnosticar problemas e, mais sofisticadamente, formular métodos, teorias, inferências interpretativas e tratamentos para os problemas públicos. Na linha de Koga et al. (2020KOGA, N. M.; PALOTTI, P. L. M.; COUTO, B. G.; NASCIMENTO, M. I. B.; LINS, R. S. O que informa as políticas públicas: survey sobre o uso e o não uso de evidências pela burocracia federal brasileira. Brasília: IPEA, 2020. (Texto para discussão do IPEA, n. 2.619).), chamamos essas capacidades de capacidades estatais analíticas. Esse conceito não é tão difundido na literatura clássica e mais antiga de capacidades estatais, mas tem sido trabalhado e mais detalhado recentemente, inclusive para análises sobre o caso brasileiro.2 2 Um estudo recente publicado em periódico bastante conceituado é Koga et al. (2023), em que os autores analisam as capacidades analíticas brasileiras na gestão da crise da pandemia do coronavírus.

A despeito de uma discussão mais pormenorizada sobre a necessidade de conhecimento especificamente econômico dentro dos Estados modernos, o que tomamos como certo nesse artigo, é razoável dizer que se estabelece, a partir do final do século XIX e início do XX, com certa força, uma demanda por profissionais que dominam a ciência econômica. Em especial, esse fenômeno fica patente com o planejamento durante os conflitos mundiais do século passado e, depois, na constituição dos Estados de Bem-Estar e no planejamento macroeconômico. Há, portanto, uma demanda por economistas para informar, coordenar, produzir e implementar políticas monetárias, fiscais, industriais, de comércio exterior etc. Também, à medida que a economia se torna uma disciplina mais sofisticada e com técnicas quantitativas mais poderosas, os economistas passam a produzir e avaliar políticas educacionais, culturais, de saúde, de segurança, de combate à pobreza e à desigualdade etc. Tal demanda, então, se constituiria numa demanda por um tipo especial de capacidade estatal analítica, justamente a capacidade analítica formada pelo conhecimento produzido pela ciência econômica, aprendido e difundido pelos economistas.3 3 Pode-se dizer que novas exigências e a maior complexidade do arranjo estatal nas sociedades industriais se refletiram na necessidade de profissionais com qualificações específicas para a implementação de programas sociais e econômicos de intervenção, isso a despeito da variedade de regimes políticos e da não uniformidade desse processo em diferentes lugares (Coats, 1981a; 1981b). Sobre esse assunto, pode-se citar a edição especial do History of Political Economy (HOPE), de 1981, intitulada Economists in government.

2.2 A sociologia do sistema de profissões e o campo dos economistas

Andrew Abbott publica nos anos de 1980 um livro que seria muito bem recebido entre os sociólogos que lidam com a chamada sociologia das profissões, The system of professions. O professor da Universidade de Chicago analisa o modo como as sociedades institucionalizam a expertise, circunstância que, segundo sua interpretação, ocorre por meio das profissões e do controle dessas sobre tipos de trabalho (Abbott, 1988). Profissões são tomadas como grupos ocupacionais que aplicam algum conhecimento, técnica ou habilidade em alguma atividade específica, na resolução de problemas específicos. A conjunção de fatores criada para que esse monopólio ou controle exista configura, então, as condições de oferta de um trabalho específico para a sociedade em geral.

Comum às discussões sobre o modo como as profissões se institucionalizam está o enfoque em aspectos como a sua organização a partir de associações de profissionais; mecanismos de controle do trabalho, como taxas, licenças e/ou códigos de ética; interesse coletivo na educação profissional, via práticas de ensino e domínio das instituições; e, principalmente, a exclusividade legal sobre o direito de atuação em algum setor. A despeito de esses arranjos se estruturarem ora de maneira isolada, ora em conjunto, a elaboração de Abbott defende que um dos elementos basilares para a construção de “jurisdições” está na existência de um “sistema de conhecimento” e em seus níveis de “abstração” (Abbott, 1988, p. 8). Esse sistema abrange o que ele chama de processos de diagnóstico, tratamento e inferência sobre uma problemática, o que envolve como as questões atinentes a uma profissão são construídas ou reconstruídas e respondidas ou abandonadas. Problemas objetivos existentes na realidade fática são subjetivados pelos grupos profissionais, no sentido de que ganham interpretações próprias. Na medida em que essas interpretações que envolvem diagnóstico, inferência e tratamento são socialmente aceitas, um grupo profissional passa a exercer certo controle sobre o problema objetivo. Dentro disso, a abstração tem relação principalmente com a inferência, que opera entre o diagnóstico e os tratamentos, com a construção de esquemas de cadeias de causação (a teoria propriamente dita). Quase sempre, as profissões competem entre si pelos espaços que julgam disponíveis no mercado de trabalho, formando, nos termos de Abbott, um “ecossistema de profissões”.

A academia tem um papel crucial no sistema de profissões, pois ela ampara os sistemas de abstração das profissões e, consequentemente, ajuda a determinar os espaços jurisdicionais que cada profissão busca dominar (Abbott, 1988ABBOTT, A. The system of professions: An essay on the division of expert labor. Chicago: University of Chicago Press, 1988., p. 53). Apoiada nisso, a universidade, um dos lócus de produção de conhecimento acadêmico das sociedades, se manifesta como uma entidade que cria códigos (verdadeira ou presumidamente) incompreensíveis àqueles que não transitaram por esse ambiente. Assim, por meio da estrutura de produção e reprodução do conhecimento, isto é, pelo estabelecimento dentro de seu sistema de diagnósticos, tratamentos e inferências sobre questões postas, conduzidos e divulgados por associações de pesquisa e periódicos especializados, a academia atua legitimando a estrutura cognitiva de uma profissão (Abbott, 1988, p. 55, 80, 195). Ademais, a academia garante a reprodução da estrutura interna da própria profissão, por meio de alicerces formais e informais, como os controles sobre o exame, o recrutamento e o treinamento de novos quadros.

Outro ponto relevante é o reconhecimento de que valores culturais, locais, nacionais de um determinado tempo influem sobre sistemas de conhecimento, a competição dentro de um ecossistema de profissões e a legitimidade de práticas de trabalho. Princípios morais coletivos, ainda, legitimam as questões sobre as quais profissões se debruçam e o modo como propõem soluções para as diferentes problemáticas socialmente demandadas (Abbott, 1988ABBOTT, A. The system of professions: An essay on the division of expert labor. Chicago: University of Chicago Press, 1988., p. 187). Por exemplo, a despeito da legitimidade que médicos e profissionais do direito exigem e possuem sobre valores relativos a questões de saúde e justiça, estes últimos são juízos com significados históricos e, portanto, os resultados de suas práticas devem estar em correção com o que o tempo deles exige. O mesmo ocorre com o espaço ocupado pelas profissões da área de ciências sociais, como a economia, em que valores objetivos como a eficiência - produtiva, alocativa e distributiva - se sobrepõem a princípios com maior espaço para subjetividades e cuja dificuldade de mensuração é maior, como direitos, justiça e igualdade.4 4 Esse movimento, por vezes sintetizado em torno do conceito de “imperialismo econômico” (Lazear, 2000; Fine, 2002), simboliza a busca por prerrogativas exclusivas de ação, pelos economistas, na quase totalidade do espaço e debate público. Mensurado por Fourcarde et al. (2015) e Angrist et al. (2017), o conceito permite observar que áreas como a administração pública e a ciência política, por exemplo, têm adotado métodos e critérios que eram predominantemente econômicos para discutir questões como política internacional e políticas públicas. Por outro lado, ao mesmo tempo que valores conferem legitimidade à profissão que melhor se adapta a esse modus culturalmente sancionado, as profissões travam disputas discursivas para estabelecer novos valores culturais.

É necessário destacar, por fim, que a competição entre profissões ocorre, na contemporaneidade, também em nível internacional, como assinalado por Fourcade (2006FOURCADE, M. The construction of a global profession: The transnationalization of economics. American Journal of Sociology, v. 112, n. 1, p. 145-194, 2006.; 2009) na economia. A autora argumenta que a busca por legitimidade se expandiu para além das fronteiras nacionais em função da transnacionalização de políticas regulatórias e do fluxo internacional de capitais, público e privado, exigindo a internacionalização de expertises. Essa nova configuração da economia mundial resultou em espaços jurisdicionais globais para profissões como a de economista. Alguns fatores favoreceram esse processo, como: (i) a conformação do método predominante de se fazer ciência na área, pautada numa narrativa que se propõe universal, calcada em um conjunto de técnicas teóricas abstratas e ferramentas estatísticas complexas; (ii) o modo como se estrutura a reprodução do conhecimento econômico, via instituições de ensino, periódicos científicos e organismos internacionais, em que conexões transnacionais podem determinar uma relação de “centro-periferia” na produção e difusão de ideias; e (iii) a transformação da ciência econômica em uma tecnologia de poder político e burocrático. Nesse processo, é preciso reconhecer, o conhecimento acadêmico tem posição de destaque, bem como a relação da academia com o Estado.

Finalmente, é importante mostrar como Abbott (1988ABBOTT, A. The system of professions: An essay on the division of expert labor. Chicago: University of Chicago Press, 1988.) operacionaliza e aplica sua teoria sociológica das profissões. No livro citado, o sociólogo estuda três casos de desenvolvimento de espaços jurisdicionais. Das profissões que lidam com informação, como a biblioteconomia e, mais modernamente, a gestão da informação; do direito e do exercício da advocacia (nos Estados Unidos e no Reino Unido); e das profissões que lidam com problemas psicoterapêuticos. Ele afirma, antes, que seu modelo se presta a análises narrativas, principalmente à reconstrução da história dos campos profissionais. Então, a estrutura narrativa aplica o estudo dos elementos elencados anteriormente através da análise baseada em três ocorrências: um distúrbio inicial, que cria uma demanda inicial, a competição jurisdicional e as transformações que levam a um novo equilíbrio.

3 Economistas no governo: demanda e estabelecimento da jurisdição no Brasil

No que segue, aplicamos os conceitos e a teoria apresentados anteriormente aos três momentos da história da profissão de economista no Brasil citados na introdução do artigo.

3.1 O Estado brasileiro, o surgimento da economia como capacidade estatal analítica e os economistas engenheiros e advogados formados on the job

É certo que os anos de 1930 marcam mudanças radicais na administração pública brasileira. Centralização das decisões sobre economia, a própria expansão da intervenção e as políticas pró-indústria, mudanças nos processos decisórios, que passam a incluir órgãos com caráter técnico, ainda que incipientes, e a implantação de uma administração burocrático-racional implicaram na necessidade da economia como conhecimento indispensável ao Estado brasileiro, como capacidade estatal analítica (Loureiro, 1997LOUREIRO, M. R. Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1997.; Lima Jr., 1998; Fonseca, 2003FONSECA, P. C. D. Sobre a intencionalidade da política industrializante do Brasil na década de 1930. Revista de Economia Política, v. 23, n. 1, p. 133-148, 2003.; Bresser-Pereira, 2007). O conhecimento econômico, é claro, já era necessário e de certo modo aplicado no Brasil antes de 1930, mas, depois, surgiu uma forma diferente de sua aplicação dentro do modelo de Estado burocrático, ligada ao caráter mais técnico do que se queria dar ao processo decisório e ao número de órgãos que surgem relacionados à matéria (Loureiro, 1997; Earp; Kornis, 2004EARP, F. S.; KONIS, G. O desenvolvimento econômico sob Getulio Vargas. In: SILVA, R. M.;CACHAPUZ, P. B.; LAMÃRAO, S. T. N. (Org.). Getulio Vargas e seu tempo. Rio de Janeiro: BNDES, 2004.).5 5 Por exemplo, Versiani (2023) nota como no século XIX e início do XX, apesar da argumentação econômica baseada principalmente nos clássicos, o debate sobre industrialização acabava por ser decidido mais pelo lobby dos grupos de interesse do que por razões que poderiam ser tomadas como técnicas. Diz Versiani (2023, p. 149) que as referências aos autores estrangeiros eram superficiais e constituíam mais práticas “retóricas”. Pode-se dizer que o problema da indústria ainda não estava subjetivado nos termos do que viria a ser o campo profissional dos economistas. Nos termos de Abbott (1988ABBOTT, A. The system of professions: An essay on the division of expert labor. Chicago: University of Chicago Press, 1988.), essa demanda pelo conhecimento econômico pode ser tomada como o distúrbio que provocou inicialmente a disputa sobre o campo profissional da economia. O que se abriu, então, foi a disputa de sua aplicação como tecnologia de poder burocrático.

Como também é bem conhecido, no final dos anos de 1930 o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) surgiu como grande promotor da profissionalização e da racionalização da administração pública brasileira. Seu idealizador, que seria também quem daria início à Fundação Getulio Vargas (FGV), Luís Simões Lopes, reconhecia a necessidade específica da economia como conhecimento necessário para a administração pública. E ele separava a economia da administração, reconhecendo efetivamente as diferenças. Em entrevista, diz Lopes:

Então, eu comecei a imaginar a criação de uma entidade destinada a melhorar o nível intelectual dos brasileiros no campo das ciências sociais, e com preponderância para a administração pública, privada e outra coisa que está muito ligada à administração, e muito necessária, porque não havia no Brasil, praticamente, a economia (Lopes, 2003LOPES, L. S. Luís Simões Lopes II (depoimento, 1990). Rio de Janeiro: CPDOC, 2003., p. 54, grifo nosso).

Esse mesmo Lopes (2003LOPES, L. S. Luís Simões Lopes II (depoimento, 1990). Rio de Janeiro: CPDOC, 2003., p. 82) afirma que o único economista brasileiro à época da criação da FGV era Eugênio Gudin. Porém, assinala que a escola de economia que existia era “[m]uito desmoralizada” e “uma vaga escola” (escola em que Gudin dava aula).

Esse é um gancho para mostrarmos um primeiro movimento de competição jurisdicional. A produção, a reprodução e a aplicação do conhecimento econômico eram conduzidas principalmente por engenheiros e advogados. A tradição do estudo da economia por formados em direito e em engenharia vinha desde o Império, mas é claro que essa área era acessória - nos termos de Abbott - para essas profissões (Saes; Cytrynowicz, 2000SAES, F. A. M.; CYTRYNOWICZ, R. O ensino de economia e as origens da profissão de economista no Brasil. Lócus: Revista de História, v. 6, n. 1, p. 37-54, 2000.; Klüger, 2017KLÜGER, E. Meritocracia de laços: gênese e reconfigurações do espaço dos economistas no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 851 f, 2017.). Outros personagens importantes eram os diplomatas, cuja especialização em temas econômicos era decorrente de suas vivências práticas em órgãos no exterior ou de formação formal oportunizada justamente pela carreira no estrangeiro (Klüger, 2017, p. 103). Estranhamente, o primeiro curso que conferia o diploma de bacharel em economia, fundado em 1931, não se chamava de ciências econômicas, mas “Administração e Finanças”, e era derivado do antigo ensino comercial (Saes; Cytrynowicz, 2000; Klüger, 2017; Fernández; Suprinyak, 2018SUPRINYAK, C. E.; FERNÁNDEZ, R. G. The “Vanderbilt Boys” and the Modernization of Brazilian Economics. Working Paper n. 2018.1. Center for Latin American Studies. University of Chicago. 2018.).6 6 A primeira escola desse curso relatada na literatura é a Faculdade de Ciências Econômicas da Escola Álvares Penteado (1932) (FCE), seguida da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do Rio de Janeiro (1938) (FACEARJ), depois incorporada à Universidade do Brasil (atual UFRJ) como Faculdade Nacional de Ciências Econômicas (1946) (FNCE). O fato é que essas escolas ainda tinham baixa reputação entre a elite, o que é bastante perceptível, até mesmo mais para a frente no tempo. Por exemplo, Dênio Nogueira, primeiro presidente do Banco Central do Brasil (BCB), e Paulo Lira, que ocupou o mesmo cargo, relatam dificuldades derivadas de não escolherem carreiras como engenharia e direito (Nogueira, 2019; Lira, 2019). Delfim Netto relata que fez economia por dificuldades financeiras para fazer engenharia (Biderman et al., 1996BIDERMAN, C.; COZAC, L. F. L.; REGO, J. M. Conversas com Economistas Brasileiros I. São Paulo: Editora 34, 1996.).7 7 Nogueira formou-se na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do Rio de Janeiro (FCEARJ) (1943), Netto na Universidade de São Paulo (1951) e Lira na Faculdade Nacional de Ciências Econômicas (ingresso em 1951) (DHBB, 2023). As entrevistas de Biderman et al. (1996) utilizadas foram a de Delfim Netto e Edmar Bacha. Estão citadas nas referências como: Biderman et al. (1996).

Se tomarmos, por exemplo, as duas missões estrangeiras de caráter eminentemente econômico que estiveram no Brasil ainda no primeiro governo Vargas, a Missão Cooke (1942) e a Missão Abbink (1948), somadas à Coordenação de Mobilização Econômica da II Guerra Mundial (1942-1945), além da famosa Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU) (1951-1952), repara-se que os brasileiros envolvidos eram predominantemente formados em engenharia e direito. O único nome com curso superior que não tinha graduação em direito ou engenharia é o de Valentim Bouças, empresário que desempenhou várias funções no governo Vargas e que se formou no antigo ensino comercial (DHBB, 2023).8 8 Os nomes dos participantes pesquisados das missões e comissões citadas, assim como suas biografias, foram retirados do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHBB), da FGV. Com sobreposições de nomes, encontra-se o mesmo com a Assessoria Econômica de Vargas, assim como nos órgãos em que estiveram envolvidos dois dos engenheiros pioneiros da discussão econômica mais moderna no Brasil, Roberto Simonsen e Eugênio Gudin: a Comissão de Planejamento Econômico e o Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial.

Alguns nomes de engenheiros estariam presentes em uma longa linha de participação em atividades governamentais ligadas à economia. Por exemplo, Glycon de Paiva foi nome presente desde a antiga Missão Cooke, estando também na Abbink, na CMBEU e na formação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Outro personagem muito presente e pouco citado na literatura é Mario Bittencourt Sampaio, participante da Missão Abbink e, depois, ator central na elaboração do plano Salte do governo Dutra. Irnack Carvalho do Amaral, da mesma forma, foi outro engenheiro presente desde a Missão Abbink até a fundação do BNDE. Em um órgão que no segundo governo de Vargas tinha justamente a função de tornar as decisões mais técnicas, a famosa Assessoria Econômica, ainda podem ser citados os engenheiros Mário da Silva Pinto e Tomás Acióli Borges. Nessa assessoria, porém, chefiada por um advogado mais citado na historiografia, Rômulo de Almeida, aparecem nomes principalmente de formados em direito. Podemos citar os conhecidos Otávio Gouvêa de Bulhões e Ignácio Rangel, e outro personagem que teve múltiplas participações, Cleanto de Paiva Leite. Aparece, também, o nome do advogado San Tiago Dantas, mas esse, conforme o DHBB (2023), desempenhava funções jurídicas na assessoria. Finalmente, na assessoria havia um membro formado em ciências sociais, Jesus Soares Pereira, um personagem bastante interessante, pois também relata que não pôde estudar engenheira por dificuldades financeiras. Ingressou no serviço público sem curso superior, atuando em vários órgãos de natureza econômica como o Conselho Federal de Comércio Exterior (ainda em 1937), como técnico de conjuntura da FGV e, já nos anos de 1960, em estatais, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) (DHBB, 2023).9 9 Jesus Soares Pereira formou-se em ciências sociais em 1945.

Uma história importante aqui, que envolve além do fator cultural da baixa reputação do curso de economia, é a composição dos currículos. Como assinalam Saes e Cytrynowicz (2000SAES, F. A. M.; CYTRYNOWICZ, R. O ensino de economia e as origens da profissão de economista no Brasil. Lócus: Revista de História, v. 6, n. 1, p. 37-54, 2000.) e Klüger (2017KLÜGER, E. Meritocracia de laços: gênese e reconfigurações do espaço dos economistas no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 851 f, 2017.), é preciso notar que o primeiro currículo ainda era muito voltado ao direito, com bastante descaracterização da área. Das 19 disciplinas do curso, 5 eram propriamente de economia, enquanto 6 eram do direito e outras 8 gerais ou ligadas à contabilidade e à administração. Dênio Nogueira relata que o curso da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do Rio de Janeiro (FACEARJ) era fraquíssimo, e que mesmo com Gudin como professor, Keynes e os clássicos não foram objeto de estudo. O primeiro presidente do BCB afirma que só foi aprender economia propriamente nos Estados Unidos, quando foi fazer curso de pós-graduação, enviado pelo serviço público, em 1949 (Nogueira, 2019).10 10 Nogueira esteve na Universidade de Michigan, em Ann Arbor. Outros dois economistas de governo que cursaram o antigo currículo na FACEARJ foram Aldo Franco e Genival Santos, personagens com passagens pelo Banco do Brasil, BCB e FGV, entre outras instituições. Genival é outro personagem que alega o desejo de estudar uma carreira prestigiosa como medicina, o que não foi possível (Klüger, 2017).

Somente em 1945 é que surgiria um currículo em que a economia se diferenciava do direito e da contabilidade. E isso como obra de um engenheiro e um advogado, Gudin e Bulhões. É conhecida a história de que eles foram a Harvard para reelaborar o currículo do curso de economia, que a partir de 1945 passa a ser propriamente denominado ciências econômicas e mais voltado à teoria econômica e aos métodos quantitativos. Aliás, o estabelecimento desse currículo pode ser considerado um episódio de disputa de campo profissional com os advogados. Bulhões, advogado, havia se especializado em economia nos Estados Unidos muito cedo, na American University, em 1939 (Bulhões, 1989). Não é irrazoável admitir que a entrada da teoria econômica mais abstrata e dos métodos quantitativos no currículo de 1945 fez a economia acadêmica pender para o lado dos engenheiros no Brasil. Isso soma-se ao fato de que os advogados já tinham uma enorme e importante reserva de poder político e burocrático no Estado. Assim, talvez para os engenheiros essa entrada via economia era mais importante. Enfim, a economia, com a crescente abstração quantitativa ocorrida no século XX, viria a pender mesmo para os engenheiros.

A competição por diferenciação do campo dos economistas teve início ainda nos anos de 1930, com o estabelecimento das ordens de economistas do Rio de Janeiro e de São Paulo, órgãos que pretendiam proteção legal ao campo profissional. Isso é importante no altamente regulado mercado de trabalho derivado do direito positivo brasileiro (Saes; Cytrynowicz, 2000SAES, F. A. M.; CYTRYNOWICZ, R. O ensino de economia e as origens da profissão de economista no Brasil. Lócus: Revista de História, v. 6, n. 1, p. 37-54, 2000.; Suprinyak; Fernández, 2018SUPRINYAK, C. E.; FERNÁNDEZ, R. G. The “Vanderbilt Boys” and the Modernization of Brazilian Economics. Working Paper n. 2018.1. Center for Latin American Studies. University of Chicago. 2018.). Segundo Saes e Cytrynowicz (2000), havia disputa entre grupos pelo campo da economia, no início entre uma elite formada tradicionalmente em engenharia e direito e os novos formados em economia e contabilidade. Para os dois grupos a preocupação era formar quadros para o governo. Mas, é claro, isso seria mais destacado no Rio de Janeiro, capital federal, do que em São Paulo. Assim, apesar do surgimento da Faculdade de Ciências Econômicas da Escola Álvares Penteado (FCE) em 1932, Saes e Cytrynowicz (2000) notam que o desenvolvimento da economia foi mais rápido no Rio de Janeiro, muito em função da demanda do governo. Djacir Meneses, advogado que ocupou cargos de natureza econômica nos governos federal e do Ceará, sendo professor de economia nas décadas de 1940, 1950 e 1960, afirmava que “[o]s problemas do governo são antes de tudo problemas de ciências” (DHBB, 2023; Saes; Cytrynowicz, 2000, p. 50, 51). Em São Paulo, nos primeiros tempos, a profissão de economista estava mais voltada à iniciativa privada, lidando com problemas contábeis e financeiros.

Apesar da importância das querelas jurisdicionais para o campo mais amplo dos economistas desde os anos de 1930, aqui importa mais a disputa sobre a atuação no governo, ou seja, da economia como ferramenta de poder burocrático. Assim, toma muito importância o fato de que os primeiros economistas brasileiros, a ampla maioria deles, teria sua formação on the job, no Estado, ou por decorrência dessa atuação. Essa tese aparece bem clara na argumentação de Loureiro (1997LOUREIRO, M. R. Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1997.). O DASP, a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) e o Banco do Brasil (BB) foram alguns dos loci de formação dos então economistas brasileiros. Um dos presidentes do BCB, o técnico em administração Elmo Camões, chama em entrevista o BB de “faculdade”, onde aprendeu sobre câmbio, assunto em que se tornou especialista (Camões, 2019, p. 16). Ernani Galvêas, também presidente do BCB, iniciou a carreira no BB, assim como Casimiro Ribeiro, advogado de primeira formação. Entre os nomes que iniciaram suas carreiras ou estiveram no DASP e que participaram dos órgãos, missões e comissões citados estão Cleanto de Paiva Leite, Mário Bittencourt Sampaio, Otolmi Stranch, além de Celso Furtado e Rômulo de Almeida. É interessante citar, também, aqueles que estudaram economia na carreira diplomática, Otávio Dias Carneiro, João Batista Pinheiro e o famoso Roberto Campos.

Por fim, comentemos a formação no exterior, processo concomitante à formação on the job. Entre os diplomatas, a oportunidade de estudar no exterior surgia em função de sua lotação no estrangeiro. Dias Carneiro, por exemplo, cursou o mestrado na Universidade George Washington quando lotado em Washington. Depois, torna-se possivelmente um dos primeiros doutores em economia do Brasil, após Furtado, cursando o doutorado no MIT (1951) (Klüger, 2017KLÜGER, E. Meritocracia de laços: gênese e reconfigurações do espaço dos economistas no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 851 f, 2017.).11 11 Klüger (2017) considera Dias Carneiro como o primeiro doutor em economia brasileiro, o que não é verdadeiro. O primeiro foi Celso Furtado (1948), como posto por Boianovsky (2023). Já Batista concluiu o mestrado em Berkeley, em 1948. Os outros servidores públicos tiveram oportunidade derivada do fato de que chefias como Simões Lopes e o economista autodidata Herculano Borges da Fonseca (advogado), um dos fundadores da SUMOC, entenderam que uma formação mais sofisticada era necessária (Lopes, 2003; Klüger, 2017). Furtado (em Sorbonne), Casimiro Ribeiro (na London School of Economics), Dênio Nogueira (em Michigan), Paulo Lira (em Harvard) e Ernani Galvêas (em Yale e em Madison) são alguns dos exemplos importantes dessa primeira fase de aprendizado como consequência do serviço público (Ribeiro, 1989; Nogueira, 2019; Lira, 2019; Galvêas, 2019; Boianovsky, 2023BOIANOVSKY, M. Contributions to Economics from the “Periphery” in Historical Perspective: the case of Brazil after mid-20th century. In: BIELSCHOWSKY, R.; BOIANOVSKY, M.; COUTINHO, M. C. (Ed.). A history of Brazilian economic thought: From colonial times through the early 21st century. Oxon, New York: Routledge, 2023.; DHBB, 2023).

3.2 A academia brasileira, seus laços internacionais e a sofisticação do campo dos economistas

Se no momento anterior se deu destaque ao papel do Estado brasileiro como origem e lócus do conhecimento econômico, agora a atenção se volta para os primeiros movimentos de consolidação do campo profissional em definitivo. Como nos diz Abbott, parte fundamental do domínio de uma área de atuação por uma profissão está no estabelecimento de sua academia, de seu sistema de inferência, da constituição de sistemas de abstração e das limitações aos não treinados, sejam essas limitações legais ou em função da complexidade do conhecimento e, é claro, da subjetivação dos problemas através desse conhecimento.

Era bastante conhecido o nível incipiente da academia brasileira em economia. Mesmo profissionais que se formaram em economia nos anos de 1960 continuaram relatando o baixo prestígio social do curso e o fato de que os cursos não eram bons. Dionísio Dias Carneiro nota que todos os seus colegas de escola optaram por engenharia (Carneiro Netto, 2003). Edmar Bacha e Francisco Lopes também refletem sobre a escolha de economia e a baixa reputação do curso (Biderman et al., 1996BIDERMAN, C.; COZAC, L. F. L.; REGO, J. M. Conversas com Economistas Brasileiros I. São Paulo: Editora 34, 1996.; Klüger, 2017KLÜGER, E. Meritocracia de laços: gênese e reconfigurações do espaço dos economistas no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 851 f, 2017.; Lopes, 2019). Carlos Langoni, formado em economia, vai mais longe e vaticina: “Economista era quem não passava para engenharia...” (Langoni, 2019, p. 20). Lopes (2019, p. 21), por exemplo, chama o curso da UFRJ de “muito irregular”.12 12 Francisco Lopes é filho de um dos “economistas” formados em engenharia do período anterior, Lucas Lopes, ministro da Fazenda e personagem importante do governo de Juscelino Kubistchek. Bacha, Langoni, Carneiro e Lopes terminaram suas graduações em 1963, 1966, 1967 e 1967, respectivamente. Carneiro, Langoni e Lopes estudaram na UFRJ e Bacha na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (DHBB, 2023). Carlos Lessa, formado em 1959, relata que no seu curso não havia referência nem a Keynes (Klüger, 2017). Manoel Orlando Ferreira, economista do Conselho Nacional de Economia (CNE), dizia, em 1966FERREIRA, M. O. A formação do economista no Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 20, n. 4, 1966.:

[...] a maioria das escolas, ainda as que detêm recursos abundantes procedentes do Estado, não têm condições didáticas para ministrar o ensino, por isso que desconhecem inteiramente os requisitos adequados à formação do economista além de não contarem com um corpo docente eficiente, tanto no que concerne ao conhecimento específico da matéria a lecionar, como no que diz ao regime escolar a ser cumprido (Ferreira, 1966FERREIRA, M. O. A formação do economista no Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 20, n. 4, 1966., p. 35).

Contudo, nessa época, apesar do baixo prestígio, havia já uma comunidade de economistas preocupados em aumentar o prestígio da profissão e zelosos com o fato de que a economia era mesmo ciência necessária no Brasil. Os movimentos aqui guardam uma particularidade de interesse: eles são possibilitados, quando não mesmo provocados por organizações estrangeiras, fundações privadas e órgãos de governo norte-americanos. Com muita importância nesse processo, citemos a United States Agency for International Development e as fundações Rockefeller, Ford e Fullbright. Assim, a economia brasileira vai constituir sua academia mais sofisticada não só como reflexo, mas, pode-se dizer como projeto possibilitado e, por vezes, conduzido pelo exterior. Os economistas brasileiros, ainda que muitos não formalmente graduados em economia, percebem que havia a necessidade de se sofisticar a ciência econômica no Brasil para que a profissão tivesse mais prestígio e se firmasse como capacidade analítica indispensável ao Estado. Em 1966, a exposição de João Paulo dos Reis Velloso no famoso encontro de Itaipava é inteiramente nessa direção (Velloso, 1966VELLOSO, J. P. R. Treinamento informal em economia e eficiência do Setor Governo. Revista Brasileira de Economia, v. 20, n. 4, 1966.).13 13 Tratamos logo adiante do encontro de Itaipava de 1966.

Entre os economistas importantes nesse segundo momento está justamente Reis Velloso, fundador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (atual IPEA, antes EPEA) e ministro na ditadura. Nascido em 1931, ele é um dos personagens mais velhos que iriam se formar no que foi característico dessa fase. Formado em economia no ano de 1960, estudou principalmente na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), antiga Universidade do Estado da Guanabara (UEG). Reis Velloso seria um dos primeiros a frequentar cursos de aperfeiçoamento para economistas, ministrados pelo CNE e pela FGV - o então chamado Centro de Aperfeiçoamento de Economistas (CAE), fundado em 1960. Em função da má formação em nível de graduação, o primeiro tinha como função dar ao aluno “o mínimo que ele precisava saber como profissional”, enquanto no CAE preparavam-se os economistas para cursar pós-graduação no exterior. Reis Velloso, depois de passar pelo curso do CAE, ganha uma bolsa para estudar mestrado na Universidade Yale, nos Estados Unidos (Klüger, 2017KLÜGER, E. Meritocracia de laços: gênese e reconfigurações do espaço dos economistas no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 851 f, 2017.; DHBB, 2023). E esse tipo de carreira seria seguido por vários economistas desse tempo que se tornariam importantes na administração pública e na formação das escolas de pós-graduação que surgiriam.

Entre os economistas que seguiram esse padrão de educação estão os já citados Edmar Bacha e Dionísio Dias Carneiro, além de Flávio Versiani, Cláudio de Moura e Castro, Alkimar Moura e Clóvis Calvalcanti (Klüger, 2017KLÜGER, E. Meritocracia de laços: gênese e reconfigurações do espaço dos economistas no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 851 f, 2017.). Francisco Lopes fez já o mestrado na FGV (Lopes, 2019LOPES, F. L. P. Francisco Lopes (entrevista). Brasília: Banco Central do Brasil, 2019.). Na formação de praticamente todos eles a figura marcante foi a do economista Mário Henrique Simonsen, outro engenheiro que estudou economia como especialização e, depois, já quando era professor, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).14 14 Formou-se engenheiro em 1957, fez especialização em engenharia econômica, graduando-se logo depois em economia também pela UFRJ entre 1960 e 1963 (DHBB, 2023). Outros cursos foram importantes nesse início, antes da abertura das primeiras pós-graduações. Eram eles o Centro de Treinamento para o Desenvolvimento Econômico e Social (Cendec) (1966), dirigido por um servidor de então EPEA, Og Leme; e, é claro, o Instituto de Pesquisas Econômicas (IPE) da Universidade de São Paulo (USP) (1962). Os cursos promovidos nessa época pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) também foram importantes.15 15 Neste artigo desejamos dar ênfase às instituições brasileiras. Um exemplo saído do Cendec foi Carlos Langoni, enviado para doutorado na Universidade de Chicago, que era o contato institucional norte-americano de Og Leme.

Foram fundamentais na formação e na admissão desses economistas brasileiros no exterior, entre outros, principalmente dois nomes: Albert Fishlow e Werner Baer, respectivamente ligados às universidades de Berkeley e Vanderbilt. Aliás, como nos mostram Suprinyak e Fernández (2018SUPRINYAK, C. E.; FERNÁNDEZ, R. G. The “Vanderbilt Boys” and the Modernization of Brazilian Economics. Working Paper n. 2018.1. Center for Latin American Studies. University of Chicago. 2018.), essa última universidade teve muita importância nesse padrão de formação. Segundo eles, entre 1966 e 1970, ao menos 50 estudantes foram mandados para Vanderbilt para estudos de pós-graduação. Os alunos de Vanderbilt se espalharam por centros de formação de economistas em várias cidades, como Fortaleza, Recife, Belo Horizonte, Curitiba, Brasília e São Paulo. Um personagem interessante entre os Vanderbilts Boys, como chamam Suprinyak e Fernández (2018), foi Charles Müller. Formado em economia na USP, cursou o doutorado em Vanderbilt, em 1974. Teve ampla atuação como professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), da Universidade de Brasília (UnB), além de ser presidente do IBGE.

Além da formação desses economistas através desses cursos de aperfeiçoamento e seu envio para o exterior, um grupo de professores e economistas de vários lugares do país se reuniram no famoso encontro de Itaipava, em 1966. Esse encontro teve como objetivo discutir o estado do ensino de economia no país e, como conclusão, ações para modernizá-lo. Entre as ações implementadas, a partir de então, esteve a criação de centros de pós-graduação, com currículos e critérios de seleção padronizados, com referência a instituições de ensino, pesquisa e disseminação do conhecimento de matiz norte-americano, como a American Economic Association. Cria-se a ANPEC, em 1973, fazendo surgir um novo espaço para conferências acadêmicas no país, e, principalmente, para a constituição de redes de relacionamentos nacionais e internacionais que permitiram parcerias no campo da pesquisa e o financiamento de doutoramentos de estudantes brasileiros no exterior, buscando a alocação posterior desse pessoal em instituições brasileiras (Haddad, 1981HADDAD, P. R. Brazil: economists in a bureaucratic-authoritarian system. History of Political Economy, v. 13, n. 3, p. 656-680, 1981.; Loureiro, 1997LOUREIRO, M. R. Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1997.; Klüger, 2017KLÜGER, E. Meritocracia de laços: gênese e reconfigurações do espaço dos economistas no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 851 f, 2017.; Fernández; Suprinyak, 2018SUPRINYAK, C. E.; FERNÁNDEZ, R. G. The “Vanderbilt Boys” and the Modernization of Brazilian Economics. Working Paper n. 2018.1. Center for Latin American Studies. University of Chicago. 2018.).16 16 Em 1965 seria estabelecida a diferenciação, no sistema de ensino nacional, entre os cursos de pós-graduação nos níveis de mestrado e doutorado de cursos de especialização voltados para a formação profissional complementar (Fernández; Suprinyak, 2018).

No que diz respeito à formação de programas de pós-graduação, a estratégia inicial, focalizada na criação de um número restrito de “centros de excelência” em localidades que eram centros políticos e econômicos, como os casos do IPE da USP e da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE-FGV), foi remodelada diante da percepção da heterogeneidade regional brasileira. O consequente redirecionamento de recursos associados resultaria na construção de programas fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, como nos casos do Centro de Aperfeiçoamento de Economistas do Nordeste, na Universidade Federal do Ceará (CAEN-UFC), do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Pernambuco (PIMES-UFPE), do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (CEDEPLAR-UFMG) e do Núcleo de Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA-UFPA) (Klüger, 2017KLÜGER, E. Meritocracia de laços: gênese e reconfigurações do espaço dos economistas no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 851 f, 2017.; Fernández; Suprinyak, 2018SUPRINYAK, C. E.; FERNÁNDEZ, R. G. The “Vanderbilt Boys” and the Modernization of Brazilian Economics. Working Paper n. 2018.1. Center for Latin American Studies. University of Chicago. 2018.). Vários economistas citados aqui também formariam a “Cambridge do Planalto”, o Departamento de Economia da UnB, liderados por Bacha (Suprinyak; Fernández, 2015).

Embora na década de 1970 as pós-graduações ainda estivessem se consolidando, é possível dizer que o Brasil tinha uma comunidade mais ampliada de economistas que estudava as grandes questões da área nos melhores centros internacionais e que, na medida do possível, transmitia esses conhecimentos no país. A academia se consolidava e, nos termos de Abbott, podemos dizer que a abstração, o treinamento e o pertencimento à comunidade passam a ser requisitos para se discutir temas econômicos no Brasil. E essa academia se formava através do transplante dos padrões profissionais americanos. Os problemas econômicos passam a ser interpretados em um sistema de diagnóstico, inferência (bastante abstrata) e tratamento próprio dos economistas. Os problemas objetivos, com a ascensão da economia brasileira à sofisticação internacional, ainda que em alguma medida, são absorvidos pelo grupo profissional e retrabalhados nos termos da ciência econômica internacional, promovendo uma restrição da oferta dos profissionais gabaritados para lidar com determinados problemas. Isso ocorria mesmo que essa restrição de oferta nunca tenha chegado ao grau da proteção legal, como a de profissionais como médicos, advogados e engenheiros. A próxima seção, demonstrando o equilíbrio da trajetória desse grupo profissional, mostra como dois problemas foram, então, monopolizados pelos economistas brasileiros.

3.3 A especialização, o equilíbrio e a monopolização de assuntos nacionais: desigualdade e inflação

Nesse terceiro movimento, mostramos exemplos de discussões que foram monopolizadas por economistas, que conferiam a elas ou um caráter eminentemente técnico, sob demanda do governo e já com legitimação para que os economistas fossem entendidos como especialistas no assunto, ou com evidente sofisticação que tornava muito difícil o acesso de outros profissionais no nível em que a discussão ocorria. Dois aspectos merecem ser mencionados. Primeiro, a ciência econômica experimenta uma grande sofisticação dos métodos matemáticos e estatísticos empregados em seu exercício, principalmente a partir de meados do século passado. Isso, de acordo com a teoria de Abbott, torna esse ramo de trabalho cada vez mais inacessível para os leigos. Em segundo lugar, nesse movimento já há a participação de personagens que fizeram parte do movimento anterior, estudando no exterior e voltando para a academia e para o serviço público brasileiro. A discussão é bem mais sofisticada, em especial, por exemplo, se comparada com debates como o que envolveu Roberto Simonsen e Gudin nos anos de 1940.

A “controvérsia” da distribuição de renda, ocorrida na década de 1970, é considerada a mais relevante de todo o período militar (Andrada; Boianovsky, 2020BOIANOVSKY, M. The Brazilian Connection in Milton Friedman’s 1967 Presidential Address and 1976 Nobel Lecture. History of Political Economy, v. 52, n. 2, p. 367-396, 2020.; Boianovsky, 2021). As manifestações críticas ao próprio regime, em geral, e às suas políticas econômicas, em particular, contaram com a participação de pesquisadores norte-americanos e britânicos, de organizações internacionais e, ainda, da comunidade de economistas brasileiros formados nos recentes programas de pós-graduação nacionais ou daqueles que obtiveram as suas titulações em universidades estrangeiras. Os estudos de Albert Fishlow, Rodolfo Hoffmann e João Duarte, por exemplo, entre os mais conhecidos, vinculariam o aumento da desigualdade às políticas de compressão salarial e aos estímulos fiscais dados a projetos capital-intensivos e de bens de consumo duráveis. Em resposta a esse movimento, e com o fim de fornecer justificativa científica para a sustentação do regime, o alto escalão da tecnocracia federal foi envolvido no debate. Nesse espaço estiveram Delfim Netto, Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen. Mas personagem que merece destaque é Carlos Langoni. Langoni foi convidado a apresentar um comentário sobre o trabalho de Fishlow e, posteriormente, a conduzir uma pesquisa sobre o tópico com financiamento do então Ministério da Fazenda.17 17 Carlos Langoni foi relevante na estruturação dos programas de pós-graduação da USP e da EPGE-FGV, aos “moldes das universidades norte-americanas, evidentemente, com muita influência de Chicago” (Langoni, 2019, p. 74). Como o próprio afirmaria, “[o] governo percebeu que era necessário haver um contra-ataque acadêmico [...]”(Langoni, 2019, p. 52, grifo nosso). O economista viria a acreditar possuir o melhor argumento ao “demonstrar econometricamente que o aumento da desigualdade era resultante de efeitos de mercado diante dos níveis de crescimento econômico sob escassez de mão de obra qualificada” (Boianovsky, 2021, p. 15, grifo nosso).

Na própria atenção internacional obtida pela questão, de pesquisadores vinculados ao Banco Mundial, vê-se reconhecido o prestígio associado ao sofisticado embasamento empírico das pesquisas apresentadas no Brasil.18 18 É digna de nota a realização de Censos Demográficos, nos anos de 1960 e 1970, pelo governo militar. É a partir dos dados econômicos e sociais ali presentes que Albert Fishlow, Carlos Langoni, Edmar Bacha, João Duarte, Pedro Malan, Rodolfo Hoffmann, entre outros nomes relevantes, fariam suas análises sobre a desigualdade de renda do período. Na arena nacional, por seu turno, essa sofisticação permitia que os economistas fossem percebidos como respeitáveis tecnocratas, isto é, pessoas que não estavam diretamente desafiando a legitimidade do regime ditatorial, mas lidando com procedimentos econométricos instrumentais e medidas técnicas, como índice de Gini, curva de Lorenz etc. (Boianovsky, 2020BOIANOVSKY, M. The Brazilian Connection in Milton Friedman’s 1967 Presidential Address and 1976 Nobel Lecture. History of Political Economy, v. 52, n. 2, p. 367-396, 2020., p. 78). Adicionalmente, as restrições à livre circulação de ideias no regime militar, em conjunto com o limitado poder de interferência de grupos externos ao governo, transformaram a discussão, nas palavras de Boianovsky (2020, p. 77), em um “debate privado entre especialistas em economia”.

Tão ou mais sofisticado do que o debate sobre distribuição de renda, foi aquele associado às origens, consequências e soluções - diagnóstico, inferência e tratamento - para o controle da inflação, desde a proposição da interpretação inercial até os modelos baseados no chamado novo consenso macroeconômico. Como exposto pela tese de Carvalho (2015CARVALHO, A. R. D. The conceptual evolution of inflation inertia in Brazil. Tese (Doutorado em Economia) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 239 f, 2015.), as origens dos estudos sobre indexação e a possibilidade de esta se traduzir em descontrole inflacionário se encontram no período posterior à II Guerra Mundial. Por um lado, as análises sobre crescimento e distribuição conduzidos por economistas como Nicholas Kaldor e Michal Kalecki influenciariam a leitura cepalina da inflação estrutural latino-americana. Por outro, Milton Friedman lideraria os monetaristas na crítica à confiança keynesiana no uso de políticas econômicas, com destaque para a política fiscal, para alcançar o pleno emprego.19 19 Sobre Friedman, o trabalho de Boianovsky (2020) narra como o economista utilizou a experiência inflacionária brasileira, bem como as políticas de estabilização do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), para fundamentar a hipótese de taxa natural de desemprego em sua versão aceleracionista, em um contexto de ausência de evidências empíricas no mundo industrializado. A relação de Friedman com outros economistas da Universidade de Chicago, conhecedores da realidade econômica da América Latina, e sua visita ao Brasil, em 1973, exemplifica a já mencionada construção de redes e comunidades internacionais dentro do campo dos economistas (Boianovsky, 2020, p. 370, 371). Em relação ao contexto brasileiro, a partir dos anos de 1980, a despeito de diferentes interpretações do “paradigma da inflação inercial”, a atenção dada aos tópicos de conflito distributivo e de fenômenos históricos e sociais é, gradualmente, redirecionada ao estudo dos mecanismos de propagação da inflação, com base em fundamentos matemáticos e estatísticos bastante complexos (Carvalho, 2015).

Nesse espaço, os economistas vinculados a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) obtiveram notoriedade, entre os quais, André Lara Resende, Armínio Fraga, Edmar Bacha, Francisco Lopes, Gustavo Franco, Pedro Malan e Pérsio Arida. Pode-se também fazer menção a pesquisadores como Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano, vinculados à Escola de Administração de Empresas da FGV de São Paulo. A menção a esses especialistas é feita para apontar que esse campo profissional dominou posições relevantes do governo, com esses personagens ocupando cargos de diretores, secretários, ministros ou presidentes de órgãos como IBGE, IPEA, BNDES, BCB, além de ministérios (Planejamento e Fazenda). Mais importante, eles foram responsáveis pela implementação das políticas monetárias do país, o Plano Cruzado, os “choques heterodoxos”, as políticas mais ortodoxas e tradicionais e a construção do Plano Real.

Embora não se tenha a pretensão de apresentar as especificidades dos modelos que ampararam essas políticas, cabe mencionar a história de insucesso dos primeiros planos, em conjunto com o desenvolvimento e a difusão da mencionada nova síntese macroeconômica, bem-sucedida na tarefa de fornecer consistência empírica e metodológica à vertente da macroeconomia pautada em fundamentos microeconômicos. O conjunto de políticas exitosas no combate à problemática inflacionária brasileira, bem como aquelas que vieram como complemento, como, mais tarde, o regime de metas para inflação, estiveram em sintonia com esse novo consenso. Em síntese, para o controle dos preços, a abordagem enfatizaria a estabilidade fiscal, em conjunto com a coordenação de expectativas via política monetária no período pós-reformas, e relegaria o possível componente inercial da inflação a uma posição de menor destaque na discussão teórica e aplicada (Carvalho, 2015CARVALHO, A. R. D. The conceptual evolution of inflation inertia in Brazil. Tese (Doutorado em Economia) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 239 f, 2015.).

Aqui, se observam alguns aspectos importantes da sociologia de Abbott. Fica claro nessas discussões que existem problemas eminentemente econômicos, os quais estabelecem debates internos à profissão sobre diagnóstico e tratamento. Mais ainda, e isso diferencia em termos de grau esse último período dos anteriores: há uma inferência complexa e nesse momento definitivamente ligada aos desenvolvimentos nos grandes centros acadêmicos do exterior. A competição jurisdicional se apaga para dar lugar ao que Abbott chama de equilíbrio. Para discutir os problemas citados, há a necessidade de conhecimento econômico avançado, obtido principalmente em nível de pós-graduação. O grau de abstração e especialidade vai se igualando ao nível internacional de excelência. É claro que isso ainda não acontecia em todas as discussões, mas ocorre nos debates sobre desigualdade e inflação narrados aqui. O Brasil passa a ter uma sofisticada rede de economistas, com formação, debates, fóruns, associações e com ligação à academia internacional. Embora, é claro, isso ainda hoje está longe de ser uniforme no território e nos órgãos públicos em geral. Mas, torna-se visível a obtenção de equilíbrio de uma jurisdição relativamente bem estabelecida dos economistas no Brasil.

4 Considerações finais

Este artigo buscou aplicar um modelo baseado na sociologia do sistema das profissões de Abbott para interpretar a construção do campo dos economistas no governo brasileiro. O conceito de capacidade estatal analítica também foi mobilizado, principalmente para mostrar o conhecimento dos economistas como tecnologia de poder político e burocrático. A partir do distúrbio da formação do Estado burocrático-racional a partir dos anos de 1930, a profissão de economista ganha impulso e vai construir sua jurisdição a partir da substituição da economia como campo acessório de advogados e engenheiros. Três movimentos são analisados. A formação dos primeiros “economistas” on the job em órgãos e instituições públicas, além da formação no exterior como consequência da atuação no governo. Depois, surge um padrão de sofisticação da profissão. Primeiro a partir de cursos de aperfeiçoamento, alguns com clara motivação de enviar profissionais para estudos de pós-graduação no exterior. A participação do governo e de instituições americanas é crucial, estabelecendo a academia brasileira como campo não só reflexo, mas, de certa forma, construída a partir do exterior. O encontro de Itaipava e a constituição da ANPEC e das pós-graduações são partes fundamentais desse processo. Já com a economia mais sofisticada, os economistas não só ganham prestígio, um problema nas primeiras fases, mas também constituem um campo sofisticado em que determinadas discussões passam a ser monopolizadas pelo grupo profissional. Isso como consequência da abstração do conhecimento e da constituição da academia em economia. Atinge-se aquilo que Abbott chama de equilíbrio, com discussões de problemas públicos sendo feitas inteiramente dentro da comunidade profissional dos economistas.

Algumas limitações deste trabalho precisam ser ressaltadas. Primeiro, procuramos não tratar tanto a história já bastante presente na historiografia sobre o desenvolvimentismo e o estruturalismo latino-americanos. Certamente isso precisa ser objeto de trabalho utilizando o mesmo modelo interpretativo. Segundo, aqui buscamos uma aplicação mais geral, cobrindo um período mais longo, para uma visão global da formação do campo dos economistas no Brasil e no governo. Trabalhos posteriores devem explorar a presença dos economistas em órgãos, episódios e discussões específicas, além de trabalhar a questão de sua presença no setor privado. Outro tema a ser explorado com o modelo é a força e os limites da jurisdição dos economistas no Brasil nas últimas duas ou três décadas.

Agradecimentos

Nossos sinceros agradecimentos à professora dra. Danielle Guizzo e aos professores drs. Eduardo Angeli, Ivan Salomão e Rodrigo Horochovski, pelo suporte e pelos preciosos comentários em versões anteriores deste trabalho. Também gostaríamos de agradecer aos pareceristas da revista Nova Economia, cujas contribuições levaram à formatação final do texto. Qualquer erro remanescente é de exclusiva responsabilidade dos autores. Por fim, gostaríamos de agradecer à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) o suporte financeiro.

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  • Códigos JEL:

    A11, B20, B40
  • JEL Codes:

    A11, B20, B40
  • 1
    Uma revisão exaustiva do modo como o conceito de capacidades estatais surgiu, tem sido definido, mensurado e aplicado, pode ser encontrada nos trabalhos de Jessop (2001JESSOP, B. Bringing the state back in (yet again): reviews, revisions, rejections, and redirections. International Review of Sociology, v. 11, n. 2, p. 149-173, 2001.), Addison (2009ADDISON, H. J. Is administrative capacity a useful concept? Review of the application, meaning and observation of administrative capacity in political science literature. LSE Research Paper, p. 1-21, 2009.) e Cingolani (2013CINGOLANI, L. The state of state capacity: A review of concepts, evidence and measures. UNU-Merit Working Paper Series n. 53, Maastricht: Maastricht University, 2013.). Para a literatura latino-americana e brasileira, veja-se Gomide (2016GOMIDE, A. A. Capacidades estatais para políticas públicas em países emergentes: (des)vantagens comparativas do Brasil. In: GOMIDE, A. A.; BOSCHI, R. R. (Org.). Capacidades estatais em países emergentes: o Brasil em perspectiva comparada. Brasília: IPEA, 2016.), Gomide et al. (2018), Aguiar e Lima (2019AGUIAR, R. B. D.; LIMA, L. L. Capacidade estatal: definições, dimensões e mensuração. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, n. 89, p. 1-28, 2019.) e Souza e Fontanelli (2020SOUZA, C.; FONTANELLI, F. Capacidade estatal e burocrática: sobre conceitos, dimensões e medidas. In: MELLO, J.; RIBEIRO, V. M.; LOTTA, G. S.; BONAMINO, A; CARVALHO, C. P. (Org.). Implementação de políticas e atuação de gestores públicos: experiências recentes das políticas de redução das desigualdades. Brasília: IPEA, 2020.).
  • 2
    Um estudo recente publicado em periódico bastante conceituado é Koga et al. (2023KOGA, N. M.; PALOTTI, P. L. M.; PONTES, P. A. M. M.; COUTO, B. G. C.; SOARES, M. L. V. Analytical capacity as a critical condition for responding to Covid-19 in Brazil. Policy and Society, v. 42, n. 1, p. 117-130, 2023.), em que os autores analisam as capacidades analíticas brasileiras na gestão da crise da pandemia do coronavírus.
  • 3
    Pode-se dizer que novas exigências e a maior complexidade do arranjo estatal nas sociedades industriais se refletiram na necessidade de profissionais com qualificações específicas para a implementação de programas sociais e econômicos de intervenção, isso a despeito da variedade de regimes políticos e da não uniformidade desse processo em diferentes lugares (Coats, 1981aCOATS, A. W. Introduction to special issue “Economists in government”. History of Political Economy, v. 13, n. 3, p. 341-364, 1981a.; 1981b). Sobre esse assunto, pode-se citar a edição especial do History of Political Economy (HOPE), de 1981, intitulada Economists in government.
  • 4
    Esse movimento, por vezes sintetizado em torno do conceito de “imperialismo econômico” (Lazear, 2000LAZEAR, E. P. Economic imperialism. The Quarterly Journal of Economics, v. 115, n. 1, p. 99-146, 2000.; Fine, 2002FINE, B. Economic Imperialism: a view from the periphery. Review of Radical Political Economics, v. 34, n. 2, p. 187-201, 2002.), simboliza a busca por prerrogativas exclusivas de ação, pelos economistas, na quase totalidade do espaço e debate público. Mensurado por Fourcarde et al. (2015) e Angrist et al. (2017ANGRIST, J.; AZOULAY, P.; ELLISON, G.; HILL, R.; LU, S. Inside job or deep impact? Using extramural citations to assess economic scholarship. NBER Working Papers n. 23.698, 2017.), o conceito permite observar que áreas como a administração pública e a ciência política, por exemplo, têm adotado métodos e critérios que eram predominantemente econômicos para discutir questões como política internacional e políticas públicas.
  • 5
    Por exemplo, Versiani (2023VERSIANI, F. R. Industrial development and government protection: issues and controversies, circa 1840-1930. In: BIELSCHOWSKY, R.; BOIANOVSKY, M.; COUTINHO, M. C. A history of Brazilian economic thought: from colonial times through the early 21st century. Oxon, New York: Routledge, 2023.) nota como no século XIX e início do XX, apesar da argumentação econômica baseada principalmente nos clássicos, o debate sobre industrialização acabava por ser decidido mais pelo lobby dos grupos de interesse do que por razões que poderiam ser tomadas como técnicas. Diz Versiani (2023, p. 149) que as referências aos autores estrangeiros eram superficiais e constituíam mais práticas “retóricas”. Pode-se dizer que o problema da indústria ainda não estava subjetivado nos termos do que viria a ser o campo profissional dos economistas.
  • 6
    A primeira escola desse curso relatada na literatura é a Faculdade de Ciências Econômicas da Escola Álvares Penteado (1932) (FCE), seguida da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do Rio de Janeiro (1938) (FACEARJ), depois incorporada à Universidade do Brasil (atual UFRJ) como Faculdade Nacional de Ciências Econômicas (1946) (FNCE).
  • 7
    Nogueira formou-se na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do Rio de Janeiro (FCEARJ) (1943), Netto na Universidade de São Paulo (1951) e Lira na Faculdade Nacional de Ciências Econômicas (ingresso em 1951) (DHBB, 2023). As entrevistas de Biderman et al. (1996BIDERMAN, C.; COZAC, L. F. L.; REGO, J. M. Conversas com Economistas Brasileiros I. São Paulo: Editora 34, 1996.) utilizadas foram a de Delfim Netto e Edmar Bacha. Estão citadas nas referências como: Biderman et al. (1996).
  • 8
    Os nomes dos participantes pesquisados das missões e comissões citadas, assim como suas biografias, foram retirados do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHBB), da FGV.
  • 9
    Jesus Soares Pereira formou-se em ciências sociais em 1945.
  • 10
    Nogueira esteve na Universidade de Michigan, em Ann Arbor. Outros dois economistas de governo que cursaram o antigo currículo na FACEARJ foram Aldo Franco e Genival Santos, personagens com passagens pelo Banco do Brasil, BCB e FGV, entre outras instituições. Genival é outro personagem que alega o desejo de estudar uma carreira prestigiosa como medicina, o que não foi possível (Klüger, 2017KLÜGER, E. Meritocracia de laços: gênese e reconfigurações do espaço dos economistas no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 851 f, 2017.).
  • 11
    Klüger (2017KLÜGER, E. Meritocracia de laços: gênese e reconfigurações do espaço dos economistas no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 851 f, 2017.) considera Dias Carneiro como o primeiro doutor em economia brasileiro, o que não é verdadeiro. O primeiro foi Celso Furtado (1948), como posto por Boianovsky (2023BOIANOVSKY, M. Contributions to Economics from the “Periphery” in Historical Perspective: the case of Brazil after mid-20th century. In: BIELSCHOWSKY, R.; BOIANOVSKY, M.; COUTINHO, M. C. (Ed.). A history of Brazilian economic thought: From colonial times through the early 21st century. Oxon, New York: Routledge, 2023.).
  • 12
    Francisco Lopes é filho de um dos “economistas” formados em engenharia do período anterior, Lucas Lopes, ministro da Fazenda e personagem importante do governo de Juscelino Kubistchek. Bacha, Langoni, Carneiro e Lopes terminaram suas graduações em 1963, 1966, 1967 e 1967, respectivamente. Carneiro, Langoni e Lopes estudaram na UFRJ e Bacha na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (DHBB, 2023).
  • 13
    Tratamos logo adiante do encontro de Itaipava de 1966.
  • 14
    Formou-se engenheiro em 1957, fez especialização em engenharia econômica, graduando-se logo depois em economia também pela UFRJ entre 1960 e 1963 (DHBB, 2023).
  • 15
    Neste artigo desejamos dar ênfase às instituições brasileiras.
  • 16
    Em 1965 seria estabelecida a diferenciação, no sistema de ensino nacional, entre os cursos de pós-graduação nos níveis de mestrado e doutorado de cursos de especialização voltados para a formação profissional complementar (Fernández; Suprinyak, 2018SUPRINYAK, C. E.; FERNÁNDEZ, R. G. The “Vanderbilt Boys” and the Modernization of Brazilian Economics. Working Paper n. 2018.1. Center for Latin American Studies. University of Chicago. 2018.).
  • 17
    Carlos Langoni foi relevante na estruturação dos programas de pós-graduação da USP e da EPGE-FGV, aos “moldes das universidades norte-americanas, evidentemente, com muita influência de Chicago” (Langoni, 2019, p. 74).
  • 18
    É digna de nota a realização de Censos Demográficos, nos anos de 1960 e 1970, pelo governo militar. É a partir dos dados econômicos e sociais ali presentes que Albert Fishlow, Carlos Langoni, Edmar Bacha, João Duarte, Pedro Malan, Rodolfo Hoffmann, entre outros nomes relevantes, fariam suas análises sobre a desigualdade de renda do período.
  • 19
    Sobre Friedman, o trabalho de Boianovsky (2020BOIANOVSKY, M. The Brazilian Connection in Milton Friedman’s 1967 Presidential Address and 1976 Nobel Lecture. History of Political Economy, v. 52, n. 2, p. 367-396, 2020.) narra como o economista utilizou a experiência inflacionária brasileira, bem como as políticas de estabilização do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), para fundamentar a hipótese de taxa natural de desemprego em sua versão aceleracionista, em um contexto de ausência de evidências empíricas no mundo industrializado. A relação de Friedman com outros economistas da Universidade de Chicago, conhecedores da realidade econômica da América Latina, e sua visita ao Brasil, em 1973, exemplifica a já mencionada construção de redes e comunidades internacionais dentro do campo dos economistas (Boianovsky, 2020, p. 370, 371).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2022
  • Aceito
    04 Maio 2023
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